Título do Trabalho Impacto do Treinamento no Trabalho: Preditores Individuais e Situacionais Autoria: Pedro Paulo Murce Meneses, Gardênia Abbad Resumo Esta pesquisa buscou analisar o relacionamento entre características de treinamentos e suas clientelas, suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho. A amostra de participantes (n = 366) foi obtida no Distrito Federal, junto a três organizações dos setores financeiro, telefônico e aeroportuário. No primeiro dia de curso eram aplicadas as medidas de auto-eficácia, locus de controle e motivação para o treinamento. Entre um e três meses finalizados os cursos, eram aplicadas as medidas de impacto do treinamento e de suporte a transferência. Todos os instrumentos foram validados estatisticamente. Suporte psicossocial percebido pelos participantes e auto-eficácia, e suporte psicossocial percebido pelas chefias e colegas de trabalho e quantidade de instrutores por turma, contribuíram respectivamente na explicação da variabilidade de auto e heteroavaliação de impacto do treinamento. Quando a variável critério era heteroavaliação do impacto, nenhuma variável auto-referente contribui para sua explicação. Talvez isso indique que a participação das variáveis, na explicação do impacto, deva-se tão somente a natureza das medidas utilizadas. Estudos posteriores deverão diversificar a natureza de suas medidas e observar se as contribuições de variáveis individuais e situacionais sobre a eficácia de treinamentos se mantêm. Apresentação Conforme previsto por Goldstein (1991) há pouco mais de dez anos, o mundo atual do trabalho é marcado por acirrada competição entre organizações nacionais e estrangeiras por nichos de mercados cada vez menores, novas habilidades cognitivas e afetivas exigidas dos trabalhadores, entrada de minorias nas organizações e acelerado processo de mudança tecnológica, responsáveis pela obsolescência incessante da mão de obra qualificada. Nesse cenário, programas de treinamento tornam-se essenciais, sendo considerados instrumentos eficazes de aprendizagem das novas habilidades exigidas pelas mudanças tecnológicas e pela difusão das redes de comunicação. Essa importância atribuída à área de treinamento é convertida em altos investimentos financeiros que, na maioria das vezes, são desperdiçados pela inexistência de estudos criteriosos e sistemáticos sobre seus efeitos. Estimativas recentes sugerem que investimentos em atividades de treinamento nos Estados Unidos variam, anualmente, entre $55,3 bilhões e $200 bilhões, quantias que estimulam, além do interesse por treinamentos, o desenvolvimento de tecnologias de aprendizagem e processos, práticas e serviços para melhorias de desempenhos no trabalho (Salas & Cannon-Bowers, 2001). Apesar dos altos investimentos, as organizações, de forma geral, carecem de estudos criteriosos que busquem investigar o retorno destas quantias em termo de transferência de aprendizagem, mudança de comportamento ou impacto dos treinamentos.No Brasil, nem sequer existem informações sobre tais investimentos. Desta maneira, a produção de conhecimentos sobre treinamento se faz fundamental, destacando-se a avaliação de treinamento, principal responsável pelo provimento de informações avaliativas que garantem o aperfeiçoamento constante do sistema de treinamento. Apesar da necessidade relativamente urgente de implementações e melhorias de sistemas de treinamento em ambientes organizacionais, sobretudo referentes ao estágio de avaliação de treinamentos, observam-se poucos esforços substanciais nesse sentido. São pouquíssimas as organizações que investem em sistemas de treinamentos adequadamente estruturados. A maioria dos cursos, por exemplo, é comprada em pacotes nem 1 sempre adequados aos ambientes onde são abertos. Por outro lado, no meio acadêmico, há um número considerável de investigações acerca de treinamento de pessoal, entretanto, nota-se uma escassez de estudos sobre o relacionamento entre variáveis pessoais e eficácia de treinamentos. Nesse estudo, buscou-se estudar variáveis individuais potencialmente capazes de explicar efeitos de treinamentos no trabalho. Introdução Diferentemente de desenvolvimento e educação, o conceito de treinamento estaria associado a intervenções sistematicamente planejadas para promoverem melhorias de desempenho em tarefas atuais. Já desenvolvimento estaria supostamente direcionado ao crescimento individual, e educação, voltada para atividades a serem realizadas em um futuro próximo. Entretanto, como mencionado, a inconstância do cenário mundial do trabalho não permite a estagnação de atividades designadas a cargos, funções ou ocupações, as quais, por sua vez, acompanham essas mudanças tornando-se cada vez mais complexas e exigentes. Treinamento passa então a ser uma intervenção contínua, voltada ao preparo de indivíduos para um futuro profissional imprevisível. Haja vista as incessantes transformações sentidas pelo mundo do trabalho, atualmente, torna-se complicada uma definição precisa acerca dos conceitos de Treinamento, Educação e Desenvolvimento. Bastos (1991) analisa os problemas conceituais existentes na área de treinamento de pessoal, resultantes das tentativas de definir treinamento, educação e desenvolvimento. Para o autor, uma das maneiras de diferenciar treinamento dos demais é pelos critérios da intencionalidade em produzir melhorias de desempenho e do controle exercido pela organização sobre o processo de treinamento. Apesar da preocupação científica de definir precisamente treinamento, organizações de trabalho, pressionadas pelas incertezas decorrentes da instalação de um novo cenário sóciopolítico-econômico, são inundadas por conceitos relacionados à aprendizagem contínua. Essa nova concepção seria essencial para a adaptação organizacional às incertezas do mundo atual, demandando, em contrapartida, o desenvolvimento de