%HermesFileInfo:E-3:20150329: O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 29 DE MARÇO DE 2015 Nem tudo são flores Elas se cansaram do terreno caidinho e nele fizeram uma horta-jardim. Mas alguns moradores não gostaram e querem pôr fim à ‘arbitrariedade’ WERTHER SANTANA/ESTADÃO Janaina Fidalgo Uma esquina com menos de 70 m² virou assunto essa semana na City Lapa, bairro na zona oeste paulistana projetado na década de 1920 pela Companhia City e conhecido pela profusão de áreas verdes – algumas das quais malcuidadas. Incomodadascomoacúmulode entulhoeaimpossibilidade de andar pela calçada dominada pelo mato, duas moradoras se mobilizaram. Panfletaram nas residências do entorno, convidando os vizinhos a discutir alternativas paraaárea. Nodia marcado,apareceram a dentista Ana Campana e a nutricionista Neide Rigo,colunistadoPaladar–asmesmasmoradoras que haviam convocado o encontro. Porcontaprópria,começaramalimparoterreno dias depois e receberam a ajuda de vizinhas atentas à labuta solitária das duas. Passado um ano, a esquina hoje abriga uma horta colorida por flores de cosmo. Um “jardim devariedades”comcercadecemespéciesde plantas medicinais, alimentícias e ornamentais mantidas por 15 voluntários. Uma caixa de jataís (abelhas sem ferrão), uma cacimba para a rega e bancos de toco de árvore completam o modesto mobiliário. MasnemtudosãofloresdecosmosnahortacomunitáriadaCityLapa.Naúltimasemana,oshortelõessesurpreenderamaovermetadedacapadapublicaçãodobairro,oJornal da Gente, uma foto com o texto: “Moradores usam área verde da Rua Barão de Itaúna e João Tibiriçá para plantio de chás e ervas. Nem a calçada escapou. O grupo plantou até no meio da calçada no momento em que se debate a mobilidade urbana”. A gota d’água foi o plantio de mudas de capim-santo em fissuras da calçada. “Substituímos um capim que não presta pra nada por um que é santo. Ao fazer isso, só explicitamos Desavença. City Lapa: melhoria para uns, atração de mendigos para outros a falta de manutenção das calçadas”, diz Neide. “Havia um lugar degradado e a forma que encontramos de dar uma ocupação a ele foi essa, limpando e plantando.” O post sobre o capim-santo da discórdia publicado no blog da nutricionista se espalhou pelas redes sociais e resultou numa carta de apoio assinada por integrantes do Hortelões Urbanos, grupo virtual com 14 mil membros. No documento, pedem uma política pública para as hortas urbanas de São Paulo. “Tem gente que acha horta algo feio, e mexer na terra, sujo. Acham que vai atrair mendigos. Querem que aquele espaço público seja só deles”, diz Thais Mauad, que redigiu o texto. Patologista do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, ela estuda o impacto da poluição nesses espaços. “O que mostramos foi a irregularidade da calçada. Você tem que consultar o pessoal da associação, que não apoia porque tem moradores desfavoráveis”, justifica Maria Isabel Coelho, editora do Jornal da Gente. Contudo, o presidente da Amocity, o advogado Jairo Glikson, afirma que a associação não quer se envolver. Prefere “ficar quieto e ver o que acontece”. “Não quero polarizar porque temos problemas maiores, como a Lei do Zoneamento e a ponte de Pirituba. A ideia da horta é muito boa, e a gente entende que o bairro precisa de mais árvores. Mas escutamos argumentos contra: a questão da contaminação do solo, de saber se o local é adequado para plantar comida; a alegação de que a horta foi feita de forma arbitrária, sendo que tem gente contra porque cria aglomeração – já teve banco no bairro inutilizado com óleo para evitar ladrões, que sentavam para olhar as Free Zé Colmeia! Denúncias de más instalações no RioZoo reacendem antigo debate sobre expor animais ao público ou mantê-los isolados em santuários Clarissa Thomé / RIO Zé Colmeia dá três passos para trás e três para a frente. Esfrega a cabeça na porta da jaula. E repete o movimento. O urso-pardo foi atração de circo até os 5 anos. Perdeu a