RELIGIÃO
INTRODUÇÃO
Nos primórdios religião e vida se confundiam. A lei era simplesmente a vontade
dos deuses.Os princípios morais eram determinados por tabus religiosos. A arte se
manifestou, a princípio, pintando e talhando deuses e adornos de seus santuários. Na
inumação dos cadáveres, na pré-história, vislumbra-se vestígios de sacralidade, de crença
religiosa. Nos rituais fúnebres e noutros a dança, a música e a linguagem reforçavam a
esperada “relação” do homem com os deuses (senhores da caça etc.).
O despertar do “sentimento” religioso é sem dúvida o divisor de águas entre o
humano e o pré-humano, é aí que o antroponídeo se distancia e se afasta de seus ancestrais
primatas. E quando o ser humano se vê diante da morte e de outras angústias, do medo, do
incompreensível começa a ter idéias sobre uma divindade responsável por estas “coisas”
que lhe acontecem. Uma potência que ao mesmo tempo o atemoriza e fascina e que
desperta submissão e obediência, maravilhamento e alegria. Ambos, temor e fascínio
resultarão na reverência ante o ser poderoso, invisível mas “ativo”.1
É a religião esse poder mágico que dá à criatura humana a possibilidade de se
relacionar com o Ser Supremo – Criador. O ser humano procura um sentido para tudo que
o cerca, do mundo físico ao mundo das emoções e sentimentos, de tal forma que todas
estas coisas passem a fazer parte natural de sua existência. Este ser criado está sempre
procurando um mundo que possa ser amado. Há situações em que o homem consegue criar,
ter o que deseja e outras em que o objeto de desejo só lhe é possível através da magia da
imaginação ou do milagre da palavra. Juntam-se assim o amor, o desejo, a palavra, a
imaginação, as mãos, os símbolos para criar um mundo que faça sentido.
A cultura não surge onde o ser humano domina a natureza. Ela surge onde o
homem fracassa e quando a cultura fracassa em determinado ponto, quando não consegue
satisfazer
uma angustiante expectativa, surge o símbolo – presença do que não está
presente, representação da ausência. Quando
o “mundo do homem” fica
cheio de
1 . A palavra grega TEOS que dizer também “invisível”.Ou seja um deus é então algo não imediatamente evidente,e
sim sutil,algo necessário para explicar o porquê da ocorrência de certos eventos .
“ausências injustificadas”, quando o ser humano se encontra no meio de inexplicações,
aqui surge a religião “a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a
natureza”2.
É necessário, ao estudar
religião reconhecê-la como presença invisível, sutil,
camuflada no cotidiano da vida de cada um. A religião está mais próxima do ser humano
do que ele deseja admitir. A religião é inerente ao homem. A ciência da religião é a ciência
do próprio humano.
Não há registro em qualquer estudo por parte da História, Antropologia,
Sociologia ou outra “ciência” social, de um grupo ou grupamento humano, da pré – historia
até a contemporaneidade que não tenha professado algum tipo de crença religiosa. A religião
é um fenômeno presente em toda cultura.
Quase todos os movimentos humanos significativos tiveram a religião como mola
propulsora, as guerras mais terríveis, geralmente,foram feitas em nome dela, estruturas
sociais foram definidas com base em religiões e grande parte do conhecimento científico
“filosófico” e artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que por muito tempo
estiveram vinculados ao poder político e social. E hoje, apesar do avanço das ciências, o
fenômeno religioso sobrevive, permanece, cresce, desafiando as previsões do seu fim. A
humanidade, em sua grande
maioria, professa alguma crença religiosa direta ou
indiretamente. É interessante notar a harmoniosa presença da religiosidade na cultura de
todos os povos. H. Bérgson registra que “se encontram no passado, e se encontram até hoje
sociedades humanas que não possuem ciência, nem artes,nem filosofia. Mas nunca existiu
sociedade sem religião”3.
Como toda ciência a religião trabalha com pressupostos e a questão chave
da religião é a presença dos três pressupostos :
1- Deus;
2-Seres humanos;
3-Interação.
