A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ NA ASSOCIAÇÃO DOS DIABÉTICOS E FAMILIARES DE SÃO LEOPOLDO E REGIÃO DO VALE DO RIO DOS SINOS: UMA EXPERIÊNCIA NO PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR Muito boa tarde. Antes de apresentar minha palestra quero agradecer esta oportunidade a seus organizadores. É uma experiência importante poder discutir com os colegas da América Latina e do Caribe as experiências que temos, minhas colegas e eu, enquanto Serviço Social e Enfermagem, junto a uma associação que se caracteriza como uma Organização da Sociedade Civil ou OSC, qual seja, a Associação dos Diabéticos do Vale do Rio dos Sinos, que doravante nomearei para efeitos desta exposição como Associação dos Diabéticos. O objetivo que me traz aqui é socializar algumas situações presentes na realidade da nossa cidade, na busca de respostas às inúmeras questões que suscitaram a organização desta importante conferência. Entre elas podemos citar: Como avaliamos os processos em que estão envolvidas as Organizações da Sociedade Civil? Que papéis elas desempenham na promoção de sociedades inclusivas e tolerantes e de democracias mais representativas e legítimas? Que impacto têm tido, as comunidades, governo e outros atores nas atividades empresariais do setor extrativo? Qual o papel da descentralização e da cidadania nos processos atualmente em curso? O relato da experiência que agora segue busca responder apenas a última delas ou talvez levantar outras perguntas que nos auxiliam encontrar alguns delineamentos que constantemente procuramos, de um modo geral. Vou começar esclarecendo alguns conceitos que permeiam esta apresentação para que os/as colegas possam identificar de que lugar eu falo, bem como explicar algumas entidades que estão presentes neste processo. A participação, a descentralização, a patologia Diabetes Mellitus, entre outros, são elementos que não podem ser deixados de lado. Outrossim, aclarar o que é um COREDE, um COMUDE e que associação é esta que se dedica à educação em Diabetes através do associativismo, não pode ser descurado. Na base desta proposta está a atuação do Serviço Social enquanto assessoria pautada pelo seu projeto ético-político enquanto profissão. A estrutura do trabalho está assim organizada: Após esta breve introdução, exporei sobre os conceitos e explicações necessárias para a compreensão do processo para então relatar a experiência em si, trazendo a participação do Serviço Social. Nos comentários finais tentarei resgatar uma possível resposta à questão que norteou esta elaboração. Em tempo: sobre o currículo dos autores: Enfermeira Ledi K. Papaleo, doutora em Educação em Diabetes/ Leon- Espanha, professora no Curso de Enfermagem da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, voluntária na Associação; Estagiária de Serviço Social Célia Teixeira Severo, com vivência de estágio voluntário na Associação e atualmente realizando seu estágio obrigatório (terceira etapa) por exigência do Curso de Serviço Social da UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos;. Assistente Social Sonia M. L. Bredemeier, doutora em Serviço Social/ PUCRS-Brasil especialista em Gerontologia Social, professora do Curso de Serviço Social e do Programa de PósGraduação em Ciências Sociais Aplicadas da UNISINOS, supervisora de campo e voluntária na Associação. Contextualizando Esta experiência se concretiza no âmbito de uma cidade, São Leopoldo, com aproximadamente 210.000 habitantes e que dista aproximadamente 30 km da capital do estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Geograficamente está localizada no Sul do país, qual seja, o Brasil. Tem como pano de fundo o Processo de Participação Popular que se concretiza, depois de várias etapas, numa Consulta Popular. Trata - se de uma “Consulta Direta à população, instituída pela Lei nº 11.179, de 25 de junho de 1998, alterada pela Lei 11.920, de 10 de junho de 2003, que visa a definir os investimentos e serviços de interesse regional e municipal a serem incluídos na proposta orçamentária anual do Estado do Rio Grande do Sul e é realizada na forma da Lei e de um Regulamento” (Manual para o Processo de Participação Popular 2004/2005, p. 3). De acordo com este artigo do Decreto nº 43.167, de junho de 2004 está posto como se constitui o processo. A partir de uma relação das ações e serviços das várias Secretarias de Estado e entidades vinculadas, os munícipes podem escolher o que entendem