RELAÇÕES DE TRABALHO PARA BRASILEIROS E ESTRANGEIROS EM ATENÇÃO À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA – O QUE FAZER? COMO PREVENIR? Iniciaremos por definir o que deve entender-se por contrato internacional de trabalho. Enfrentaremos com um certo vagar esta questão, por ser de bastante relevância. Qualifica-se de “internacional”, o contrato de trabalho que possui um ou mais elementos estrangeiros (elementos de estraneidade), tais como: a nacionalidade das partes, seu domicílio, o local de celebração do contrato ou de sua execução, a moeda na qual é fixada, a remuneração do empregado e outros mais. A existência do elemento de estraneidade faz com que o contrato internacional de trabalho possua ligação com mais de um ordenamento jurídico nacional, todos igualmente aptos, em um primeiro momento, a disciplinar as relações jurídicas dele decorrentes. Surge, assim, a grande questão da determinação de qual desses ordenamentos jurídicos deverá ser utilizado na regulação desta relação contratual. A solução desses conflitos de leis (decorrentes da possibilidade de aplicação simultânea de leis oriundas de diferentes ordenamentos jurídicos nacionais), que significa a escolha do país cujo ordenamento jurídico incidirá sobre a relação, com exclusão de todos os demais, consiste no objeto do ramo do direito denominado Direito Internacional Privado. Através de suas normas, cada país – por seu direito interno - elege um determinado elemento da relação (elemento de conexão) e estabelece que o ordenamento jurídico com o qual este elemento possua contato mais íntimo regerá toda a relação. Em atenção com os melhores doutrinadores, trazemos à baila jurista Wilson Souza Campos Batalha e Silvia Mariana L. Batalha de Rodrigues Netto, onde entendem que o Direito Internacional Privado: é o ramo do Direito interno que indica a norma legal aplicável às hipóteses em que a situação ou a relação jurídica apresenta elemento de ligação com mais de um ordenamento jurídico. Suas normas provêm da legislação interna, dos tratados normativos e convenções internacionais após o processo de internação e integração do Direito Interno, bem como dos usos e costumes internacionais aceitos pelos órgãos do Estado.[1] Adentrando ao tema, podemos destacar que para os trabalhadores em situação análoga (contratados no Brasil para trabalhar noutro país), serão aplicadas as normas de Direito Internacional Privado, primeiro porque haverá nesta relação um conflito espacial de leis e, segundo, porque são estas as situações onde a legislação brasileira contempla a competência da nossa jurisdição para pronunciar-se sobre a matéria. Assim, o Juiz brasileiro, ao se deparar com um fato interjurisdicional, deve consultar a legislação brasileira atinente.[2] Esta ley regira todo lo relativo a La validez, derechos y obligaciones de lãs partes, sea que El contrato de trabajo se haya celebrado em el pais ou fuera de el, en cuanto se ejecute em su território, cualquiera sea La nacionalidade de lãs partes. La ley extranjera podra ser aplicada aun de oficio por los jueces, em la medida que resulte mas favorable al trabajador. No nosso caso, que é o Direito Internacional Privado do Trabalho, devemos observar o Código de Bustamante (Decreto n.18.871/29), a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657/42), o Decreto n. 691/69 e a Lei n.7.064/82, além de jurisprudência a tratados firmados pelo Brasil. Estas, para nós, são as fontes de Direito Internacional Privado do Trabalho. [3] O Código de Bustamante, vigente no Brasil desde a edição do Decreto n.18.871/29, possui regras de Direito Internacional Privado. Seu objetivo é disciplinar a solução dos conflitos de leis entre os países que o adotaram. Em seu art. 3 o classifica as normas jurídicas nas seguintes categorias: I - As que se applicam as pessoas em virtude do seu domicilio ou da sua nacionalidade e as seguem, ainda que se mudem para outro paiz- denominadas pessoaes ou de ordem publica interna; [1] O Direito Internacional Privado na Organizaçãoo dos Estados Americanos, p. 6 “ in” MELLO, Christiane Bernardes de Carvalho, Direito Internacional Privado e Relaçãoo Jurídica de Trabalho: aspectos da legislação brasileira, São Paulo, Ltr, 2005, p. 30 [2] Jose Maria Rivas, comentando sobre o direito argentino, afirma que a LCT (Ley de Contrato de Trabalho) deu solução jurídica às questões ate então problemáticas sobre a lei aplicável ao trabalho prestado no exterior. [3] MELLO, Christiane Bernardes de Carvalho, Direito Internacional