1º-Existe um Ser Supremo (Deus ou deuses), numa esfera divina ;
2º-Existem seres humanos, numa esfera inferior ;
3º-Existe a possibilidade de contato entre Deus (ou deuses) e seres humanos.
2
3
. ALVES , Rubem..O que é Religião – São Paulo: Loyola .2003, p .26.
. H. BERGSON.As duas fontes da moral e da religião. Rio de Janeiro: Zahar, 1978,p. 85.
O fato marcante e real é que não existe sociedade sem religião. A religião é o
fenômeno mais antigo, mais permanente e de longa duração que existe. Não é um detalhe ao
longo das civilizações, não é um acidente, não é o acessório é o “principal”.
O TERMO “RELIGIÃO”
O conceito religião remonta ao vocábulo latino religio , palavra
que desde a
Antigüidade tardia já tinha um significado cheio de controvérsia . Os vocabulários latinos
atribuem ao termo religio, em geral, significados correntes entre os autores clássicos:
“escrúpulo”,
“consciência”, “exatidão”, “lealdade” e outros afins. Observe-se que em
nossa cultura o termo “religião” não está veiculado a nenhum destes significados : religio ,
no mundo latino pré-cristão, indicava um estilo de comportamento marcado pela rigidez e
pela precisão, no máximo, evocava as formas de se executar um rito que, pelo caráter da
religião romana era regido por normas muito escrupulosas. Entre os escritores latinos que
examinaram o termo religio, Macróbio (séc. V d.C.) atribui a Sérvio Sulpício a afirmação de
que ele é derivado de relinquere (deixar, abandonar) esta afirmação não teve repercussão;
mais aceito foi o termo proposto por Cícero (45 a.C.) escritor romano que derivou a palavra
de relegere reputada
como “cuidadosa veneração dos deuses”. Para Cícero é a prática
religiosa através de seus rituais, sacrifícios e orações – a veneração – como âmago da
religião. Sublinha-se o caráter da religião romana neste entender.
Lactâncio
(o Cícero cristão, séc.III-IV d.C), contradizendo o escritor romano
Cícero considera como primitiva a palavra religare, da qual deriva o termo religião e que
interpreta como “re-ligação do ser humano com Deus”. Na conceituação de Lactâncio há
um pressuposto: uma anterior ligação do homem com o divino, ligação esta que em
determinado momento sofreu uma ruptura e após uma “re-ligação”. Para Lactâncio é a
religião que se encarregará de restaurar esta ligação com deus. Uma questão ao mesmo
tempo filológica e ideológico: o objetivo de Lactâncio era redirecionar o termo religio.
Religio a religando significava purificar o termo latino da escória dos rituais pagãos.
A questão etimológica será retomada por Agostinho (séc. IV d.C.) em várias
ocasiões. No De civitate Dei, procura não se opor a Cícero, de relegere passa a religere
(“reeleger”, como retorno a Deus). No De Vera religione, Agostinho retoma a leitura de
Lactâncio, retoma o étimo religio a religando.
A idéia permaneceu religio que significava uma relação baseada na submissão e
no amor entre o homem e Deus :
“religio proprie importat ordinem ad Deum”4
PROBLEMAS DA CONCEITUAÇÃO
A amplitude do fenômeno da existência das religiões leva a dificuldades grandes ao
se tentar definir o seu próprio objeto de pesquisa: a religião. Qualquer que seja a definição,
ela não poderá deixar de corresponder aos caracteres de “hipoteticidade”, arbitrariedade,
verificabilidade e, conseqüentemente, de falsificabilidade, marcantes do método científico .
F. Schleiermacher ao recomendar, em seus conhecidos discursos Sobre a Religião,
aos “intelectuais que a desprezam” que não abordassem apenas uma religião mas todas as
demais religiões da humanidade para evitar conclusões apressadas e distorcidas. Com o
progresso das explorações e de navegadores, descobrem-se e são relatados
“feitos” e
civilizações antigas. Nesse clima de eufóricas descobertas culturais aumenta a consciência
de que o cristianismo é uma dentre tantas religiões presentes no planeta, não é a única.