como prioridade para seu município e Região. A mesma relação especifica os custos básicos de cada ação e sua classificação, se de investimento ou de serviços. Com estes dados as entidades reunidas discutem e estabelecem o que entendem como prioritário com base na sua própria realidade e através de reuniões (assembléias) dos COMUDES – Conselhos Municipais de Desenvolvimento fazem sua defesa através de argumentações várias. Estas assembléias, mormente, acontecem nos vários ba irros da cidade. As prioridades são sancionadas pela comunidade e são rediscutidas em entidades regionais chamadas COREDES – Conselhos Regionais de Desenvolvimento. Cabe aqui enunciar de forma sintética do que tratam estas entidades comunitárias. Os COMUDEs são essencialmente constituídos com a participação da sociedade civil e das diferentes instâncias do poder público. O objetivo é promoção do desenvolvimento local, harmônico e sustentado, através da integração das ações do poder público com as organizações privadas, as entidades da sociedade civil organizada e os cidadãos visando a melhoria da qualidade de vida da população, a distribuição harmônica e equilibrada da economia e a preservação do meio ambiente. Entre outras, temos que é competência de um COMUDE promover a participação de todos os segmentos da sociedade local, organizados ou não, na discussão dos problemas, na identificação das potencialidades, na definição de políticas públicas de investimentos e ações que visem o desenvolvimento econômico e social do município. (BRASIL – Lei nº 2.058/2003). Já um COREDE, cuja abrangência é regional preconiza a definição de um real diagnóstico das necessidades e potencialidades da região para então poder formular e implementar políticas de desenvolvimento integrado, mantendo um espaço permanente de participação democrática. Tem como grande desafio a descentralização da informação. Suas competências são semelhantes às dos COMUDEs tendo porém como foco as situações regionais (Conselho Regional de Desenvolvimento do Vale do Rio dos Sinos – CONSINOS, 1999). Na etapa seguinte deste processo a população novamente é solicitada a manifestar-se através de voto nas ações privilegiadas, nas diversas instâncias comunitárias. Os resultados são encaminhados ao Governo Estadual que no decorrer do ano seguinte disponibiliza os recursos para aplicação através de projetos que são avaliados tecnicamente. Sabe-se que nestes embates se evidencia a relação de forças presente no município e na Região, pois as negociações são intensas até que se chegue a um certo consenso. Mobilizam-se nestes espaços as diversas lideranças carregando consigo interesses comunitários e/ou pessoais, ou seja, “interesses particulares autocentrados” na concepção de Nogueira (BREDEMEIER, 2003, p. 62). A divulgação deste mecanismo de participação popular é formalizado através de um edital, amplamente divulgado na imprensa local e regional. Sobre como concebemos a participação popular será exposto mais adiante, mas antes é de suma importância contextualizarmos a Consulta Popular na lógica da descentralização. Ainda a título de ilustração faz-se necessário comentar que o Processo de Participação Popular é uma das variantes em se concretiza a presença do cidadão nas decisões públicas. Nesta mesma linha dependendo da orientação política partidária acontece a realização do Orçamento Participativo onde os cidadãos também têm voz e voto quanto à aplicação de determinado percentual da verba pública. Ambos movimentos reivindicam para si a originalidade da idéia. A título de ilustração pode-se dizer que “o orçamento participativo, como um espaço de controle e disputa, é um locus privilegiado, pois trata da questão do financiamento das políticas e programas sociais. Este é um tema que exige dos interlocutores, além de conhecimento específico, uma vez que envolve a aplicação dos recursos existentes, habilidade na negociação quanto aos destinos do mesmo. A iniciativa desta modalidade de organização partiu de governos mais progressistas que se dispõem a escutar as demandas e soluções da população organizada. Navarro (1997) faz uma interessante análise deste processo, apontando seus princípios – entre eles a democratização do Estado, a representação, o exercício da democracia direta, como também a metodologia de trabalho, os avanços e os limites identificados na experiência que foi analisada, Estes são de ordem política, administrativa e econômica” (BREDEMEIER, 