Privado e Relação Jurídica de Trabalho: aspectos da legislação brasileira, São Paulo, Ltr, 2005, p. 32. II- As que obrigam por igual a todos os que residem no território, sejam ou não nacionaes – denominadas territoriaes – locaes ou de ordem publica internacional; III – As que se applicam somente mediante a expressão, a interprestacao ou a presunção da vontade das partes ou de alguma dellas, - denominadas voluntarias, suppletorias ou de ordem privada. sic) O Decreto n.18.871, que é posterior à Lei 3.071/16, consagrou o princípio da territorialidade e, por esse motivo, a regra que antes valia em relação ao brasileiro que fosse trabalhar no exterior, passou por uma mudança. A partir daquele Decreto, a lei do lugar da prestação do serviço seria a aplicável para os brasileiros que fossem laborar no exterior. Em relação ao estrangeiro que viesse aqui laborar, foi mantida a mesma regra, pois antes já era aplicada a lei brasileira e o principio da territorialidade só veio a confirmar o que já se encontrava estabelecido. Maria Helena Diniz assim se pronuncia sobre o critério da especialidade da norma: “Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes”. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na forma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrara na norma especial, embora também esteja previsto no geral (RJTJSP, 29h30min). O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que norma genérica. O Decreto-lei n 4.657/72 revogou a Lei n. 3.071/16 e hoje figura como a nossa Lei de Introdução do Código Civil. Este texto legal, em seu art.9o, dispõe que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituem”. Como se vê, a Lei de Introdução do Código Civil previu, como elemento de conexão para o ato jurídico, a lei do local da celebração do contrato. Assim, por exemplo, nos termos do artigo 9o, da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.657/42), “para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Isto significa que as obrigações que contenham elementos relacionados a ordenamentos jurídicos diversos serão disciplinadas pela lei do local em que o contrato for celebrado, qualquer que seja o local de sua execução ou a nacionalidade dos contratantes. Dessa forma, no que diz respeito às obrigações, pode-se dizer que o elemento de conexão é o local de celebração do contrato. Este não é, porém, o único critério (elemento de conexão) existente; vários outros podem ser apontados, de forma que, dependendo da natureza da relação e do ordenamento sob cuja ótica a mesma será observada (já que as normas de Direito Internacional Privado sendo determinadas pelo direito interno de cada país não apresentam solução uniforme para as mesmas questões), a relação poderá ser regida, por exemplo, pela lei do local de celebração ou de execução do contrato, pela lei da nacionalidade ou domicílio das partes, pela lei escolhida pelos contratantes, entre outros. Como vimos, a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que os contratos serão regidos pela lei do local de sua celebração. Assim, poder-se-ia dizer que também o contrato internacional de trabalho seria regido pela lei vigente no local de sua celebração. Da mesma forma, a doutrina é unânime em afirmar que não tem aplicação sobre os contratos de trabalho o artigo 9o, da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual o contrato rege-se pela lei vigente no local de sua celebração. Isto porque, na maior parte das vezes, o local da celebração do contrato de trabalho é irrelevante para sua execução, sendo determinado, muitas vezes, por mero acaso, por circunstâncias eventuais que nada influem em sua execução. Ademais, não se deve olvidar que o artigo 17, do mesmo diploma legal, afasta de maneira expressa a eficácia da legislação alienígena quando esta contrariar a ordem pública interna. Ora, como é sabido, o Direito do Trabalho é composto essencialmente por normas de ordem pública, de modo que toda legislação estrangeira que contrariar dispositivo da legislação trabalhista nacional também estará, por via reflexa, violando a própria ordem pública, não podendo, assim, ser aplicada em nosso território.