COMARCA DE PORTO ALEGRE
1ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL
Rua Manoelito de Ornellas, 50
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Processo nº:
Natureza:
Autor:
Réu:
001/1.13.0076624-8 (CNJ:.0086428-69.2013.8.21.0001)
Ordinária - Outros
Carlos Henrique Cogo
Cerchiaro Viagens e Turismo Ltda
CVC Brasil Operadora e Agencia de Viagens S/A
Juiz Prolator:
Data:
Juíza de Direito - Dra. Fernanda Ajnhorn
09/01/2015
CARLOS HENRIQUE COGO, qualificado nos autos, propôs
ação indenizatória contra CERCHIARO VIAGENS E TURISMO LTDA. E CVC
BRASIL OPERADORA E AGÊNCIA DE VIAGENS S/A, também qualificada,
alegando,em síntese, que, no dia 06/09/2012, firmou contrato de prestação de
serviços com a primeira ré, que tinha como objeto uma viagem para Cancun de 12
dias com sua esposa. Aduz ter pago a quantia R$ 16.178,65 pelo contrato firmado,
que incluía passagens aéreas, translado e hospedagem. Afirma que, ao chegar no
hotel reservado pela empresa demandada, foi surpreendido com a péssima
qualidade do mesmo. Sustenta, ainda, que em Cancun, cada hotel tem uma praia
particular, sendo que a praia do hotel no qual ficou hospedado não tinha boa
infraestrutura, bem como estava imprópria para banho. Refere ter entrado, por
diversas vezes, em contato com a requerida a fim de que esta solucionasse o
problema e providenciasse a troca do hotel, sem, contudo, lograr êxito. Aduz ter
sofrido danos de ordem material e moral com a atitude da demandada. Versou
acerca da aplicação das regras do Código Consumerista. Postula pela procedência
da ação com a condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por
danos materiais, no valor de R$ 16.178,65, e por danos morais. Juntou documentos
(fls. 12/78).
Determinada a citação (fls. 107), cumprida (fl. 110), responderam
as rés (fls. 111/117), alegando, preliminarmente,
serem partes ilegitimas para
estarem no polo passivo do presente feito. No mérito, sustentam que o autor não
trouxe aos autos prova dos fatos constitutivos do seu direito. Aduzem que, ao
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contrário do que alegado na inicial, foi disponibilizado ao requerente exatamente o
que por ele foi contratado, sendo este quem realizou a escolha foi hotel ao qual
ficaria hospedado durante a viagem. Referem que o autor teve ciência de todas as
características, atrativos e serviços que estariam à sua disposição ao optar pelo
hotel contratado. Mencionam que o demandante não suportou os prejuízos
alegados, tendo em vista que usufruiu dos serviços turísticos contratados e
intermediados pela segunda demandada. Dizem que as características do hotel em
questão, bem como os serviços oferecidos por este, o comportamento e o
atendimento prestado por seus funcionários não são de sua responsabilidade.
Argumentam ter cumprido com o pactuado no contrato, efetuando a reserva do
hotel solicitado, bem como disponibilizando os demais serviços contratados.
Arguem a excludente de responsabilidade por fato de terceiro. Sustentam a
inexistência de danos materiais e morais passíveis de indenização.
Replicou a parte autora (fls. 143/150).
Manifestou-se a parte ré (fls. 175/178v).
Instadas à produção de provas (fl. 213), as partes não
manifestaram interesse.
É O RELATO.
PASSO A DECIDIR.
Trata-se de ação indenizatória em que pretende a parte autora a
indenização por danos materiais e morais decorrentes da má prestação dos
serviços da parte requerida.
Ab initio, é importante esclarecer que o feito será analisado à luz
da Lei nº 8.078/90. Assim, considerado-se que a relação contratual é composta pelo
consumidor, ora autor, e pelas empresas prestadoras de serviços, resta evidente o
desequilíbrio nessa relação, devendo-se, portanto, inverter o ônus da prova, em
atenção ao artigo 6º, inciso VIII, do CDC.
Por segundo, cabe analisar as preliminares suscitadas pela parte
ré, que arguiu ser ilegítima para figurar no pólo passivo da presente demanda.
Em relação à primeira requerida, em que pese os argumentos
defensivos no sentido de que o contrato de prestação de serviços de turismo foi
formalizado exclusivamente entre o autor e a segunda demandada, CVC Brasil
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Operadora e Agência de Viagens S.A, não havendo liame com a requerida
Cerchiaro Viagens e Turismo Ltda., esta é parte legítima para litigar no pólo
passivo.
