Princípios da geração de trabalho e renda para a inclusão
social
Vinícius Carvalho1
Uma das instituições precursoras da disseminação de Tecnologias Sociais no país, a
Fundação Banco do Brasil reuniu em agosto de 2008, cerca de 250 pessoas para
debater os avanços, obstáculos e novos desafios de seus projetos de geração de
trabalho e renda voltados à inclusão social.
O alcance da temática, avisam os participantes, é especialmente relevante diante
da retomada do crescimento e da criação de novas dinâmicas produtivas na base
da economia. Em 2007, segundo estudo da financeira Cetelem, o número de
brasileiros nas classes mais baixas era de 72,9 milhões, cerca de 39% da
população. Isso significa que 11,9 milhões de brasileiros passaram para classes
mais altas em um ano, já que eram 84,8 milhões de brasileiros na parte mais baixa
da sociedade em 2006. Ainda de acordo com o estudo, a classe C recebeu, tanto
das classes mais baixas (D e E) como das mais altas (A e B), quase 20 milhões de
integrantes, passando de 66,7 milhões em 2006 para 86,2 milhões em 2007, o que
significa 46% da população.
“E não é só isso. Temos no Brasil cerca de 98 milhões de pessoas na população
economicamente ativa, sendo que empregos formais no setor privado e no setor
público totalizam apenas 38 milhões de pessoas. Isso significa dizer que mais da
metade do país se vira, o que se traduz em terra parada, pessoas subempregadas,
miséria e fome mesmo diante de uma quadro geral mais favorável”, complementa o
professor de economia da PUC-SP, Ladislau Dowbor.
De olho nesse desafio, a Fundação BB aposta em aprofundar a avaliação dos cerca
de 1.500 convênios que executa considerando a capacidade dos projetos em evoluir
sustentavelmente ao longo do tempo. Para isso, a instituição trabalha na finalização
de um guia para a elaboração de projetos de geração de trabalho e renda voltados
à inclusão social, bem como em um índice capaz de medir o êxito dos
empreendimentos em atender a este desafio.
“A primeira questão que a gente deve se colocar é mesmo a permanência desse
fluxo de renda no tempo, até porque o que a gente vê com alguma freqüência é
que as entidades apoiadoras acreditam que uma boa idéia é suficiente para fazer o
mundo se mover”, concorda o economista do Ipea e especialista em políticas
públicas e gestão governamental, Luiz Eduardo Parreiras.
Segundo o sistematizador do guia, o professor da PUC-SP João Pamplona, a
sustentabilidade econômica pode ser traduzida na capacidade do projeto de gerar
fluxo e receita suficiente para cobrir, no longo prazo, as despesas correntes,
recompor o capital desgastado e financiar a expansão ou manutenção da
participação no mercado. Já a sustentabilidade social é identificada pela capacidade
do projeto em obter legitimidade social e aceitação por parte dos beneficiários e
daqueles que estão em seu entorno, ao passo que a sustentabilidade ambiental é
aferida pela minimização dos impactos ambientais decorrentes de sua implantação
e operação, incluindo o atendimento a todas as exigências da legislação brasileira.
“A sustentabilidade, na verdade, é a medida de sucesso em ações de geração de
trabalho e renda”, defende Pamplona.
1
–
jornalista do Portal da RTS
Isso implica, segundo Dowbor, alterar a definição tradicional de renda como „receita
menos despesa‟. Entre os desafios, avisa, está também a consideração da renda
não monetária proveniente, por exemplo, da produção voltada ao auto-consumo,
que também pode ser aferida em valores correntes de mercado. “O que temos de
entender é que a forma de contabilidade muda, porque permite fazer uma
contabilidade reversa. Veja o caso da Pastoral da Criança. Quantos medicamentos
deixam de ser comprados pela família com o trabalho preventivo? Quantas viagens
de ambulância ao hospital são economizadas? Quantos dias de trabalho a mãe
deixa de perder? É, na prática, uma geração de recursos”, diz.
Segundo Parreiras, é mesmo necessário apostar em definições mais amplas de
renda, sobretudo quando se considera que sua finalidade é a inclusão social. “O
Juarez de Paula [Gerente da Unidade de Agronegócio e Territórios Específicos do
Sebrae Nacional] já dizia: „a pobreza é decorrente da falta de acesso à riqueza, ao
conhecimento e ao poder‟. Se entendermos riqueza, conhecimento e poder como
estoques que geram fluxos, então podemos considerar a renda como um fluxo de
bem-estar que caminha nessa direção”, define. Isso não significa, segundo ele, que
todos os benefícios devam ser mensurados quantitativamente. “Com o tempo se
percebeu que existem outras dimensões na vida social que não se expressam
diretamente por valores monetários. Como dar número ao aumento de auto-estima
e do grau de coesão social naquele território? O mundo é muito maior do que o que
pode ser expresso em moeda”, avalia.