Compreende-se, então, o apelo de Schleimacher para uma abordagem que respeitasse a
riqueza e a multiplicidade das religiões. Já se indispunha com o termo “religião”,
identificado com o cristianismo e que levava a
um “desprezo” pelas demais crenças
religiosas.
Quando se fala dos termos “relegere” e “religare”, interpretados de modo diverso
como “cuidadosa veneração aos deuses” e “re-ligação” com deus por Cícero e Lactâncio,
respectivamente, percebe-se que ambas pressupõem a existência da diferenciação entre as
duas esferas existentes: a divina e a humana. Partindo daí compreende-se porque a crença
em deus é considerada, muitas vezes, como a essência da religião em si, como por exemplo
a obra de W. Schmidt sobre a origem da idéia de deus. Também G. Widengren em sua
fenomenologia da religião parte da persuasão íntima de que “a crença em Deus constitui a
essência mais intima da religião”. Neste contexto Schmidt e Widengren discutem sobre o
budismo original (dharma, fa em chinês; chos em tibetano) que não se preocupa com a
4
. KÜNG, Hans. Introdução:O debate sobre o conceito de Religião.In: Revista Concilium 203 (1986/1).p.8.
questão de deus e apesar disto é considerado religião, com grande naturalidade, pelo
cristianismo.
Por outro lado a nenhuma crença religiosa dever-se-ia dar a denominação de
superstição. Os dicionários definem supertição como uma crença irracional ou destituída de
bases racionais. Mas nenhuma crença se afigura desarrazoada para quem a nutre; ninguém
admite acreditar numa superstição. Superstição é termo depreciativo, empregado por quem
se julga seguidor de crenças superiores, e portanto preconceituoso. “Definir religião de
maneira inequívoca vem a ser tão difícil quanto definir arte”.5
Esta alegação de H. Küng é corroborada ao se falar nos requisitos essencialistas
de uma definição, é necessário identificar traços que se encontram em todas as religiões,
mas que não se aplicam a outras ideologias ou culturas. Portanto ao se definir religião, uma
compreensão essencialista não pode ser usada sob pena de se excluir algum sistema
religioso. O termo não é neutro, como aparenta ser .
Nas várias culturas religiosas encontramos traços importantes, conceitos que são
centrais para elas e que não são relevantes para outras e nem se confundem com os do
pesquisador. Assim os cristãos questionam-se sobre o conceito de salvação em outras
crenças e entendem com facilidade relativa a preocupação dos budistas pela libertação e o
interesse dos hindus pela moksa. Outras culturas, porém, não entendem como prisão o
corpo e nem têm o mito da queda do ser humano, e conseqüentemente os conceitos de
libertação e de salvação não têm, logicamente, o mesmo significado para elas.
O conceito de religião, se bem que não seja totalmente ambíguo, é um conceito
analógico que congrega fatores distintos e semelhantes. A distinção se mostra,
principalmente, no fato de que este conceito tem de cobrir praticamente todas as variantes
desde a crença em muitos deuses passando pela fé num só deus até a não aceitação da fé em
deus. E mesmo assim há semelhanças que não podem ser ignoradas. Embora nas religiões se
encontrem mais semelhanças que dessemelhanças
aquelas hão de merecer especial
cuidado pois naquelas encontram-se diferenças.
Ao se definir religião deve-se estar atento às seguintes considerações :
1-De que ponto de vista se parte ao fazer esta tentativa?
2-Como olhar sem ingenuidade?
5
. KÜNG, Hans. Introdução:O debate sobre o conceito de Religião.In: Revista Concilium 203 (1986/1).p. 9.
Isto porque a estrutura religiosa não é neutra, mesmo que tenha uma aparente
neutralidade ela tem interesses políticos, econômicos e outros espúreos.
O QUE É RELIGIÃO ?
