COOPERAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA: O CASO DO TRANSPORTE COLETIVO João Paulo de Souza Cavalcante1 Christian Luiz da Silva2 Décio Estevão do Nascimento3 RESUMO: O objetivo deste artigo é identificar possíveis causas dos conflitos existentes no planejamento e gestão da área de transporte coletivo na Região Metropolitana de Curitiba a fim de identificar as formas de interação entre os entes federativos envolvidos no planejamento e na gestão da área. Face a esse objetivo, trata-se de um artigo exploratório, de cunho bibliográfico e documental. Além das conclusões primárias acerca da ausência de ações no sentido de explorar a cooperação entre os entes federativos, mesmo diante da existência de um arranjo institucional para tanto, foi possível aprofundar o conhecimento acerca das questões relativas às relações intergovernamentais no contexto do transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba, bem como levantar questionamentos a serem aprofundados no futuro. PALAVRAS-CHAVE: relações intergovernamentais; cooperação intergovernamental; região metropolitana; transporte coletivo. INTRODUÇÃO O tema a ser discutido no presente artigo é o das relações intergovernamentais entre entes federativos no interior das Regiões Metropolitanas. Mais precisamente, das regras relativas à cooperação intergovernamental para o planejamento e gestão do transporte coletivo nas regiões metropolitanas. O enfrentamento de tal questão não pode ser feito de modo autônomo por cada um dos seus municípios integrantes, haja vista o fato de que as relações dentro dessa rede urbana são complexas e interrelacionadas. 1 Advogado, especialista em direito administrativo e mestrando em planejamento e governança pública na UTFPR, e-mail: [email protected]. 2 Economista, doutor em engenharia de produção e pós-doutor em administração pela USP. Professor do mestrado em planejamento e governança pública (PGP) e do mestrado e doutorado em tecnologia (PPGTE) da UTFPR, e-mail: [email protected] 3 Engenheiro, doutor em Ciências do Homem e Tecnologia, pela Université de Technologie de Compiègne (UTC) e pós-doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp. Professor dos programas de Pós-Graduação em Planejamento e Governança Pública (PGP) e Tecnologia (PPGTE) da UTFPR, e-mail: [email protected] 1 De um modo geral, o município central de uma região metropolitana concentra diariamente fluxos de diferentes naturezas (pessoas, materiais, informações, capital). Decorre disso o entendimento de que o planejamento e a gestão dos serviços públicos dentro das regiões metropolitanas seja conjunto, mais ainda, de que é imprescindível que seja desta forma. O presente estudo se concentra na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) em decorrência das discussões em pauta (anos de 2012 e 2013) acerca das responsabilidades do Estado e dos Municípios no que se refere ao subsídio da tarifa do transporte. À época ficou claro que a discussão estava relacionada aos resultados da interação entre Estados e Municípios, e não sobre a constituição dessa interação já que, formalmente, o arranjo institucional para a cooperação encontra-se montado há 40 anos. Na prática, porém, a ausência de planejamento e gestão integrados do transporte coletivo levou a uma disputa sobre se a responsabilidade pelo subsídio à tarifa do transporte seria do Estado do Paraná ou dos municípios da RMC. O encerramento do convênio entre a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) e o município de Curitiba, por meio da Urbanização de Curitiba S.A (URBS), no mês de maio de 2013, impôs a renegociação acerca das responsabilidades de cada um dos dois entes federativos. De modo especial ao que se refere à renegociação das bases financeiras da integração metropolitana. Embora tenha sido firmado novo convênio no mês de maio de 2013, com vigência até fevereiro de 2014, conforme noticiado na imprensa em outubro de 2013 (ANÍBAL, 2013), o Estado do Paraná previu no orçamento de 2014 o pagamento de subsídio apenas até fevereiro, em cumprimento ao convênio assinado em maio de 2013, ou seja, sem previsão de auxílio financeiro para o restante do ano. Antevendo essa disputa, o Município de Curitiba protocolou, em outubro de 2013, um pedido para que o Governo do Estado renovasse o convênio, por meio do qual o Estado subsidia a tarifa do que se convencionou chamar de Rede Integrada de Transporte (RIT), para todo o ano de 2014. Esse fato apenas demonstra a falta de sincronia no planejamento e gestão dos serviços de transporte coletivo na RMC, tendo em vista que não houve previamente uma discussão acerca das responsabilidades de cada ente federativo ou mesmo um planejamento conjunto sobre o financiamento da RIT. Do contexto acima delineado, surge o problema a ser enfrentado no presente artigo: quais são as possíveis causas dos conflitos existentes no planejamento e gestão da área de transporte coletivo na RMC? O objetivo, portanto, é identificar as possíveis causas de conflito existentes no planejamento e na gestão da área de transporte coletivo na RMC. Em termos de 2 procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa de cunho exploratório, que faz uso de técnicas de pesquisas bibliográfica e documental. No que se refere à estrutura do artigo, na primeira parte será tratado o tema do federalismo brasileiro e os problemas de coordenação entre os entes federativos no tocante aos serviços públicos, ao qual a literatura dá o nome de relações intergovernamentais. Já na segunda parte, será discutida a temática das regiões metropolitanas e o contexto de sua criação e problemas daí decorrentes. A terceira parte, por sua vez, tratará da legislação relativa ao transporte coletivo na RMC, para que sejam demonstrados os mecanismos de planejamento e gestão do sistema definidos por lei. Por último, nas considerações finais é feita uma síntese dos resultados encontrados, com o apontamento das conclusões acerca das