CMYK Gastronomia Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 16 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 13 de setembro de 2014 Café com pão, mas sem glúten » FLÁVIA FRANCO pão faz parte da rotina alimentar de grande parte das famílias brasileiras. Está na mesa do café da manhã, vai no lanche do meio da tarde e recebe recheios diversos no tradicional sanduíche da noite. Por isso, há diversos tipos: francês, de forma, careca, sovado… Geralmente, opções com farinha de trigo. Mas a busca por dietas funcionais e problemas de saúde, como a doença celíaca e a intolerância ao glúten, têm tirado ou reduzido o cereal das refeições. Consultados pelo Correio, profissionais da gastronomia apresentam alternativas saborosas e saudáveis para os novos hábitos. A primeira orientação é também consenso entre especialistas que trabalham com pães: a farinha de arroz, em conjunto com a fécula de batata ou de mandioca, forma a base para o preparo de qualquer massa que não tenha farinha de trigo. Yohanna Tainná, pro- O Reação autoimune O glúten é resultado da mistura de proteínas muito comuns em cereais, como o trigo, a cevada e o centeio. Algumas pessoas têm intolerância a ele e até alergia, condição chamada de doença celíaca. O contato dessa substância com a mucosa do intestino causa inflamações, diminuindo a capacidade de digestão e absorção de nutrientes. O grau de severidade da doença varia, apresentando sintomas que vão de diarreia a desnutrição e doenças neurológicas. Estudos internacionais indicam que cerca de 1% da população mundial é celíaca. A enfermidade autoimune ocorre apenas em indivíduos geneticamente predispostos. fessora do curso de panificação do Centro Universitário Iesb, já adianta que a mistura terá consistência diferente. “As proteínas do glúten ajudam a dar uma elasticidade à massa porque acabam criando uma resistência quando são hidratadas com água”, compara. Essa rede elástica possibilita sovar e modelar a massa no formato desejado. “A versão com farinha de arroz fica mais líquida, mais cremosa, não permitindo essa movimentação. Por isso, costuma vir em formatos adquiridos com forminhas”, explica. Tainná tenta amenizar a limitação usando também goma xantana e açúcar mascavo. Outro ajuste tem a ver com o sabor da receita. “A massa tradicional acaba sendo muito neutra porque a farinha de arroz não tem um gosto tão característico quanto o da farinha de trigo”, afirma a chef. Sementes, como o gergelim, e frutas secas — ameixa e abacaxi desidratados, por exemplo — estão entre as alternativas encontradas para enriquecer a receita. “No caso de frutas como o abacaxi desidratado, acho que acaba ficando com um pouco de cara de bolo, mas fica extremamente saboroso”, conta. Outra sugestão envolvendo frutas combina as cítricas, como laranja e limão, mas cristalizadas. “Fica bem gostoso e fácil de harmonizar, mas não é um sabor tão comum”, orienta. Para deixar a receita com cara de pão tradicional, a preferida da chef é a linhaça. “Como ela entra na mistura da própria farinha, não só na finalização, a massa absorve o sabor. Então, fica diferente.” Seguindo a proposta de gosto como prioridade, outra opção é trocar a fécula de batata pelo purê, que também ajuda a dar liga na massa e deixa o resultado final com um sabor mais puxado para a batata. “No Dá para apreciar um dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros sem agredir o intestino e comprometer a dieta. Especialistas ensinam receitas que dispensam a farinha de trigo e chamam a atenção pelo sabor Fotos: Ana Rayssa/Esp.CB/D.A Press A massa da Belini leva farinha de arroz, fécula de batata e de mandioca: a combinação dá uma estrutura consistente aos pães caso de optar pelo purê, porém, a massa fica um pouco mais pesada que a feita com fécula de batata”, ressalta Tainná. Tentativa e erro A Belini Pães e Gastronomia passou a oferecer opções sem glúten e com grãos após perceber o aumento da demanda por produtos que atendessem ao público celíaco e intolerante ao glúten. “Precisamos nos adaptar a essa tendência. Então, procuramos desenvolver uma receita própria que se enquadrasse no requisito de ser sem farinha de trigo”, conta Luiz Gustavo, proprietário do empreendimento. O empresário conta que várias fórmulas foram testadas em busca de substitutos que agradassem pela estrutura e pelo sabor. “Usamos farinha de arroz. Depois, experimentamos a fécula de batata e trocamos por mandioca. Algumas alternativas alteravam a consistência da massa. Por isso, fizemos vários testes até optar pela mistura das três”, detalha. A versão tradicional sem glúten não tem “temperos”. “Acaba dando para perceber a presença de