2003, p. 121-122). Descentralização Sobre a descentralização tem sido desenvolvidas inúmeras posições teóricas e práticas. A idéia de descentralização remonta às propostas liberais, historicamente. O viés da sua implantação atinha-se na sua fase inicial, principalmente a aspectos econômicos. Mais recentemente o neoliberalismo defende-a novamente, contrapondo-se ao conservadorismo da centralização. Draibe (BORGES, 2003), ao discutir o discurso neoliberal entende que a base deste sistema encontra-se, entre outras, na descentralização pois esta tem justificado de certa forma o corte nos gastos públicos desuniversalizando e assitencializando as ações voltadas aos segmentos mais precarizados de nossa sociedade. Kameyana (BREDEMEIER, 2003, p. 61) alerta para os interesses, inclusive de ordem internacional, que estão presentes nas formas de descentralização a serem implantadas nos “países périféricos”, no que se refere às políticas sociais. A mesma autora ainda refere que “a descentralização não constitui um fato isolado, ao contrário constitui um dos eixos das reformas mais amplas no processo de reestruturação das políticas sociais” (idem, p. 68). A autora expõe este ponto de vista ao historiar a vinculação da descentralização com as exigências dos órgãos de financiamento com vistas ao saneamento fiscal nos países periféricos. Estas são críticas que devem ser consideradas quando avaliamos os processos desenvolvidos na lógica da descentralização. Esta, na sua variante participativa, tem sido operacionalizada visando uma gestão democrática considerando aspectos geográficos, de controle social e de decisão ideal. A Carta Constituinte do Brasil, de 1988, teve um caráter eminentemente descentralizador. Foram criadas condições para favorecer a participação popular, envolvendo novos atores, privilegiando demandas oriundas do “local”. A concretização do ideário da descentralização que se oportuniza através de mecanismos como os COREDEs e os COMUDEs comporta a idéia de participação popular na sua essência assim como a de horizontalidade e cooperação no que se refere à uma gestão participativa. Nestes, os vários segmentos da comunidade são chamados a decidir sobre a aplicação dos recursos disponibilizados pelos governos. É dado um espaço para o “local” – interesses, forças, potencialidades e lideranças no sentido da participação das decisões a serem tomadas para a prevenção ou soluções de situações que exigem a intervenção pública. A parceria do público com o privado, nesta dimensão oportuniza também novas responsabilidades da parte da comunidade local quanto à leitura das necessidades coletivas que se põem. De certa forma pode-se dizer que o “local” se amplia na busca de soluções não puramente no âmbito do município, mas também em nível regional. Participação Mas para que este processo se efetive é fundamental a participação do cidadão. Neste sentido farei algumas colocações com vistas a pontuar de que “participação” se está falando num processo como o que está sendo socializado. Analisar processos que envolvem que envolve uma associação como parte da sociedade civil organizada requer apreender os inúmeros matizes sob os quais a participação pode ser compreendida. Gohn (2005) traz interessantes desdobramentos sobre este tema, com os quais comungamos. Seu desenvolvimento se dá a partir das noções do sentido e significado que a participação dá a grupos e movimentos sociais. Reforça os traços sócio-políticos desse movimento o que possibilita uma “consciência crítica desalienadora”. A participação assim vista implica na construção da identidade, no reconhecimento dos sujeitos e na viabilização de sua autonomia. Outros autores que me subsidiam nesta abordagem são Bordenave (1992), Borges (2002) e Demo (2001) a partir de elaborações de Severo (2005). Conforme Bordenave (1992) “A participação é algo que se aprende e aperfeiçoa. Ninguém nasce sabendo participar, mas como se trata de uma necessidade natural, a habilidade de participar cresce rapidamente quando existem oportunidades de praticá-la. (...) Em grupos sociais não acostumados à participação, pode ser necessário induzí-los à mesma.” (p.78). As assembléias mais adiante referidas são tipicamente espaços onde os cidadãos, neste caso, os associados são chamados a uma forma de participação. Ainda o mesmo autor refere que esta indução pode acontecer com base em “intenções manipulatórias” mas que também está presente “um honesto desejo de ajudar