regras relativas à cooperação intergovernamental na RMC, bem como um breve apontamento sobre novos temas de pesquisa e possíveis aprofundamentos a partir dos resultados apresentados no presente artigo. A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E OS PROBLEMAS DE COORDENAÇÃO E COOPERAÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS Souza (1992) ensina, a partir da concepção da ciência política, que a federação deve ser vista como uma pluralidade de centros de poder coordenados entre si. Essa definição se aproxima daquela exposta por Franzese (2010, p. 32) para quem a federação diz respeito “à estrutura institucional que acomoda a existência de um governo central e governos subnacionais dentro de um mesmo Estado”. A esse conceito soma-se a visão de Elazar (1987 apud BAINES et al., 2013) para quem o arranjo federal nada mais é do que uma parceria entre entes autônomos, a qual deve ser regulada mediante um pacto onde seja acordada a partilha de poder e das obrigações consequentes. Tendo em vista a importância da divisão do poder para o modelo federativo, Abrucio (1998) aponta três condições que permitem que esta seja feita de modo a que haja preservação do equilíbrio entre os entes federados: “a existência de um contrato federativo garantido por um sólido arcabouço institucional, a convivência entre os princípios da autonomia e da interdependência e republicanização da esfera pública, sobretudo no plano subnacional” (ABRUCIO, 1998, p. 26). Além das condições para o equilíbrio, anteriormente apontadas, destaca-se a importância de três instrumentos para assegurar esse mesmo equilíbrio: i) a existência 3 de controles mútuos entre os níveis de governo, ao qual se dá o nome de checks and balances; ii) a existência de processos de negociação acerca do compartilhamento de decisões e responsabilidades, conceito do termo shared decision making e; iii) o papel coordenador e indutor de políticas do governo federal (BAINES et al., 2013) No Brasil, a partir da Constituição de 1.988, o Município foi alçado à condição de ente federativo autônomo e, por consequência, adquiriu por um lado autonomia financeira e administrativa, mas, por outro, responsabilidades em termos de políticas públicas (BAINES et al., 2013). Com isso, ampliou-se no Estado brasileiro a complexidade no que se refere às condições e ao uso dos instrumentos de equilíbrio entre os poderes. Abrucio (2005, p.41) se refere à federação brasileira como sendo um “dos casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes”. O autor afirma que a complexidade inerente à nossa federação é devida a quatro heterogeneidades muito próprias, que são as seguintes: i) vasta dimensão territorial; ii) processo brasileiro de colonização, em que primeiro os portugueses dividiram o território e, no século XIX, uma grande leva de imigrantes de diferentes nacionalidades veio ocupar a região sul do país, fazendo com que diferentes tipos de colonização levasse a regionalismos muito próprios; iii) desenvolvimento econômico muito desigual entre as diferentes regiões, que explica os fluxos migratórios em direção ao centro-sul e, por fim; iv) a elevação do município à condição de ente federativo que, conforme dito acima, repassou a eles inúmeras obrigações sem que todos os municípios estivessem em condições estruturais e de capacitação adequadas para a gestão de políticas públicas (ABRUCIO, 2005). O artigo 30, inciso V da Constituição Federal (BRASIL, 1988), impôs aos municípios a obrigação de prestar os serviços públicos de caráter local, incluindo o transporte coletivo. Dessa forma, o município tem total liberdade para promover os serviços públicos como bem entender. Contudo, existem situações, tal como a das regiões metropolitanas, onde parcela dessa autonomia é tolhida em prol de soluções conjuntas a serem tomadas por mais de um município. As regiões metropolitanas deverão ser instituídas pelos Estados, de acordo com o que determina o artigo 25, §3º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que repassou a esses órgãos as funções de organização e planejamento das funções públicas no território delimitado. Ou seja, o constituinte ao instituir as regras de funcionamento da federação brasileira ao mesmo tempo em que repassou aos municípios a responsabilidade pelo planejamento e gestão de serviços públicos, repassou ao Estado-membro a responsabilidade de criação de instituições coletivas para o planejamento e gestão 4 dessas mesmas funções. Dessa forma, o arranjo institucional criado para a gestão de serviços públicos no âmbito municipal esbarra em outro arranjo institucional. Surge, portanto, a necessidade de lidar com os problemas de ação coletiva na tentativa de estimular a cooperação entre os entes federativos que possuem competência administrativa para a resolução das mesmas questões. Abrucio e Franzese (2007) apontam a importância da criação de incentivos à cooperação e de processos de decisão conjunta como um elemento essencial à manutenção do pacto federativo. Essa constatação vai ao encontro do entendimento de Klink (2008) para quem a Constituição tratou o tema metropolitano de forma superficial, já que deixou em aberto a questão da dimensão institucional das regiões metropolitanas, não definindo de que forma deveriam ocorrer as relações entre os entes componentes. A conclusão que se alcança é a de que faltam no Brasil “iniciativas concretas entre os entes federativos visando à cooperação metropolitana” (FERNANDES; SANTOS; TEIXEIRA, 2013, p. 3). Disso decorre a necessidade de que sejam criados mecanismos institucionais que proporcionem a cooperação intergovernamental voltada para a solução de problemas comuns. O olhar neoinstitucionalista-histórico pressupõe que a atenção seja voltada às instituições, pois estas representam a cristalização de interesses e objetivos criados em diferentes contextos. Por esse motivo é que a investigação histórica tem uma preocupação com as origens e a