No contexto da Rio +20, o IAB realizou a Conferência “Cidade
Sustentável – expressão do século XXI”, onde buscou-se uma organização para discutir o processo urbano brasileiro, e também,
dar condições de cotejá-lo com experiências estrangeiras. Organizada em dois módulos, um de Projetos e outro de Conferências,
teve o intuito de fomentar os debates sobre as maneiras com as
quais as metrópoles podem enfrentar os temas que, hoje, envolvem os problemas da sustentabilidade urbana.
Fabiana Izaga
In the context of Rio +20, the IAB organized the Conference “Sustainable City – Expression of the 21st Century”, to find a platform for discussing the Brazilian urban process, and also to create an opportunity
to compare the city’s experience with foreign experiences. Composed
of two modules, Projects and Conferences, the event’s focus was to
promote a debate on how metropolises can address today’s issues
about urban sustainability.
Fabiana Izaga
Buscar a cidade sustentável, nesse contexto, significa defender a
plena adequação aos valores ambientais e, também, indispensavelmente, planejar cidades menos predadoras de território, mais
compactas; socialmente menos desiguais, mais democráticas na
oferta dos bens e serviços públicos. Cidades que amparem a multiplicidade espacial como valor cultural; que garantam a diversidade construída.
Sérgio Magalhães
Andrés Borthagaray ∙ Antonio Augusto Veríssimo ∙ Carlos Eduardo Maiolino
Claudio Accioly ∙ Fabiana Izaga ∙ Felipe Leal ∙ Francis Bogossian
Gisele Raymundo ∙ Inês Magalhâes ∙ Jan Gehl ∙ João Whitaker
José Conde Caldas ∙ Juan Carlos Dextre ∙ Leo Heller ∙ Luiz Gustavo Barreto
Marcelo Burgos ∙ Marcos Boldarini ∙ Manuel Herce Vallejo ∙ Maria Teresa Serra
Marilene Ramos ∙ Nelson Saraiva ∙ Pablo Benetti ∙ Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha
Rafael Winter Ribeiro ∙ Regina Cunha ∙ Rômulo Orrico
Sérgio Magalhães ∙ Solange Carvalho ∙ Vanderley John
CIDADE SUSTENTÁVEL
expressão do século XXI
The search for a sustainable city, in this context, implies defending
complete conformity to environmental values and also, unequivocally,
planning cities that are less territorially predatory, more compact;
more equal socially, and more democratic in supplying goods and public services. Cities that support spatial multiplicity as a cultural value;
that ensure the diversity that has been created.
Sérgio Magalhães
CIDADE SUSTENTÁVEL
expressão do século XXI
SUSTAINABLE CITY
expression of the 21 st century
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL
DEPARTAMENTO DO RIO DE JANEIRO
Sérgio Magalhães
Presidente
Cêça Guimaraens
Fabiana Izaga
Norma Taulois
Pedro da Luz Moreira
Vice-presidentes
PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Eduardo Paes
Prefeito
Pierre Batista
Secretário de Habitação
Antonio Augusto Veríssimo
CIDADE SUSTENTÁVEL
Coordenador de Planejamento e Projetos
expressão do século XXI
MINISTÉRIO DAS CIDADES
Aguinaldo Ribeiro
Ministro
Inês Magalhães
Secretária Nacional de Habitação
Izaga, Fabiana (Org.)
Cidade Sustentável, expressão do século XXI: Instituto de Arquitetos
do Brasil. Departamento do Rio de Janeiro, 2015. 100p.: il, 22cm
ONU-HABITAT
ISBN 978-85-65231-08-4
Joan Clos
Planejamento urbano 2. Conferência Rio+20 3. Habitação 4.
Mobilidade urbana 5. Ambiente
Diretor Executivo
Alain Grimard
SUSTAINABLE CITY
expression of the 21 st century
Fabiana Izaga, Organizadora
Diretor Nacional
Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2015
Conferência Internacional
Cidade Sustentável – expressão do século XXI
Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento do Rio de Janeiro
Organização
Fabiana Izaga
Coordenação Geral
Ephim Schluger
Fabiana Izaga
Sérgio Magalhães
Comitê Curador
Larissa Morais
Rosa Lima
Textos
Sylvia Cardim
Projeto Gráfico e Diagramação
ALEXANDRA DE VRIES
Tradução
KEITH ROWLAND
Revisão Tradução
Agradecimentos
Ana Lúcia dos Santos
Álvaro Faria
Sônia Miranda
Apoio
Ministério das Cidades
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal de Habitação
ONU HABITAT
ISBN: 978-85-65231-08-4
Todos os direitos reservados a Instituto de Arquitetos do Brasil
Departamento do Rio de Janeiro
[email protected]
Rua do Pinheiro 10 – Flamengo
22.220-050, Rio de Janeiro, RJ
+55 21 2557 – 4480
+55 21 2557 – 4192
SUMÁRIO
Apresentação Sérgio Magalhães
8
INTRODUCTION Sérgio Magalhães
THE SUSTAINABLE CITY MEETINGS
10
- Fabiana Izaga
module 1 | PROJECTS
1. Public Transportation
Prefeitura do Rio de Janeiro Bus Rapid Transit (BRT) para o Rio de Janeiro Carlos Eduardo Maiolino e Luiz Gustavo Barreto
Veículo leve sobre trilhos para o Porto do Rio Gisele Raymundo
16
The Municipal Government of Rio de Janeiro
17
20
LIGHT RAIL IN THE PORT OF RIO - Gisele Raymundo
2. Upgrading Favelas
Programas de urbanização de favelas em perspectiva Pablo Benetti
A PERSPECTIVE ON UPGRADING PROGRAMS IN FAVELAS - Pablo Benetti
Favela Cantinho do Céu Marcos Boldarini
Acessibilidade e lixo em projeto de favelas no Rio de Janeiro Solange Carvalho
22
24
FAVELA CANTINHO DO CÉU - Marcos Boldarini
28
ACCESSIBILITY AND GARBAGE IN FAVELAS IN RIO DE JANEIRO - Solange Carvalho
Projeto social, projeto de urbanização fronteiras a serem ultrapassadas Marcelo Burgos
SOCIAL PROJECT, FAVELA UPGRADING PROJECT - OVERCOMING BOUNDARIES - Marcelo Burgos
33
VITA Et OTIUM: AN URBANIZATION PLAN FOR THE SANTA CATARINA COASTLINE - Nelson Saraiva
módulo 2 | CONFERÊNCIAS
37
module 2 | CONFERENCE
ABERTURA Opening CONFERÊNCIA DE ABERTURA | Cidades para pessoas Jan Gehl, comentários de Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha Opening Conference CITIES FOR PEOPLE - Jan Gehl, comments by Pedro Claudio Cunca B.B. Cunha
Technical study: Sustainable city, Sanitation and Environment - Leo Heller,
comments by Francis Bogossian
Mesa-redonda | Questões ambientais das metrópoles Felipe Leal, Marilene Ramos, mediação por Maria Teresa Serra 55
58
Round-table: The Environmental Issues of Metropolises - Felipe Leal,
mediation by Maria Teresa Serra
2. HABITAÇÃO
