Título do Trabalho
Impacto do Treinamento no Trabalho: Preditores Individuais e Situacionais
Autoria: Pedro Paulo Murce Meneses, Gardênia Abbad
Resumo
Esta pesquisa buscou analisar o relacionamento entre características de treinamentos e suas
clientelas, suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho. A amostra de
participantes (n = 366) foi obtida no Distrito Federal, junto a três organizações dos setores
financeiro, telefônico e aeroportuário. No primeiro dia de curso eram aplicadas as medidas de
auto-eficácia, locus de controle e motivação para o treinamento. Entre um e três meses
finalizados os cursos, eram aplicadas as medidas de impacto do treinamento e de suporte a
transferência. Todos os instrumentos foram validados estatisticamente. Suporte psicossocial
percebido pelos participantes e auto-eficácia, e suporte psicossocial percebido pelas chefias e
colegas de trabalho e quantidade de instrutores por turma, contribuíram respectivamente na
explicação da variabilidade de auto e heteroavaliação de impacto do treinamento. Quando a
variável critério era heteroavaliação do impacto, nenhuma variável auto-referente contribui
para sua explicação. Talvez isso indique que a participação das variáveis, na explicação do
impacto, deva-se tão somente a natureza das medidas utilizadas. Estudos posteriores deverão
diversificar a natureza de suas medidas e observar se as contribuições de variáveis individuais
e situacionais sobre a eficácia de treinamentos se mantêm.
Apresentação
Conforme previsto por Goldstein (1991) há pouco mais de dez anos, o mundo atual do
trabalho é marcado por acirrada competição entre organizações nacionais e estrangeiras por
nichos de mercados cada vez menores, novas habilidades cognitivas e afetivas exigidas dos
trabalhadores, entrada de minorias nas organizações e acelerado processo de mudança
tecnológica, responsáveis pela obsolescência incessante da mão de obra qualificada. Nesse
cenário, programas de treinamento tornam-se essenciais, sendo considerados instrumentos
eficazes de aprendizagem das novas habilidades exigidas pelas mudanças tecnológicas e pela
difusão das redes de comunicação.
Essa importância atribuída à área de treinamento é convertida em altos investimentos
financeiros que, na maioria das vezes, são desperdiçados pela inexistência de estudos
criteriosos e sistemáticos sobre seus efeitos. Estimativas recentes sugerem que investimentos
em atividades de treinamento nos Estados Unidos variam, anualmente, entre $55,3 bilhões e
$200 bilhões, quantias que estimulam, além do interesse por treinamentos, o desenvolvimento
de tecnologias de aprendizagem e processos, práticas e serviços para melhorias de
desempenhos no trabalho (Salas & Cannon-Bowers, 2001). Apesar dos altos investimentos, as
organizações, de forma geral, carecem de estudos criteriosos que busquem investigar o
retorno destas quantias em termo de transferência de aprendizagem, mudança de
comportamento ou impacto dos treinamentos.No Brasil, nem sequer existem informações
sobre tais investimentos.
Desta maneira, a produção de conhecimentos sobre treinamento se faz fundamental,
destacando-se a avaliação de treinamento, principal responsável pelo provimento de
informações avaliativas que garantem o aperfeiçoamento constante do sistema de treinamento.
Apesar da necessidade relativamente urgente de implementações e melhorias de sistemas de
treinamento em ambientes organizacionais, sobretudo referentes ao estágio de avaliação de
treinamentos, observam-se poucos esforços substanciais nesse sentido.
São pouquíssimas as organizações que investem em sistemas de treinamentos
adequadamente estruturados. A maioria dos cursos, por exemplo, é comprada em pacotes nem
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sempre adequados aos ambientes onde são abertos. Por outro lado, no meio acadêmico, há um
número considerável de investigações acerca de treinamento de pessoal, entretanto, nota-se
uma escassez de estudos sobre o relacionamento entre variáveis pessoais e eficácia de
treinamentos. Nesse estudo, buscou-se estudar variáveis individuais potencialmente capazes
de explicar efeitos de treinamentos no trabalho.
Introdução
Diferentemente de desenvolvimento e educação, o conceito de treinamento estaria
associado a intervenções sistematicamente planejadas para promoverem melhorias de
desempenho em tarefas atuais. Já desenvolvimento estaria supostamente direcionado ao
crescimento individual, e educação, voltada para atividades a serem realizadas em um futuro
próximo. Entretanto, como mencionado, a inconstância do cenário mundial do trabalho não
permite a estagnação de atividades designadas a cargos, funções ou ocupações, as quais, por sua
vez, acompanham essas mudanças tornando-se cada vez mais complexas e exigentes.
Treinamento passa então a ser uma intervenção contínua, voltada ao preparo de indivíduos para
um futuro profissional imprevisível.
Haja vista as incessantes transformações sentidas pelo mundo do trabalho, atualmente,
torna-se complicada uma definição precisa acerca dos conceitos de Treinamento, Educação e
Desenvolvimento. Bastos (1991) analisa os problemas conceituais existentes na área de
treinamento de pessoal, resultantes das tentativas de definir treinamento, educação e
desenvolvimento. Para o autor, uma das maneiras de diferenciar treinamento dos demais é pelos
critérios da intencionalidade em produzir melhorias de desempenho e do controle exercido pela
organização sobre o processo de treinamento.
Apesar da preocupação científica de definir precisamente treinamento, organizações de
trabalho, pressionadas pelas incertezas decorrentes da instalação de um novo cenário sóciopolítico-econômico, são inundadas por conceitos relacionados à aprendizagem contínua. Essa
nova concepção seria essencial para a adaptação organizacional às incertezas do mundo atual,
demandando, em contrapartida, o desenvolvimento de estratégias vinculadas à auto-gestão de
carreiras, até então não enfatizadas em cursos tradicionais. Nesse quadro, programas de
treinamento seriam direcionados à aquisição, pelos indivíduos, desse tipo de estratégias, como,
por exemplo, habilidades metacognitivas.