trajetória, de modo que a evolução de um determinado modelo possa ser enxergada (FERNANDES; SANTOS; TEIXEIRA, 2013). Neste contexto, destaca-se a teoria do path dependence, uma vez que, segundo Pierson (2003), um evento ou processo está ligado aos processos subsequentes, mesmo que ele ocorra apenas uma vez e tenha deixado de existir muito antes do resultado final. É possível que durante esse processo as instituições possam gerar respostas que desincentivem a ação coletiva (THELEN, 1999). O argumento é o de que alguns arranjos institucionais agem de forma a afastar grupos políticos que deveriam atuar de forma conjunta para a resolução de problemas. Portanto, para Thelen (1999), o contexto e trajetória são capazes de trazer incentivos negativos a um dado arranjo institucional. Ostrom (1990) defende a necessidade de construção de um sistema de normas, estabelecidas pelos próprios atores envolvidos, para a gestão coletiva de recursos de modo a criar incentivos para a ação coletiva. Isso porque “os contextos e trajetórias institucionais auxiliam na compreensão da legitimidade das normas entre os atores que compõem a ação coletiva” (FERNANDES; SANTOS; TEIXEIRA, 2013, p. 371). Acerca da lógica da ação coletiva, os autores afirmam ainda que é “necessário 5 observar as competências e limitações existentes de forma a prover adequadamente um bem público” (FERNANDES; SANTOS ; TEIXEIRA, 2013, p. 371 A interpretação a ser feita acerca das novas regras da federação brasileira, no que se refere às Regiões Metropolitanas, é a de que o fato de o município ter sido alçado à categoria de ente federativo “enterrou a legitimação dos entes estaduais na execução do papel de coordenador de ações metropolitanas” (GARSON, 2009). Mesmo que a RM seja composta pelos municípios, as decisões dela originadas não obrigam seus integrantes, tendo em vista sua autonomia. A sua relação apenas tomará forma por meio de adesão voluntária. Com isso, “a fragilidade da base constitucional e o desinteresse político em relação à gestão metropolitana fazem com que os entes municipais se distanciem cada vez mais de uma ação conjunta efetiva” (FERNANDES; SANTOS ; TEIXEIRA, 2013, p. 372). No caso das RMs: faz-se necessária a existência de novos mecanismos de articulação que propiciem a interação entre as agências públicas de cada município integrante do território metropolitano. Mesmo cientes das tensões geradas pelas relações intergovernamentais, é preciso que se constitua um formato coeso de formulação e implementação de ações governamentais no âmbito metropolitano. (FERNANDES; SANTOS ; TEIXEIRA, 2013, p. 373). Dessa forma, para Faria (2008), a questão central relativa à governança integrada das regiões metropolitanas está no estabelecimento de relações de cooperação inter e intragovernamental, bem como intersetorial. “O objetivo maior das instituições encarregadas da gestão metropolitana é, portanto, a superação do dilema da ação coletiva (FARIA, 2008, p. 2) Uma solução apontada pela literatura para os problemas de ação coletiva seria a coordenação, cujo conceito, advindo das ciências jurídicas, é o de “um poder que realiza uma função de solução de conflitos e harmonização de ações” (MAZZALI; NIERO, 2012, p. 37). O arranjo institucional das regiões metropolitanas brasileiras, constituído ainda durante o regime militar, impõe a coordenação pelos Estados, o que alimenta o caráter autoritário das relações intergovernamentais. O que se mostra nesta discussão, no entanto, é a necessidade de se buscar a conjunção entre os fatores cooperação e coordenação. Entende-se, que não haverá sucesso na coordenação sem que haja cooperação e, ao mesmo tempo, não há como alcançar os resultados esperados através da cooperação se não houver uma certa dose de coordenação (MAZZALI; NIERO, 2012). De acordo com Faria e Rocha (2004), 6 apesar de o modelo federativo brasileiro acirrar a competição entre os entes federativos, sua vigência não significa a impossibilidade de cooperação. A possibilidade de que os entes federativos tomem decisões em conjunto possibilitaria a otimização dos recursos utilizados, especialmente nos casos em que há a necessidade de ação coletiva, pois as regras de shared decision making pressupõem a promoção do equilíbrio entre competição e cooperação (BAINES et al., 2013). Finalmente, como enfatizado por Mazzali e Nero (2012), o que se deve buscar são arranjos institucionais que conjuguem coordenação das ações com a autonomia. AS REGIÕES METROPOLITANAS – CRIAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO – E A REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA As Regiões Metropolitanas foram criadas a partir da Constituição Federal de 1.967, momento de sua primeira menção legal. No artigo 157, §10, definiu-se que a União poderia constituí-las, desde que pertencessem a uma mesma comunidade socioeconômica, com o objetivo de que provessem serviços de interesse comum (BRASIL, 1967). O contexto de sua criação foi a constatação, pela academia e por órgãos governamentais, de que os municípios não possuíam capacidade de prover tais serviços de modo individualizado, até porque careciam de autonomia no que se refere à criação de suas próprias políticas (GARSON, 2009), haja vista a centralização imposta pelo regime autoritário. Embora houvesse algumas iniciativas pontuais, como Porto Alegre e Belém, em que municípios se uniram para a solução dos problemas metropolitanos, o Governo Federal tomou a frente da questão a fim de solucionar os graves problemas sociais já percebidos à época nas regiões metropolitanas. A necessidade de intervenção federal decorreu da importância relativa das áreas metropolitanas no que se refere à economia e à política brasileira. A intenção, portanto, era a de integrar de forma planejada a ação de estados e municípios (GARSON, 2009). As primeiras regiões metropolitanas foram instituídas no país a partir da Lei Complementar n°. 