estratégias vinculadas à auto-gestão de carreiras, até então não enfatizadas em cursos tradicionais. Nesse quadro, programas de treinamento seriam direcionados à aquisição, pelos indivíduos, desse tipo de estratégias, como, por exemplo, habilidades metacognitivas. Embora conceitos relativos à aprendizagem contínua estarem em voga, a presente pesquisa buscou investigar, principalmente, a eficácia de treinamentos tradicionais, relacionandoa a características da clientela. Segundo Borges-Andrade e Abbad (1996), entre os propósitos mais tradicionais do treinamento, estão aqueles relacionados à identificação e superação de deficiências nos desempenhos dos empregados, à preparação desses para novas funções e ao retreinamento para adaptação de mão de obra à introdução de novas tecnologias. Treinamento seria assim um sistema, podendo ser definido como o desenvolvimento sistemático de padrões comportamentais de conhecimentos-habilidades-atitudes necessários para que um indivíduo desempenhe adequadamente uma dada tarefa ou trabalho (Latham, 1988). De forma geral, treinamento torna-se necessário quando existe um problema para o qual a aprendizagem sistemática é uma resposta apropriada (Nadler, 1984). Goldstein e Gilliam (1990) definem treinamento como um modelo de tecnologia instrucional que enfatiza uma cuidadosa avaliação de necessidades, experiências de aprendizagem precisamente controladas e planejadas para alcançar objetivos instrucionais, o uso de critérios de desempenhos e, por fim, a coleta de informações para fornecer feedback sobre os efeitos do sistema, etapa sobre a qual recai o interesse do presente relato de pesquisa. Sobre subsistema de Avaliação de Treinamento, esta seria a melhor oportunidade para discutir os treinamentos, seus eventuais papéis na mudança organizacional e social e, ainda, frente à prática vigente de T&D, para fundamentar argumentações a favor da necessidade de 2 desenvolvimento de sistemas de treinamento completos e bem estruturados. Sua execução poderia centrar-se em diversos níveis de análise, sendo os mais difundidos os de reações, aprendizagem e comportamento no cargo (Hamblin, 1978). Esses níveis, propostos há mais de 30 anos, não exploravam, porém, inúmeras outras variáveis capazes também de influenciar resultados gerados por programas de treinamentos. A partir dessa necessidade, diversos modelos de avaliação de treinamento foram desenvolvidos. Entre eles, talvez um dos mais utilizados em pesquisas nacionais, destaca-se o Modelo de Avaliação Integrado Somativo (MAIS), proposto por Borges-Andrade (1982). Esse modelo, além de contemplar variáveis internas aos programas de treinamentos, prevê a influência de variáveis externas, como, por exemplo, o ambiente, sobre resultados de treinamentos. Após o desenvolvimento deste modelo de avaliação, muitos outros surgiram na tentativa de elevar o poder explicativo de algumas variáveis sobre os efeitos de treinamentos. Nessa linha de trabalho, Abbad (1999) desenvolveu um modelo integrado de avaliação do impacto do treinamento no trabalho (IMPACTO), a partir do qual a presente pesquisa foi realizada. No modelo desenvolvido pela autora, a avaliação seria realizada a partir dos componentes de percepção de suporte organizacional, características do treinamento, características da clientela, reação e impacto do treinamento no trabalho. A partir deste modelo de investigação, propõe-se um mais parcimonioso, útil na investigação dos relacionamentos entre variáveis de características do treinamento, características da clientela e de suporte à transferência com o nível de avaliação de impacto do treinamento no trabalho. A Figura 1 demonstra o modelo de avaliação desenvolvido para o estudo do tema proposto. 1. Características dos Treinamentos 2. Características da Clientela 2.1 Auto-eficácia 4. Impacto do Treinamento no Trabalho 2.2 Motivação para o Treinamento 2.3 Locus de Controle 2.4 Características Demográficas 3. Suporte à Transferência Figura 2. Versão reduzida do modelo integrado de avaliação do impacto do treinamento no trabalho proposto por Abbad (1999). Revisão de Literatura Nesta seção, é apresentada uma revisão de literatura concernente aos componentes do modelo de avaliação proposto anteriormente. Conforme revisão de literatura realizada por Borges-Andrade e Abbad (1996), praticamente não há produção tecnológica ou de conhecimento, ou pelo menos não houve divulgação, referente aos passos para a elaboração de projetos de treinamento e seus efeitos sobre reações, aprendizagem e impacto do treinamento no trabalho. Provavelmente, o desinteresse pelo tema decorre da excessiva ênfase dada pelos profissionais a questões referentes a projetos de treinamento nas décadas de sessenta e setenta. No exterior, a existência de resultados científicos que indicam baixa contribuição de variáveis relativas a procedimentos instrucionais sobre resultados de treinamentos pode ter desviado o foco de pesquisas recentes para o estudo de características individuais de participantes de treinamentos. Ou, ainda, este desinteresse talvez se deva ao predomínio atual de questões 3 excessivamente moleculares acerca de interações entre processos cognitivos básicos, métodos e estratégias instrucionais (Abbad, 1999). Apesar da urgente necessidade em se pesquisar quais métodos de treinamentos se adequariam melhor a determinadas clientelas, não é esse o foco central da atual pesquisa. Desta forma, buscou-se investigar, unicamente, de que modo a quantidade de instrutores por turma de treinamento estaria relacionada ao nível de avaliação de impacto do treinamento no trabalho. Para Tannenbaum, Mathieu, Salas e Cannon-Bowers (1991), a eficácia de treinamentos também depende das características dos treinandos. Historicamente, pesquisadores desse assunto têm-se preocupado com a seleção de participantes mais propensos a serem bem