Muitos cientistas da religião deram e continuam
dando sua contribuição
procurando uma resposta à questão. Partiram de pontos de vista diversos: sociológicos,
filosóficos, jurídicos, de fé etc. Neste sentido nenhum deles pode ser deslegitimado, pode-se
concordar ou discordar, mas não considerá-los ilegítimos. Todos, de uma forma ou de outra
contribuíram para promover uma compreensão maior das várias crenças religiosas dos
diversos povos. Vejamos alguns deles:
W. Schmidt
A escola histórico-cultural de Viena, foi fundada e durante quase meio século,
dirigida pelo Padre Wilhelm Schmidt (1862-1954). A sua idéia era estudar não só uma
religião ou não só as religiões de determinados povos mas estender o estudo comparativo a
todas as religiões para em primeiro lugar compreender melhor as particularidades
individuais de cada religião e depois se chegar a uma sistematização claramente distinguível
das religiões e de seus fenômenos. Ele próprio diz que seu método de estudo das religiões é
histórico-comparativo. A sua ousada tese de pré-compreensão teológica foi duramente
criticada, principalmente por Pettazzoni. W. Schmidt chega a uma solução claramente
teológica para o problema da primeira forma de religião, questão esta que afligia a todas as
escolas da época. A compreensão da idéia de deus como a essência da religião em si
embasa a obra de Schmidt que colocava no centro da religião a veneração dirigida aos Seres
Supremos.
Aplicava, à sua maneira pessoal, a interpretação que Lactâncio deu ao termo religio
à uma descoberta por ele considerada decisiva e que sem hesitar
unia diretamente à
revelação contida na bíblia: toda e qualquer religião posterior nada mais seria que uma
forma mais ou menos degenerada deste o início. Acontece, porém, que ao definir religião
substituiu a expressão “crença em Deus” por “reconhecimento de um ou mais seres pessoais
que sobressaem além das condições terrenas
divindade.
e temporais” compreendendo
assim a
Max Weber e Émile Durkheim
Estes “os fundadores” da sociologia moderna, atribuíram importância teórica ao
estudo da religião, colocando-a no centro de sua teoria da sociedade. Weber inclinou-se a
focalizar a mudança social e estudou a religião como fator de mudança social. Durkheim,
por sua vez, se perguntava como a sociedade se mantinha unida e assim se dedicou aos
elementos responsáveis pela coesão e solidariedade. Considerou até a religião como fator
essencial de identidade e integração.
Max Weber, impressionado com a variedade enorme de fenômenos religiosos não
quis dar uma definição e optou pelo uso comum. Para ele religião era o cristianismo e as
religiões mundiais como também as religiões primitivas. Para Weber a religião proporciona
a matriz de sentido, mas esta função social não esgota o seu sentido. Weber estava mais
interessado no impacto da religião na sociedade e na vida humana do que na sua essência.
Ao mesmo tempo ele não quis fazer da religião um elemento constitutivo da sociedade.
Émile Durkheim considerou a religião de forma bem diferente. Para ele a religião
era essencialmente social. As crenças e as práticas relacionadas ao sagrado uniam as pessoas
numa só comunidade com um só coração e uma só alma.Quando mais jovem, influenciado
por pensadores sociais franceses anteriores, afirmou que a religião não tinha lugar na
sociedade moderna mais esclarecida e científica como outrora tivera nas comunidades
tradicionais. Mais tarde mudou o discurso. Baseado em sua pesquisa sobre a sociedade
primitiva e a moderna concluiu que os símbolos da interpretação do mundo conservam
permanente importância mesmo na era da ciência e da tecnologia ,e estes símbolos são ao
mesmo tempo a força que mantém unida a sociedade e a força que a chama a uma fidelidade
maior a seus ideais. “Há na religião algo de eterno destinado a sobreviver a todos os
símbolos particulares nos quais o pensamento religioso se envolveu sucessivamente”.6
Durkheim tinha tanta certeza de que a religião era o centro da sociedade que
não podia imaginar uma sociedade totalmente profana e secularizada. Para ele
Religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a
coisas sagradas, isto é, separadas, interditas;crenças e práticas que unem
em uma mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a
elas aderem.O segundo elemento que ocupa lugar em nossa definição e
que não é menos essencial que o primeiro é o fato de que a idéia de
6
. Durkheim, E. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo. Paulus, 1989, p. 504
religião é inseparável da idéia de igreja, isto quer dizer que a religião deve
ser uma forma eminentemente coletiva .