14, de 08 de junho de 1973, e foram as seguintes: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. (BRASIL, 1973). De acordo com Moura et al (2007), as regiões metropolitanas eram vistas à época como o ponto focal da política nacional de desenvolvimento urbano, haja vista o entendimento de que a expansão da produção industrial ocorria dentro delas e de que eram o motor do processo de desenvolvimento. Porém, de acordo com Garson (2009), esse modelo institucional logo entrou em crise, porque as políticas setoriais 7 implementadas, tais como as de habitação e saneamento, não eram compatíveis com a divisão espacial adotada. O modelo adotado para o período pré-Constituição de 1.988 foi de extrema centralização de recursos financeiros na União, de modo que o planejamento dos entes metropolitanos ficava adstrito às imposições do Governo Central (GARSON, 2009). Foram criados inúmeros órgãos e fundos para investimento em infraestrutura urbana pelo Governo Federal a fim de que se tornasse viável o planejamento para as regiões metropolitanas, tais como o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU). Porém, de acordo com Araújo Filho (1996), a lógica dos investimentos era afetada pelas alianças e pressões políticas e, também, pelos interesses dos setores empresariais diretamente envolvidos com aquelas questões. Uma tentativa de modificação do excessivo centralismo, no que se refere à política para as regiões metropolitanas, chegou com a Constituição Federal de 1.988, conforme já apontado na seção anterior. A partir dela as regiões metropolitanas passaram a ser responsabilidade dos Estados, que poderiam instituí-las de modo a que fosse possível a integração do planejamento e da gestão de serviços públicos nesses territórios. Contudo, a elevação dos municípios à condição de ente federativo retirou dos Estados a exclusividade no papel de coordenação de ações metropolitanas. A grande dificuldade trazida por esta modificação conceitual reside no fato de que a inserção de novos atores no sistema federal impôs a necessidade de diálogo e criação de consensos entre todos esses personagens (GARSON, 2009), especialmente no que se refere às soluções de planejamento e gestão das regiões metropolitanas. O reconhecimento dos municípios como membros da federação, ancorado no neolocalismo, trouxe consigo a deslegitimação do planejamento metropolitano, já que este passou a ser encarado como autoritário, pois que trazido originalmente pelo regime militar (GARSON, 2009, p. 105). Ainda, a partir da Constituição Federal de 1.988, houve uma ampliação na agenda das políticas sociais, com a implementação pelos municípios de políticas focadas na assistência social, na saúde e na educação. Os grandes problemas urbanos, por sua vez, ainda deixam de ser adereçados e, quando o são, os municípios o fazem ainda de forma isolada, demonstrando que o planejamento e a gestão metropolitanas embora dotados de regras institucionais e fontes de financiamentos não estão na ordem do dia (GARSON, 2009). Uma área de destaque no quesito coordenação metropolitana, segundo Garson (2009, p. 112), tem sido o setor de transportes. A autora cita alguns exemplos nesse sentido, como a Região Metropolitana de São Paulo, onde a Secretaria 8 Estadual de Transportes Metropolitanos desempenha o papel de executora das políticas de transportes urbanos de passageiros, além da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS) compartilha a administração de serviços de táxi e transporte escolar com outros municípios e, por fim, a Região Metropolitana do Recife, onde a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos gerencia o sistema de transporte público. Embora não se desconheça a crítica relativa à forma de definição das regiões metropolitanas, optou-se no presente trabalho por tomá-las pela demarcação legal, já que é este o território para o qual são traçadas as políticas públicas relativas ao transporte coletivo. A crítica a que se faz referência é aquela anotada por Moura et al (2007, p. 128), ao afirmarem que “a delimitação do perímetro nem sempre expressa contornos conexos a esse aglomerado, incluindo municípios alheios ou com mínima relação à sua dinâmica”. Garson (2009), por sua vez, aponta outra crítica à instituição das regiões metropolitanas, que diz respeito à liberdade dada aos Estados para sua criação. Segundo a autora, isso resultou “na criação de estruturas reguladas de forma muito diferenciada”, permitindo “fortes pressões políticas” e gerando “regiões com grande número de municípios e extremamente heterogêneas quanto ao grau de integração desses municípios ao fenômeno metropolitano” (GARSON, 2009, p. 114), sua crítica se aproxima da apresentada por Moura e Rodrigues (2009) e Moura et al (2007). Estes últimos apresentaram uma metodologia de avaliação de agregações metropolitanas com a intenção de medir até que ponto as regiões metropolitanas brasileiras de fato correspondiam ao fenômeno urbano daquele território. Concluíram, então, que das 26 regiões metropolitanas criadas no país apenas 13 delas de fato representam aglomerações metropolitanas e que a criação de espaços institucionalizados desprovidos de ligação decorre muito provavelmente da ausência de parametrização do que seria efetivamente uma região metropolitana (MOURA et al., 2007; Moura e Rodrigues (2009); GARSON, 2009). No índice proposto, Moura et al (2007) apresentam dados acerca da dinâmica das relações entre o núcleo dos agrupamentos urbanos, ou seja, uma tentativa de comparar a realidade e a institucionalidade das regiões metropolitanas. Os indicadores utilizados para medir a integração com a região central do núcleo metropolitano foram a concentração populacional, densidade, fluxos de movimentos pendulares e perfil de ocupação dos trabalhadores. Além desses, localização de portos e aeroportos e a capacidade de geração de renda pela economia local, que são referências da participação de um município para o Produto Interno Bruto (PIB) total da unidade (MOURA et al., 2007). 