Embora conceitos relativos à aprendizagem contínua estarem em voga, a presente
pesquisa buscou investigar, principalmente, a eficácia de treinamentos tradicionais, relacionandoa a características da clientela.
Segundo Borges-Andrade e Abbad (1996), entre os propósitos mais tradicionais do
treinamento, estão aqueles relacionados à identificação e superação de deficiências nos
desempenhos dos empregados, à preparação desses para novas funções e ao retreinamento
para adaptação de mão de obra à introdução de novas tecnologias. Treinamento seria assim
um sistema, podendo ser definido como o desenvolvimento sistemático de padrões
comportamentais de conhecimentos-habilidades-atitudes necessários para que um indivíduo
desempenhe adequadamente uma dada tarefa ou trabalho (Latham, 1988). De forma geral,
treinamento torna-se necessário quando existe um problema para o qual a aprendizagem
sistemática é uma resposta apropriada (Nadler, 1984).
Goldstein e Gilliam (1990) definem treinamento como um modelo de tecnologia
instrucional que enfatiza uma cuidadosa avaliação de necessidades, experiências de
aprendizagem precisamente controladas e planejadas para alcançar objetivos instrucionais, o
uso de critérios de desempenhos e, por fim, a coleta de informações para fornecer feedback
sobre os efeitos do sistema, etapa sobre a qual recai o interesse do presente relato de pesquisa.
Sobre subsistema de Avaliação de Treinamento, esta seria a melhor oportunidade para
discutir os treinamentos, seus eventuais papéis na mudança organizacional e social e, ainda,
frente à prática vigente de T&D, para fundamentar argumentações a favor da necessidade de
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desenvolvimento de sistemas de treinamento completos e bem estruturados. Sua execução
poderia centrar-se em diversos níveis de análise, sendo os mais difundidos os de reações,
aprendizagem e comportamento no cargo (Hamblin, 1978). Esses níveis, propostos há mais de
30 anos, não exploravam, porém, inúmeras outras variáveis capazes também de influenciar
resultados gerados por programas de treinamentos. A partir dessa necessidade, diversos
modelos de avaliação de treinamento foram desenvolvidos. Entre eles, talvez um dos mais
utilizados em pesquisas nacionais, destaca-se o Modelo de Avaliação Integrado Somativo
(MAIS), proposto por Borges-Andrade (1982). Esse modelo, além de contemplar variáveis
internas aos programas de treinamentos, prevê a influência de variáveis externas, como, por
exemplo, o ambiente, sobre resultados de treinamentos.
Após o desenvolvimento deste modelo de avaliação, muitos outros surgiram na
tentativa de elevar o poder explicativo de algumas variáveis sobre os efeitos de treinamentos.
Nessa linha de trabalho, Abbad (1999) desenvolveu um modelo integrado de avaliação do
impacto do treinamento no trabalho (IMPACTO), a partir do qual a presente pesquisa foi
realizada. No modelo desenvolvido pela autora, a avaliação seria realizada a partir dos
componentes de percepção de suporte organizacional, características do treinamento,
características da clientela, reação e impacto do treinamento no trabalho. A partir deste
modelo de investigação, propõe-se um mais parcimonioso, útil na investigação dos
relacionamentos entre variáveis de características do treinamento, características da clientela
e de suporte à transferência com o nível de avaliação de impacto do treinamento no trabalho.
A Figura 1 demonstra o modelo de avaliação desenvolvido para o estudo do tema proposto.
1. Características dos Treinamentos
2. Características da Clientela
2.1 Auto-eficácia
4. Impacto do Treinamento
no Trabalho
2.2 Motivação para o Treinamento
2.3 Locus de Controle
2.4 Características Demográficas
3. Suporte à Transferência
Figura 2. Versão reduzida do modelo integrado de avaliação do impacto do treinamento no
trabalho proposto por Abbad (1999).
Revisão de Literatura
Nesta seção, é apresentada uma revisão de literatura concernente aos componentes do
modelo de avaliação proposto anteriormente.
Conforme revisão de literatura realizada por Borges-Andrade e Abbad (1996),
praticamente não há produção tecnológica ou de conhecimento, ou pelo menos não houve
divulgação, referente aos passos para a elaboração de projetos de treinamento e seus efeitos
sobre reações, aprendizagem e impacto do treinamento no trabalho. Provavelmente, o
desinteresse pelo tema decorre da excessiva ênfase dada pelos profissionais a questões
referentes a projetos de treinamento nas décadas de sessenta e setenta. No exterior, a
existência de resultados científicos que indicam baixa contribuição de variáveis relativas a
procedimentos instrucionais sobre resultados de treinamentos pode ter desviado o foco de
pesquisas recentes para o estudo de características individuais de participantes de
treinamentos. Ou, ainda, este desinteresse talvez se deva ao predomínio atual de questões
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excessivamente moleculares acerca de interações entre processos cognitivos básicos, métodos
e estratégias instrucionais (Abbad, 1999). Apesar da urgente necessidade em se pesquisar
quais métodos de treinamentos se adequariam melhor a determinadas clientelas, não é esse o
foco central da atual pesquisa. Desta forma, buscou-se investigar, unicamente, de que modo a
quantidade de instrutores por turma de treinamento estaria relacionada ao nível de avaliação
de impacto do treinamento no trabalho.
Para Tannenbaum, Mathieu, Salas e Cannon-Bowers (1991), a eficácia de
treinamentos também depende das características dos treinandos. Historicamente,
pesquisadores desse assunto têm-se preocupado com a seleção de participantes mais
propensos a serem bem sucedidos em programas de treinamento. Trata-se da questão da
treinabilidade, onde características individuais determinariam quais pessoas se beneficiariam,
em maior ou menor proporção, de treinamentos em determinadas habilidades. Entre essas
características, destacam-se motivação para o treinamento, auto-eficácia, locus de controle e
algumas características demográficas, variáveis estudadas na presente pesquisa, detalhadas a
seguir.