Estudo técnico | Cidade sustentável e habitação Vanderley John, João Whitaker, comentários de José Conde Caldas Mesa-redonda | Habitação, política e gestão Inês Magalhães e Antonio Augusto Veríssimo, mediação de Claudio Accioly Entrevista de Inês Magalhães POR LARISSA MORAIS
INÊS MAGALHÃES INTERVIEW BY LARISSA MORAIS 64
Technical study: Sustainable city and Housing - Vanderley John, comments by José Conde Caldas
69
Round-table: Housing, policy and administration - Inês Magalhães, mediation by Claudio Accioly
75
3. URBAN MOBILITY
Estudo técnico | Cidade sustentável e mobilidade urbana Rômulo Orrico, comentários de Regina Cunha e Pablo Benetti 3. LandscapE Projects
Rio de Janeiro e paisagem cultural Rafael Winter Ribeiro
RIO DE JANEIRO AND ITS CULTURAL LANDSCAPE - Rafael Winter Ribeiro
3. MOBILIDADE URBANA
31
3. Projetos da paisagem
Vita eT Otium: plano de urbanização do litoral de Santa Catarina Nelson Saraiva
Estudo técnico | Cidade sustentável, saneamento e ambiente Leo Heller, comentários de Francis Bogossian 2. HOUSING
2. Urbanização de favelas
BUS RAPID TRANSIT (BRT) FOR RIO DE JANEIRO - Carlos Eduardo Maiolino and Luiz Gustavo Barreto
1. AMBIENTE
1. ENVIRONMENT
1. Transporte coletivo
50
JAN GEHL Interview by Rosa Lima
Os encontros Cidade Sustentável Fabiana Izaga módulo 1 | PROJETOS
Entrevista DE Jan Gehl POR ROSA LIMA 43
46
Technical study: Sustainable cities and urban mobility - Rômulo Orrico,
comments by Regina Cunha e Pablo Benetti
Mesa-redonda | Mobilidade urbana e espaço público Andrés Borthagaray, Juan Carlos Dextre, mediação por Fabiana Izaga Round-table: discussion Urban Mobility and Public Space - Andrés Borthagaray,
mediation by Fabiana Izaga
Conferência de encerramento | Direito à mobilidade na cidade contemporânea Manuel Herce Vallejo, comentários de Sérgio Magalhães CONFERENCE: The Right to Mobility in Contemporary Cities : Manuel Herce Vallejo,
comments by Sérgio Magalhães
Entrevista DE Manuel Herce Vallejo POR ROSA LIMA
MANUEL HERCE VALLEJO Interviewed by Rosa Lima 78
82
88
91
Apresentação
Sérgio Magalhães
O título destes encontros, Cidade Sustentável - Expressão do Século
XXI, representará desejo ou destino?
INTRODUCTION
Sérgio Magalhães
A complexidade das cidades contemporâneas reflete o protagonismo que o mundo urbano alcançou neste novo século. A Humanidade hoje, de modo majoritário, mora em cidades; no caso brasileiro,
a urbanização já alcançou 85% da população. A economia é urbana,
assim como a cultura, a ciência, a política. O desenvolvimento é caudatário das cidades.
Sustainable City - Expression of the 21st Century,
wish or destiny?
Nas questões ambientais, igualmente: a água, o ar, a energia, as florestas estão necessariamente referenciados às populações urbanas,
não apenas por estas constituírem a maioria mas, sobretudo, pelo
modo como são consumidos (e rejeitados) tais recursos naturais.
Assim, há uma agenda ambiental indispensável no trato da questão
urbana que é preciso trilhar de maneira consistente. No âmbito da
realização da Rio+20, reunião de cúpula promovida pelas Nações
Unidas, comemorativa dos vinte anos da Eco 92, as instituições que
promoveram o ciclo Cidade Sustentável - Expressão do Século XXI o
fizeram como uma contribuição a essa agenda e a esse caminho.
No entanto, há um tema também central de sustentabilidade que este
ciclo se propôs ajudar a iluminar. Trata-se da capacidade de nossas
cidades exercerem seu papel essencial de lugar da interação social,
isto é, da Política – que é a função original e permanente da urbanidade, e que, sob muitos aspectos, se encontra debilitada na cidade
contemporânea. Nossas cidades deste século conseguirão manter-se
como lugar do múltiplo e do diverso?
8
The complexity of contemporary cities reflects the
leading role that urbanization has played in the
21st century. The majority of people in the world
today live in cities; in Brazil, this includes 85%
of the population. Our economy, culture, science
and politics are all urban. Development is the
trainbearer of cities.
The same applies to environmental issues: water,
air, energy and forests are inevitably refer to the
urban population, not only because this population
makes up the majority, but especially because of
the way these natural resources are consumed and
discarded.
Buscar a cidade sustentável, nesse contexto, significa defender a plena adequação aos valores ambientais e, também, indispensavelmente, planejar cidades menos predadoras de território, mais compactas;
socialmente menos desiguais, mais democráticas na oferta dos bens
e serviços públicos. Cidades que amparem a multiplicidade espacial
como valor cultural; que garantam a diversidade construída.
Tal agenda é desejo compartilhado pelos participantes do ciclo Cidade Sustentável - Expressão do Século XXI, como se pode comprovar
pelas contribuições registradas.
Se este será o destino de nosso mundo urbano, veremos; depende de
nossa capacidade de construirmos nossas utopias.
However, this series has also set out to illustrate
the key issue of sustainability. This refers to the
capacity of our cities to fulfill their main role as a
place of social interaction, that is, of politics. This
is the original and permanent role of urbanity, but
it has been weakened in the contemporary city.
Will our cities of this century be able to sustain
themselves as multiple and diverse places?
In this context, the search for a sustainable
city implies defending complete conformity to
environmental values and also, unequivocally,
planning cities that are less territorially predatory,
more compact; more equal socially, and more
democratic in supplying goods and public services.
Cities that support spatial multiplicity as a
cultural value; that ensure the diversity that has
been created.
From the sheer number of registered contributions,
we affirm that such an agenda is the shared wish
of the participants in Sustainable City - Expression
of the 21st Century.
We will see if this will be the destiny of our urban
world; this will depend on our capacity to build
our utopias.