9 A região metropolitana de Curitiba foi incluída no grupo 5, que significa um nível alto de integração na dinâmica da aglomeração e onde os municípios em sua maioria estão em áreas contíguas ao polo central, que é, segundo os autores, “uma expressão típica da intensa relação entre eles”. (MOURA et al., 2007, p. 143). Dentro da RMC, 54% dos municípios fazem parte da porção mais integrada da aglomeração o que, embora abaixo da média nacional de 67%, ainda faz da capital do Paraná umas das regiões metropolitanas em que há maior compatibilização entre o território institucionalizado e o fenômeno urbano real (mais do que Florianópolis, 27%, Goiânia, 40% e Belo Horizonte, 50%, por exemplo). Figura 1: Nível de Integração à dinâmica metropolitana da Região metropolitana de Curitiba. Fonte: Moura et al.(2007, p. 145) Pode-se observar na Figura 1 que grande parte da interação metropolitana ocorre na área em que a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) convencionou chamar de Núcleo Urbano Central (COMEC, 2013), composta pelos municípios de Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Curitiba, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul e São José dos Pinhais. A Região Metropolitana de Curitiba compõe-se atualmente de 29 municípios. Os 14 originais, os desmembrados dos originais e os demais adicionados por meio da legislação estadual posterior, sendo que os últimos três municípios a serem incorporados foram Campo do Tenente, Piên e Rio Negro, por meio da Lei Complementar Estadual n°. 139/11 (PARANÁ, 2011). 10 Na década de sua institucionalização, a RMC contava com um milhão de habitantes (MOURA; RODRIGUES, 2009). Dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dão conta de que a população da RMC é de 3.493.742 (IPARDES, 2013), o que significa dizer que, em três décadas, a região agregou duas vezes e meia a sua população. O movimento de ocupação do território institucional da RMC fortaleceu-se na década de 1.970, de modo que a transcendência do território do município-polo já tomava forma naquela época, incluindo os municípios do entorno na dinâmica metropolitana (MOURA; RODRIGUES, 2009, p. 2) O fluxo migratório em direção à capital, de acordo com Moura e Rodrigues (2009), intensificou-se durante o processo de concentração fundiária e modernização que tomaram conta da agropecuária paranaense na década de 1.970. A simultaneidade entre o novo fluxo migratório, decorrente da migração do campo para a cidade, e o impacto do planejamento urbano, que estimulou a ocupação do solo urbano na década de 1.960, serviu de estímulo para o encarecimento da terra urbana na RMC, incentivando a ocupação pelos segmentos mais pobres das áreas periféricas desta região (MOURA; RODRIGUES, 2009). Segundo Moura e Rodrigues (2009, p.3), elas eram: áreas nas quais haviam disponíveis lotes mais compatíveis ao poder aquisitivo desses segmentos, e cuja distância era coberta por um sistema de transporte coletivo que facilitou a comutação diária entre o local de moradia e o trabalho. A atratividade do espaço metropolitano de Curitiba foi reforçada na década de 1.990 por uma política que incentivava a aglomeração industrial, por meio da incorporação de novos segmentos industriais (tal como o automobilísitico), estimulados por um território com vantagens relativas à sua localização, tal como a proximidade com o Porto de Paranaguá e os mercados do Sudeste (MOURA; RODRIGUES, 2009). Essa estratégia adotada pelo Governo Estadual reforçou a migração vinda do interior do Estado. Com isso, houve o aumento das desigualdades no espaço metropolitano, porque mesmo com o aumento da oferta de empregos ainda há uma imensa parcela de mão de obra fora do mercado de trabalho (MOURA; RODRIGUES, 2009). As novas e crescentes demandas desse público não foram alcançadas por políticas públicas específicas e a explicação, fornecida por Moura e Rodrigues (2009), para este fenômeno é a falta de planejamento e gestão conjuntas para a área metropolitana da capital paranaense. Moura e Rodrigues (2009) chegam à conclusão de que o elemento agregador da RMC é o mercado de trabalho, já que, com exceção de São José dos Pinhais, que está se tornando uma nova centralidade 11 na área metropolitana, os demais municípios “se apresentam como extensões do uso e ocupação de Curitiba e tem como característica principal o papel de dormitório” (MOURA; RODRIGUES, 2009, p. 21). Apesar do diagnóstico acerca da falta de planejamento e gestão conjuntas da área metropolitana, existe formalmente uma entidade responsável por essas ações. Trata-se da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), órgão criado em 1.974 para abordar as questões de interesse comum do território, conforme definia a Lei Complementar n. 14, sendo responsável, inclusive, pelo planejamento e gestão do território da RMC. Sua criação se deu por meio da Lei Estadual n. 6.517, que fixou sua competência e o processo decisório interno e determinava a obediência aos ditames da Lei Complementar anteriormente citada (COMEC, 2013). As suas responsabilidades foram definidas na citada Lei Estadual e mantiveram-se as mesmas desde então. Dentre as competências do órgão metropolitano da RMC estão as seguintes: Art. 7º - Compete basicamente a COMEC: (...) II. promover, elaborar, aprovar, fazer cumprir e controlar o planejamento integrado da região; III. promover, coordenar e elaborar estudos, projetos e programas, harmonizando-os com os das diretrizes do planejamento regional; IV. realizar pesquisas destinadas a fornecer e atualizar os dados necessários ao planejamento integrado da região; V. coordenar os serviços comuns de interesse metropolitano empreendidos pelo estado e municípios da região (...); IX. estabelecer diretrizes e normas para os planos municipais de desenvolvimento, bem como colaborar com os municípios em sua elaboração, visando a sua adequação ao planejamento integrado da Região Metropolitana(...); XIII. promover, mediante