[4] Com esse argumento, pretende-se afastar a incidência da lei do local de celebração do contrato de trabalho, aplicando-se lhe, assim, a lei vigente no local de sua execução, isto é, no local da efetiva prestação de serviços, pelo seu caráter cogente, de ordem pública[5]. Este parece ser o critério adotado pela maior parte das legislações, sendo premiado, ainda, pelo Código Bustamante, em seu art. 198 (diploma legal que foi integrado ao [4] Essa objeção é procedente nos casos em que a legislação estrangeira é menos favorável ao empregado do que a lei brasileira; mas, e se a lei alienígena for mais benéfica ao trabalhador? Neste caso, não nos parece que ela contraria a ordem pública, não podendo afastar-se sua aplicação ao caso concreto, ao menos não com base nesse fundamento, a não ser que se entenda que a ordem pública resta violada sempre que a norma estrangeira dispõe de modo diverso (mesmo se for para beneficiar o empregado) da legislação nacional, o que não nos parece acertado. Este problema, porém, não apresenta maior relevância caso se adote o princípio da norma mais favorável, que será analisado adiante. [5] No entanto, existe decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo dando aplicação à lei do local da contratação (10a Turma, Ac. n. 02980075293, 10.02.98, Rel. Juiz Plínio Bolívar de Almeida in site do TST na Internet). ordenamento jurídico nacional através do Decreto n.º 18.871, de 13 de agosto de 1929). Assim, podemos concluir que o contrato internacional de trabalho será regido, tanto em seus aspectos internos quanto externos, pela lei do local em que se der a prestação de serviços. Esta é a regra geral; cumpre ver, agora, se ela é absoluta ou se comporta exceções (e, nesse caso, quais seriam elas). É do que passamos a tratar. Vimos que a regra geral manda que se aplique ao contrato internacional de trabalho a lei do local de sua execução, isto é, do local de prestação de serviços, como dispõe a Súmula n.º 207, do Tribunal Superior do Trabalho. In verbis Nº 207 - CONFLITOS DE LEIS TRABALHISTAS NO ESPAÇO. PRINCÍPIO DA LEX LOCI EXECUTIONIS A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação. (Res. 13/1985, DJ 11.07.1985) Há situações, porém, em que a aplicação da lei territorial se apresenta insuficiente, não se justificando, seja em virtude de uma especial característica da relação, seja por algum caractere específico das partes ou ainda por algum outro fator. Nesses casos, admite-se que não seja aplicada a lei territorial, utilizando-se legislação diversa, melhor relacionada ao contrato. Cumpre-nos, pois, apreciar algumas dessas exceções. Isto porque, sendo a execução do contrato em outro país apenas transitória, a relação continua ligada à legislação sob cuja égide o trabalho se dá de maneira habitual, não possuindo contato com a legislação alienígena, não se justificando, assim, sua aplicação. Pinho Pedreira[6] entende que a aplicação da teoria da irradiação é excepcionada, em nosso direito, pelo Decreto-Lei n.º 691/69, que disciplina a contratação de técnicos estrangeiros para a execução de serviços provisórios em território nacional e manda aplicar-lhes a lei brasileira. Entendemos, porém, que o referido diploma legal cuida de hipótese diversa da ora versada, já que dispõe sobre o contrato dos técnicos estrangeiros que são contratados especialmente para vir prestar serviços em nosso país, ao passo que a teoria da irradiação se aplica à hipótese da transferência provisória do empregado para o [6] Ob. cit., p. 74. exterior, não incidindo quando ele é contratado, desde logo, para prestar serviços em outro país e lá permanece como nos parece ser o caso disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 691/69. Não se trata, pois, de exceção à aplicação da teoria da irradiação, mas uma reafirmação da supremacia da lei do local de execução do contrato. Outra questão que se impõe é a que diz respeito a saber até que ponto uma transferência é temporária e a partir de quando ela passa a ser considerada definitiva. Não existe uma regra que defina, a priori, este problema, devendo proceder-se a uma análise casuística da questão, de acordo com as peculiaridades de cada caso. Existem, porém, alguns parâmetros que podem ser utilizados pelo intérprete, como, por exemplo, o parágrafo único, do artigo 1o, da Lei n.