So, there is an imperative environmental agenda
for addressing urban issues that must be followed
in a consistent manner. In the realm of the Rio+20,
the UN top conference that celebrated the 20th
anniversary of Eco 92, the institutions that
organized the cycle ‘Sustainable City - Expression
of the 21st Century’ have done so to contribute to
this agenda and to the path that we must follow.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
9
Os encontros Cidade Sustentável
Fabiana Izaga
Esta publicação reúne uma série de encontros promovidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) para discutir projetos e refletir
sobre as cidades, o que se tem projetado para elas e sua trajetória
de urbanização, buscando definir um campo em que se possa pautar
uma agenda para os próximos anos. Esse esforço acontece em momento determinante e singular de desenvolvimento econômico e de
oportunidades para o Rio de Janeiro e para o Brasil.
As cidades brasileiras abrigam hoje cerca de 85% da população, crescimento que se deu a partir do segundo terço do século XX, momento
conturbado politica – democracia, golpe militar de 1964, democracia
– e institucionalmente – a lei que institui as regiões metropolitanas
é de 1973. Nas décadas finais, o Brasil buscava estabilidade política
– a Constituição de 1988 – e dominar a crise econômica que ocasionou pouco investimento em infraestrutura, e escasso planejamento.
Somente em 1993 o Brasil viria conquistar a desejada estabilidade
econômica através do Plano Real, com o controle sobre a inflação
resultando em melhora imediata do poder de compra por parte da
população.
Em 1992, o Rio de Janeiro sediou a mais importante conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - a Rio
92, que teve sucesso ao consolidar uma agenda global. A Rio+20, em
2012, se coloca como atualização do marco que representou a Rio 92,
apresentando-se também como oportunidade de olharmos para o que
está por vir, para o mundo que queremos ter em um futuro próximo.
No contexto da Rio+20, o IAB realizou a conferência “Cidade Sustentável – Expressão do Século XXI”, em que se buscou uma organização para discutir o processo urbano brasileiro, e também dar condições de cotejá-lo com experiências estrangeiras. Organizada em dois
módulos, um de Projetos e outro de Conferências, teve o intuito de
fomentar os debates sobre as maneiras pelas quais as metrópoles
podem enfrentar os temas que hoje envolvem os problemas da sustentabilidade urbana.
10
THE SUSTAINABLE CITY MEETINGS
Fabiana Izaga
This publication brings together a series of
meetings promoted by the Institute of Architects of
Brazil (IAB) to discuss projects and reflect on cities,
the things that are being created for cities and
their path to urbanization, in an attempt to define
a foundation for our agenda for the years to come.
This effort is being undertaken at a time that both
Brazil and Rio de Janeiro going through a strong
and unique period of economic development and
new opportunities.
Brazilian cities are home to approximately 85%
of the population; the most significant growth
occurred in the last 30 years of the 20th century,
during a period that saw both political – going from
democracy to a military coup in 1964, and back to
democracy – and institutional upheaval – the law
that set up the metropolitan regions dates back to
1973. In the final decades, Brazil has been seeking
political stability – the Constitution is from 1988 –
to overcome the economic crisis that resulted in
few infrastructure investments and inadequate
planning. Only in 1993 did Brazil manage to achieve
its much desired economic stability through the
Real Plan (currency reform), which curbed inflation
and immediately improved the population’s
purchasing power.
In 1992, Rio de Janeiro hosted the most important
United Nations conference on the Environment
and Development - Rio 92 or Eco 92, which was
successful in consolidating a global agenda.
Rio+20, in 2012, serves as an update or renewal of
the framework that Rio 92 presented, while also
providing an opportunity to look ahead at what is
still to come, to the kind of world we wish to inhabit
in the near future.
O módulo de Projetos ocorreu nos meses de maio a junho, e se apresentou como fórum preparatório da Conferência. Organizado em três
blocos – Transporte coletivo - Prefeitura do Rio de Janeiro; Urbanização de Favelas; e Projetos da Paisagem, os projetos de arquitetura e
urbanismo expuseram temas decisivos para as nossas cidades. As novas intervenções no transporte público propostas pela Prefeitura do
Rio de Janeiro, apresentadas pelos técnicos Carlos Eduardo Maiolino
e Luiz Gustavo Barreto, como o bus rapid transit (BRT), e o projeto do
veículo leve sob trilhos (VLT), exposto por Gisele Raymundo, suscitaram vivo debate sobre o planejamento urbano e a mobilidade urbana carioca. Por que construir um BRT em áreas pouco consolidadas,
como a Transoeste? Estamos no caminho do estabelecimento de uma
verdadeira rede de transportes para a cidade, ou estamos – a pretexto
da pressa para cumprir um calendário de eventos – realizando antigos
projetos com nova roupagem? Foram estas algumas das perguntas
motivadas pelas apresentações, das quais se conclui pela necessidade
de melhor compreender a cidade atual para que se possa delinear um
novo projeto de cidade, no qual a mobilidade urbana se coloque como
elemento estruturador, e cuja escala não pode restringir-se ao município do Rio, mas deve considerar toda a cidade metropolitana.
A urbanização de favelas foi explanada pelos arquitetos e urbanistas
Pablo Benetti, Solange Carvalho e Marcos Boldarini; e pelo sociólogo Marcelo Burgos. O estado da arte da urbanização das favelas foi
narrado em perspectiva histórica, o que permitiu a compreensão dos
seus avanços – da remoção à urbanização, e da urbanização ao desafio da integração à cidade – ressaltando-se o rebatimento desta nova
realidade no aumento do volume de recursos a ela destinados. Antigos e persistentes problemas dessas áreas, como acessibilidade e lixo,
ressurgem com enfoque renovado, suscitando novas proposições que
buscam aliá-los, como defendeu Solange Carvalho. Permaneceriam,
entretanto, sobretudo na visão do sociólogo, os desafios de um projeto social, de modo a estabelecer um diálogo com os moradores, no
qual todos se identifiquem efetivamente como cidadãos.
Os projetos da paisagem foram apresentados pelo arquiteto Nelson
Saraiva, através do Plano de Urbanização do litoral de Santa Catarina; e pelo geógrafo Rafael Winter Ribeiro, que expôs, antes mesmo do
veredicto final, as razões pelas quais a Cidade do Rio de Janeiro obteria o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. O Plano para o
litoral de Santa Catarina lança um olhar sobre uma região que vem se
desenvolvendo rapidamente, e que necessita de um instrumento ordenador do território que considere a escala territorial da paisagem
que, de outra forma, pode ser perdida. O dossiê de candidatura do
In the context of Rio+20, the IAB organized the
Conference “Sustainable City – Expression of the
21st Century”, to find a platform for discussing
the Brazilian urban process, and also to create an
opportunity to compare the city’s experience with
foreign experiences. Composed of two modules,
Projects and Conferences, the event’s focus was
to promote a debate on how metropolises can
address today’s issues about urban sustainability.