convênio e através dos órgãos competentes, a execução supletiva das atividades locais que, em razão do planejamento integrado da Região Metropolitana, ultrapassarem a capacidade executiva dos municípios (PARANÁ, 1974). Portanto, a ausência de planejamento e gestão integrados do território da RMC não ocorre por falta de meios institucionais para tanto. A Comec tem a responsabilidade de liderar esse processo. Contudo, as dificuldades para fazê-lo são dos mais variados matizes. No presente trabalho, a análise perpassa as regras definidoras da interação entre os municípios na área de transporte coletivo, que é também de responsabilidade dessa entidade. Embora seja reconhecido pela literatura que a RMC se organiza em torno do mercado de trabalho, de modo que o transporte coletivo é o elemento agregador por 12 excelência entre as partes que compõem a RMC, ainda existem diversas lacunas na forma através da qual se organiza esse planejamento. REGRAS RELATIVAS AO TRANSPORTE METROPOLITANA DE CURITIBA COLETIVO NA REGIÃO A Rede Integrada de Transportes (RIT) é a nomenclatura dada à institucionalização do planejamento e gestão conjuntos do transporte coletivo intermunicipal. A rede engloba treze dos quinze municípios integrantes do Núcleo Urbano Comum, excluindo Campina Grande do Sul e Quatro Barras, e inclui os municípios de Contenda e Bocaiúva do Sul, que possuem baixíssima integração com a aglomeração metropolitana (COMEC, 2013; MOURA; RODRIGUES, 2009). Dentre os serviços de interesse metropolitano listados no artigo 11º da Lei Estadual n. 6.517/1974, está o transporte (PARANÁ, 1974). Além disso, a partir da Lei Estadual 11.027 de 28 de dezembro de 1.994 (PARANÁ, 1994) e do Decreto Estadual n°. 698/1.995 (PARANÁ, 1995) foi criada, na estrutura administrativa da Comec, a Diretoria de Transporte Metropolitano, que é a responsável por (PARANÁ, 1995): I. promover a realização de estudos e pesquisas para determinar as necessidades de transporte metropolitano de passageiros da Região Metropolitana de Curitiba; II. promover a realização de estudos, a planificação e o controle da execução da outorga de concessão e permissão dos serviços de transporte coletivo da Região Metropolitana; III. promover a implantação de sistema integrado de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; IV. supervisionar o levantamento de dados para o cadastramento e o mapeamento das vias de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba, e a classificação das vias, para fins de planificação e programação dos serviços de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; V. supervisionar e promover o desenvolvimento de estudos, pesquisas e levantamentos técnico-econômicos para estabelecimento e atualização de tarifas de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; VI. proceder a avaliação da execução de serviços de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; VII. apreciar os pedidos de autorização, alteração e renovação, proposta de outorga e cassação e demais atos relativos a linhas e sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba, observadas as normas e regulamentos pertinentes e mediante adequada instrução dos processos; VIII. supervisionar a organização do registro das empresas de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; IX. promover o controle operacional do transporte coletivo, através da fiscalização para o controle de qualidade e segurança dos 13 serviços de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba X. acompanhar e supervisionar a implementação dos planos, programas e projetos relativos à área de transporte coletivo da Região Metropolitana de Curitiba; Isto significa dizer que todo o planejamento e gestão do transporte coletivo intermunicipal na Região Metropolitana de Curitiba é de competência da Comec. A Comec, por sua vez, é uma autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano (SEDU), e todos os seus cargos de gerência e direção são de livre nomeação do Governador do Estado do Paraná. A participação dos municípios no planejamento e gestão do transporte metropolitano é feita exclusivamente por meio dos Conselhos Deliberativo e Consultivo. Enquanto no primeiro conselho é garantido um assento à Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba (Assomec), no segundo todos os municípios são participantes. A competência de cada Conselho demonstra a importância relativa do órgão. O Conselho Deliberativo deve promover a programação de serviços comuns aos municípios, coordenar a execução de programas e projetos, formular as diretrizes da política de desenvolvimento, acompanhar a administração da Comec por meio da orientação de suas atividades. Já o Conselho Consultivo deverá opinar, sob consulta do Conselho Deliberativo, sobre questões de interesse da RMC, sugerir a elaboração de planos regionais e a adoção de providências sobre programas e, finalmente, opinar sobre matéria submetida pelo Conselho Deliberativo (PARANÁ, 1995). Percebe-se aqui que o fórum no qual as decisões são efetivamente tomadas é composto por apenas um representante de 28 municípios, enquanto o Conselho Consultivo, em que todos os municípios da RMC estão representados tem competências meramente opinativas. Portanto, as definições acerca do planejamento e gestão dos serviços de transporte público metropolitanos cabem efetivamente ao Governador do Estado, ao Secretário de Estado do Planejamento, à Prefeitura do município de Curitiba, ao representante da Assomec, a um representante da Comec e a um membro indicado pelo Presidente do Conselho.4 Na prática, porém, não é a Comec quem realiza o planejamento e a gestão do transporte coletivo na região metropolitana e, sim a Urbanização de Curitiba S.A (URBS). Tais poderes foram conferidos à URBS por meio de um convênio, datado de 1996, em que a Comec delegou-lhe as atividades de planejamento e gestão do 4 Art. 8o do Anexo ao Decreto 698 de 28 de abril de 1995, que define a composição do Conselho Deliberativo da COMEC. 