sucedidos em programas de treinamento. Trata-se da questão da treinabilidade, onde características individuais determinariam quais pessoas se beneficiariam, em maior ou menor proporção, de treinamentos em determinadas habilidades. Entre essas características, destacam-se motivação para o treinamento, auto-eficácia, locus de controle e algumas características demográficas, variáveis estudadas na presente pesquisa, detalhadas a seguir. Em relação à motivação para o treinamento, de forma sintética, ela pode ser considerada tanto um antecedente como um efeito de programas instrucionais. Goldstein (1991) apresenta algumas definições do conceito, empregadas pelas principais teorias motivacionais existentes. Segundo o autor, motivação é entendida como um esforço direcionado e persistente do participante em resposta a objetivos desafiadores estabelecidos durante o planejamento instrucional. Motivação para o treinamento pode ainda ser entendida a partir do valor instrumental atribuído aos conteúdos do treinamento. Por exemplo, estudantes com altos índices de motivação para realização são bem avaliados em testes de conhecimento quando percebem a importância, tendo em vista o futuro profissional, dos conteúdos ensinados em sala de aula. Apesar dos inúmeros relatos científicos indicarem a grande importância de motivação para o treinamento frente à eficácia de treinamentos, pouco se avançou em relação à sua definição conceitual e à compreensão de seu relacionamento com outras variáveis individuais, situacionais e com resultados de treinamentos. Neste estudo, motivação para o treinamento é definido em termos do quanto cada indivíduo pretende esforçar-se em assimilar os conteúdos do treinamento e em transferi-los para o ambiente de trabalho, bem como o valor atribuído ao treinamento como estratégia de resolução de problemas de desempenho no trabalho. Assim, buscou-se investigar o relacionamento entre motivação para o treinamento, suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho. Outra variável de características da clientela, refere-se à auto-eficácia. Conforme revisão de literatura realizada por Salas e Cannon-Bowers (2001), o conceito de auto-eficácia, largamente estudado na última década, assume grande importância em treinamento à medida que propicia melhores resultados de aprendizagem e desempenho pós-treinamento. De acordo com revisão realizada por Borges-Andrade (1997), inúmeras pesquisas apontam para autoeficácia como importante variável explicativa de sucesso dos participantes em treinamentos de diferentes domínios e atividades. Para Cervone e Scott (1995), o detalhamento dos mecanismos pelos quais as percepções de auto-eficácia afetam resultados comportamentais evitaria a presença de modelos desconhecidos de desempenho humano, onde permanecem incógnitos processos que ligam cognições a realizações. Para Cervone (2000), a auto-eficácia é uma auto-avaliação do nível ou tipo de desempenho que um indivíduo pode alcançar em uma determinada situação e, portanto, pode ser moldada pelo conhecimento adquirido em experiências similares. Vale a ressalva de que conhecimento refere-se a crenças gerais sobre características individuais ou ambientais. No presente estudo, auto-eficácia é definida como as análises feitas pelos indivíduos acerca de suas capacidades para obter sucesso em suas realizações, em situações variadas. Decorreria, portanto, de avaliações situacionais de suas habilidades e conhecimentos para realizar, com sucesso, uma atividade 4 Outra variável de interesse, que também parece afetar resultados imediatos de treinamentos, é locus de controle, amplamente pesquisada na área da psicologia clínica, por exemplo, em estudos dos efeitos de programas de intervenção terapêutica. Na área de treinamento, essa característica individual vem sendo pouco estudada, provavelmente, porque outras variáveis como motivação e auto-eficácia têm sido consideradas melhores preditoras de resultados de treinamento. Em uma revisão de literatura, Abbad, Pantoja e Pilati (2001) apontam para a pequena quantidade de estudos relacionando variáveis individuais, entre elas, locus de controle e impacto do treinamento no trabalho. Um indivíduo com locus de controle interno acredita controlar os próprios comportamentos, percebendo uma relação clara entre tais comportamentos, desempenhos específicos e suas conseqüências observadas em ambiente de trabalho. Já um indivíduo com locus de controle externo acredita que os resultados de seu trabalho estão além de seu controle pessoal e, assim, atribui a causa destes à sorte ou à ação de outros, por exemplo. Apesar da pouca atenção dispensada ao construto nos últimos anos pela área de T&D, percebe-se a relativa importância de locus de controle, na medida em que se relaciona com alguns antecedentes e efeitos de treinamentos. Neste estudo, locus de controle é entendido como as crenças sobre as quais os indivíduos estabelecem a fonte controladora do próprio comportamento e de outros eventos. Essas fontes seriam a sorte, outros poderosos ou o próprio indivíduo. Assim, buscou-se investigar de que modo orientações externas e internas de locus de controle afetariam as taxas de transferência de treinamentos. Apesar de estas variáveis serem mencionadas em estudos sobre treinamento, na maioria das vezes são utilizadas unicamente como fontes de controle estatístico. Há pouquíssimos estudos onde características demográficas assumem papel central e quase não há pesquisa relacionando tais variáveis com efeitos de treinamentos. Buscou-se investigar a contribuição de algumas variáveis demográficas, além de algumas características pessoais e situacionais, na explicação de eficácia de treinamentos. As características pesquisadas foram gênero, faixa etária, nível de escolaridade, estado civil, ter filhos ou não, tipo de religião ou crença e organização de origem. No