The Projects module took place in May and June
and served as a preparatory forum leading up
to the Conference. Organized in three sections –
Public Transportation - the Municipal Government
of Rio de Janeiro; the Upgrading of Favelas; and
Landscaping Projects – the architecture and urban
planning projects expressed some key themes
for our cities. The new public transportation
interventions proposed by the Municipal
government of Rio de Janeiro, such as the Bus
Rapid Transit (BRT), presented by staff members
Carlos Eduardo Maiolino and Luiz Gustavo Barreto,
and the Light Rail Vehicle (LRV), presented by
Gisele Raymundo, generated a lively discussion
on urban planning and mobility in Rio de Janeiro.
Why build a BRT in low density areas, such as the
Transoeste? Are we on our way to establishing a
real transportation network in this city or are we
– under the pretext of rushing to meet deadlines
for major events – simply dressing outdated
projects in a new outfit? These were only some
of the questions motivated by the presentations,
from which we conclude that there is a need to
better understand the current city in order to
sketch a new city project, where mobility serves
as a structuring element at a scale that cannot be
restricted to the municipality of Rio de Janeiro, but
must encompass the entire Metropolitan region.
The upgrading of favelas was explained by architects
and urban planners Pablo Benetti, Solange Carvalho
and Marcos Boldarini; and by sociologist Marcelo
Burgos. A historical perspective of the state of the
art of the favela upgrading projects allowed the
participants to understand the progress that is
being made – from removal to upgrading, and from
upgrading to the challenge of integrating the favela
into the city – emphasizing the reverberations of
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
11
Rio de Janeiro a patrimônio cultural, ricamente apresentado por Ribeiro, revela as nuances da imbricação entre natureza e cultura, peculiar à cidade, narrada pelo viés de suas grandes estruturas paisagísticas: Floresta da Tijuca, Baía de Guanabara, e o tecido urbano da
cidade. Estes projetos representam, certamente, um novo interesse no
tema da paisagem, agora do ponto de vista do ambiente e da cultura.
O módulo de Conferências aconteceu nos dias 18 a 22 de junho de
2012, em paralelo à Rio+20, e foi organizado em três eixos temáticos:
Mobilidade urbana, Habitação e Ambiente. Em cada um desses eixos
temáticos contamos com a apresentação de estudos técnicos que haviam sido encomendados pelo Ministério das Cidades aos pesquisadores Leo Heller (UFMG), Vanderley John (POLI-USP), João Whitaker
(LABHAB-USP), Rômulo Orrico (Coppe-UFRJ). O objetivo desses estudos foi apresentar uma análise crítica consubstanciada em pesquisa de campo sobre o quadro atual da moradia, do transporte e do
saneamento no Brasil. As mesas-redondas buscaram reunir gestores
públicos (Felipe Leal, Prefeitura da Cidade do México; Marilene Ramos, Inea; Inês Magalhães, Ministério das Cidades; Antonio Augusto
Veríssimo, Prefeitura do Rio), pesquisadores e profissionais (Maria
Teresa Serra, consultora; Andrés Borthagaray, Universidad General
Sarmiento, Argentina; Juan Carlos Dextre, Pontifícia Universidad
Católica del Peru) para, ao mesmo tempo, aprofundar e ampliar
o debate.
Para a conferência de abertura, tivemos a satisfação de receber o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, professor emérito da Escola de Arquitetura de Copenhague, que resumiu em sua apresentação “Cidades para
as Pessoas” o espírito que buscávamos para esses dias de debates.
A mensagem simples do renomado arquiteto retratou a persistência
dos problemas ligados à busca da vivacidade do espaço urbano, demonstrando suas tendências no presente. Afinal, lembra ele, para se
ter cidades sustentáveis não basta termos construções sustentáveis;
os edifícios, os carros e a tecnologia são um meio, não um fim para se
ter boas cidades nas quais habitar.
Na conferência de encerramento, Manuel Herce Vallejo, professor da Universidad Politécnica da Catalunha e arquiteto atuante na
preparação da cidade de Barcelona para sediar os Jogos Olímpicos
em 1992, nos deixa uma importante reflexão sobre a importância
do protagonismo do poder público na definição de um projeto de
cidade. Para o Rio de Janeiro, Herce destaca a necessidade de se
pensar mais no pedestre, pois, embora se estejam fazendo inúmeras
intervenções que visam melhorar o transporte público, os seus locais
12
this new reality through the increased amount of
resources that are being allocated to the favelas.
Old and persistent problems in these communities,
such as accessibility and garbage, emerged with
a renewed focus, raising new propositions that
seek to bring these issues together, as defended
by Solange Carvalho. However, in the view of the
sociologist, the challenges of a social project
remain, the challenges of establishing a dialogue
with the residents in which they can all identify
themselves as citizens.
Architect Nelson Saraiva spoke on the topic of
landscape architecture, presenting his Plan for
the urbanization of the Santa Catarina coastline,
whereas geographer Rafael Winter Ribeiro spoke,
even before the final decision has been made, on
the reasons why the City of Rio de Janeiro should
be granted the title of Unesco World Heritage
site. The Plan for the Santa Catarina coastline
focuses on a very fast developing region that is
in need of a tool to organize land use, which will
encompass the territorial scale of the landscape
that may otherwise be lost. Rio de Janeiro’s
candidacy for the title of World Heritage site was
comprehensively presented by Ribeiro, revealing
the nuances of the close knit relationship between
nature and culture, which is unique to the city, told
from the perspective of the city’s major landscape
features: the Tijuca Forest, Guanabara Bay and the
city’s urban fabric. The project certainly presents
a renewed interest in landscape, now seen from an
environmental and cultural perspective.
The Conference module took place from June
18 through June 22 of 2012, at the same time
as the Rio+20 conference, and was organized
around three main themes: Mobility; Housing; and
Environment. Each of these themes included a
presentation of technical studies commissioned by
the Ministry of Cities and carried out by researchers
Leo Heller (UFMG), Vanderley John (POLI-USP),
João Whitaker (LABHAB-USP) and Rômulo Orrico
(Coppe-UFRJ). The purpose of these studies
was to present a critical analysis, supported by
field research, of the current status of housing,
transportation and basic sanitation in Brazil.
The round-tables brought together government
de interface com o espaço público, que são as estações, parecem
ainda pouco adequados.
Esperamos que os resultados aqui publicados contribuam para o debate das cidades no Brasil na busca de um melhor entendimento do que
significa um desenvolvimento sustentável, e que estas reflexões consigam estar cada vez mais presentes na agenda política do século XXI.
administrators (Felipe Leal, Municipality of Mexico
City; Marilene Ramos, Inea; Inês Magalhães,
Ministry of Cities; Antonio Augusto Veríssimo,
Municipality of Rio de Janeiro), researchers and
staff (Maria Teresa Serra, consultant; Andrés
Borthagaray, Universidad General Sarmiento,
Argentina; Juan Carlos Dextre, Pontifícia
Universidad Católica del Peru) to simultaneously
deepen and broaden the debate.