Gerardus Wan der Leevw
Teólogo e pastor, para ele o ser humano nasce insatisfeito, com uma sensação de
incompletude e mais ainda pela característica da cultura, a rapidez das mudanças. O homem
aceita a vida mas não a encontra completa. Ele precisa mudar esta vida entendida como
algo que lhe é dado.Considera a noção de power (força e poder) está na base do fenômeno
religioso. A religião existe porque existe a idéia de que há alguma coisa errada no mundo.
Este mundo esta numa queda, a religião irá neutralizá-la. A definição de Wan der Leevw
tem base filosófica. A noção de poder é a essência da religião e é ela que vai identificar a
natureza sagrada que vai autenticar pessoas e coisas sagradas. Uma posição diferente da
posição
do sociólogo
Emile Durkheim, que era ateu. A religião nasce com a crise
existencial, para “melhorar” o mundo. É ela que dá o sentido último da vida e a partir daí
tudo se encaixa, tudo passa a ter sentido. Deus é silêncio, a religião é como saída ( exit êxito ).
Para Wan der Leeuw a religião é a fé e há entre a fé e a evidência uma estreita
relação de parentesco, apesar da impossibilidade de que a fé como base metódica da
teologia se remonte à evidência, no fato de que a evidência em sua essência, “é uma
disponibilidade à revelação”.7
Rudolf Otto
A sua conhecidíssima obra “O sagrado” influenciou o surgimento da Escola de
Marburgo e ainda continua sua tradição. Baseando-se principalmente no ideal
da
compreensão e participação. Sugere que a religião deve ser estudada a partir da “experiência
religiosa” que é o seu verdadeiro
centro e o ponto de partida para seu estudo. Otto
prefere à definição falar de “compreensão”, “intuição”, “participação” no mundo religioso.
Para se chegar a uma definição/compreensão de religião é necessário traçar diretrizes.
Primeiro, existe a convicção de que se entende a religião a partir da “experiência religiosa” e
ela é significativa para o homem que a vive; um segundo motivo consiste em acentuar a
tese segundo a qual, se a religião constitui “experiência religiosa” o estudioso de religião
7
. Wan der Leeuw, Gerardus- “Fenomenologia de la religio”.México. Fondo de Cultura Econômica, 1964, p.654.
deve identificar-se com o homem religioso. Por fim, existe a tese de que o sentido do
sagrado tem sua intencionalidade real.
Rudolf Otto
descobre o sentimento de pavor diante do sagrado, diante desse
mysterium tremendum, dessa majestade que exala uma superioridade esmagadora de poder;
encontra o temor religioso diante do mysterium fascinans, em que se expande a perfeita
plenitude do ser8. Cria o conceito de sagrado, que vai influenciar a compreensão de religião.
Na base da religião está a experiência do sagrado, do numinoso, do estranho; esta
experiência que ao mesmo tempo causa fascínio e temor, aproximação e afastamento. É a
experiência do sagrado/divino. Otto
designa
todas as experiências como numinosas
(numen, “deus”) porque são provocadas pela revelação de um aspecto do poder divino. Uma
definição intuitiva, essencial, ostensiva e também hermenêutica-teológica que se encarrega
de aproximar a história das religiões à teologia das religiões, tendo como certo que
compreender a essência da religião é participar na verdade da própria religião. 9
Mircea Eliade
Sem dúvida, é hoje o incontestável mestre da escola de Chicago. Difícil procurar
na obra de Eliade uma definição de religião. A compreensão fundamental continua sendo o
sagrado como experiência, autêntica e irredutível. Surge aí a necessidade de elaborar uma
teoria compreensiva do homo religiosus. No prefácio de seu Tratado Eliade escrevia:
...um fenômeno religioso somente se revelará como tal com a condição
de ser apreendido dentro de sua própria modalidade, isto é, de ser
estudado à escala religiosa. 10
Eliade quer não só colocar-se contra o reducionismo mas também indicar o valor
da religião e da pesquisa sobre as religiões. Para ele
toda manifestação do sagrado é conseqüente : todo rito, todo mito, toda
crença ou figura divina reflete a experiência do sagrado e por
conseguinte, implica as noções de ser, significação e verdade.11
Trabalhou a religião centrando sua compreensão do fenômeno religioso na
experiência religiosa, na manifestação do sagrado no profano. O elemento central da religião
é a hierofania, esta manifestação do sagrado no profano. A história das religiões é a história
8
. Mircea ELIADE. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.16
. Aldo Natale TERRI. Sobre a definição de Religião na História das Religiões. In Revista Concilium -1980/6 p.99.