que diz respeito às variáveis situacionais, segundo Tannenbaum e Yukl (1992), a aprendizagem é necessária, mas não essencial para uma mudança de comportamento no trabalho. Ambientes pós-treinamento desempenhariam também um papel importante na determinação desta mudança. Por exemplo, limitações no ambiente pós-treinamento poderiam prejudicar a aplicação, no trabalho, das habilidades adquiridas por meio de treinamento. Goldstein (1991) afirma que a transferência de treinamento de um ambiente instrucional para o ambiente de trabalho envolve questões relacionadas à necessidade de se ter um clima positivo para transferência na organização de trabalho. Para o autor, este clima positivo deveria apresentar algumas características essenciais. Deveria existir um sistema que integrasse instrutor, treinando e gerente no processo de transferência. Antes do treinamento, as expectativas dos treinandos e dos gerentes deveriam estar claras. Seria necessário identificar obstáculos à transferência e fornecer estratégias para superá-los. E, por fim, seria necessário um trabalho conjunto com os gerentes para fornecer oportunidades para a manutenção dos comportamentos aprendidos. Neste sentido, um ambiente organizacional favorável e suportivo parece ser condição necessária para garantir o sucesso do treinamento em ambientes organizacionais. Surgem, assim, necessidades de estudos sobre a influência de variáveis do contexto organizacional, os quais deveriam investigar as condições necessárias à aplicação das novas habilidades no trabalho, em situações de treinamento. A presente pesquisa pretendeu investigar as contribuições de medidas de suporte à transferência, bem como de algumas variáveis de características da clientela, na explicação dos níveis de impacto de treinamentos no trabalho. É esperado que indivíduos treinados, em 5 ambientes favoráveis, alcancem taxas mais elevadas de melhoria de desempenho do que indivíduos locados em ambientes desfavoráveis ao uso de habilidades recém-adquiridas. Por fim, referente à variável impacto do treinamento no trabalho, entende-se o efeito indireto do treinamento no desempenho dos treinandos, na motivação e/ou atitudes. Vale mencionar que impacto não deve ser reduzido somente à transferência positiva de treinamento, a qual estaria relacionada à aplicação correta dos conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos em treinamentos para situações de trabalho. Conforme Abbad (1999), habilidades aprendidas tais como as metacognitivas, as estratégias de autogerenciamento e o uso de ferramentas computacionais, entre outras, podem afetar desempenho individual em diversas atividades realizadas dentro da organização. Habilidades não podem ser carregadas, como sugerido metaforicamente pela expressão “transferência de treinamento”. Elas são “disposições”. O foco do treinamento é em desempenhos, meios de execução de tarefas alinhados a certos critérios e situações. Sobre as medidas de impacto freqüentemente utilizadas em pesquisas, outra distinção deve ainda ser feita. Quando o interesse da avaliação reside nos benefícios do treinamento sobre os desempenhos genéricos, muitas vezes não relacionado ao conteúdo aprendido, as medidas utilizadas referem-se a impacto em amplitude, como na presente pesquisa. Caso o interesse seja investigar, a partir de objetivos instrucionais específicos, melhorias em desempenhos subseqüentes, as medidas referem-se a impacto em profundidade. Esta última, como observado, requer que os treinamentos sejam planejados, e não apenas adotados, de forma que o alcance dos objetivos instrucionais, elaborados em termos de desempenhos mensuráveis, possa ser averiguado em situações reais de trabalho. Neste estudo, impacto em amplitude do treinamento no trabalho é definido como a percepção dos participantes dos treinamentos, chefias e colegas de trabalho, dos efeitos mediatos produzidos pelo treinamento nos níveis de desempenho, motivação, autoconfiança e abertura a mudanças nos processos de trabalhos em que estão envolvidos os indivíduos treinados. Não se restringe, portanto, ao conceito de transferência, mas está associado ao de desempenho. Delimitação do Problema Como observado na revisão de literatura apresentada, questões sobre métodos de treinamentos receberam, nas últimas décadas, pouca atenção de pesquisas nacionais e estrangeiras. Da mesma forma, características demográficas quase não foram utilizadas como variáveis antecedentes em pesquisas sobre treinamento, mas, na maioria das vezes, como variáveis de controle para análises do relacionamento de outras variáveis com resultados de treinamentos. Por outro lado, características individuais da clientela de treinamentos, como motivação para o treinamento, auto-eficácia e locus de controle foram utilizadas em um número considerável de estudos como variáveis preditoras de reações, aprendizagem e impacto do treinamento no trabalho. Atualmente, uma das questões empíricas de maior interesse na área de avaliação de treinamento, relacionada ao impacto do treinamento no trabalho, diz respeito aos efeitos de eventos instrucionais, características da clientela e do ambiente organizacional sobre os níveis de desempenho no trabalho. Como sugerido por Sallorenzo (2001), alternativas de projetos de pesquisas deveriam investir no estudo de características individuais como determinantes de incremento de impacto de treinamento no trabalho, como, por exemplo, locus de controle e auto-eficácia. Em uma revisão de pesquisas científicas sobre treinamento, Borges-Andrade e Abbad (1996) propõem uma agenda onde questões sobre características da clientela deveriam ser foco de alguma atenção no Brasil, tanto em termos de desenvolvimento de medidas de avaliação quanto em termos de seus efeitos na organização e no treinamento. Organizações Estudadas 6 Esse estudo foi realizado em três organizações