At the opening event of the conference we had
the great pleasure of welcoming Danish architect
Jan Gehl, professor emeritus of the Copenhagen
School of Architecture. In his presentation “Cities
for People” he summarized the kind of spirit we
wished to pursue in our debates. The simple
message of this renowned architect described the
persistence of the problems associated with the
search for a vibrant urban space, demonstrating
some current trends. He reminded us that to
have sustainable cities, it is not enough to have
sustainable buildings; the buildings, cars and
technology are a means, not the end to creating
good livable cities.
In closing the conference, Manuel Herce Vallejo,
professor of the Polytechnic University of Catalonia
and an architect who was involved in preparing
the city of Barcelona to host the 1992 Olympic
Games, left us with an important reflection on the
importance of the government’s leadership role in
defining the city project. Herce underlined that Rio
de Janeiro must pay more attention to pedestrian,
as the city is undertaking numerous interventions
to improve public transportation, yet its stations,
the interface between transportation and public
spaces, are still quite inadequate.
We hope that the results published here will
contribute to the debate about cities in Brazil,
in searching for a better understanding of what
sustainable development means, and that these
reflections will be become part of the political
agenda in the 21st century.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
13
módulo 1.
PROJETOS
module 1 • projects
14
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
15
1. TRANSPORTE coletivo
Bus Rapid Transit (BRT) para o Rio de Janeiro
>> Carlos Eduardo Maiolino e Luiz Gustavo Barreto
Prefeitura do Rio de Janeiro
A municipalidade do Rio de Janeiro pretende que as obras realizadas
para melhorar a infraestrutura de transportes para os Jogos Olímpicos de 2016 sejam um legado permanente para a cidade. Um dos principais projetos desenhados com essa finalidade é o bus rapid transit
(BRT), sistema constituído com base na criação de vias exclusivas
para a circulação de ônibus articulados, com estações de embarque
e desembarque predefinidas, em vez de pontos de ônibus comuns.
Até as Olimpíadas, a Prefeitura terá implantado corredores viários
para quatro linhas de BRT, totalizando 140 quilômetros. São a Transoeste, entre Santa Cruz e o terminal Alvorada, na Barra da Tijuca;
a Transcarioca, da Barra ao Aeroporto Internacional Tom Jobim; a
Transolímpica, entre Barra e Deodoro; e a Transbrasil, de Deodoro ao
Aeroporto Santos Dumont. A estes projetos, no âmbito da municipalidade, soma-se a implantação de linhas de VLT (veículo leve sobre
trilhos, uma espécie de bonde moderno) no Porto do Rio, ligando a
área internamente e a seu entorno imediato.
1. Public Transportation
The Municipal Government
of Rio de Janeiro
The Municipality of Rio de Janeiro aims to
transform the improvements in transportation
infrastructure for the 2016 Olympic Games
into a permanent legacy for the city. One of the
main projects created for this purpose is the Bus
Rapid Transport or BRT, a system of express bus
lanes for the exclusive use of articulated buses.
Instead of regular bus stops, the BRT will feature
predetermined bus stations for boarding and
disembarking.
By the 2016 Olympics, the city will have
implemented four BRT lines with exclusive bus
corridors, totaling 140 km. These lines include the
Transoeste, between Santa Cruz and the Alvorada
terminal, in Barra da Tijuca; the Transcarioca, from
Barra to the Tom Jobim International Airport; the
Transolímpica, between Barra and Deodoro; and
the Transbrasil, from Deodoro to Santos Dumont
Airport. In addition to these BRT lines, the city will
also implement the LRV lines (light rail vehicle, a
modern version of the streetcar) in the port of Rio
de Janeiro, providing transportation in the Port
area and nearby city center.
Gisele Raymundo, Eduardo Auler, Sérgio Magalhães,
Carlos Maiolino, Luiz Gustavo Barreto
16
Carlos Eduardo Maiolino, Subsecretário Municipal de Transportes,
lembrou que o governo municipal nunca tinha investido em transporte público de massa. Investimentos no metrô e em ferrovias, por
exemplo, sempre foram realizados pelo Governo do Estado. “Transporte público, no âmbito municipal, era sinônimo de pavimentar ruas.
Era essa a mentalidade. Enquanto a frota de carros era pequena, essa
lógica foi aceita; mas, com os congestionamentos mais evidentes, o
quadro mudou.”
Para o subsecretário, com os investimentos atuais, mesmo se não
houver uma migração dos donos de automóveis para os transportes
públicos, ao menos a cidade não vai ficar parada. De acordo com ele,
com o sistema de metrô, trens e BRT, 50% da população do Rio irão
se deslocar em transporte público de alta qualidade e capacidade.
“Esse percentual, a ser alcançado em 2016, é o mesmo de cidades do
Primeiro Mundo, como Paris, Nova Iorque e Londres.”
Nas palavras de Luiz Gustavo Barreto, Coordenador de Projetos da
Secretaria de Transportes, com o BRT os cariocas ganham um transporte coletivo rápido, em corredor de alto desempenho, seguro e confortável. A redução média do tempo de viagens nas regiões em que o
sistema será implantado está estimada em 40%.
BUS RAPID TRANSIT (BRT)
FOR RIO DE JANEIRO
Carlos Eduardo Maiolino
and Luiz Gustavo Barreto
Municipal Under-secretary of Transportation
Carlos Eduardo Maiolino recalled that the municipal
government had never before invested in mass
public transit. Investments in the subway and
trains, for example, have always been carried out
by the State Government. “Public transportation
in municipal terms used to be synonymous with
paving the streets. That was the mentality. When
the fleet of cars was still small this made sense,
but with growing traffic jams, the picture has
changed.”
The under-secretary believes that even if the
current investments do not result in car owners
switching to public transportation, at least the city
will keep moving. He stated that with the subway,
train and BRT systems, 50% of the population
of Rio will be able to use high quality and high
capacity public transportation. “This percentage,
which will be achieved in 2016, is as high as in first
Linhas de BRT para o Rio de Janeiro
BRT lines for the city of Rio de Janeiro
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
17
“O BRT se insere em regiões de alto crescimento populacional e econômico, como Guaratiba e Recreio, e tem a grande vantagem de se
integrar aos outros meios de transporte da cidade. Outro aspecto relevante do projeto é que estamos implantando bicicletários em todas
as estações sem exceção, o que facilita a inserção da bicicleta como
meio complementar de transporte na cidade”, disse Barreto.