função no dia em que atacou seu domador. Condenado a uma jaula de transporte de 2 m², viveu ali por mais cinco anos, alimentado com ração de cachorro, até ser resgatado. Estava subnutrido, cresceu bem menos do que o esperado para sua espécie – de pé, alcança 1,8 m, quando poderia chegar a 3. Desde 2007 é um dos 2.400 bichos do RioZoo.Tratadocom ansiolíticopara diminuir a ansiedade, ganha melancias congeladas no verão e frutas embaladas para presente no Natal. Distrai-se catando alimentos que os tratadores espalham no recinto em que vive. Tudo para evitar seus movimentos repetitivos. Mas Zé Colmeia retoFABIO MOTTA/ESTADÃO Píssico. Urso toma ansiolíticos para estresse de antigos maus-tratos ma o vaivém nos momentos de estresse, principalmente quando a jaula é cercada pela criançada barulhenta que tenta chamar a atenção do urso, ignorando os avisos de que ele está em tratamento. Adespeitodotrabalhoincansáveldostratadores e veterinários, como no caso de Zé Colmeia, o RioZoo está na berlinda no mês em que completa 70 anos. Relatório do Ibamaapontauma sériedeirregularidades,comolixomal-acondicionado,viveirosfechados com grades enferrujadas e risco de fugas no “setor extra”, que está parcialmente interditado.Alificamosanimaisemadaptação ou considerados agressivos com os companheiros de jaulas. Com base nesse documento, o Ministério Público Federal cobrou a adoção de uma série de medidas, sob ameaça de interditar o local. “O zoológico tem uma função social. Para onde iria um bicho como esse urso que sofre de depressão? A ideia não é fechar. O zoológico precisa de reformas porque como está hoje não atende minimamente os requisitos exigidos pelo Ibama. Falta dinheiro. A última reforma foi feita em 1993”, dizo procurador Sérgio Suiama. A prefeitura tem até o fim do mês para responder aos requerimentos do MPF. A crise no único zoológico do Rio reabre a discussão sobre como cuidar de bichos em cativeiro. “Eu não compartilho com a ideiadequetenhamosdeteranimaisexpostos para saciar a curiosidade humana”, afirma o professor de medicina de animais selvagens da Universidade Federal Fluminense, Sávio Freire Bruno. “O zoológico busca justificar sua existência pela preservação do patrimônio genético, pelo apoio a ações de conservação, pela educação ambiental. Mas ele deseduca mais que educa, porque enfatiza o olhar antropocêntrico: o fato de termos o direito de aprisionar o animal para saciar nossa curiosidade. O modelo está falido e os zoológicos devem procurar uma nova identidade.” Bruno lembra que o conceito de zoológico surgiuna Renascença.Era sinal destatus de monarcas e de conquista do Novo Mundo exibir animais exóticos. Os bichos ficavamemrecintoscirculares,paraquepudessem ser observados de todos os ângulos. “Alguns zoológicos ainda mantêm esse sistema, quando o ideal é que os animais tenhamumpontodefugapara quandoestiverem estressados. Mas aí está o paradoxo: a pessoa paga para ver o animal, que está escondido porque precisa se proteger.” Aliás E3 casas que iam roubar, e de maconheiros, essas turmas complicadas – e se tem autorização de uso”, diz Glikson. A reportagem pediu nomes de moradores contrários, para que fossem ouvidos, mas Glikson negou-se, para “não aumentar a polêmica”. A desavença sobre as calçadas aparentemente será resolvida: “Vamos consertar nos próximos 30 dias”, promete o subprefeito da Lapa, José Antonio Varela Queija. Quanto à autorização de uso, Neide Rigo protocolou no órgão uma carta de intenção para celebrar um termo de cooperação. “A Prefeitura quer que os espaços sejam ocupados em parcerias. Toda cooperação é bem-vinda”, diz Queija. A celeuma do caso City Lapa põe em evidência a necessidade de se estabelecer novos modelos de uso e convivência em espaços públicos. Situações semelhantes ocorreram em Brasília, onde uma horta virou motivo de briga, e na própria cidade de São Paulo. Voluntária na Horta das Corujas, na Vila Madalena, a jornalista Claudia Visoni