do Distrito Federal, por meios de parcerias entre as mesmas e o Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília. A primeira foi firmada com o Banco de Brasil, maior instituição financeira da América Latina, sediado em Brasília desde 21 de abril de 1960 e que conta com a maior rede de auto-atendimento da América Latina, com cerca de 25 mil terminais, distribuídos pelas várias regiões do País. Também foi estabelecida parceria com a Americel, empresa de telefonia celular digital, que começou a operar em novembro de 1997 e conta, atualmente, com mais de 500 mil clientes. Da mesma forma, estabeleceu-se parceria com a Infraero, empresa pública, vinculada ao Ministério da Defesa, responsável pela administração de 65 aeroportos e de 83 Grupamentos e Unidades de Apoio à Navegação Aérea, no País, que conta com um efetivo de cerca de 8,5 mil empregados diretos e 10 mil terceirizados. Amostra de Cursos e Participantes Constituíram a amostra, para este estudo, os treinandos que responderam a todos os instrumentos utilizados e, ainda, que tiveram os instrumentos de suporte à transferência e impacto do treinamento avaliados por suas chefias e colegas de trabalho. A amostra foi constituída por 366 casos de participações em 23 treinamentos distintos, dos quais 20 eram de natureza predominantemente cognitiva, 1 de natureza afetiva e 2 de natureza psicomotora. Como alguns treinamentos ocorreram mais de uma vez, 53 turmas, com média de 7 alunos, foram constituídas. A maioria delas (34) foi ministrada por 1 instrutor. A Tabela 1 apresenta o número de participações em treinamentos nas organizações e o perfil demográfico da amostra de treinandos. Quanto ao perfil demográfico, a maioria era do sexo feminino, tinha idade variando entre 21 e 30 anos, possuía 3º grau incompleto na época do estudo, era solteira, sem filhos, católica não praticante de religião e provenientes do Banco do Brasil. Tabela 1. Principais características da amostra VARIÁVEIS F Sexo Masculino Femininos Dados Omissos Idade Até 30 anos 31-40 anos 41-50 anos 51-60 anos Dados Omissos Escolaridade 1º grau completo 2º grau completo 3º grau incompleto 3º grau completo Pós-Graduação Outros Dados Omissos Praticante de Religião Sim Não Dados Omissos OCORRÊNCIAS % 122 243 1 33,3 66,4 0,3 220 91 53 2 - 60,1 24,9 14,5 0,5 - 1 45 167 125 4 23 1 0,3 12,3 45,6 34,2 1,1 0,3 0,3 198 149 19 54,1 40,7 5,2 VARIÁVEIS Estado civil Solteiro Casado Divorciado Desquitado Viúvo Outros Dados Omissos Filhos Sim Não Dados Omissos Religião Católica Outras Dados Omissos Empresa Banco do Brasil Americel Infraero Total OCORRÊNCIAS F % 184 161 5 4 3 9 - 50,3 44,0 1,4 1,1 0,8 2,5 - 149 215 2 40,7 58,7 0,5 220 110 36 60,1 30,0 9,9 185 178 3 366 50,6 46,6 0,8 100,0 7 Instrumentos de Medida Foram utilizados os seguintes instrumentos de medida: Auto-eficácia, Locus de Controle, Motivação para o Treinamento, Impacto em Amplitude do Treinamento no Trabalho e Suporte à Transferência. È importante mencionar que estes três últimos instrumentos foram desenvolvidos por Abbad (1999). Os Dados Demográficos foram coletados junto ao questionário de Locus de Controle. Para as avaliações de impacto do treinamento no trabalho e suporte à transferência, também foram utilizadas medidas de heteroavaliação (chefias e colegas de trabalho). O Quadro 1 apresenta os instrumentos utilizados, relacionando-os com os componentes do modelo de avaliação proposto. Quadro 1. Componentes do modelo de avaliação, questionários e itens correspondentes. COMPONENTE 1 – CARACTERÍSTICAS DOS TREINAMENTOS ROTEIRO Análise Documental INSTRUMENTOS Auto-eficácia Locus de Controle ITENS Natureza do Objetivo Principal do Curso e Quantidade de Instrutores por Curso COMPONENTE 2 – CARACTERÍSTICAS DA CLIENTELA ITENS Auto-eficácia Motivação para a Aprendizagem Locus de Controle Informações Demográficas COMPONENTE 3– SUPORTE À TRANSFERÊNCIA INSTRUMENTOS ITENS Suporte à Transferência percebido Fatores Situacionais de Apoio pelos participantes, chefias e colegas de trabalho Suporte Material Conseqüências Associadas ao Uso das Novas Habilidades COMPONENTE 4 – IMPACTO DO TREINAMENTO INSTRUMENTOS ITENS Auto e Heteroavaliação do Impacto Impacto do Treinamento no Trabalho do Treinamento Nº. DOS ITENS Sem questionário específico Nº. DOS ITENS 1 a 15 1a4 1 a 12 13 a 25 Nº. DOS ITENS 13 a 21 22 a 27 28 a 34 Nº. DOS ITENS 1 a 12 Coleta e Análise de Dados A coleta de dados ocorreu em dois momentos distintos. No início dos treinamentos, os participantes avaliaram os instrumentos de auto-eficácia, locus de controle, motivação para o treinamento e forneceram algumas informações demográficas. Esses instrumentos foram aplicados, em sessão única de avaliação, em todos os participantes presentes no primeiro dia de curso. Entre 1 e 3 meses após a conclusão dos treinamentos, os participantes, chefias e colegas de trabalho receberam, via correio eletrônico, os instrumentos de auto-avaliação de impacto e suporte à transferência percebido pelos participantes e heteroavaliação de impacto e suporte à transferência percebido pelas chefias e colegas de trabalho, respectivamente. No caso do Banco do Brasil também foi utilizada avaliação em papel. As informações coletadas nos dois momentos mencionados foram, posteriormente, inseridas em um arquivo de dados, gerado por meio do programa “SPSS For Windows” Versão 10.0, para que pudessem ser analisadas. Em seguira, análises de regressão múltipla padrão foram realizadas, a fim de que o relacionamento entre características da clientela, suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho pudesse ser investigado. Anteriormente a esta análise, as respostas dos participantes aos questionários utilizados foram submetidas a análises exploratórias, a fim de que a precisão de entrada dos dados, a 8 quantidade de valores omissos, os formatos assumidos pelas distribuições