Em relação à motivação para o treinamento, de forma sintética, ela pode ser
considerada tanto um antecedente como um efeito de programas instrucionais. Goldstein
(1991) apresenta algumas definições do conceito, empregadas pelas principais teorias
motivacionais existentes. Segundo o autor, motivação é entendida como um esforço
direcionado e persistente do participante em resposta a objetivos desafiadores estabelecidos
durante o planejamento instrucional. Motivação para o treinamento pode ainda ser entendida a
partir do valor instrumental atribuído aos conteúdos do treinamento. Por exemplo, estudantes
com altos índices de motivação para realização são bem avaliados em testes de conhecimento
quando percebem a importância, tendo em vista o futuro profissional, dos conteúdos
ensinados em sala de aula. Apesar dos inúmeros relatos científicos indicarem a grande
importância de motivação para o treinamento frente à eficácia de treinamentos, pouco se
avançou em relação à sua definição conceitual e à compreensão de seu relacionamento com
outras variáveis individuais, situacionais e com resultados de treinamentos. Neste estudo,
motivação para o treinamento é definido em termos do quanto cada indivíduo pretende
esforçar-se em assimilar os conteúdos do treinamento e em transferi-los para o ambiente de
trabalho, bem como o valor atribuído ao treinamento como estratégia de resolução de
problemas de desempenho no trabalho. Assim, buscou-se investigar o relacionamento entre
motivação para o treinamento, suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho.
Outra variável de características da clientela, refere-se à auto-eficácia. Conforme
revisão de literatura realizada por Salas e Cannon-Bowers (2001), o conceito de auto-eficácia,
largamente estudado na última década, assume grande importância em treinamento à medida
que propicia melhores resultados de aprendizagem e desempenho pós-treinamento. De acordo
com revisão realizada por Borges-Andrade (1997), inúmeras pesquisas apontam para autoeficácia como importante variável explicativa de sucesso dos participantes em treinamentos
de diferentes domínios e atividades. Para Cervone e Scott (1995), o detalhamento dos
mecanismos pelos quais as percepções de auto-eficácia afetam resultados comportamentais
evitaria a presença de modelos desconhecidos de desempenho humano, onde permanecem
incógnitos processos que ligam cognições a realizações. Para Cervone (2000), a auto-eficácia
é uma auto-avaliação do nível ou tipo de desempenho que um indivíduo pode alcançar em
uma determinada situação e, portanto, pode ser moldada pelo conhecimento adquirido em
experiências similares. Vale a ressalva de que conhecimento refere-se a crenças gerais sobre
características individuais ou ambientais. No presente estudo, auto-eficácia é definida como
as análises feitas pelos indivíduos acerca de suas capacidades para obter sucesso em suas
realizações, em situações variadas. Decorreria, portanto, de avaliações situacionais de suas
habilidades e conhecimentos para realizar, com sucesso, uma atividade
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Outra variável de interesse, que também parece afetar resultados imediatos de
treinamentos, é locus de controle, amplamente pesquisada na área da psicologia clínica, por
exemplo, em estudos dos efeitos de programas de intervenção terapêutica. Na área de
treinamento, essa característica individual vem sendo pouco estudada, provavelmente, porque
outras variáveis como motivação e auto-eficácia têm sido consideradas melhores preditoras de
resultados de treinamento. Em uma revisão de literatura, Abbad, Pantoja e Pilati (2001)
apontam para a pequena quantidade de estudos relacionando variáveis individuais, entre elas,
locus de controle e impacto do treinamento no trabalho.
Um indivíduo com locus de controle interno acredita controlar os próprios
comportamentos, percebendo uma relação clara entre tais comportamentos, desempenhos
específicos e suas conseqüências observadas em ambiente de trabalho. Já um indivíduo com
locus de controle externo acredita que os resultados de seu trabalho estão além de seu
controle pessoal e, assim, atribui a causa destes à sorte ou à ação de outros, por exemplo.
Apesar da pouca atenção dispensada ao construto nos últimos anos pela área de T&D,
percebe-se a relativa importância de locus de controle, na medida em que se relaciona com
alguns antecedentes e efeitos de treinamentos. Neste estudo, locus de controle é entendido
como as crenças sobre as quais os indivíduos estabelecem a fonte controladora do próprio
comportamento e de outros eventos. Essas fontes seriam a sorte, outros poderosos ou o
próprio indivíduo. Assim, buscou-se investigar de que modo orientações externas e internas
de locus de controle afetariam as taxas de transferência de treinamentos.
Apesar de estas variáveis serem mencionadas em estudos sobre treinamento, na
maioria das vezes são utilizadas unicamente como fontes de controle estatístico. Há
pouquíssimos estudos onde características demográficas assumem papel central e quase não
há pesquisa relacionando tais variáveis com efeitos de treinamentos. Buscou-se investigar a
contribuição de algumas variáveis demográficas, além de algumas características pessoais e
situacionais, na explicação de eficácia de treinamentos. As características pesquisadas foram
gênero, faixa etária, nível de escolaridade, estado civil, ter filhos ou não, tipo de religião ou
crença e organização de origem.
No que diz respeito às variáveis situacionais, segundo Tannenbaum e Yukl (1992), a
aprendizagem é necessária, mas não essencial para uma mudança de comportamento no
trabalho. Ambientes pós-treinamento desempenhariam também um papel importante na
determinação desta mudança. Por exemplo, limitações no ambiente pós-treinamento poderiam
prejudicar a aplicação, no trabalho, das habilidades adquiridas por meio de treinamento.