10. Mircea ELIADE. Tratado de História das Religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.1.
11
. Mircea ELIADE. História das Crenças e das Idéias Religiosas. Chicago: Payot, 1989.
9
das hierofanias. O sagrado se manifesta sempre através de qualquer objeto do meio natural,
numa dialética do que é sagrado e do que não o é. Desenvolveu em sua vasta obra a tese da
irredutibilidade do fenômeno
religioso em todas
as manifestações da cultura. Eliade
acredita que o homem total nunca está completamente fora da esfera sagrada. Para ele ao se
estudar o fenômeno religioso deve-se buscar compreendê-lo enquanto fenômeno religioso,
pois se corre o risco de negligenciar a total intencionalidade própria do fenômeno religioso.
Estabelece, na sua compreensão de religião, uma interface entre a esfera do profano e a
esfera do sagrado: o ponto de encontro. Ao definir este ponto de encontro como hierofania,
deixa a suposição de que a iniciativa parte do sagrado, que se deixa ver .
Geo Widengren
Estudioso que junto com Pettazzoni, sucedeu a Van der Leeuw na presidência
da
“Internacional Association of the History of Religions” caracteriza-se pelo esforço de
superar a dicotomia entre estudo teológico e estudo humanista da religião em nome de um
estudo puramente científico. A religião não deve ser separada de seu contexto históricosocial, a sua história não é uma epifania contínua de um suposto sagrado. Seus trabalhos
estão, de um modo geral, ligados a um estilo neopositivista. Widengren também parte da
tese central: a fé no Deus que constitui o núcleo vital das diversas religiões, parte da
“convicção” de que a crença em Deus constitui a essência mais íntima da religião. Em sua
definição de religião circunscreve o conceito de Deus pela expressão “determinador do
destino”. Tanto Widengren como Schmidt discutem o problema do budismo, se pode ou não
ser considerado uma religião, neste contexto de existência na crença de um deus ou mais
deuses, uma vez que não há no budismo original a figura de divindade.
Fredrich Heiler
Fredrich Heiler o representante talvez mais insigne e significativo da escola alemã de
Marburgo (1892-1967), aluno e amigo de Otto, homem especialmente envolvido no diálogo
religioso. Define a religião como sendo uma relação com o sagrado baseada na revelação e
na graça:
essência da religião, portanto, é a comunhão do homem com a realidade
transcendente que flui da experiência da graça divina , uma comunhão
que se realiza na adoração e no sacrifício e que leva à beatitude do homem
da humanidade.
Baseado na compreensão fenomenológica de R. Otto e M. Eliade . ele define a
religião como a “lida com sagrado”. A religião para Heiler é, antes e acima de tudo,
Handlung, ação, experiência vivida.
A . Lang
Lang historiador das religiões, escocês (1844-1912) fez uma descoberta que
impressionou o Padre Schmidt, relativa à presença, em muitas populações iletradas, da
crença num ser supremo (além de outros elementos menos elevados) não ativo, mas com
funções de indicador ético, além de criador primordial que se retirou da “vida ativa” depois
de certo período da criação (em geral por causa da maldade do homem). Pelo método
histórico-comparativo adotado na escola
histórico-cultural de
Viena a qual pertencia
concluiu:
a religião surge quando o homem assume diante do Sagrado e do Divino
uma postura subjetiva, totalmente particular. Isto acontece quando o ser
humano é emotivamente atingido e atraído pelo objeto e entra em contato
pessoal com ele .
Para ele a religião não tem a ver com a instituição mas com o sujeito. É atitude
pessoal de cada um .