a iniciar um processo que vai continuar de maneira cada vez mais autônoma”. Neste último sentido têm caminhado as ações da associação em questão. Aspectos interessantes ainda aponta Bordenave (idem) quando afirma que “a participação tem duas bases complementares: uma base afetiva – participamos porque sentimos prazer em fazer coisas com outros – e uma base instrumental – participamos porque fazer coisas com os outros é mais eficaz e eficiente que fazê-las sozinhos”. A Associação dos Diabéticos tem fora do âmbito da Consulta Popular propiciado espaços para que se construa este tipo de participação. A convivência entre os associados e familiares tem buscado reforçar os laços que possam uni-los, tanto como cidadãos quanto como portadores da mesma patologia na busca de soluções individuais e coletivas para superar as implicações negativas da doença. Sobre a mesma me deterei com mais cuidado adiante. Tem feito parte da agenda da entidade a identificação de interesses, causas e objetivos comuns uma vez que “quando as pessoas são estimuladas a participar e estão motivadas, os resultados obtidos serão consideravelmente melhores e, além disso, o próprio processo será um grande aprendizado, possibilitando ao grupo incorporar atitudes de trabalho e de vida pessoal, que certamente promoverão seu desenvolvimento, A própria possibilidade de participação já proporciona isto, e ainda propicia um clima desafiador “ (BORGES, 2002, p. 1040). Neste caso o grande desafio que se apresenta é a adesão ao tratamento minimizando os custos pessoais e sociais das complicações diabéticas, como reforçaremos mais adiante. Tem-se constatado que “torna-se imperativo desencadear processos de realização participativa, buscando a consolidação de uma cultura democrática. Para Demo (1988) ‘participação supõe compromisso, envolvimento, presença em ações por vezes arriscadas e até temerárias. Por ser processo, não pode também ser totalmente controlada, pois já não seria participativa a participação tutelada, cujo espaço de movimentação fosse previame nte delimitado’“ (SEVERO, 2005). Associação dos Diabéticos A premissa básica que tem pautado nossa concepção sobre associativismo fundamenta-se naquilo que “Demo (idem) propõe: o associativismo representa o direito dos direitos, porque é ele que funda a proposta de organização em torno do bem comum, como é a constituição em qualquer país: nela surge a nação, organizada em torno de uma carta de intenções, que define direitos e deveres de todos. Enquanto as pessoas não se associam de alguma forma, temos uma população dispersa. O associativismo funda a legitimidade do grupo, no sentido de que formata o modo de vida em comum em primeira instância. (...) O direito de se associar vem antes de qualquer lei, porque é este direito que permite uma sociedade normatizada pela lei” “A Associação dos Diabéticos é uma associação sem fins lucrativos, fundada em 18 de março de 1995 e declarada de Utilidade Pública em 14 de abril de 1999, conforme o decreto nº 3.305, ‘em virtude dos relevantes serviços prestados aos diabéticos e aos seus familiares no sentido de socializar as informações sobre a doença’. Foi criada com a finalidade de estudar as condições sociais, econômicas, sanitárias, assistenciais, de saúde e problemas de seus associados, recursos e aspirações; representar seus associados em suas reivindicações junto aos poderes constituídos; promover e contribuir para o desenvolvimento humano, cultural, social, econômico e o bem estar de seus associados; receber e distribuir recursos de qualquer natureza; colaborar com os poderes públicos e com as entidades comunitárias, sempre que necessário dando-lhes conhecimentos dos problemas de seus associados e seus dependentes, pleiteando as respectivas soluções”(idem, 2005). Para entender o real significado desta experiência “deve mos lembrar que a Associação foi fundada em meados doas anos noventa, período em que, segundo Gohn, o ‘associativismo predominante nesta época não deriva de processos de mobilização de massa, mas de processos de mobilização pontuais. Qual a grande diferença? No primeiro caso a mobilização se faz a partir de núcleos de militantes que se dedicam a uma causa seguindo as diretrizes de uma organização. No segundo, a mobilização se faz a partir de uma entidade plural, fundamentada em objetivos humanitários. (...) A mobilização se efetua independentemente de laços anteriores de pertencimentos, o que não ocorre com o associativismo de militância político-ideológica.’ (apud FREITAS, 2002). No decorrer do processo histórico, as organizações da sociedade civil, assumem vários papéis: assistenciais e beneficientes, em princípio, voltadas a atender as necessidade dos/das associados/das. Mais tarde são criadas com a finalidade de representação de categorias econômicas e profissionais ou com fins políticos-ideológicos “ (SEVERO, 2005) No decorrer destes últimos dez anos um grande objetivo tem estado presente nas várias gestões que conduziram e conduzem a Associação, qual seja, a articulação e potencialização dos serviços existentes bem como a criação de novas oportunidades para os diabéticos. Através de inúmeras parcerias a Associação tem buscado responder de forma adequada às questões que lhe são postas que vão desde a informação e a educação em diabetes até às cobranças junto ao poder público que de alguma forma procura eximir-se de suas responsabilidades quanto à saúde dos munícipes, delegando a instituições filantrópicas a responsabilidade que lhe compete. Por outro lado, percebe-se que insistentemente o corpo de associados bem como a própria diretoria regressivamente tentam retomar práticas assistencialistas que caminham em direção oposta a avanços na busca dos seus direitos enquanto cidadãos. A demanda por serviços é tão grande que constantemente não só na Associação dos Diabéticos como em outras entidades da sociedade civil organizada existe uma tendência forte em deixar de lado o Estado e assumir responsabilidades que são específicas do poder público. Mas de qualquer forma na base deste movimento encontram-se “os princípios fundadores do movimento associativo que são a igualdade e a solidariedade entre seus membros, organizados de forma voluntária e independentemente de particularidades étnicas, religiosas ou de qualquer outro fator de discriminação. Igualdade de oportunidades e responsabilidades proporcionam condições de superar a mediocridade do individualismo auto-suficiente e do elitismo excludente, em um movimento de organização coletiva, que busca assumir o controle social, envolver-se nas decisões governamentais e nas políticas públicas, isto é, participar da construção de uma sociedade mais igualitária” (SEVERO, 2005). Então participar em eventos como o Processo de Participação Popular oportuniza um exercício democrático e participativo sem isentar o Estado de suas atribuições. Diabetes Mellitus e a Associação dos Diabéticos A Diabetes Mellitus é uma doença crônica caracterizada pelos níveis de açúcar (glicose) no sangue, e se desenvolve quando o organismo deixa de produzir a insulina, ou não a utiliza de maneira eficaz. Estima -se que existam trezentos e cinqüenta milhões de diabéticos no mundo, mas a metade não sabe que é portador/a. De cada cem pessoas, entre sete a nove são portadoras. O Censo Nacional de Diabetes mostrou que a ocorrência da doença é de 7,6% da população adulta na faixa dos 30 aos 69 anos (idem, 2005). Temos ainda que “a Diabetes Mellitus representa um dos principais fatores de risco de óbito na população brasileira, contribuindo decisivamente para o agravamento deste cenário em nível nacional, sendo a quarta causa básica de morte. Paralelamente é a principal causa de cegueira adquirida; responsável por mais de 30% dos pacientes em programas de substituição renal (hemodiálise) e também por 40 a 70% de todas as amputações das extremidades inferiores em todo o mundo” (PAPALÉO, MOULIN, 2004). “Sendo uma patologia crônica, necessita tratamento e acompanhamento continuados, os quais, em muitos países estão longe de ser alcançados devido à carência de recursos financeiros e humanos específicos” (idem). Neste “tratamento e acompanhamento” continuados estão implícitos além da dimensão curativa, os aspectos preventivos que envolvem essencialmente a educação em Diabetes. “A maioria dos custos diretos devido às complicações são passíveis de redução através da prevenção(...). Segundo o Consenso Internacional sobre o Pé Diabético, a prevenção, a educação de profissionais e do paciente, reduzem significativamente os custos da patologia. Dados do Centro Internacional de Diabetes de Minneapolis demonstram que, cada dólar investido em atividades preventivas de educação e controle dos pacientes diabéticos, reduz cerca de 6 dólares com os gastos gerais curativos da rede pública de saúde. Justifica-se portanto do ponto de vista médico, social e econômico que a educação de boa