Goldstein (1991) afirma que a transferência de treinamento de um ambiente
instrucional para o ambiente de trabalho envolve questões relacionadas à necessidade de se
ter um clima positivo para transferência na organização de trabalho. Para o autor, este clima
positivo deveria apresentar algumas características essenciais. Deveria existir um sistema que
integrasse instrutor, treinando e gerente no processo de transferência. Antes do treinamento,
as expectativas dos treinandos e dos gerentes deveriam estar claras. Seria necessário
identificar obstáculos à transferência e fornecer estratégias para superá-los. E, por fim, seria
necessário um trabalho conjunto com os gerentes para fornecer oportunidades para a
manutenção dos comportamentos aprendidos. Neste sentido, um ambiente organizacional
favorável e suportivo parece ser condição necessária para garantir o sucesso do treinamento
em ambientes organizacionais. Surgem, assim, necessidades de estudos sobre a influência de
variáveis do contexto organizacional, os quais deveriam investigar as condições necessárias à
aplicação das novas habilidades no trabalho, em situações de treinamento.
A presente pesquisa pretendeu investigar as contribuições de medidas de suporte à
transferência, bem como de algumas variáveis de características da clientela, na explicação
dos níveis de impacto de treinamentos no trabalho. É esperado que indivíduos treinados, em
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ambientes favoráveis, alcancem taxas mais elevadas de melhoria de desempenho do que
indivíduos locados em ambientes desfavoráveis ao uso de habilidades recém-adquiridas.
Por fim, referente à variável impacto do treinamento no trabalho, entende-se o efeito
indireto do treinamento no desempenho dos treinandos, na motivação e/ou atitudes. Vale
mencionar que impacto não deve ser reduzido somente à transferência positiva de
treinamento, a qual estaria relacionada à aplicação correta dos conhecimentos, habilidades e
atitudes adquiridos em treinamentos para situações de trabalho. Conforme Abbad (1999),
habilidades aprendidas tais como as metacognitivas, as estratégias de autogerenciamento e o
uso de ferramentas computacionais, entre outras, podem afetar desempenho individual em
diversas atividades realizadas dentro da organização. Habilidades não podem ser carregadas,
como sugerido metaforicamente pela expressão “transferência de treinamento”. Elas são
“disposições”. O foco do treinamento é em desempenhos, meios de execução de tarefas
alinhados a certos critérios e situações.
Sobre as medidas de impacto freqüentemente utilizadas em pesquisas, outra distinção
deve ainda ser feita. Quando o interesse da avaliação reside nos benefícios do treinamento
sobre os desempenhos genéricos, muitas vezes não relacionado ao conteúdo aprendido, as
medidas utilizadas referem-se a impacto em amplitude, como na presente pesquisa. Caso o
interesse seja investigar, a partir de objetivos instrucionais específicos, melhorias em
desempenhos subseqüentes, as medidas referem-se a impacto em profundidade. Esta última,
como observado, requer que os treinamentos sejam planejados, e não apenas adotados, de
forma que o alcance dos objetivos instrucionais, elaborados em termos de desempenhos
mensuráveis, possa ser averiguado em situações reais de trabalho.
Neste estudo, impacto em amplitude do treinamento no trabalho é definido como a
percepção dos participantes dos treinamentos, chefias e colegas de trabalho, dos efeitos
mediatos produzidos pelo treinamento nos níveis de desempenho, motivação, autoconfiança e
abertura a mudanças nos processos de trabalhos em que estão envolvidos os indivíduos
treinados. Não se restringe, portanto, ao conceito de transferência, mas está associado ao de
desempenho.
Delimitação do Problema
Como observado na revisão de literatura apresentada, questões sobre métodos de
treinamentos receberam, nas últimas décadas, pouca atenção de pesquisas nacionais e
estrangeiras. Da mesma forma, características demográficas quase não foram utilizadas como
variáveis antecedentes em pesquisas sobre treinamento, mas, na maioria das vezes, como
variáveis de controle para análises do relacionamento de outras variáveis com resultados de
treinamentos. Por outro lado, características individuais da clientela de treinamentos, como
motivação para o treinamento, auto-eficácia e locus de controle foram utilizadas em um
número considerável de estudos como variáveis preditoras de reações, aprendizagem e
impacto do treinamento no trabalho.
Atualmente, uma das questões empíricas de maior interesse na área de avaliação de
treinamento, relacionada ao impacto do treinamento no trabalho, diz respeito aos efeitos de
eventos instrucionais, características da clientela e do ambiente organizacional sobre os níveis
de desempenho no trabalho. Como sugerido por Sallorenzo (2001), alternativas de projetos de
pesquisas deveriam investir no estudo de características individuais como determinantes de
incremento de impacto de treinamento no trabalho, como, por exemplo, locus de controle e
auto-eficácia. Em uma revisão de pesquisas científicas sobre treinamento, Borges-Andrade e
Abbad (1996) propõem uma agenda onde questões sobre características da clientela deveriam
ser foco de alguma atenção no Brasil, tanto em termos de desenvolvimento de medidas de
avaliação quanto em termos de seus efeitos na organização e no treinamento.
Organizações Estudadas
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Esse estudo foi realizado em três organizações do Distrito Federal, por meios de
parcerias entre as mesmas e o Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da
Universidade de Brasília. A primeira foi firmada com o Banco de Brasil, maior instituição
financeira da América Latina, sediado em Brasília desde 21 de abril de 1960 e que conta com
a maior rede de auto-atendimento da América Latina, com cerca de 25 mil terminais,
distribuídos pelas várias regiões do País. Também foi estabelecida parceria com a Americel,
empresa de telefonia celular digital, que começou a operar em novembro de 1997 e conta,
atualmente, com mais de 500 mil clientes. Da mesma forma, estabeleceu-se parceria com a
Infraero, empresa pública, vinculada ao Ministério da Defesa, responsável pela administração
de 65 aeroportos e de 83 Grupamentos e Unidades de Apoio à Navegação Aérea, no País, que
conta com um efetivo de cerca de 8,5 mil empregados diretos e 10 mil terceirizados.
Amostra de Cursos e Participantes
Constituíram a amostra, para este estudo, os treinandos que responderam a todos os
instrumentos utilizados e, ainda, que tiveram os instrumentos de suporte à transferência e
impacto do treinamento avaliados por suas chefias e colegas de trabalho. A amostra foi
constituída por 366 casos de participações em 23 treinamentos distintos, dos quais 20 eram de
natureza predominantemente cognitiva, 1 de natureza afetiva e 2 de natureza psicomotora.