14 transporte metropolitano. Dentre as competências delegadas estão a de “promover e coordenar a implementação, a operação, a administração, a integração e a expansão dos serviços e plano pertinentes”, bem como de “coordenar, supervisionar e fiscalizar os serviços operacionais executados” (COMEC; URBS, 1996) No período em que esteve vigente o primeiro convênio, de 1.996 a 2.007, o papel da URBS no planejamento e gestão do sistema de transporte coletivo ampliouse pouco a pouco até abarcar o controle total sobre o processo (COMEC; URBS, 1997). A partir de 1.996, quando, pouco a pouco, passou-se a delegar as competências da Comec à URBS, para o planejamento e a gestão do sistema, o papel da Comec era apenas o de repassar recursos a fim de viabilizar as funções delegadas (COMEC; URBS, 1996). Desde esse momento até 2.007, por meio de diversos termos aditivos, a URBS assumiu o controle total do sistema, que originalmente pertencia à Comec, passando a fiscalizar os serviços em toda a RMC e chegando até mesmo a financiar a ligação do sistema urbano, no caso, a ligação viária do município de Curitiba com o de Pinhais (COMEC; URBS, 2000). Foi apenas em 2.007, por meio de novo convênio que, por um lado, reafirmava a delegação de competência da Comec à URBS, por outro trouxe à tona a necessidade de que fosse proposto “um novo arranjo institucional entre o Governo do Estado do Paraná e os municípios integrantes da Região Metropolitana de Curitiba para a administração conjunta do Sistema de Transporte Público Metropolitano de Passageiros” (COMEC; URBS, 2007, p. 2). Contudo, nenhuma novidade foi apresentada nesse sentido nos anos seguintes. Em 2.012, com o fim daquele convênio assinado em 2.007, o Estado do Paraná, por meio da Comec e a Prefeitura de Curitiba, via URBS, novamente entraram em acordo no que se refere às responsabilidades pelo planejamento e gestão da RIT. Foi a partir deste momento que a Comec reassumiu a sua delegação, nos termos das Leis Estaduais 6.517/1974 e 11.027/1994, porém, auxiliada pela URBS. No convênio datado de 07 de maio de 2012, é possível notar a preocupação dos entes federativos no que se refere à responsabilidade pelos custos do sistema de transporte integrado (SEIL; DER; SEPCG; SEDU; COMEC; MUNICÍPIO DE CURITIBA; URBS, 2012). Embora no ano de 2012 as competências delegadas à URBS tenham sido devolvidas à Comec, por meio de novo convênio assinado pelas mesmas partes, com participação do Governador do Estado do Paraná e do Prefeito do Município de Curitiba, ainda assim a Comec deveria operacionalizar as ações referentes ao planejamento e gerenciamento dos serviços de transporte metropolitano com o auxílio da URBS (SEIL; DER; SEPCG; SEDU; COMEC; MUNICÍPIO DE CURITIBA; URBS, 2012). Contudo, seria necessário verificar in loco em que medida as atividades de fato 15 passaram a ser desenvolvidas pela autarquia estadual e de que forma a URBS auxilia aquela entidade, o que foge ao escopo do presente trabalho. O fato é que a legislação relativa ao tema mudou muito pouco a estrutura do sistema de planejamento e gestão do transporte coletivo municipal desde sua instituição. Dentre os fatos considerados relevantes e que levaram à assinatura do convênio está a necessidade de ampliação do atendimento da RIT com o pagamento de uma tarifa compatível por parte dos cidadãos, levando em conta a necessidade de se manter a modicidade tarifária, sendo necessária a “intervenção do Executivo Estadual para a manutenção do equilíbrio tarifário dos custos do transporte coletivo metropolitano” (SEIL; DER; SEPCG; SEDU; COMEC; MUNICÍPIO DE CURITIBA; URBS, 2012, p. 1). Conclui-se diante disso que o convênio assinado em 2.012 entre os entes federativos nunca teve como foco o planejamento e a gestão do sistema, mas sim o seu financiamento, de modo que a principal discussão não está nas responsabilidades de cada ente federativo sobre o planejamento e gestão do sistema, mas sim sobre quem é o responsável em última instância por arcar com os custos de todo o sistema metropolitano de transportes. ANÁLISE DOS RESULTADOS Se por um lado a análise conjunta da literatura acerca das relações intergovernamentais e das regras relativas à cooperação intergovernamental no planejamento e gestão, do transporte coletivo na Região Metropolitana de Curitiba, convergem no sentido da existência de um arranjo institucional para o trabalho conjunto, por outro a prática dessas mesmas relações não tem alcançado os resultados esperados. Isto pôde ser verificado com a exacerbação dos conflitos, levados inclusive a discussões públicas entre os atores responsáveis pelo planejamento e gestão do transporte coletivo na RIT. Embora exista uma instituição responsável pela coordenação da RMC, a Comec, nos termos propostos por Mazzali e Niero (2012), o papel a ela atribuído não é o de coordenação (ou seja, solução de conflitos e harmonização de ações), mas, verdadeiramente de execução individual das políticas públicas metropolitanas de modo independente, inclusive, dos próprios municípios componentes da metrópole, o que apenas demonstra o caráter autoritário e não negocial da coordenação existente na RMC. A criação da Comec e a manutenção das regras que a regem desde 1974 demonstra o poder deletério que a criação desta entidade no Regime Militar traz ao 16 planejamento e gestão conjuntas do sistema de transporte coletivo. Nota-se que na estrutura da Comec existe o que Abrucio (2005) chama de shared decision making, ou seja, uma estrutura em que haveria a possibilidade de os municípios e o Estado alcançarem acordos acerca da assunção de responsabilidades. Porém, ao mesmo tempo, prevê mecanismos que desrespeitam a autonomia dos municípios, já que a possibilidade de criação desses mesmos acordos é prevista apenas entre o Governo do Estado, o Município de Curitiba e o presidente da Assomec, ou seja, um dentre os demais prefeitos da RMC. Portanto, embora