qualidade prestada aos pacientes com Diabetes deva ser uma prioridade em qualquer país”(idem). “A importância da educação para o manejo da diabetes é reconhecida desde a década de 1920, tornando-se formal com a experiência pioneira na Clínica Joslin em 1930. (...) A educação para o automanejo da diabetes promovida por enfermeiros, nutricionistas, médicos e outros profissionais da saúde reduz, drasticamente a hospitalização e mortalidade decorrentes de complicações agudas e crônicas da patologia. Mais especificamente segundo o Consenso Internacional sobre o Pé Diabético (2003), a prevenção, educação de profissionais e do paciente, tratamento multifatorial da ulceração e rígida monitorização podem reduzir as taxas de amputação de 49 a 85%. Investir na prevenção é decisivo, não só para garantir a qualidade de vida dos indivíduos afetados, mas para também evitar a hospitalização e os conseqüentes gastos, principalmente, quando se considera o alto grau de sofisticação tecnológica da medicina moderna (idem). Com base nestes parâmetros quantitativos e qualitativos a Associação dos Diabéticos tem desenvolvido práticas educativas. As mesmas se concretizam através de encontros mensais onde de forma dinâmica são socializadas informações, discutidos problemas atinentes à patologia, propiciadas reflexões sobre comportamentos objetivos e subjetivos frente à patologia. Profissionais de diversas áreas, voluntariamente, aportam com seus recursos pessoais e profissionais nesta tarefa tornando a Associação uma referência na comunidade quanto à educação em Diabetes. O Serviço Social e seu projeto ético-político junto à Associação A potencialização do espaço sócio-político profissional do Serviço Social coloca-se como uma demanda urgente da parte da sociedade onde este profissional está inserido. A presença do assistente social junto a associações não é uma prática recente, porém. Trata-se de um campo de trabalho que como outros possibilitou avanços na mobilização de grupos que inúmeras vezes geraram movimentos sociais propriamente ditos. No Brasil as Associações de Moradores, por exemplo, assessoradas pelo Serviço Social em muitas épocas da trajetória social brasileira tiveram papel de destaque visando melhores condições de vida, justiça social, entre outros. O projeto profissional está, por excelência, fundado no Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Este está vigorando desde 1993 e tem como princípios fundamentais: - reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; - ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; - defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; - empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; - garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromissso com o constante aprimoramento profissional; - opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero; - articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; - compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; - exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. A assessoria prestada pelo Serviço Social à Associação dos Diabéticos concretiza a todos estes princípios desdobrando-os no cotidiano profissional. A socialização das informações, a luta pelos direitos, a não discriminação, a articulação com outros grupos, a mobilização em torno de causas justas, a valorização do indivíduo e da coletividade têm sido as “bandeiras” mais recentes. A reflexão constante entre os pares e juntamente com os diabéticos faz parte da rotina profissional. Através do relato que segue talvez se possa vislumbrar os objetivos traçados para e com a Associação em questão. Relato da experiência. A partir do momento em que o Serviço Social, prestando assessoria na entidade, tomou conhecimento da publicação do edital, os associados foram convocados para uma assembléia extraordinária, onde foram informados, de forma detalhada, sobre todo o processo. Ordinariamente os associados se reúnem a cada segundo sábado do mês para a assembléia onde são discutidas temáticas pertinentes à patologia, seus cuidados e educação e onde são consultados sobre eventuais decisões que não podem ser tomadas simplesmente pela Diretoria. Para os associados, nesta assembléia extraordinária, foram arroladas as diversas ações da Secretaria Estadual de Saúde por ser esta Secretaria responsável por desenvolver programas com vistas à prevenção e tratamentos no que se refere à diabetes. Como prioridade