das repostas (índices de assimetria e achatamento) e o ajustamento das variáveis aos pressupostos das análises multivariadas pudessem ser analisados. Resultados Vale ressaltar que foram realizadas análises fatorias (PAF), no intuito de que as variáveis antecedentes e critério fossem constituídas, a partir das médias das respostas dos participantes aos itens que as compuseram. Desta forma, as seguintes variáveis antecedentes foram obtidas: auto-eficácia para os itens favoráveis (aef), auto-eficácia para os itens desfavoráveis (aed), locus de controle/internalidade (lci), locus de controle/externalidade (lce), motivação para o treinamento (mot), suporte psicossocial à transferência percebido pelos participantes dos treinamentos (asp) e chefias e colegas de trabalho destes (hsp), além de suporte material à transferência percebido pelos participantes (asm) e suas respectivas chefias e colegas de trabalho (hsm). Também foram utilizadas como variáveis antecedentes, após as categorias de respostas terem sido dicotomizadas, em alguns casos, os seguintes dados demográficos coletados: gênero (sex/masculino e feminino), faixa etária (fet/até 30 anos e de 31 a 60 anos), nível de instrução (ins/até 3º grau incompleto e de 3ºgrau completo a doutorado), estado civil (ecv/solteiros e outros), organização de origem (org/Americel e Infraero, e Banco do Brasil), religião (rel/católica e outras) e filhos (fil/sim ou não). Foi também utilizada a quantidade de instrutores por turma de treinamento analisado (qin). A variável natureza do treinamento não pôde ser utilizada, haja vista que mais de 95% dos cursos serem de natureza predominantemente cognitiva. As variáveis critério estudadas por meio dos modelos de regressão múltipla foram auto (aimp) e heteroavaliação (himp) do impacto do treinamento. É importante mencionar que as variáveis antecedentes suporte psicossocial e material à transferência percebido pelos participantes (asp e asm) e pelas chefias e colegas de trabalho (hsm e hsp) foram somente consideradas nos modelos de regressão cujas variáveis critério eram, respectivamente, auto e heteroavaliação do impacto do treinamento no trabalho. Antes de serem analisadas, as médias das respostas dos 366 casos de participação nas variáveis antecedentes e critério foram examinadas por meio de vários programas do SPSS quanto à ocorrência de valores ausentes e adequação das distribuições em relação aos pressupostos para análises multivariadas. As variáveis mencionadas apresentaram valores omissos em menos de 5% dos casos e por isso foi utilizado tratamento pairwise para dados ausentes. Apesar de refletidas, frente a índices negativos de assimetria, e transformadas as distribuições das médias das respostas às escalas de motivação para o treinamento e suporte material à transferência percebido pelos participantes do treinamento (método raiz quadrada), devido aos índices elevados de assimetria e achatamento, os resultados não apresentaram melhorias significativa. Assim, foi escolhido não transformar distribuição qualquer. Considerando a distância Mahalanobis com α = 0,001, 2 outliers multivariados foram encontrados e excluídos do arquivo de dados. Esses exames indicaram a adequação dos dados obtidos aos pressupostos exigidos pela análise de regressão múltipla padrão, cujos resultados serão descritos a seguir. Em relação à variável critério auto-avaliação do impacto do treinamento no trabalho, os dados (N = 364) foram então submetidos à análise de regressão múltipla padrão. A Tabela 2 apresenta as correlações entre as variáveis, os coeficientes de regressão não padronizados (B), a constante, os coeficientes de regressão padronizados (β), o R² e o R² ajustado. O coeficiente de regressão múltipla R foi significativamente diferente de zero, F (15, 298) = 20,86, p < 0,001. Para os dois coeficientes de regressão que diferiram significativamente de zero, limites de confiança de 95% foram considerados. Os intervalos de confiança variaram de 0,12 a 0,43 para auto-eficácia e de 0,45 a 0,61 suporte material à transferência percebido 9 pelos participantes dos treinamentos. Entre as variáveis antecedentes utilizadas, somente duas contribuíram significativamente para a explicação de auto-avaliação de impacto do treinamento no trabalho: suporte psicossocial percebido pelos participantes do treinamento (sr² = 0,27) e auto-eficácia (sr² = 0,02). As outras 13 variáveis antecedentes combinadas contribuíram em 20% para a variabilidade compartilhada. Agrupadas, as 15 variáveis antecedentes explicavam 51% (49% ajustado) da variabilidade de impacto do treinamento no trabalho percebido pelos participantes. Tabela 2. Regressão múltipla padrão para impacto do treinamento percebido pelos participantes. Var aimp DP B sr² X β (VD) aimp 3,91 0,64 aef 0,19 0,27** 0,17 0,02 4,41 0,39 aed 0,29 0,00 0,08 0,00 2,89 1,45 lci -0,01 -0,12 -0,05 0,00 4,67 0,30 lce 0,05 0,00 0,00 0,00 2,27 0,63 mot 0,17 0,07 0,04 0,00 4,71 0,37 asp 0,67 0,52** 0,60 0,27 4,08 0,54 Asm 0,16 -0,01 -0,01 0,00 4,38 0,62 Sex 0,07 0,05 -0,04 0,00 1,67 0,47 Constante = 0,67 Fet -0,04 -0,09 0,04 0,00 1,90 0,29 R² = 0,51ª Ins 0,08 0,09 0,07 0,00 1,42 0,49 R² (ajustado) = 0,49 Ecv 0,06 -0,02 -0,02 0,00 1,50 0,50 Org 0,29 0,15 0,12 0,00 1,50 0,50 Rel -0,04 0,04 0,00 1,32 0,47 Fil -0,18 -0,07 -0,06 0,00 1,59 0,49 ªVariabilidade singular = 0,29 Qin 0,09 0,06 0,05 0,0 1,40 0,49 Variabilidade compartilhada = 0,22 0,03 R = 0,72 **p ** < 0,01 No que diz respeito à variável critério heteroavaliação do impacto do treinamento no trabalho, os dados (N=364) também foram submetidos à análise de regressão múltipla padrão. A Tabela 3 apresenta as correlações entre as variáveis, os coeficientes de regressão não padronizados (B), a constante, os coeficientes de regressão padronizados (β), o R² e o R² ajustado. Pode ser observado que R foi significativamente diferente