Peter L. Berger
Retoma em adesão a Otto e Eliade a categoria do sagrado para distinguir
determinada espécie de autotranscendência humana de outras, vai além dos cientistas da
religião citados quando entende a religião não só como a manifestação do sagrado no
profano mas também como possibilidade humana de construir um cosmo a partir do
sagrado. Baseando nisto entende a religião como
o empreendimento de ser humano no sentido de construir um
cosmo sagrado. Religião é esta construção social a partir do sagrado.¹² A
religião é a obra humana através da qual é construído um cosmo sagrado.
Religião é a temerária tentativa de conceber o universo como
humanamente significativo.
Em sua obra maior, P.L. Berger alinhado a Durkheim de um lado e a Otto e Eliade
de outro entende o sagrado como separação e a religião como “cosmização” do sagrado e
como relação reverencial com uma entidade sobre-humana, identificada “em certos objetos
da experiência”. Na visão de Berger o sagrado opõe-se não tanto ao profano quanto ao caos;
é um organizador global, um criador e mantenedor da ordem, uma retícula coerente de
significados últimos; nele está, para o homem religioso, o sentido do cosmo e a sua
legitimação. Daí a tendência inerente à religião de dar sentido às instituições sociais, figuras
do cosmo; e não só, mas também dar sentido a essa marginalidade temida que é a morte.
O tema da teodicéia parece central no pensamento de Berger e em todo o caso é
uma resposta ao estado de sofrimento e angústia do ser humano. Peter Berger não perfilha a
definição funcional da religião. Para ele a religião relaciona-se com a realidade sagrada para
além do tempo. Com Heidegger, Berger vê na angústia da humanidade frente à morte e à
mortalidade a característica que define a vida humana. A única força capaz de apaziguar esta
angústia é a religião: só a religião lida com deuses imortais, o mundo superior, o domínio
transcendente.
Thomas Luckmann
Docente na Universidade de Constanza, conhecido no campo de Sociologia da
Religião. Sem seguir as orientações de pesquisa em voga nos anos 60, predominantemente
sociográficas, Luckmann se remete para uma “macrossociologia” da experiência religiosa.
O desenvolvimento da era industrial tende a enfraquecer o “poder atribuído” de uma
religião, eclesiasticamente orientada. Mas, isso não implica a destruição da dimensão
religiosa. A dimensão religiosa é definível no interior dos sistemas simbólicos enquanto
“sistemas e significados socialmente objetivados”. Estes, por estrutura própria “ligam as
experiências da vida cotidiana a uma esfera de realidade ‘transcendente’ ”. 12
No pensamento de Luckmann, a religião surge dessa “condição antropologicamente
universal” que se realiza na transcendência simbólica da realidade objetiva. Assim a religião
não é uma exigência psicológica ou no dizer das escolas fenomenológicas, uma experiência
inefável que se pode, no máximo, descrever tipologicamente mas não definir. A religião,
segundo Luckmann,é um dado ontológico enraizado no ato de transcendência que a
personalidade opera em relação à própria base biológica, através dos processos de
socialização. É uma definição do ponto de vista funcional. Segue de um certo modo a linha
de Berger no que tange a religião entendida como construção de um cosmo mas não liga,
necessariamente, esta construção ao sagrado. É a religião definida como “aquilo que
permite ao homem que se torne homem”. É através da construção social “religião” que o
12
. Citado no verbete “Religião” no Léxico das Religiões.Vozes .Petrópolis 1998
homem encontra uma via de realização. Esta visão de Luckmann abre outro viés no debate
sobre a religião: seria a religião inerente ao ser humano ou um condicionamento cultural? A
definição de Luckmann supõe que não existe ser humano sem religião, nem sociedade sem
religião.
E.K. Nottingham
Em Religion and Society (Nova Iorque,1954):
“A religião é o fundamento dos laços sociais”. (definição funcional).
Marcel Mauss
Distingue entre fenômenos religiosos strictu senso e fenômenos religiosos lato
senso. Não contrapõe uns aos outros, mas entende poder lê-los como se se tratasse de um
continuum:
A religião strictu senso caracteriza-se pela presença da noção do sagrado
propriamente dito e de obrigações determinadas, como no caso dos
fenômenos jurídicos (...).Como um grande halo em torno desses núcleos,
que são a magia e a religião,temos o folclore, as crenças populares.