já foi chamada de porca por mexer na terra. Ouviu também que “se morava em Pinheiros, tinha dinheiro para ir ao mercado e não precisava plantar ali”. “Somos vistos como exóticos, um pessoal engraçado. Vivemos um momento de inflexão cultural. A gente vem de décadas de reclusão em que o espaço público era apenas um lugar para passar o mais rápido possível. O que propomos é ressignificar o que é espaço público.” Para o professor de psicologia ambiental do Instituto de Psicologia da USP Gustavo Martineli Massola, “existem pessoas que têm como ideal de beleza urbana a diminuição das áreas verdes. E o território da cidade foi, historicamente, loteado de maneira desigual, norteado pela especulação imobiliária. A relação com a terra sempre foi voltada à manutenção do poder, do status, do dinheiro. Grupos como o dos hortelões invertem essa lógica, e isso incomoda”, diz. Outra entusiasta da recente onda de apropriação dos espaços públicos pela população, é a urbanista e professora da FAUUSP Raquel Rolnik. Ela lembra o abandono dos espaços coletivos nos anos 1990, quando proliferou o modelo de shoppings centers, condomínios e áreas de lazer fechadas. “Essa retomada é a coisa mais importante que aconteceu em São Paulo nas últimas décadas. E ela não está só na apropriação dos lugares públicos, nas hortas e blocos de carnaval. Está também na luta pelos transportes não motorizados, na diminuição do espaço dos carros, no aumento da oferta de espaços para o cidadão. A questão que se coloca agora é como lidar com essa potência de criação e manter espaços democráticos para a decisão sobre o destino de um lugar.” Para Pedro Ynetian, presidente do projeto GAP Brasil, de proteção aos grandes primatas, zoológicos são estruturas ultrapassadas. “O ideal é converter esses locais em centros de resgate. O Ibama não tem onde colocar os animais vítimas de maus-tratos ou que foram alvo de traficantes.” Ynetian mantém um santuário para primatas em Sorocaba. Os animais ficam em recintos de até 4 mil m². Os que têm mais dificuldade de adaptação são os que vêm de zoológicos, de uma rotina extenuante de exposição oito horas por dia e confinamento no período em que o zoo está fechado. A presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil, Yara Barros, refuta as críticas. Afirma que os zoológicos do Brasil recebem 20 milhões de visitantes por ano. Não há sala de aula que se compare à força do zoológico para a disseminação de consciência ambiental, acredita. E cita pesquisasacadêmicasque ocorremem zoológicos e programas de reprodução de espécies já extintas, como o mutum-de-alagoas. Três zoos tentarão a reprodução em cativeiro da ave, para fazer a reintrodução na natureza. Paraela, odebate polarizadoentre zoológicosesantuáriostiraofocodotemaprincipal: financiamento para manter os animais em boas condições. “Não adianta fechar o zoológico para visitação, transformá-lo em santuário,seasjaulas sãomínimas,osrecintos inadequados. Mas parece que as pessoas não se incomodam de os bichos estarem mal cuidados se não estiverem sendo economicamente explorados.” DeacordocomYara,56%dos106zoológicos brasileiros são municipais e não há cobrançadeentradaem40%deles. “Os investimentos dependem inteiramente da boa vontade do prefeito. Essa falta de autonomialeva aosucateamento. Éo caso doRio.” A prefeitura informa que começou a tomada de preço para obra de revitalização do RioZoo. A reforma inclui jaulas, setores administrativoserestaurodelago desenhado por Burle Marx. A tela do Viveirão das Aves terá a altura aumentada para que os pássaros tenham mais espaço para voar. Alheio à polêmica e às promessas de reforma, Zé Colmeia segue no seu ir e vir. Foi o biólogo Anderson Mendes, do RioZoo, quem decifrou a origem da mania do ursopardo: por cinco anos, toda a caminhada que ele fez se restringiu a três passos para frente e três para trás, na cela em que ficou confinado.“Eleseráumpacientepsiquiátrico para o resto da vida.”