de zero, F (15, 298) = 19,66, p < 0,001. Para os dois coeficientes de regressão que diferiram significativamente de zero, limites de confiança de 95% foram considerados. Os intervalos de confiança variaram de 0,50 a 0,70 para suporte psicossocial percebido pelas chefias dos participantes do treinamento e de -0,35 a -0,14 para quantidade de instrutores por turma de treinamento. Entre todas as variáveis antecedentes consideradas, somente duas contribuíram significativamente para a explicação de heteroavaliação do impacto do treinamento no trabalho percebido pelos participantes: suporte psicossocial percebido pelas chefias dos participantes do treinamento (sr² = 0,22) e quantidade de instrutores por turma de treinamento (sr² = 0,03). O restante, 13 variáveis antecedentes, contribuiu em 22% para a variabilidade compartilhada. Agrupadas, todas as 15 variáveis antecedentes explicaram 50% (47% ajustado) da variabilidade de impacto do treinamento no trabalho percebido pelas chefias dos participantes. 10 Tabela 3. Regressão para impacto do treinamento percebido pelas chefias dos participantes Var himp X DP B sr² β (VD) Himp 4,05 0,59 Aef 0,05 0,05 0,04 0,00 4,41 0,39 Aed 0,31 0,05 0,13 0,00 2,89 1,45 Lci 0,03 -0,11 -0,06 0,00 4,67 0,30 Lce 0,08 0,03 0,04 0,00 2,27 0,63 Mot 0,07 0,15 0,09 0,00 4,71 0,37 Hsp 0,62 0,60** 0,60 0,22 Hsm 0,33 0,10 0,11 0,00 4,38 0,62 Sex 0,00 0,05 0,01 0,00 1,67 0,47 Constante = 0,71 Fet -0,13 -0,07 -0,04 0,00 1,90 0,29 R² = 0,50ª; Ins -0,05 -0,09 0,00 0,00 1,42 0,49 R² (ajustado) =0,47 Ecv 0,05 0,05 0,05 0,00 1,50 0,50 Org 0,31 0,07 0,06 0,00 1,50 0,50 Rel -0,02 0,01 0,00 0,00 1,32 0,47 Fil -0,08 0,00 0,00 0,00 1,59 0,49 ªVariabilidade singular = 0,25 Qin -0,19 -0,24** -0,20 0,03 1,40 0,49 Variabilidade compartilhada = 0,25 4,08 0,54 R = 0,71 **p ** < 0,01 Discussão No presente estudo, a variável que explicou a maior parte da variabilidade da autoavaliação do impacto do treinamento no trabalho, foi suporte psicossocial à transferência percebido pelos participantes, corroborando os achados de Abbad (1999), Brito (1999), Rouiller e Goldstein (1993) e Sallorenzo (2000). Entre as variáveis relativas a características da clientela, auto-eficácia foi a única que explicou uma porção significativa das respostas de impacto, confirmando resultados descritos por Mathieu e cols (1993) e Colquit e cols (2000). Contrariamente aos resultados apontados na literatura, a contribuição de auto-eficácia (2%) para a explicação da variabilidade da variável critério é pequena e inferior à encontrada em outros estudos. É provável que este resultado se deva, em parte, aos problemas metodológicos gerados pelas escalas utilizadas para mensurar auto-eficácia. Os itens contêm descrições de crenças muito genéricas que diferem das encontradas em outras pesquisas, onde auto-eficácia é definida para situações e contextos específicos. A natureza disposicional do conceito de auto-eficácia implica uma necessidade de acompanhamento em longo prazo das ações humanas que o representam, de modo a examinar de que maneira essa disposição se manifesta em diferentes situações ou contextos. Estudos de corte longitudinal ou de múltiplos cortes transversais seriam os delineamentos mais adequados ao estudo desse tipo de fenômeno. Outra hipótese para a baixa contribuição de auto-eficácia na explicação de impacto é que, como sugerido por Colquit e cols (2000), autoeficácia estaria relacionada indiretamente a impacto do treinamento por mecanismos de motivação para aprender. No estudo realizado pelos autores, auto-eficácia pré-treinamento esteve relacionada moderadamente com motivação para aprender (coeficiente de trajetória = 0,29) que, por sua vez, relacionou-se também moderadamente com auto-eficácia póstreinamento (coeficiente de trajetória = 0,22). O relacionamento entre transferência do treinamento e auto-eficácia pós-treinamento foi de r = 0,27. 11 No presente estudo, não foram realizadas análises de relacionamentos indiretos entre variáveis, o que teria sido possível por meio de equações estruturais e análise de trajetória. Porém, observou-se uma correlação bivariada de r = 0,37 entre motivação e auto-eficácia (itens favoráveis), mais alta do que a correlação entre auto-eficácia e impacto (r = 0,19) e que a correlação entre motivação e impacto (r = 0,17). Esses resultados sugerem que o relacionamento entre auto-eficácia e motivação deveria ser melhor estudado a partir de modelos motivacionais de avaliação de treinamento, com o proposto por Colquit e cols (2000), onde variáveis como locus de controle e auto-eficácia exercem influência indireta sobre resultados de treinamento. Em relação às demais variáveis antecedentes, apesar de nenhuma delas ter explicado o impacto do treinamento no trabalho, internalidade em locus de controle merece alguma atenção, principalmente devido aos resultados, descritos anteriormente, obtidos por Abbad, Meneses, Walter e Leite (2001). Como sugerido pelos autores, auto-eficácia e internalidade em locus de controle, quando submetidos, conjuntamente, a análises fatoriais, revelaram uma estrutura unifatorial, onde os itens de auto-eficácia possuíam cargas fatoriais mais elevadas do que os itens de locus de controle. Quando submetido a análises de regressão múltipla como variável antecedente distinta, locus de controle não explicou impacto de treinamento. Talvez isso se deva à redundância entre as variáveis antecedentes de auto-eficácia e internalidade. Nesses casos, uma das variáveis é excluída indevidamente da equação de regressão múltipla (Abbad & Torres, 2002). Outra possível explicação para a não contribuição de locus de controle na explicação de impacto do treinamento no trabalho é que, como sugerido por Colquit e cols (2000), locus de controle está relacionado à transferência e a impacto do treinamento por meio de mediações por auto-eficácia