Como alguns treinamentos ocorreram mais de uma vez, 53 turmas, com média de 7 alunos,
foram constituídas. A maioria delas (34) foi ministrada por 1 instrutor. A Tabela 1 apresenta o
número de participações em treinamentos nas organizações e o perfil demográfico da amostra
de treinandos. Quanto ao perfil demográfico, a maioria era do sexo feminino, tinha idade
variando entre 21 e 30 anos, possuía 3º grau incompleto na época do estudo, era solteira, sem
filhos, católica não praticante de religião e provenientes do Banco do Brasil.
Tabela 1. Principais características da amostra
VARIÁVEIS
F
Sexo
Masculino
Femininos
Dados Omissos
Idade
Até 30 anos
31-40 anos
41-50 anos
51-60 anos
Dados Omissos
Escolaridade
1º grau completo
2º grau completo
3º grau incompleto
3º grau completo
Pós-Graduação
Outros
Dados Omissos
Praticante de Religião
Sim
Não
Dados Omissos
OCORRÊNCIAS
%
122
243
1
33,3
66,4
0,3
220
91
53
2
-
60,1
24,9
14,5
0,5
-
1
45
167
125
4
23
1
0,3
12,3
45,6
34,2
1,1
0,3
0,3
198
149
19
54,1
40,7
5,2
VARIÁVEIS
Estado civil
Solteiro
Casado
Divorciado
Desquitado
Viúvo
Outros
Dados Omissos
Filhos
Sim
Não
Dados Omissos
Religião
Católica
Outras
Dados Omissos
Empresa
Banco do Brasil
Americel
Infraero
Total
OCORRÊNCIAS
F
%
184
161
5
4
3
9
-
50,3
44,0
1,4
1,1
0,8
2,5
-
149
215
2
40,7
58,7
0,5
220
110
36
60,1
30,0
9,9
185
178
3
366
50,6
46,6
0,8
100,0
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Instrumentos de Medida
Foram utilizados os seguintes instrumentos de medida: Auto-eficácia, Locus de
Controle, Motivação para o Treinamento, Impacto em Amplitude do Treinamento no
Trabalho e Suporte à Transferência. È importante mencionar que estes três últimos
instrumentos foram desenvolvidos por Abbad (1999). Os Dados Demográficos foram
coletados junto ao questionário de Locus de Controle. Para as avaliações de impacto do
treinamento no trabalho e suporte à transferência, também foram utilizadas medidas de
heteroavaliação (chefias e colegas de trabalho). O Quadro 1 apresenta os instrumentos
utilizados, relacionando-os com os componentes do modelo de avaliação proposto.
Quadro 1. Componentes do modelo de avaliação, questionários e itens correspondentes.
COMPONENTE 1 – CARACTERÍSTICAS DOS TREINAMENTOS
ROTEIRO
Análise Documental
INSTRUMENTOS
Auto-eficácia
Locus de Controle
ITENS
Natureza do Objetivo Principal do Curso e
Quantidade de Instrutores por Curso
COMPONENTE 2 – CARACTERÍSTICAS DA CLIENTELA
ITENS
Auto-eficácia
Motivação para a Aprendizagem
Locus de Controle
Informações Demográficas
COMPONENTE 3– SUPORTE À TRANSFERÊNCIA
INSTRUMENTOS
ITENS
Suporte à Transferência percebido Fatores Situacionais de Apoio
pelos participantes, chefias e
colegas de trabalho
Suporte Material
Conseqüências Associadas ao Uso das Novas
Habilidades
COMPONENTE 4 – IMPACTO DO TREINAMENTO
INSTRUMENTOS
ITENS
Auto e Heteroavaliação do Impacto Impacto do Treinamento no Trabalho
do Treinamento
Nº. DOS ITENS
Sem questionário
específico
Nº. DOS ITENS
1 a 15
1a4
1 a 12
13 a 25
Nº. DOS ITENS
13 a 21
22 a 27
28 a 34
Nº. DOS ITENS
1 a 12
Coleta e Análise de Dados
A coleta de dados ocorreu em dois momentos distintos. No início dos treinamentos, os
participantes avaliaram os instrumentos de auto-eficácia, locus de controle, motivação para o
treinamento e forneceram algumas informações demográficas. Esses instrumentos foram
aplicados, em sessão única de avaliação, em todos os participantes presentes no primeiro dia
de curso. Entre 1 e 3 meses após a conclusão dos treinamentos, os participantes, chefias e
colegas de trabalho receberam, via correio eletrônico, os instrumentos de auto-avaliação de
impacto e suporte à transferência percebido pelos participantes e heteroavaliação de impacto e
suporte à transferência percebido pelas chefias e colegas de trabalho, respectivamente. No
caso do Banco do Brasil também foi utilizada avaliação em papel.
As informações coletadas nos dois momentos mencionados foram, posteriormente,
inseridas em um arquivo de dados, gerado por meio do programa “SPSS For Windows”
Versão 10.0, para que pudessem ser analisadas. Em seguira, análises de regressão múltipla
padrão foram realizadas, a fim de que o relacionamento entre características da clientela,
suporte à transferência e impacto do treinamento no trabalho pudesse ser investigado.
Anteriormente a esta análise, as respostas dos participantes aos questionários utilizados foram
submetidas a análises exploratórias, a fim de que a precisão de entrada dos dados, a
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quantidade de valores omissos, os formatos assumidos pelas distribuições das repostas
(índices de assimetria e achatamento) e o ajustamento das variáveis aos pressupostos das
análises multivariadas pudessem ser analisados.