Com o BRT, são criados os primeiros eixos transversais de transporte na cidade. Outra vantagem do projeto, apontada por Barreto, é a
integração com os demais meios. Os BRT serão integrados aos trens,
ao metrô e a eles mesmos, em um sistema inteligente. O projeto é
costurado para poupar o tempo do passageiro. O pagamento é feito
nas estações, como em um metrô, e o passageiro poderá optar entre
linhas com mais ou com menos paradas.
Ainda de acordo com Barreto, o fato de as estações ficarem em canteiros centrais facilita muito o acesso dos passageiros. Conforme detalhou, o sistema permitirá uma racionalização das atuais linhas de
ônibus, com redução drástica do número desses veículos atualmente
em circulação.
Dos quatro BRT, o primeiro a ficar pronto é o da Transoeste, com conclusão em junho de 2012. São 56 quilômetros de corredor expresso,
com 57 estações e capacidade para transportar hoje 120 mil passageiros por dia entre Santa Cruz e o terminal Alvorada, na Barra. A
frota é de 100 ônibus. Na fase seguinte, o corredor viário de 56 quilômetros será estendido até Campo Grande.
Pelas estimativas da Secretaria de Transportes, o tempo de viagem
entre o Pingo d´Água, em Santa Cruz, até o Jardim Oceânico, na Barra, cai, pelo novo sistema, de 120 minutos para 60 minutos. “Um passageiro que fizer esse trajeto duas vezes ao dia, para ir e voltar do
trabalho, vai ganhar duas horas no dia”, estimou.
A Transcarioca, da Barra ao Aeroporto Tom Jobim, terá 44 estações
distribuídas em 39 quilômetros e frota inicial de 360 ônibus. A estimativa é que transporte 570 mil passageiros por dia. O tempo de viagem cai de 150 para 50 minutos. A Transolímpica, entre Barra e Deodoro, terá 23 quilômetros, sendo 13 em via expressa. As obras tiveram
início em setembro de 2012 e a previsão é de que fiquem prontas no
fim de 2015. Serão transportados cerca de 100 mil passageiros por
dia. Uma viagem que levaria 110 minutos passa a durar 40 minutos.
18
world cities, such as Paris, New York and London.”
Luiz Gustavo Barreto, Project Coordinator for the
Transportation Department, stated that the BRT
will provide the residents of Rio with an express
system of fast, safe and comfortable public
transportation. In those regions where the system
is being implemented, average travel times should
be reduced by 40%.
“The BRT will be implemented in regions that
are experiencing high population and economic
growth, such as Guaratiba and Recreio, and it has
the great advantage of integrating with the city’s
other transportation methods. Another relevant
aspect of the project is that we are providing
bicycle storage facilities at every station, which will
facilitate the use of the bicycle as a complementary
means of transportation in the city,” says Barreto.
Já a Transbrasil, de Deodoro ao Aeroporto Santos Dumont, terá 32
quilômetros e cinco terminais. A frota de 760 ônibus articulados
transportará 980 mil passageiros ao dia. As obras tiveram início no
fim de 2012 e a conclusão está prevista para, o mais tardar, início de
2016. Luiz Gustavo Barreto lembrou ainda que o novo sistema vale
para quem usa o bilhete único.
Seção do BRT Transolímpica, 23km de extensão, Prefeitura do Rio de Janeiro, 2011
BRT Transolímpica section, 23km of extension, City of Rio de Janeiro, 2011
With the BRT, we will create the first transversal
transportation axis in the city. Barreto points
out that another advantage of the project
is its integration with other means of public
transportation. The BRTs will be integrated with
the trains, subways and the other BRT lines, in an
intelligent system. The project is designed to save
passengers time. Passengers pay at the station,
like in a subway, and they have a choice of lines
with more or fewer stops.
Barreto also states that because the stations
are located in the center lane, passengers will
have easier access. The system will allow for the
rationing of current bus lines, resulting in a drastic
reduction of the number of vehicles currently in
circulation.
According to estimates by the Secretary of
Transportation, this new system will reduce travel
time between Pingo d´Água, in Santa Cruz, and
Jardim Oceânico, in Barra, from 120 minutes to 60
minutes. “A passenger who makes this trip twice a
day, to go to and from work, will gain two hours a
day,” he estimated.
The Transcarioca, from Barra to the Tom Jobim
International Airport, will have 44 stations along
39 km and an initial fleet of 360 buses. The
route will transport an estimated number of 570
thousand passengers a day. Travel time will be
reduced from 150 minutes to 50 minutes. The
Transolímpica route, between Barra and Deodoro,
will be 23 km long, including 13 km of express lanes.
Construction will begin in September of this year
and is expected to be completed at the end of
2015. The route will transport around 100 thousand
passengers a day. A trip that now takes 110 minutes
should be reduced to 40 minutes.
The Transbrasil, from Deodoro to Santos Dumont
Airport, will feature 32 km and 5 terminals. A
fleet of 760 articulated buses will transport 980
thousand passengers a day. Construction will begin
by the end of this year and should be completed in
early 2016. Luiz Gustavo Barreto also stated that
passengers will be able to use their transfer tickets
(bilhete único) on these new lines.
Gisele Raymundo, Eduardo Auler, Carlos Maiolino, Luiz Gustavo Barreto
Of the four BRT lines, the Transoeste will be the
first one to be concluded, in June 2102. The system
includes 56 km of express corridors, 57 stations
and currently has the capacity to transport 120
thousand passengers a day between Santa Cruz
and the Alvorada terminal, in Barra. The fleet
consists of 100 buses. In the next phase, the 56 km
corridor will be extended to Campo Grande.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
19
Veículo leve sobre trilhos para o Porto do Rio
>> Gisele Raymundo
A implantação do VLT (veículo leve sobre trilhos, uma espécie de bonde moderno), que ligará a região portuária do Rio de Janeiro internamente e ao Centro da cidade, apresentada por Gisele Raymundo, Gerente de Projetos Urbanos da Companhia de Desenvolvimento Urbano
da Região do Porto, ainda está em desenvolvimento.
O projeto foi elaborado pela CCR e tem previsão para ser licitado nos
próximos meses. Seu cronograma de implementação prevê audiência pública para agosto de 2012 e assinatura de contrato até janeiro
de 2013.
De acordo com Gisele, a proposta vencedora foi escolhida por uma
comissão de técnicos de diversas secretarias. A CCR levou dez meses
para realizar o estudo técnico, que inclui desde o estudo de demanda
até a modelagem econômico-financeira e o aparato jurídico-institucional para a operação.
“As premissas foram a necessidade de aumento da mobilidade urbana
na área central, integração com a rede multimodal, que a gente acha
que é a principal função do VLT, redução do fluxo de veículos no Centro e integração com o projeto Porto Maravilha”, revelou.
LIGHT RAIL IN THE PORT OF RIO
Gisele Raymundo
The implementation of the LRV (Light Rail Transit, a
modern version of the streetcar), that will run
between the Port of Rio de Janeiro and downtown,
is still in its development stages, according to Gisele
Raymundo, Manager of Urban Projects for the
Urban Development Company for the Port Area .
