DIÁLOGOS SOBRE O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO NO BRASIL (Pesquisa qualitativa -- RESUMO) Realização: Ibase, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) Objetivos da Pesquisa: Os Diálogos sobre o Direito Humano à Alimentação no Brasil (pesquisa qualitativa) tiveram como objetivo investigar a percepção de representantes de movimentos sociais e da sociedade civil organizada sobre o Programa Bolsa Família e as políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional. O levantamento (organizado sob a forma de Grupos de Diálogo – veja abaixo) foi realizado em seis estados brasileiros (RJ, RS, MG, GO, BA e PA), durante os meses de julho e agosto de 2008, e ouviu 150 pessoas. Os Diálogos encerram a pesquisa do Ibase intitulada Repercussões do Programa Bolsa Família (PBF) na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas, realizada com o apoio da Finep, e divulgada em junho de 2008. Metodologia dos Grupos de Diálogo: Participaram da pesquisa 150 representantes de movimentos sociais e entidades da sociedade civil, organizados em seis Grupos de Diálogo (que duraram, em média, 8 horas). Os participantes foram estimulados a responder inicialmente à seguinte questão: como garantir o direito humano à alimentação às famílias mais vulneráveis à fome? O diálogo foi feito a partir de quatro propostas de “caminhos” (ou cenários) de políticas públicas: transferência de renda (Programa Bolsa Família), produção e abastecimento, assistência alimentar e geração de trabalho e renda. A metodologia de trabalho dos Grupos de Diálogo foi desenvolvida originalmente pelo Canadian Policy Research Networks, do Canadá. O fundamento desta metodologia está em que a opinião não é formada individualmente, mas na interação (no diálogo). O processo permite aos participantes ter acesso a informações qualificadas, ouvir e expor diferentes pontos de vista e realizar reflexões coletivas acerca de um tema. O método já foi usado com sucesso no Canadá e no Brasil para se buscar novas formulações de políticas públicas. Os quatro caminhos (ou cenários) sugeridos para o Diálogo: Caminho 1 – Políticas de Assistência Alimentar (tido como “emergencial”, no qual é dever do Estado assegurar o direito humano à alimentação por meio de políticas de assistência alimentar) Caminho 2 – Políticas de produção e abastecimento alimentar (no qual os governos devem prover políticas para assegurar o preço dos alimentos e ampliar a oferta de alimentos saudáveis) Caminho 3 – Programas de transferência de renda (Bolsa Família) (no qual amplia-se o poder de compra dos beneficiados e lhes dá a oportunidade de gerir este recurso de forma autônoma) Caminho 4 – Políticas de geração de trabalho e renda (no qual, para reduzir a fome, é fundamental que o Estado estimule políticas de geração de trabalho e renda) RESULTADOS (Consensos obtidos) Os consensos construídos ao longo dos grupos de diálogo demonstram o entendimento de que a garantia do direito humano à alimentação passa por iniciativas de curto, médio e longo prazos, de emergenciais a estruturantes. Ao longo do debate foram valorizadas ações referentes aos 4 caminhos propostos, com destaque para aquelas que combinam elementos dos diferentes caminhos como, por exemplo, a transferência de renda (via PBF) acompanhada de qualificação profissional e iniciativas de assistência alimentar articuladas ao PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). A maioria dos representantes de movimentos e organizações sociais presentes nos grupos de diálogo demonstrou concordar com iniciativas de assistência alimentar e com o Programa Bolsa Família. Nos consensos construídos ao final de cada um dos Grupos de Diálogo, as escolhas feitas não estabeleceram contradições entre as ações desta natureza e outras políticas públicas, o que representa um avanço, tanto no sentido do reconhecimento da assistência alimentar como um direito quanto em relação às condições para se fazer avançar a integração e intersetorialidade das políticas públicas. Em relação às políticas de produção e abastecimento alimentar, os grupos expressam o amadurecimento de demandas históricas dos movimentos sociais. Reconhecem que algumas vêm ganhando relevância no campo das políticas públicas, e outras, como a reforma agrária, ainda não ganharam o espaço que lhes cabe como estratégia de enfrentamento da fome. Muitas das políticas em andamento são questionadas quanto a sua capacidade de atender as famílias mais pobres. A discussão sobre iniciativas públicas de abastecimento ainda é feita de forma fragmentada, seja pela complexidade do tema, que exige compreensão mais sistêmica, ou porque as alternativas propostas ainda não são apresentadas ou organizadas sob esta denominação. Quando devidamente compreendidas em seu potencial de aproximação da produção e do consumo, as políticas de abastecimento ganham relevância e passam a ser consideradas prioritárias e estruturantes da soberania e segurança alimentar e nutricional. Na visão dos grupos, a forma ideal de garantir alimentação adequada para as famílias mais vulneráveis à fome é a partir do próprio trabalho, embora falte clareza quanto às propostas que poderiam levar a este ideal. Abaixo estão sintetizados os principais consensos construídos ao longo dos dias de diálogo. 