estabeleceu-se a concretização de um Centro de Referência em Diabetes e um Ambulatório do Pé Diabético dando conta de demandas específicas. O Centro de Referência viabiliza o tratamento e os cuidados preventivos à complicações tão comuns decorrentes da patologia. O Ambulatório do Pé Diabético visa o atendimento curativo, mas também preventivo às complic ações (amputações especialmente) através de cuidados simples mas rotineiros em lesões já identificadas em membros inferiores. Estas questões foram amplamente debatidas na assembléia. Apropriados das inúmeras informações cabíveis nestas situações os associados foram sensibilizados a participar das assembléias locais, organizadas pelo COMUDE, levando suas demandas, com a participação de familiares, lideranças das comunidades onde estão inseridos e envolvendo, também, diabéticos não vinculados à associação. Este movimento foi protagonizado pelos diabéticos da associação de tal forma que suas demandas acabaram por ser incluídas no rol de opções a serem votadas como prioridades para o município e para a Região. Passada esta etapa, os associados foram novamente convocados, desta vez para tomarem conhecimento do resultado parcial do processo, sendo estimulados a comparecer às urnas num determinado dia da semana, para referendar as escolhas feitas, bem como incentivar, mais uma vez a comunidade, familiares e diabétic os a fazerem parte deste evento democrático e participativo. Como resultado desta mobilização, foi posteriormente constatada a inclusão das demandas da região, caracterizando-se como um resultado extremamente positivo e cuja definição foi possibilitada pelo protagonismo dos envolvidos e pela assessoria prestada pelo Serviço Social. Considerações finais Para encerrar esta exposição é importante frisar que o sucedido trata apenas de um recorte do cotidiano da organização. Buscou-se através deste relato dar visibilidade às potencialidades existentes no ambiente democrático para que a cidadania seja vivenciada nas suas múltiplas maneiras possíveis. A descentralização por sua vez pode ser potencializada e seus fins políticos podem ser de certa maneira revertidos quando estão presentes intuitos fortemente ideológicos que atravessam a realidade. É com a participação do cidadão nos espaços existentes que se dará a construção de uma cidadania plena a todos e também neste caso aos diabéticos. Referências Bibliog ráficas BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992 (Coleção primeiros passos, 92) BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: FREITAS, Elizabeth Viana de et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, p. 10037-1041, 2002. ______. O idoso e as políticas públicas e sociais no Brasil. In: SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von; NERI, Anita Liberalesso; Cacchioni (orgs). As múltiplas faces da velhice no Brasil. Campinas, SP: Alínea, 2003 (Coleção velhice e sociedade). Brasil. Lei nº 2.058/2003. “Dispõe sobre a criação, estruturação e funcionamento do Conselho Municipal de Desenvolvimento – COMUDE. Prefeitura Municipal de Dois Irmãos. Estado do Rio Grande do Sul. BREDEMEIER, Sonia Mercedes Lenhard. Conselhos municipais: a ampliação do espaço público para o idoso. Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós -Graduação em Serviço Social - Mestrado e Doutorado. Porto Alegre, 2003. CONSELHO Regional de Desenvolvimento do Vale do Rio dos Sinos – CONSINOS. Um olhar sobre o vale. Novo Hamburgo, 1999. DEMO, Pedro. Cidadania Pequena: fragilidades e desafios do associativismo no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2001. FREITAS, Elizabeth Viana de et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2002, p. 1002-1029. GENRO, Tarso et al. Por uma nova esfera pública: experiência do orçamento participativo. Petrópolis: Vozes, 2000. GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da sociedade civil: Movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo: Cortez, 2005 (Coleção questões da nossa época, 123). MANUAL para o Processo de Participação Popular, Porto Alegre/RS, Gabinete do ViceGovernador – Secretaria da Coordenação e Planejamento, 2004. PAPALEO, Ledi Kauffmann; MOULIN, Cileide Cunha. Curso “Educação e Gestão em Diabetes Mellitus”. Centro de Ciências da Saúde. UNISINOS, São Leopoldo, 2004. SEVERO, Célia Teixeira. Relatórios Processuais Descritivos. Disciplina de Estágio Supervisionado em Serviço Social II, Curso de Serviço Social, UNISINOS, 2005.