Resultados
Vale ressaltar que foram realizadas análises fatorias (PAF), no intuito de que as
variáveis antecedentes e critério fossem constituídas, a partir das médias das respostas dos
participantes aos itens que as compuseram. Desta forma, as seguintes variáveis antecedentes
foram obtidas: auto-eficácia para os itens favoráveis (aef), auto-eficácia para os itens
desfavoráveis (aed), locus de controle/internalidade (lci), locus de controle/externalidade
(lce), motivação para o treinamento (mot), suporte psicossocial à transferência percebido
pelos participantes dos treinamentos (asp) e chefias e colegas de trabalho destes (hsp), além
de suporte material à transferência percebido pelos participantes (asm) e suas respectivas
chefias e colegas de trabalho (hsm).
Também foram utilizadas como variáveis antecedentes, após as categorias de respostas
terem sido dicotomizadas, em alguns casos, os seguintes dados demográficos coletados:
gênero (sex/masculino e feminino), faixa etária (fet/até 30 anos e de 31 a 60 anos), nível de
instrução (ins/até 3º grau incompleto e de 3ºgrau completo a doutorado), estado civil
(ecv/solteiros e outros), organização de origem (org/Americel e Infraero, e Banco do Brasil),
religião (rel/católica e outras) e filhos (fil/sim ou não). Foi também utilizada a quantidade de
instrutores por turma de treinamento analisado (qin). A variável natureza do treinamento não
pôde ser utilizada, haja vista que mais de 95% dos cursos serem de natureza
predominantemente cognitiva. As variáveis critério estudadas por meio dos modelos de
regressão múltipla foram auto (aimp) e heteroavaliação (himp) do impacto do treinamento. É
importante mencionar que as variáveis antecedentes suporte psicossocial e material à
transferência percebido pelos participantes (asp e asm) e pelas chefias e colegas de trabalho
(hsm e hsp) foram somente consideradas nos modelos de regressão cujas variáveis critério
eram, respectivamente, auto e heteroavaliação do impacto do treinamento no trabalho.
Antes de serem analisadas, as médias das respostas dos 366 casos de participação nas
variáveis antecedentes e critério foram examinadas por meio de vários programas do SPSS
quanto à ocorrência de valores ausentes e adequação das distribuições em relação aos
pressupostos para análises multivariadas.
As variáveis mencionadas apresentaram valores omissos em menos de 5% dos casos e
por isso foi utilizado tratamento pairwise para dados ausentes. Apesar de refletidas, frente a
índices negativos de assimetria, e transformadas as distribuições das médias das respostas às
escalas de motivação para o treinamento e suporte material à transferência percebido pelos
participantes do treinamento (método raiz quadrada), devido aos índices elevados de
assimetria e achatamento, os resultados não apresentaram melhorias significativa. Assim, foi
escolhido não transformar distribuição qualquer. Considerando a distância Mahalanobis com
α = 0,001, 2 outliers multivariados foram encontrados e excluídos do arquivo de dados. Esses
exames indicaram a adequação dos dados obtidos aos pressupostos exigidos pela análise de
regressão múltipla padrão, cujos resultados serão descritos a seguir.
Em relação à variável critério auto-avaliação do impacto do treinamento no trabalho,
os dados (N = 364) foram então submetidos à análise de regressão múltipla padrão. A Tabela
2 apresenta as correlações entre as variáveis, os coeficientes de regressão não padronizados
(B), a constante, os coeficientes de regressão padronizados (β), o R² e o R² ajustado. O
coeficiente de regressão múltipla R foi significativamente diferente de zero, F (15, 298) =
20,86, p < 0,001. Para os dois coeficientes de regressão que diferiram significativamente de
zero, limites de confiança de 95% foram considerados. Os intervalos de confiança variaram
de 0,12 a 0,43 para auto-eficácia e de 0,45 a 0,61 suporte material à transferência percebido
9
pelos participantes dos treinamentos. Entre as variáveis antecedentes utilizadas, somente duas
contribuíram significativamente para a explicação de auto-avaliação de impacto do
treinamento no trabalho: suporte psicossocial percebido pelos participantes do treinamento
(sr² = 0,27) e auto-eficácia (sr² = 0,02). As outras 13 variáveis antecedentes combinadas
contribuíram em 20% para a variabilidade compartilhada. Agrupadas, as 15 variáveis
antecedentes explicavam 51% (49% ajustado) da variabilidade de impacto do treinamento no
trabalho percebido pelos participantes.
Tabela 2. Regressão múltipla padrão para impacto do treinamento percebido pelos
participantes.
Var
aimp
DP
B
sr² X
β
(VD)
aimp
3,91
0,64
aef
0,19
0,27**
0,17
0,02
4,41
0,39
aed
0,29
0,00
0,08
0,00
2,89
1,45
lci
-0,01
-0,12
-0,05
0,00
4,67
0,30
lce
0,05
0,00
0,00
0,00
2,27
0,63
mot
0,17
0,07
0,04
0,00
4,71
0,37
asp
0,67
0,52**
0,60
0,27
4,08
0,54
Asm
0,16
-0,01
-0,01
0,00
4,38
0,62
Sex
0,07
0,05
-0,04
0,00
1,67
0,47
Constante = 0,67
Fet
-0,04
-0,09
0,04
0,00
1,90
0,29
R² = 0,51ª
Ins
0,08
0,09
0,07
0,00
1,42
0,49
R² (ajustado) = 0,49
Ecv
0,06
-0,02
-0,02
0,00
1,50
0,50
Org
0,29
0,15
0,12
0,00
1,50
0,50
Rel
-0,04
0,04
0,00
1,32
0,47
Fil
-0,18
-0,07
-0,06
0,00
1,59
0,49
ªVariabilidade singular = 0,29
Qin
0,09
0,06
0,05
0,0
1,40
0,49
Variabilidade compartilhada = 0,22
0,03
R = 0,72
**p
**
< 0,01
No que diz respeito à variável critério heteroavaliação do impacto do treinamento no
trabalho, os dados (N=364) também foram submetidos à análise de regressão múltipla padrão.