tenha sido criada uma instituição com competência para criar normas de cooperação, na prática, o desrespeito à autonomia municipal leva ao esvaziamento desta arena. Ocorre que a instituição, tal como criada em 1974, previa apenas a participação de atores (governador e prefeito da Capital) que eram indicados diretamente pelo Governo Federal. A “dependência da trajetória” trouxe ao período democrático uma instituição anacrônica e que não responde mais aos desafios inerentes às relações intergovernamentais tais como elas ocorrem na federação brasileira após 1988. Isso corrobora o ponto de vista de Thelen (1999) quando ela afirma que a trajetória de algumas instituições pode gerar desincentivos à ação coletiva. A partir da análise da legislação e dos convênios que regem o planejamento e a gestão do transporte coletivo na RMC também não é possível notar a existência de incentivos à cooperação, nos termos em que propõem Abrucio e Franzese (2007). Nesta mesma análise foi possível confirmar a visão de Klink (2008) de que inexiste na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional definições acerca de um modelo de relação intergovernamental para os territórios metropolitanos. Inexiste, também, na RMC, qualquer sinal de que os atores envolvidos na questão do transporte coletivo estejam buscando criar normas autoaplicáveis à sua relação, no formato em que propõe Ostrom (1990). Embora seja alvissareira a intenção demonstrada no convênio assinado no ano de 2007, onde os atores finalmente reconhecem a necessidade de que seja criado um novo arranjo institucional para reger as suas relações no que se refere ao transporte coletivo no interior da RMC. Por fim, outra indicação de problemas na questão dos transportes na RMC é o fato de que a RIT e a RMC têm composições diferentes. Então, embora o Conselho Deliberativo da COMEC seja composto pela entidade representativa dos municípios da RMC, nem todos esses municípios fazem parte da RIT. Dessa forma, a definição do planejamento e gestão do transporte coletivo que já não é realizada de modo a permitir a participação de todos os municípios (já que não há assento no conselho para todos os municípios) tem como representantes municípios os quais as políticas 17 de transporte coletivo não alcançam. Mais perturbador ainda é notar que alguns municípios que tem alto nível de integração à dinâmica metropolitana da RMC não fazem parte da RIT, ou seja, não participam do planejamento e gestão do transporte coletivo, como, por exemplo, Quatro Barras e Campina Grande do Sul. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ante o objetivo de identificar as possíveis causas de conflito existentes no planejamento e na gestão da área de transporte coletivo na RMC, é possível apontar da análise dos resultados que as instituições de planejamento e gestão do transporte coletivo ao invés de atuarem no sentido de fortalecer a cooperação entre o Estado do Paraná e os municípios componentes da Região Metropolitana de Curitiba, agem no sentido contrário, fortalecendo os conflitos que já são inerentes à conformação do federalismo brasileiro. Neste caso sob análise, a existência de conflitos entre o Estado do Paraná, responsável pelo planejamento e gestão metropolitanos nos termos da Constituição Federal e os municípios, responsáveis cada um deles pelo transporte coletivo em seu território, no modo delineado também pela Constituição Federal, é exacerbado por instituições remanescentes do último período autoritário que não previam a possibilidade de diálogo entre os poderes central e local e muito menos a autonomia municipal dentro de seu território. A manutenção de tais instituições não contribui para a resolução dos problemas de ação coletiva, mas sim os acentua, já que carecem de ferramentas que estimulem a coordenação de ações entre Estado e Municípios e mesmo entre os municípios entre eles. A falta de coordenação tornando-se visível nas discussões acerca da responsabilidade pelo subsídio tarifário mostra que não houve suficiente planejamento conjunto dos entes federativos na definição das responsabilidades. Um arranjo metropolitano devidamente articulado deveria dividir os custos e as responsabilidades do sistema entre todos os componentes. Porém, a forma através da qual se organiza hoje a RIT não abre espaço para que todos os municípios possam participar do planejamento e da gestão e, portanto, discutir até que ponto poderiam se comprometer com a resolução dos problemas. Dessa forma, tendo pouco espaço para a deliberação entre os componentes da região metropolitana, a forma através da qual se organiza esse território alimenta os conflitos intergovernamentais, ao invés de estimular a cooperação. Do mesmo modo, ante as conclusões alcançadas no presente estudo surgem outras questões a serem aprofundadas no que se refere à ação dos atores 18 encarregados do planejamento e gestão metropolitana do transporte coletivo. O que trava a busca de soluções para os problemas de coordenação? Mesmo havendo desde 2007 o reconhecimento oficial dos órgãos responsáveis pelo transporte coletivo acerca da necessidade de criação de um novo modelo institucional, não há até o presente momento qualquer movimentação nesse sentido. Seria a falta de incentivos um dos motivos pelo qual soluções coletivas para as questões latentes da RMC não saírem do papel? 19 REFERÊNCIAS ABRUCIO, Fernando L. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do Governo Lula. In: Revista de Sociologia e Política. Nº. 24, Curitiba, Jun. 2005. _____. Os Barões da Federação: os governadores e a redemocratização brasileira. Editora Hucitec, 1a. edição, São Paulo, 1998. ABRUCIO, F. L.; FRANZESE, C. Federalismo e Políticas Públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil. In: ARAUJO, M. D. F. ; BEIRA, L. Tópicos de Economia Paulista para Gestores Públicos. 1a. ed. São Paulo: Edições Fundap, 2007. p. 13-31. 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