pós-treinamento (coeficiente de trajetória = 0,49) Quanto a suporte psicossocial à transferência, sua contribuição para predição de impacto do treinamento no trabalho já é bastante conhecida e ressaltada na literatura científica. Treinandos que acreditam dispor de ambiente favorável de apoio têm seus desempenhos melhorados após a participação em treinamentos. Isso indica que indivíduos que, no início do treinamento, apresentam índices elevados de auto-eficácia, e que passados alguns meses após o curso, acreditam dispor de um ambiente suportivo, têm seus desempenhos melhorados. Quando a variável critério utilizada foi heteroavaliação de impacto do treinamento no trabalho, as variáveis antecedentes que contribuíram significativamente para a explicação de impacto foram, mais uma vez, suporte psicossocial, neste caso, tal como percebido pelas chefias e colegas de trabalho, além de quantidade de instrutores por turma de treinamento. De modo que, quanto maior o número de instrutores em um curso, maior o impacto do treinamento no trabalho. Isso pode ter ocorrido em função da eventual diversificação de estratégias de ensino que, provavelmente, aumentou as chances de o participante adquirir e generalizar novos conhecimentos para o trabalho. A presença de mais de um instrutor pode ter tornado o treinamento mais estimulante e motivador do que os cursos ministrados por um só instrutor. É importante observar que, no caso da heteroavaliação, auto-eficácia não contribuiu para a explicação da variabilidade de impacto do treinamento no trabalho, tal como ocorreu no modelo de auto-avaliação. É provável que o modo como os itens de auto-eficácia foram redigidos tenha inviabilizado o acesso dos treinandos a comportamentos ilustrativos de seus níveis de auto-eficácia. Em estudos futuros deveriam ser construídos indicadores comportamentais de auto-eficácia. Essas descrições poderiam ser levantadas junto a pessoas com alta e baixa auto-eficácia, de modo a identificar o que dizem e fazem indivíduos considerados auto-eficazes. Os itens assim descritos em termos de comportamentos manifestos poderiam ser observados e julgados, além do próprio indivíduo, por outras 12 pessoas. Vale frisar que, quando heteroavaliação de impacto foi utilizada como variável critério, somente suporte psicossocial percebido pelas chefias e colegas de trabalho e quantidade de instrutores por treinamento contribuíram significativamente para a explicação de impacto do treinamento no trabalho. Apesar de a principal questão deste estudo estar relacionada à contribuição de variáveis individuais na predição de impacto de treinamento, os resultados mostraram que não são essas variáveis as principais preditoras de impacto. Quando medidas de avaliação autoreferente compuseram o modelo de regressão em conjunto com medidas referentes a aspectos externos e não relacionados à personalidade ou ao estilo pessoal, apenas as avaliações do ambiente organizacional explicaram significativamente impacto do treinamento no trabalho. Porém, os resultados desta pesquisa mostraram que a maior parte das variáveis incluídas no modelo de regressão múltipla é de natureza perceptual e que todas as variáveis explicativas de impacto são também de natureza perceptual. Talvez isso indique que a contribuição das variáveis antecedentes na explicação da variável critério se deva, em parte, à natureza das medidas aqui utilizadas. Os resultados, nesse caso, estariam evidenciando padrões sistemáticos de respostas aos instrumentos, mais do que referindo-se aos fenômenos estudados. Como ressaltado por Abbad (1999), sobre a desconfiança do papel da natureza das medidas na predição de impacto, os resultados obtidos pela autora indicam que aprendizagem, única medida não perceptual de desempenho (notas em testes de conhecimento), não esteve relacionada a impacto do treinamento no trabalho, apesar de a literatura sobre o assunto ressaltar geralmente sua contribuição importante na explicação de impacto. Mais estudos são necessários para reduzir os problemas e eliminar esses vieses metodológicos. Os dados sobre a importância de suporte à transferência são, até agora, os mais robustos e objetivos. Mesmo em heteroavaliações de impacto, essa variável, relativa ao ambiente, é a mais forte preditora da variável critério em foco. Nesse caso, os respondentes parecem convergir em suas respostas, produzindo avaliações similares do ambiente no qual trabalham. De modo geral, os resultados desta pesquisa não são conclusivos. Pesquisas futuras deveriam incluir comparações entre heteroavaliações, auto-avaliações e indicadores objetivos dessas variáveis. Será necessária também a utilização de modelos mais sofisticados de análise de dados como modelagem por equação estrutural, de modo a examinar com cuidado os fenômenos de moderação e mediação entre variáveis. Quanto às contribuições deste estudo, talvez a mais significativa refira-se à confirmação da importância de suporte psicossocial à transferência na predição de impacto do treinamento no trabalho, seja ele avaliado pelo treinando, sua chefia ou colega de trabalho. Do ponto de vista organizacional, deveriam ser incluídos, no levantamento de necessidades de treinamento, indicativos de suporte à transferência. Desta forma, poderiam estar previstas de antemão as estratégias mais adequadas para garantir ambientes organizacionais propícios à aplicação eficaz, no trabalho, de conhecimentos, habilidades e atitudes aprendidas em treinamentos. E, ainda, a utilização de medidas de expectativa de suporte à transferência, bem como de auto-eficácia, no estágio de levantamento de necessidades de treinamento, poderia facilitar o planejamento instrucional. Referências Bibliográficas ABBAD, G. Um modelo integrado de avaliação do impacto do treinamento no trabalho IMPACT. Brasília, 1999. 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