The project has been developed by the CCR
Group (Companhia de Concessões Rodoviárias)
and should be put up for tender in the next few
months. According to the implementation timeline,
there will be a public hearing in August 2012 and
the contract should be signed by January of 2013.
Raymundo stated that the winning proposal was
chosen by a committee composed of staff from
various municipal government departments. The
CCR took ten months to conduct a technical review
that included a needs assessment, the design of an
economic and financial model and the institutional
and legal structure for its operations.
“The assumptions for this project were the need for
increased urban mobility in downtown, integration
with the multi-modal network, which we think is
the main function of the VLT, to reduce the flow
of vehicles in the city center, and integration with
the Porto Maravilha port redevelopment project,”
she said.
Veículo leve sobre trilhos, Porto do Rio de Janeiro,
Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do
Porto do Rio de Janeiro, Prefeitura do Rio de Janeiro, 2012
Light rail transit, Port of Rio de Janeiro, Company for
Urban Development of the Port Area, City of Rio, 2012
20
O projeto prevê 30 quilômetros de trilhos para 6 linhas e 46 estações
com distância aproximada de 400 metros entre elas. Cada um dos 36
veículos em operação seria composto de 7 módulos de 45 metros de
comprimento e capacidade para 450 passageiros. A meta é promover uma reorganização das linhas de ônibus na região em foco. “Em
funcionamento pleno, o VLT poderá transportar 320 mil passageiros
ao dia. É um sistema eficiente, rápido, seguro, silencioso e de baixa
emissão”, enfatizou.
Segundo Gisele, o principal desafio tecnológico será evitar a catenária (sistema de alimentação aérea de energia), algo inédito no mundo.
Outra característica do projeto é a inserção urbana o mais simples
possível: “uma premissa era que não se criassem obstáculos urbanos
na cidade”, disse à plateia.
Ainda segundo Gisele, em comparação com os ônibus e os automóveis, o VLT apresenta o melhor rendimento energético e oferece menos dano ambiental. O projeto prevê a inserção de áreas verdes no
percurso e terminais com informação em tempo real sobre as linhas.
“
A mobilidade urbana é um dos aspectos mais importantes da dinâmica das cidades, e o Rio de Janeiro
tem que pensar sobre como se planejar para conseguir
organizar seu crescimento juntando os modos de transporte existentes com os novos. Gostaria muito de ver que
não somente novos projetos sejam realizados, o que é
muito bom, mas que antigos modos de transporte, como
os trens, recebam investimentos dignos de sua importância. O legado que ficará para a cidade após os grandes
eventos tem que ter compromisso com uma visão de cidade a longo prazo.
The project features 6 lines with a total of 30
kilometers of track and 46 stations at 400 meter
intervals; each of the 36 vehicles in operation will
consist of 7 carriages, 45 meters long and with the
capacity to carry 450 passengers. The goal is to
reorganize the bus lines in this region. “Once the
system is fully operational, the LRV will be able
to transport 320 thousand passengers a day. It is
an efficient, fast, safe and quiet system, with low
emissions,” she emphasized.
Raymundo also stated that the main technical
challenge will be to avoid the use of overhead
contact lines (aerial power supply), something
unique in the world. The project also strives for the
most simple urban insertion possible. Raymundo
told the audience that the goal is to not create any
urban obstacles in the city.
Compared to buses and cars, the LRV boasts the
highest energy yield and causes less environmental
harm. The project also calls for the implementation
of green spaces along the track and modern
information terminals with real time travel
information.
“Urban mobility is one of the most important
aspects in the dynamic of cities, and Rio de
Janeiro must think about how it can plan for
organized growth and combine existing and new
modes of transportation. I would really like to see
not only new projects, which are great, but also
a significant reinvestment to value older forms
of transportation, like trains. The legacy that will
remain in the city after the major events has to
match the city’s long term vision.”
Eduardo Auler, mediator
”
Eduardo Auler, mediador
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
21
2. Urbanização de Favelas
Programas de urbanização de favelas em perspectiva
>> Pablo Benetti
O arquiteto Pablo Benetti, Pró-reitor de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enfatizou as vantagens comparativas
que a cidade do Rio de Janeiro tem hoje para realizar o programa de
urbanização de favelas Morar Carioca, em comparação às condições
do período em que teve início o Favela-Bairro, nos anos 1990.
Pablo Benetti
“O Brasil mudou. Éramos uma nação de Terceiro Mundo, hoje somos a quinta potência mundial. Essa não é uma constatação banal, a
situação traz uma série de novidades”, resumiu. O Morar Carioca teve
início em 2010 e foi inicialmente implementado em 11 comunidades. O
orçamento total é de R$ 8 bilhões, com desembolso de R$ 2 bilhões
até o fim de 2012.
Architect Pablo Benetti, the Vice-rector of
Continuing Education at the Federal University of
Rio de Janeiro (UFRJ), emphasized Rio de Janeiro’s
current comparative advantages for implementing
the Morar Carioca favela upgrading program,
compared to the beginning of the Favela Bairro
project in the 1990s.
O professor lembrou que, durante os oito anos da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 15 milhões de empregos com carteira assinada foram criados, o que permitiu um melhor planejamento
financeiro das famílias. A oferta de crédito aumentou e 19 milhões
de brasileiros saíram da linha de pobreza. Foram criadas novas escolas técnicas e mais vagas nas universidades públicas e privadas, com
custeio governamental.
Esse legado, na opinião de Benetti, teve forte impacto na economia
e na sociedade. As favelas se expandiram e, ao mesmo tempo, seus
moradores hoje têm escolaridade maior e possuem mais recursos.
Outra novidade foi a multiplicação de organizações sociais com forte
atuação na interlocução entre as favelas e o poder público, tais como
o Afro Reggae, a Central Única das Favelas (CUFA) e o Observatório
das Favelas, para citar alguns exemplos.
2. Upgrading Favelas
A PERSPECTIVE ON UPGRADING
PROGRAMS IN FAVELAS
“Brazil has changed. Back then we were a third
world country, today we are the fifth largest
economy in the world. This is not just a trivial
observation, but a change that has engendered
a series of new developments,” he summarized.
Morar Carioca began in 2010 and by 2012 hab been
implemented in 11 communities. The total budget
for the program is R$8 billion, with R$2 billion to be
spent by the end of this year.
The professor also stated that during the eight
year-mandate of president Luiz Inácio Lula da
Silva, 15 million formal jobs were created, providing
families with the means for better financial
planning. The availability of loans has increased
and 19 million Brazilians said goodbye to life below
the poverty line. New vocational schools were built
and government funding was used to increase
the number of students in public and private
universities.