º 7.064/82, que exclui de sua aplicação os empregados transferidos em caráter transitório, assim consideradas as transferências por período não superior a 90 dias. Outro critério que nos parece interessante seria a aplicação analógica do § 2o, do artigo 443, da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata da contratação por prazo determinado, levando em consideração a natureza da atividade desempenhada pelo trabalhador transferido. Se, porém, a transferência for definitiva[7], deve ser aplicada a lei do novo local de execução do contrato, “lei” ora considerada em sentido estrito, uma vez que, por força do princípio da condição mais benéfica, devem ser mantidas as estipulações contratuais mais favoráveis ao empregado[8]. Já as normas convencionais, face ao seu caráter eminentemente territorial e limitado temporalmente, não podem ser aplicadas extraterritorialmente, conforme ensinamento de Michel Despax: Mas uma situação de détachement não tem vocação para a perenidade: é preciso, então, excluir a aplicação da convenção coletiva originária quando o assalariado que foi mandado para um estabelecimento da mesma empresa permanece duradouramente no estrangeiro nos locais de trabalho e pode, nestas condições, ser considerado, segundo a terminologia consagrada, como trabalhador “expatriado”.[9] [7] Neste caso, entende o Magistrado Maurício Godinho Delgado não ter lugar o jus variandi do empregador, ou seja, toda transferência ao estrangeiro deveria ser acordada bilateralmente entre empregado e empregador, não podendo – ao contrário do que se dá quando a transferência é dentro do território nacional – ser imposta unilateralmente pelo último: “não há, pois, viabilidade de exercício de jus variandi empresarial no que tange a remoções externas.” (Alterações Contratuais Trabalhistas, LTr, São Paulo, 2000, p. 108). [8] Nesse sentido, vide o pensamento do Ministro Süssekind, Conflitos cit., p. 44. [9] Negóciations, conventions et accords collectifs, Dalloz, Paris, 1989, p. 427 apud Pinho Pedreira, ob. cit., p. 81. Nesse diapasão, ainda, o pensamento de Goldschimidt, citado por Süssekind (Conflitos cit., p. 46), este que admite sua extraterritorialidade de forma reflexa, isto é, quando a cláusula convencional tiver sido incorporada ao contrato individual de trabalho (reflexa porque, como ele próprio aponta, o contrato é que estaria sido aplicado, não a convenção). Pensamos, porém, não ser esta a regra geral, já que o entendimento dominante em nosso direito é pela não-incorporação das normas convencionais aos contratos individuais de trabalho, como se verifica, por exemplo, do seguinte julgado: “Exegese em Porem, há que ser pautada toda análise com convergência com artigo 444 do Pergaminho Laboral. Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, às convenções coletivas que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Pelo amor ao debate, apenas para maior conforto, registra-se que o Brasil apesar de signatário do diploma Convenção Internacional Sobre Direito Aplicável aos Contratos Internacionais, assinada na Cidade do México em 1994, não o ratificou no âmbito interno. No tocante às exceções, devemos destacar que durante a prestação de serviços no exterior não serão devidas, em relação aos empregados transferidos, as contribuições referentes à: Salário-Educação, Serviço Social da Indústria, Serviço Social do Comércio, Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) Desta forma, toda e qualquer movimentação de trabalhadores, seja o encaminhamento ou o recebimento destes, prescinde de criteriosa análise de toda legislação direta e indireta aos países envolvidos na operação. Igualmente, seja estruturado contrato de trabalho com porte internacional e não utilização de contratos padrões. Por derradeiro, seja analisada a longevidade desta movimentação, fator determinante para feliz prevenção. sentido contrário, ou seja, de que a lei aludida prevê a incorporação definitiva das normas estabelecidas em instrumento coletivo, resultaria na revogação do art. 613 da CLT, o que contraria o espírito dos acordos e das convenções coletivas, visto que a finalidade deles é estabelecer vantagens temporárias.” (Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, ROAR 689.963/2000.8, 11.09.01, Rel. Min. Ronaldo Leal in site do TST na Internet). No mesmo sentido, ainda, o Enunciado n.º 277, do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, não havendo incorporação, não há que se falar na aplicação extraterritorial da norma coletiva. Dr. Renato Gouvêa dos Reis é especialista em Direito do Trabalho, com Pós-Graduação Latu Senso, MBA em Direito da Economia e da Empresa. Atuante em Direito Material e Processo do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Empresarial, aspectos relacionados à Recuperação Judicial e Governança Corporativa. Assessoria e Consultoria Jurídica de empresas de médio e grande porte. Artigos publicados em jornais de grande circulação e sites jurídicos. Participação em diversos cursos, Simpósios e congressos de aperfeiçoamento profissional.