De olho nesse dilema, a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o
Trabalho (Unitrabalho) aposta em uma metodologia de identificação dos benefícios.
“Alguns itens podem ser mensurados e outros não, até porque para algo ganhar
valor econômico tem que virar uma mercadoria. O que temos feito é registrar a
existência e não necessariamente quantificar, até porque os dados quantitativos
sempre têm um grau de imprecisão. Basta ver que uma renda maior não significa
necessariamente qualidade de vida maior”, alerta Francisco Mazzeu, da
Unitrabalho.
Quem concorda é Gilmar Carneiro, diretor da Ecosol, central de cooperativas de
crédito ligada à CUT. “A melhor definição de renda para mim é aquilo que você
aufere a partir do seu trabalho, numa relação produtiva que pode ser monetária ou
não”, diz. Já o diretor de Articulação Governamental do Ministério do
Desenvolvimento Social e do Combate à Fome (MDS), Marcus Villarim, define a
renda, no contexto de projetos e programas de inclusão social e produtiva, como “a
capacidade do trabalhador em obter um nível de renda autônomo por meio de sua
capacidade de trabalhar de forma decente, para acima ou fora do nível de exclusão
em que ele vivia anteriormente”.
Segundo o Gerente de Divisão da Gerência de Articulação, Parcerias e Tecnologias
Sociais da Fundação BB, Jorge Streit, um dos principais desafios será incluir estes
conceitos na própria concepção de novos projetos de geração de trabalho e renda.
“Precisamos perder essa ótica de só olhar a renda monetária. O desafio será levar
esse trabalho de aperfeiçoamento na avaliação para a modelagem de novos
projetos e programas”, diz.
Processo
Segundo Parreiras, os projetos de geração de trabalho e renda voltados à inclusão
social são aqueles que buscam a superação da pobreza, o desenvolvimento sócioeconômico e o protagonismo dos produtores associados. Para que tais objetivos
sejam alcançados, os projetos devem necessariamente ter viabilidade econômica e
uma gestão competente, bem como contribuir para desenvolver as capacidades
produtivas, empreendedoras, gerenciais, políticas, culturais e associativas dos
trabalhadores. As principais dificuldades para chegar lá, avisa, ainda estão na
dificuldade de planejar a produção e a comercialização e obter informações seguras
de mercado, bem como vencer a restrição ao crédito e a falta de capacitação
permanente dos trabalhadores.
“A falta de capital de giro é um dos principais problemas hoje. Se você consome
esta receita que o empreendimento gera sem reinvesti-lo, ele vai perder a condição
de se manter competitivo no mercado”, avalia. Outro gargalo está na coordenação
da gestão dos empreendimentos, mesmo daqueles que tendem a alcançar
resultados positivos no curto e médio prazo. “É muito comum que os trabalhadores
abram mão do controle do empreendimento quando ele começa a dar certo e o
deleguem para alguma liderança ficar exclusivamente com a responsabilidade do
negócio. A partir daí você pode ter lucro no curto prazo, mas isto seguramente não
vai se sustentar no médio e longo prazo”, complementa.
Isso sem falar na dificuldade em vencer a burocracia, avisa Mazzeu. “Como o Brasil
ainda vive dessa cultura, às vezes formalizar um empreendimento é matá-lo na
prática”, alerta. O segredo, alerta Juarez de Paula, é seguir apostando no tripé
produção-gestão-comercialização. "As tecnologias de produção, administração e
comercialização redundam no processo de gestão. Mas essas tecnologias passam
pela assimetria da informação. Ou seja, na economia solidária as pessoas se
deparam com uma deficiência histórica no acesso à informação e têm dificuldades
na gestão do negócio", diz.
Entre 2005 e o primeiro semestre de 2008, a Fundação Banco doBrasil realizou
investimentos sociais da ordem de R$ 237,8 milhões em projetos de geração de
trabalho e renda. O propósito dessas ações é promover a inclusão social por meio
da inserção econômica de catadores de materiais recicláveis, quilombolas e
agricultores familiares em cadeias produtivas. A ação se dá pela articulação de
parcerias e incentivo a empreendimentos solidários, sustentáveis e de
desenvolvimento territorial.A sistematização dos debates do II Seminário Fundação
Banco do Brasil na Geração de Trabalho e Renda servirá para avaliaressas ações e
produzir subsídios para a atuação no biênio 2009/2010. Entre os temas tratados
estão comercialização da produção, financiamento e capital de giro, organização
sociale governança, assistência técnica e transferência de tecnologia.
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