cada um dos três ingredientes principais no pão. Escolhemos acrescentar grãos em algumas versões para dar uma equilibrada no sabor”, diz Luiz Gustavo. Quinoa é umas das opções disponíveis. “A vantagem desse grão é que, além de tirar a atenção da mandioca e da batata, ele é considerado um superalimento, ou seja, também aumenta o valor nutricional da receita”, destaca o empresário. Ele conta ainda que os pães da casa foram pensados de forma a substituir a versão que leva farinha de trigo. Por conta dessa característica, optaram por não desenvolver uma linha de sabores específicos e mais marcantes. “A maioria das pessoas quer comê-los em casa no café da manhã ou acompanhando outros alimentos. Por isso, decidimos seguir uma linha mais neutra.” Aposta nos temperos Palavra de especialista Nutrientes garantidos Receita Pão tradicional sem glúten “As alternativas sem glúten são tão nutritivas quanto o pão preparado com farinha de trigo. A fécula de batata, por exemplo, é muito rica em fibras, com quantidade até mais elevada do que a encontrada na farinha branca, o que ajuda a aumentar a sensação de saciedade. Além disso, tem vitaminas e minerais. Já a farinha de arroz auxilia no controle do diabetes por causa do baixo índice glicêmico, quando o açúcar entra mais devagar na corrente sanguínea. Também possui grande quantidade de fibras e diminui a absorção de óleos vegetais dos alimentos, tornando o pão menos calórico” Por Yohanna Tainná Ingredientes » 100g de farinha de arroz » 100g de fécula de batata » 1 ovo » 30g de açúcar mascavo » 5g de fermento » Uma pitada de sal » 3g de goma xantana » Água morna (o suficiente para hidratar a massa) Modo de preparo » Em uma vasilha, misture a farinha de arroz com a fécula de batata, o açúcar mascavo, o fermento, o sal e a goma xantana. Acrescente a água morna aos poucos para ir hidratando e dissolvendo a massa. Acrescente o ovo e misture bem. Quando atingir um ponto similar ao de um creme consistente, coloque em uma forma e deixe descansar por cerca de 20 minutos. Leve ao forno preaquecido » Luciana Valle Barros, nutricionista do Hospital Anchieta No Alimentação Diferenciada, tomate seco com pesto e banana-passa com ameixa dão sabor especial aos pães receita, o pão leva o nome dela. Cebola, quinoa, frutas em geral, Maia garante que vale de tudo para criar uma alternativa sem glúten. “Os pães ficam também com aparência diferente porque o recheio acaba ressaltado. O de ervas frescas é esverdeado; CMYK É possível explorar combinações diferenciadas — e inusitadas — para incrementar pães que não são feito com farinha de trigo. Depois de precisar seguir uma dieta restritiva ao glúten, a chef Tatiana Maia, do Alimentação Diferenciada, decidiu encontrar uma receita que permitisse que celíacos também desfrutassem da tradição de comer pão em casa. “A maioria dos produtos que eu encontrava era congelada. Resolvi criar eu mesma uma alternativa fresca”, conta. A opção também conta com farinha de arroz e fécula de batata, mas o ingrediente que sobressai é o polvilho, que ajuda a dar liga à combinação. Adepta da produção artesanal, Maia coloca a mão na massa para preparar todos os pães, de sabores variados. “A massa é bem neutra, então dá para inovar e ousar nos complementos. Faço pão de milho, de ervas frescas, de tomate seco, de bananapassa com ameixa”, exemplifica. Depois de conseguir diversificar o cardápio de sabores, a chef encarou o desafio de desenvolver uma opção que as pessoas pudessem prepara em casa sozinhas. “Criei um mix de farinhas que só precisam de ovo, água e um pouco de óleo para a massa ficar pronta. O sabor fica a critério de cada um”, conta. Foi assim que algumas das opções hoje adotadas pela chef surgiram, como a de tomate seco com pesto.“Uma cliente me ligou dizendo que tinha testado essa mistura em casa e tinha adorado. Resolvi adotar na linha dos pães que preparo”, lembra. Em homenagem à cliente que deu origem à As receitas criadas por Yohanna Tainná levam sementes e frutas o de tomate seco, um pouco rosado, o de cebola fica dourado porque as cebolas são torradas; e o de banana-passa com ameixa, parecendo uma rosca”, revela. Sobre a dificuldade em criar uma versão cuja textura seja parecida com a do tradicional pão francês, a chef busca superá-la. Esse, aliás, a nova desafio na cozinha de Maia. “Estou estudando possibilidades nas farinhas para encontrar uma mistura que torne possível aquela casca crocante do pão francês, assim como o miolo”, conta. Outra ambição é desenvolver alternativas sem glúten para o pão de hambúrguer e o de cachorro-quente. “O segredo está na massa, só preciso encontrar a receita ideal para cada uma.” (FF)