Com efeito, a agência de viagens foi quem efetuou a venda do
pacote de turismo, como é possível evidenciar no contrato acostado às fls. 13/14,
no qual consta ser ela representante da CVC, bem como está classificada como
contratada.
Assim sendo, resta incontroverso que a ré Cerchiaro Viagens e
Turismo Ltda integra a cadeia de fornecedores, possuíndo integral responsabilidade
perante o consumidor, de acordo com o que dispõe o artigo 3º, caput, do CDC. In
verbis:
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública
ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.”
Quanto à alegada ilegitimidade da segunda requerida, sob o
fundamento de que não pode ser responsabilizada pelos serviços, comportamento
e atendimento prestados pelos
funcionários do hotel, sendo estes de inteira
responsabilidade da administração de tal estabelecimento, tenho que também não
merece acolhimento a preliminar arguida.
Isso porque a CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A,
na qualidade de operadora de turismo, efetua a intermediação da venda da
hospedagem, translado, tour pela cidade de Cancun. Além disso, no contrato de
prestação de serviços de turismo (fls. 13/14) consta o logotipo da ré, não havendo
que se falar em ilegitimidade passiva desta.
Portanto, afasto as preliminares arguidas e reconheço a
legitimidade passiva das rés para responderem solidariamente por eventual falha
na prestação de seus serviços, nos termos dos artigos art. 7º, parágrafo único, e
art. 18, caput, ambos do CDC:
“Art. 7. (…)
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos
responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos
nas normas de consumo.”
“Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou
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não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade
ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao
consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como
por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações
constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem
publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”
Inexistindo demais prefaciais a serem analisadas, passo ao
enfrentamento do mérito.
A parte autora alega ter firmado contrato de prestação de
serviços com as requeridas, cujo objeto consistiu na viagem de 12
dias para
Cancun juntamente com sua esposa. Sustenta, contudo, que ao chegar ao hotel
que havia sido reservado pelas demandas, foi surpreendido com as péssimas
qualidades do mesmo, argumentando as más condições de higiene deste, que não
possuía serviços de limpeza adequados, bem como que não dispunha de elevador
e a baixa qualidade dos serviços de hospedagem.
Relata, ainda, ter entrado em contato com a segunda requerida
por diversas vezes, para que esta providenciasse a troca do hotel, sem obter êxito
na solução do problema.
Argumenta que a conduta desidiosa e desrespeitosa das rés
ocasionou-lhe prejuízos materiais e morais, pelo que postula a devida indenização.
As requeridas, por sua vez, alegaram que , ao contrário do que
foi narrado na inicial, foi disponibilizado ao requerente exatamente o que por ele foi
contratado, sendo este quem realizou a escolha do hotel onde ficou hospedado
durante a viagem. Referem que o autor teve ciência de todas as características,
atrativos e serviços que estariam à sua disposição ao optar pelo hotel contratado.
Mencionam que o demandante não suportou os prejuízos
alegados, tendo em vista que usufruiu dos serviços turísticos contratados e
intermediados pela segunda demandada.
Pois bem, analisando-se os autos, tenho que verossímeis as
alegações exordiais.
O feito é amplamente instruído com documentação hábil a
corroborar a narrativa inicial. Veja-se que os documentos das fls. 13/14 comprovam
a contratação dos serviços de turismo das rés pelo autor, pelos quais este realizou
o pagamento da quantia de R$ 16.178,65, o que é, inclusive, confirmado por
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aquelas.
Ademais, o mencionado contrato demonstra que as demandadas
são responsáveis pela programação da viagem. Observa-se que o referido
documento assim prevê:
“4.1. Havendo alterações na programação, afetando parcial ou
totalmente qualquer item da viagem, a Contratada comunicará por
escrito o Contratante, quando da entrega dos documentos da
viagem e respectivas passagens.”
E na programação da viagem, a acomodação dos contratantes
estava incluída, é o que informa o item referente a “serviços inclusos” na fl. 13, de
modo que não prospera o argumento defensivo de que quem escolheu o hotel foi o
consumidor.
Superada tal questão, resta agora analisar as condições da
hospedagem a que foi o requerente submetido.
Os documentos anexados às fls. 34/53 dão conta da baixa
qualidade do hotel, o qual dispunha de equipamentos eletrônicos antigos, não
possuía elevador, possuía má estrutura, com diversas rachaduras em evidência,
portas quebradas, colchão exposto à rua, além da baixa qualidade de higenização e
dos serviços de hospedagem.