13 passos rumo à garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável -- Programa Bolsa Família e políticas de assistência alimentar garantidos a todas as famílias vulneráveis à fome - O Programa Bolsa Família e os programas de assistência alimentar devem ser firmados como direito a ser garantido pelo Estado, de forma emergencial e ágil, a todos as pessoas que necessitam. -- PBF aprimorado no que se refere ao controle social, à gestão municipal e ao acompanhamento das famílias – Os(as) gestores(as) municipais devem aprimorar sua capacidade de acompanhamento das famílias, garantindo a transparência do cadastro e a qualidade dos serviços de saúde e educação, estabelecendo parcerias com a sociedade civil organizada, com a finalidade de inibir desvios e práticas assistencialistas. -- Assistência alimentar com respeito à cultura local – Programas de assistência alimentar devem valorizar a cultura alimentar local e incentivar a aquisição de produtos regionais, dando prioridade à produção familiar e camponesa. -- Tempo determinado para o PBF e programas de assistência alimentar e articulação com iniciativas emancipatórias – Devem ser feitos mais investimentos em iniciativas de geração de trabalho e renda, com o objetivo de criar condições para que as famílias possam garantir sua alimentação por meio do próprio trabalho. -- Intervenção do Estado no fortalecimento de iniciativas de abastecimento alimentar – Canais públicos de abastecimentos, capazes de aproximar ou encurtar o caminho entre a produção e o consumo e de assegurar o preço dos alimentos, devem ser priorizados como estratégia de garantia da soberania e da segurança alimentar. O Estado deve desempenhar um papel para que a produção e a distribuição de alimentos não fiquem sujeitas exclusivamente aos anseios do mercado, sob o risco de violação do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável (DHAAS). -- Reforma agrária e apoio à produção familiar e camponesa – A agricultura familiar é a forma de produção mais adequada para suprir as necessidades alimentares da população brasileira, tanto no sentido da quantidade e qualidade dos alimentos, quanto da sustentabilidade socioambiental. O acesso à terra e à água deve ser garantido, bem como o apoio à agricultura familiar e camponesa, por meio de crédito e assistência técnica qualificada, contínua e integrada às necessidades e à cultura local. -- Articulação da produção de alimentos aos gastos públicos com alimentação – Compras governamentais de alimentos para abastecer escolas, hospitais, presídios, programas de assistência alimentar, entre outros devem priorizar a produção local de alimentos. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por favorecer este tipo de articulação, precisa ser ampliado. -- Um olhar diferenciado para pequenos empreendedores – Para incentivar a agricultura familiar, cooperativas e associações de pequenos(as) produtores(as) do campo e da cidade é preciso um olhar diferenciado no que se refere aos tributos, à legislação, ao apoio, à comercialização, ao acesso a crédito e aos mercados governamentais. É necessária maior atenção as suas especificidades, valorizando potencialidades e dando apoio técnico necessário à qualificação dos produtos. -- Educação voltada para a realidade do campo – O fortalecimento do vínculo cultural com a terra e o apoio à formação técnica devem ser incentivados por meio das Escolas do Campo. Dessa forma, há uma atuação tanto no incentivo à agricultura familiar e camponesa quanto à garantia da qualidade de vida de crianças e jovens que vivem em áreas rurais e comunidades tradicionais. -- Geração de trabalho e renda como estratégia de emancipação – O trabalho é estruturante para a vida e um desafio para a garantia do DHAAS. O apoio à agricultura familiar e à economia solidária, bem como o incentivo ao cooperativismo e ao associativismo fazem parte da solução. É preciso ampliar os debates e massificar iniciativas públicas de geração de trabalho e renda, com atenção especial à juventude e à população urbana. -- Intersetorialidade e integração entre os governos – Não é possível garantir a Segurança Alimentar e Nutricional da população brasileira pela atuação isolada de uma esfera ou setor de governo. A intersetorialidade depende de maior força de vontade por parte dos governos, principalmente dos municipais, de implementar ações que integrem os diferentes setores e iniciativas públicas. -- Incentivo à participação e ao controle social – Os governos devem reconhecer e incentivar a participação da sociedade civil no controle social das políticas de SAN; e representantes de movimentos e organizações sociais devem ocupar estes espaços, buscando monitorar e qualificar a atuação dos governos. -- Promover debates acerca do modelo de desenvolvimento – O Programa Bolsa Família ainda é essencial no Brasil devido ao histórico de desigualdade social que criou um contingente significativo de brasileiros e brasileiras com seu direito à alimentação negado. É necessário que, para além das atuais intervenções compensatórias, sejam empenhados esforços na discussão do modelo de desenvolvimento, uma análise mais profunda que indique os rumos para a correção efetiva da exclusão social, da pobreza e da fome no Brasil.