A Tabela 3 apresenta as correlações entre as variáveis, os coeficientes de regressão não
padronizados (B), a constante, os coeficientes de regressão padronizados (β), o R² e o R²
ajustado. Pode ser observado que R foi significativamente diferente de zero, F (15, 298) =
19,66, p < 0,001. Para os dois coeficientes de regressão que diferiram significativamente de
zero, limites de confiança de 95% foram considerados. Os intervalos de confiança variaram
de 0,50 a 0,70 para suporte psicossocial percebido pelas chefias dos participantes do
treinamento e de -0,35 a -0,14 para quantidade de instrutores por turma de treinamento.
Entre todas as variáveis antecedentes consideradas, somente duas contribuíram
significativamente para a explicação de heteroavaliação do impacto do treinamento no
trabalho percebido pelos participantes: suporte psicossocial percebido pelas chefias dos
participantes do treinamento (sr² = 0,22) e quantidade de instrutores por turma de treinamento
(sr² = 0,03). O restante, 13 variáveis antecedentes, contribuiu em 22% para a variabilidade
compartilhada. Agrupadas, todas as 15 variáveis antecedentes explicaram 50% (47%
ajustado) da variabilidade de impacto do treinamento no trabalho percebido pelas chefias dos
participantes.
10
Tabela 3. Regressão para impacto do treinamento percebido pelas chefias dos participantes
Var
himp
X
DP
B
sr²
β
(VD)
Himp
4,05
0,59
Aef
0,05
0,05
0,04
0,00
4,41
0,39
Aed
0,31
0,05
0,13
0,00
2,89
1,45
Lci
0,03
-0,11
-0,06
0,00
4,67
0,30
Lce
0,08
0,03
0,04
0,00
2,27
0,63
Mot
0,07
0,15
0,09
0,00
4,71
0,37
Hsp
0,62
0,60**
0,60
0,22
Hsm
0,33
0,10
0,11
0,00
4,38
0,62
Sex
0,00
0,05
0,01
0,00
1,67
0,47
Constante = 0,71
Fet
-0,13
-0,07
-0,04
0,00
1,90
0,29
R² = 0,50ª;
Ins
-0,05
-0,09
0,00
0,00
1,42
0,49
R² (ajustado) =0,47
Ecv
0,05
0,05
0,05
0,00
1,50
0,50
Org
0,31
0,07
0,06
0,00
1,50
0,50
Rel
-0,02
0,01
0,00
0,00
1,32
0,47
Fil
-0,08
0,00
0,00
0,00
1,59
0,49
ªVariabilidade singular = 0,25
Qin
-0,19
-0,24**
-0,20
0,03
1,40
0,49
Variabilidade compartilhada = 0,25
4,08
0,54
R = 0,71
**p
**
< 0,01
Discussão
No presente estudo, a variável que explicou a maior parte da variabilidade da autoavaliação do impacto do treinamento no trabalho, foi suporte psicossocial à transferência
percebido pelos participantes, corroborando os achados de Abbad (1999), Brito (1999),
Rouiller e Goldstein (1993) e Sallorenzo (2000). Entre as variáveis relativas a características
da clientela, auto-eficácia foi a única que explicou uma porção significativa das respostas de
impacto, confirmando resultados descritos por Mathieu e cols (1993) e Colquit e cols (2000).
Contrariamente aos resultados apontados na literatura, a contribuição de auto-eficácia
(2%) para a explicação da variabilidade da variável critério é pequena e inferior à encontrada
em outros estudos. É provável que este resultado se deva, em parte, aos problemas
metodológicos gerados pelas escalas utilizadas para mensurar auto-eficácia. Os itens contêm
descrições de crenças muito genéricas que diferem das encontradas em outras pesquisas, onde
auto-eficácia é definida para situações e contextos específicos.
A natureza disposicional do conceito de auto-eficácia implica uma necessidade de
acompanhamento em longo prazo das ações humanas que o representam, de modo a examinar
de que maneira essa disposição se manifesta em diferentes situações ou contextos. Estudos de
corte longitudinal ou de múltiplos cortes transversais seriam os delineamentos mais
adequados ao estudo desse tipo de fenômeno. Outra hipótese para a baixa contribuição de
auto-eficácia na explicação de impacto é que, como sugerido por Colquit e cols (2000), autoeficácia estaria relacionada indiretamente a impacto do treinamento por mecanismos de
motivação para aprender. No estudo realizado pelos autores, auto-eficácia pré-treinamento
esteve relacionada moderadamente com motivação para aprender (coeficiente de trajetória =
0,29) que, por sua vez, relacionou-se também moderadamente com auto-eficácia póstreinamento (coeficiente de trajetória = 0,22). O relacionamento entre transferência do
treinamento e auto-eficácia pós-treinamento foi de r = 0,27.
11
No presente estudo, não foram realizadas análises de relacionamentos indiretos entre
variáveis, o que teria sido possível por meio de equações estruturais e análise de trajetória.
Porém, observou-se uma correlação bivariada de r = 0,37 entre motivação e auto-eficácia
(itens favoráveis), mais alta do que a correlação entre auto-eficácia e impacto (r = 0,19) e que
a correlação entre motivação e impacto (r = 0,17). Esses resultados sugerem que o
relacionamento entre auto-eficácia e motivação deveria ser melhor estudado a partir de
modelos motivacionais de avaliação de treinamento, com o proposto por Colquit e cols
(2000), onde variáveis como locus de controle e auto-eficácia exercem influência indireta
sobre resultados de treinamento.
Em relação às demais variáveis antecedentes, apesar de nenhuma delas ter explicado
o impacto do treinamento no trabalho, internalidade em locus de controle merece alguma
atenção, principalmente devido aos resultados, descritos anteriormente, obtidos por Abbad,
Meneses, Walter e Leite (2001). Como sugerido pelos autores, auto-eficácia e internalidade
em locus de controle, quando submetidos, conjuntamente, a análises fatoriais, revelaram uma
estrutura unifatorial, onde os itens de auto-eficácia possuíam cargas fatoriais mais elevadas do
que os itens de locus de controle. Quando submetido a análises de regressão múltipla como
variável antecedente distinta, locus de controle não explicou impacto de treinamento. Talvez
isso se deva à redundância entre as variáveis antecedentes de auto-eficácia e internalidade.