Tais características, que também são corroboradas pelos
documentos acostados às fls. 25/29 – consistente em reclamações de outros
hóspedes relacionadas à qualidade do hotel – não condizem com as informações
constantes nos sites da segunda ré, que oferece seus serviços ressaltando a
“hospedagem nos melhores hotéis e resorts, economizando com as tarifas
especiais CVC”, bem como “a melhor seleção de hotéis”.
Além disso, as informações e fotografias apresentadas pela CVC
no seu
endereço de internet, levam o consumidor a crer que o hotel Avalon
Baccara, no qual o demandante ficou hospedado, oferece uma estrutura luxuosa,
controvertendo com a realidade apresentada pelo consumidor nestes autos.
Portanto, a par do que foi até aqui exposto, tenho que a parte
autora desincumbiu-se do ônus probatório que lhe é atribuído pelo art. 333, inciso I,
do CPC, pois apresentou provas suficientes a indicar a veracidade de suas
alegações quanto à falha na prestação dos serviços das rés.
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De outro giro, estas não apresentaram qualquer documento hábil
a demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.
Tenho, portanto, que restou caracterizada a prática de ato ilícito,
nos termos do artigo 186 do CC. Ressalto que, diante da conduta ilícita das
demandadas, restou demonstrado o nexo de causalidade entre o ato e o dano.
Passo, neste momento, a individualizar os pedidos indenizatórios formulados.
No que diz respeito ao pedido de indenização por danos
materiais, merece acolhimento, tendo em vista que o valor pago às demandadas
inclui o serviço de hospedagem, este prestado de forma defeituosa, de modo que é
incontestável dano sofrido.
Todavia, o valor a ser ressarcido pelas requeridas ao
demandante não é o integralmente o pago pelo contrato, haja vista que este
usufruiu dos demais serviços de turismo prestados por aquelas. Neste ínterim,
condeno a parte ré a devolver ao autor a quantia referente apenas à acomodação
no hotel.
Quanto ao dano moral postulado, tenho que também merece
acolhimento a pretensão autoral.
No caso em tela, não pairam dúvidas de que a parte autora
sofreu prejuízo moral indenizável, uma vez que os dissabores por ela
experimentados – contratação de serviços de turismo nos quais está incluída a
acomodação de hospedagem, procedida de forma defeituosa pelas rés,
ressaltando-se a expectativa pela concretização da viagem no período das férias transcenderam o âmbito da normalidade, violando os direitos de personalidade do
requerente passíveis de reparação.
Em se reconhecendo a ocorrência de danos passíveis de
reparação, resta, pois, a fixação do quantum indenizatório.
Ante à ausência de critério prescrito acerca da fixação de
indenização desta natureza, até porque a dor e o sofrimento humano são
insuscetíveis de avaliação, considerando que os fatores repercutem de forma
diversa no âmbito de cada indivíduo, a doutrina e a jurisprudência têm entendido
que a indenização deve ao mesmo tempo atentar para o caráter profilático e
reparatório do instituto, evitando-se, sempre, a ocorrência de enriquecimento sem
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causa.
Assim, atentando a tais fatores, bem como ao potencial
econômico das partes, o grau de culpa do ofensor, a repercussão social do dano,
ainda, as peculiaridades do presente caso, tenho que a quantia de R$ 5.000,00
(cinco mil) ao autor afigura-se satisfatória a compensar o prejuízo imaterial que se
evidenciou.
Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a
ação promovida por CARLOS HENRIQUE COGO contra CERCHIARO VIAGENS E
TURISMO LTDA. E CVC BRASIL OPERADORA e AGÊNCIA DE VIAGENS S/A,
para condenar as rés a restituir parte do valor pago pelo contrato de viagem e
turismo, referente apenas aos serviços de hospedagem - a ser corrigido pelo IGPM, a contar do desembolso, acrescidos de juros legais, a contar da citação - bem
como ao pagamento de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais,
devendo tal valor ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde esta data, e
acrescido de juros legais, a partir do trânsito em julgado, tudo até o efetivo
pagamento.
Diante do decaimento mínimo do autor, condeno as demandadas
ao pagamento das custas e honorários advocatícios ao procurador adverso, fulcro
no artigo 21, § único, do CPC, que fixo em 10% sobre o valor da condenação,
atendendo ao trabalho realizado, na forma do artigo 20, §3º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 09 de janeiro de 2015.
Fernanda Ajnhorn,
Juíza de Direito
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