Os fenômenos religiosos lato senso “compreendem principalmente a
magia, a adivinhação e as supertições populares”.
J. Milton Yinger
Acha que a clássica derivação religio a religando é totalmente insuficiente seja
porque não consegue desfazer a angústia pessoal e coletiva que permeia a experiência
religiosa seja porque é incapaz de compreender o papel de legitimação que a religião
historicamente exerceu. Define
a religião pode ser pensada de um modo último de resposta e de
adaptação; é uma tentativa de explicar aquilo que de outra maneira não
seria explicável ; de recuperar o vigor quando todas as outras forças
terminam; de instaurar o equilíbrio e a serenidade diante do mal e do
sofrimento, que outros esforços não foram capazes d eliminar.
Paul Tillich
Importante teólogo propõe uma definição de religião lato senso “Religião,no sentido
mais amplo e essencial da palavra é a preocupação última (ultimate concern)”.
Raimond Firth
Estudioso inglês considera que a religião intervem, como instrumento de proteção
extrema e valores indicados na definição, quando estes aparecem ameaçados por situações
que os homens não podem controlar. Formula uma definição eclética de caráter
antropológico , no âmbito europeu “religião é uma relação que liga o homem, dentro da
sociedade, aos seus fundamentais fins e módulos de valor, através de algumas entidades e
forças não humanas”.
Niklas Luhmann
A religião no entendimento de Luhmann é “um meio de comunicação”, ela permite
a passagem, segundo uma modalidade implícita (latente), “da complexidade indeterminada
para a complexidade determinada”.
René Girard
Antropólogo francês, conhecido por seus estudos sobre a relação entre o sagrado e
violência. Para Girard, o centro de qualquer religião é o sacrifício, entendido como
ritualização preventiva das tendências agressivas existentes, ativas, vivenciadas em todas as
sociedades: “é a harmonia da coletividade que o sacrifico restaura, é a unidade social que ele
reforça...Graças a ele, as populações permanecem serenas e não se rebelam. Ele reforça a
unidade da nação”. O religioso , para ele nada mais é que esse imenso esforço de manter a
paz. O sagrado é a violência e é querida pelo religioso na medida em que ela for usada para
trazer a paz; “o religioso é todo orientado para a paz, mas os meios dessa paz nunca
dispensam a violência sacrificial”. Fez do sacrifício- e portanto, da religião- o fundamento
da história humana.
CONCLUSÃO
Com o iluminismo a religião passou a ser vista sob um olhar crítico, foi colocada
em bloco. Analisou-se, criticamente, o seu papel e a sua participação na sociedade. Seria
neutra e sem interesses ou não. Mas neutra ou não o fato é que não há sociedade sem
religião. E a visão de vários estudiosos sobre o que é religião, não lhe tira o brilho nem
diminui seu valor e importância nas culturas. Não se pode convencer alguém a não ter
idéias religiosas. Se elas têm idéias algo as forçou. Marx anteviu o fim da religião, pra ele a
religião era “o ópio do povo” mas se a religião, realmente, nublasse a visão do povo,
impedindo-o de ver a realidade política tal qual ela é, certamente, o Estado e o poder
econômico estariam ao seu lado, protegendo-a como a uma aliada. Mas isto não acontece,
ao contrário, vários líderes religiosos são perseguidos, intimados, ameaçados, presos e até
mortos por serem tão somente o que são.
Todas as definições revelam um certo pré-conceito sobre o fenômeno religioso e
mais outras que fossem listadas e ter-se-ia a mesma observação a fazer. Todavia, estas
definições em muito contribuem para o estudo da religião, todas são vistas a partir de um
ponto de vista do crente ou do filósofo da religião. As várias explicações sobre “o que é a
religião” são “tentativas” de conceituação, dada a complexidade do fenômeno. Foi por
considerar esta complexidade e a dificuldade em encontrar uma definição que respondesse
à pergunta “O que é religião” que W.C. Smith sugeriu que se substituísse o conceito de
religião por estes dois outros conceitos - tradição cumulativa e fé.
BIBLIOGRAFIA
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