Nesses casos, uma das variáveis é excluída indevidamente da equação de regressão múltipla
(Abbad & Torres, 2002).
Outra possível explicação para a não contribuição de locus de controle na explicação
de impacto do treinamento no trabalho é que, como sugerido por Colquit e cols (2000), locus
de controle está relacionado à transferência e a impacto do treinamento por meio de
mediações por auto-eficácia pós-treinamento (coeficiente de trajetória = 0,49)
Quanto a suporte psicossocial à transferência, sua contribuição para predição de
impacto do treinamento no trabalho já é bastante conhecida e ressaltada na literatura
científica. Treinandos que acreditam dispor de ambiente favorável de apoio têm seus
desempenhos melhorados após a participação em treinamentos. Isso indica que indivíduos
que, no início do treinamento, apresentam índices elevados de auto-eficácia, e que passados
alguns meses após o curso, acreditam dispor de um ambiente suportivo, têm seus
desempenhos melhorados.
Quando a variável critério utilizada foi heteroavaliação de impacto do treinamento no
trabalho, as variáveis antecedentes que contribuíram significativamente para a explicação de
impacto foram, mais uma vez, suporte psicossocial, neste caso, tal como percebido pelas
chefias e colegas de trabalho, além de quantidade de instrutores por turma de treinamento. De
modo que, quanto maior o número de instrutores em um curso, maior o impacto do
treinamento no trabalho. Isso pode ter ocorrido em função da eventual diversificação de
estratégias de ensino que, provavelmente, aumentou as chances de o participante adquirir e
generalizar novos conhecimentos para o trabalho. A presença de mais de um instrutor pode ter
tornado o treinamento mais estimulante e motivador do que os cursos ministrados por um só
instrutor.
É importante observar que, no caso da heteroavaliação, auto-eficácia não contribuiu
para a explicação da variabilidade de impacto do treinamento no trabalho, tal como ocorreu
no modelo de auto-avaliação. É provável que o modo como os itens de auto-eficácia foram
redigidos tenha inviabilizado o acesso dos treinandos a comportamentos ilustrativos de seus
níveis de auto-eficácia. Em estudos futuros deveriam ser construídos indicadores
comportamentais de auto-eficácia. Essas descrições poderiam ser levantadas junto a pessoas
com alta e baixa auto-eficácia, de modo a identificar o que dizem e fazem indivíduos
considerados auto-eficazes. Os itens assim descritos em termos de comportamentos
manifestos poderiam ser observados e julgados, além do próprio indivíduo, por outras
12
pessoas. Vale frisar que, quando heteroavaliação de impacto foi utilizada como variável
critério, somente suporte psicossocial percebido pelas chefias e colegas de trabalho e
quantidade de instrutores por treinamento contribuíram significativamente para a explicação
de impacto do treinamento no trabalho.
Apesar de a principal questão deste estudo estar relacionada à contribuição de
variáveis individuais na predição de impacto de treinamento, os resultados mostraram que não
são essas variáveis as principais preditoras de impacto. Quando medidas de avaliação autoreferente compuseram o modelo de regressão em conjunto com medidas referentes a aspectos
externos e não relacionados à personalidade ou ao estilo pessoal, apenas as avaliações do
ambiente organizacional explicaram significativamente impacto do treinamento no trabalho.
Porém, os resultados desta pesquisa mostraram que a maior parte das variáveis
incluídas no modelo de regressão múltipla é de natureza perceptual e que todas as variáveis
explicativas de impacto são também de natureza perceptual. Talvez isso indique que a
contribuição das variáveis antecedentes na explicação da variável critério se deva, em parte, à
natureza das medidas aqui utilizadas. Os resultados, nesse caso, estariam evidenciando
padrões sistemáticos de respostas aos instrumentos, mais do que referindo-se aos fenômenos
estudados. Como ressaltado por Abbad (1999), sobre a desconfiança do papel da natureza das
medidas na predição de impacto, os resultados obtidos pela autora indicam que aprendizagem,
única medida não perceptual de desempenho (notas em testes de conhecimento), não esteve
relacionada a impacto do treinamento no trabalho, apesar de a literatura sobre o assunto
ressaltar geralmente sua contribuição importante na explicação de impacto. Mais estudos são
necessários para reduzir os problemas e eliminar esses vieses metodológicos.
Os dados sobre a importância de suporte à transferência são, até agora, os mais
robustos e objetivos. Mesmo em heteroavaliações de impacto, essa variável, relativa ao
ambiente, é a mais forte preditora da variável critério em foco. Nesse caso, os respondentes
parecem convergir em suas respostas, produzindo avaliações similares do ambiente no qual
trabalham.
De modo geral, os resultados desta pesquisa não são conclusivos. Pesquisas futuras
deveriam incluir comparações entre heteroavaliações, auto-avaliações e indicadores objetivos
dessas variáveis. Será necessária também a utilização de modelos mais sofisticados de análise
de dados como modelagem por equação estrutural, de modo a examinar com cuidado os
fenômenos de moderação e mediação entre variáveis. Quanto às contribuições deste estudo,
talvez a mais significativa refira-se à confirmação da importância de suporte psicossocial à
transferência na predição de impacto do treinamento no trabalho, seja ele avaliado pelo
treinando, sua chefia ou colega de trabalho. Do ponto de vista organizacional, deveriam ser
incluídos, no levantamento de necessidades de treinamento, indicativos de suporte à
transferência. Desta forma, poderiam estar previstas de antemão as estratégias mais adequadas
para garantir ambientes organizacionais propícios à aplicação eficaz, no trabalho, de
conhecimentos, habilidades e atitudes aprendidas em treinamentos. E, ainda, a utilização de
medidas de expectativa de suporte à transferência, bem como de auto-eficácia, no estágio de
levantamento de necessidades de treinamento, poderia facilitar o planejamento instrucional.
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