Benetti believes that this legacy has had a major
impact on the economy and society. The favelas
have grown, but at the same time, their residents
22
O professor enfatizou que a própria experiência do Favela-Bairro
abriu caminho para um salto de qualidade. Para ele, o projeto do ex-prefeito César Maia representou uma mudança de paradigma. “Com
o Favela-Bairro, passou a ser reconhecido o direito do morador, foi
instaurada uma nova percepção da problemática urbana”, disse.
Outro mérito do programa foi ter ocorrido “ainda no início de nossa aventura democrática, após longo histórico de relação clientelista
com o poder”. “As pessoas não estavam acostumadas a serem ouvidas”, acrescentou. Benetti lembrou ainda que o Favela-Bairro ofereceu a cidade para o morador da favela, e o morador da favela à cidade,
uma conexão que não existia até então. E disse ainda: “o projeto reconheceu como legítimos diferentes modos de se construir cidades”.
A melhor fase, na opinião dele, foi a primeira, em virtude da preocupação de associar obras físicas a programas de redução da pobreza
e geração de renda. O zelo pelo meio ambiente também foi maior na
etapa inicial. Para Benetti, mutirões de reflorestamento realizados na
época contribuíram de modo significativo para a redução de acidentes ambientais. A segunda etapa, já nos anos 2000, ficou basicamente concentrada nas obras.
No momento atual, com o Morar Carioca, o arquiteto vê uma “conjuntura social única” para um novo salto de qualidade. Nesse novo
contexto, propõe que a favela seja pensada sem romantismo nem
preconceitos, sem misericórdia nem idealizações. O norte dos planejadores, recomenda, deve ser a contribuição à cidadania.
Pablo Benetti, Solange Carvalho, Antônio Augusto Veríssimo,
Marcelo Burgos, Marcos Boldarini
are increasing their years of education and have
more resources. Another new development was
the increased number of social organizations that
play an active liaison role between the favelas and
government, such as Afro Reggae, the Central
Única das Favelas (CUFA) and the Observatório das
Favelas, to name just a few.
The professor underlined that the Favela-Bairro
experience itself also paved the way for a jump
in the quality of life. Implemented by former
mayor César Maia, the project represented an
important paradigm shift. “The Favela-Bairro
project contributed to the recognition of the rights
of favela residents and resulted in a whole new
perception of urban issues,” he said.
Another good point of the program was that it
had taken place “when we were still at the start
of our democratic adventure, after a long and
very patronizing relationship with government”.
“People were not used to being heard,” he added.
Benetti also stated that the Favela Bairro project
brought the city to the favela residents, and the
favela residents to the city, which had until then
been a practically non-existent relationship. “The
project also acknowledged that there are different
legitimate ways of building cities.”
Benetti felt that the best phase of the project
was the first one, when the physical construction
projects were implemented in combination with
programs to reduce poverty and generate income.
The initial stage also showed a greater concern
for the environment. Benetti stated that the
reforestation campaigns that were conducted
played a major role in reducing the number of
environmental accidents. The second phase,
initiated after the year 2000, mostly focused on
construction projects.
Today, the Morar Carioca program offers another
“unique social situation” that will generate a huge
leap in quality. In this new context the favela must be
regarded without any romantic notions or prejudice,
not as charity or an idealized community. Benetti
recommends that planners let themselves be guided
by the contribution they can make to citizenship.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
23
Favela Cantinho do Céu
>> Marcos Boldarini
O arquiteto Marcos Boldarini, da empresa Boldarini Arquitetura e
Urbanismo, compartilhou sua experiência à frente do bem-sucedido
projeto de urbanização da favela Cantinho do Céu, no sul do município de São Paulo. Localizada em uma área de 1,5 milhão de metros
quadrados às margens de um dos maiores reservatórios de água da
cidade, a represa Billings, a Cantinho do Céu passa por um processo
de transformação desde 2008.
Uma das preocupações iniciais foi alargar as vias de circulação para
facilitar o trânsito de moradores e o acesso às áreas coletivas que
logo começariam a ser criadas. Para tornar isso possível, teve início
a retirada de parte das habitações, principalmente nas áreas às margens da Billings, onde as condições de segurança eram mais precárias e a degradação ambiental preocupava. Boldarini enfatizou que
as remoções começaram a ocorrer após cuidadosa negociação com
lideranças locais.
FAVELA CANTINHO DO CÉU
Marcos Boldarini
Architect Marcos Boldarini, of Boldarini
Architecture and Urbanism Planning, shared his
experience of the successful upgrading of favela
Cantinho do Céu, in the southern part of the city
of São Paulo. Located in an area of 1.5 million m2
along the shore of the Billings water reservoir, one
of the largest water reservoirs of the city, Cantinho
do Céu has undergone a major transformation
process since 2008.
One of the main initial concerns was to widen
the thoroughfares to make it easier for
residents to get around and to provide access
to the community areas that were going to be
developed. To implement these changes, part of
the residences were removed, mainly those near
the shores of Billings, where safety conditions
were more precarious and the area was subject to
environmental degradation. Boldarini underlined
that the removals only began after careful
negotiations with local community leaders.
Urbanização Cantinho do Céu, São Paulo, SP,
Marcos Boldarini, 2010
Unrbanization of Cantinho do Séu, São Paulo, SP,
Marcos Boldarini, 2010
24
Às margens das águas, foram sendo construídos espaços comunitários de lazer, e o fim de cada rua se tornou um acesso a esses espaços.
Nas palavras do arquiteto, esses caminhos se tornaram um espaço ao
mesmo tempo de transição e de aproximação com o reservatório.
Cada área vem sendo criada sem um modelo fixo, conforme a característica local. Uns ganharam quadras, outros pistas de skate, por
exemplo. “Houve a preocupação de compreender cada final de cada
rua, cada quadra, como um espaço singular”, contou Boldarini, que
em 2010 apresentou o projeto na Bienal de Arquitetura de Veneza.
Boldarini detalhou que, nas negociações com a comunidade, foi trabalhado o conceito de “espaço público desejado”. Os profissionais envolvidos no projeto procuraram transmitir a ideia de que as margens
da represa deixariam de ser espaço de alguns para se tornarem áreas
de uso para todos os moradores, planejadas e construídas conforme suas demandas. Dessa forma, as resistências ao processo foram
minimizadas e o nível de engajamento da população aumentou. No
processo, houve pagamento de indenização e criação de novas habitações nas proximidades, com estímulo paralelo à geração de renda.
The area along the waterfront was used to build
community leisure areas and the end of each street
was turned into the access point to these areas. The
architect described how the streets became not
only a passageway but also brought people closer
to the reservoir. Each area was created without a
predetermined model and entirely based on local
features. Some areas put in a sports field, others
a skate board ramp, for example. “We saw each
street end, each field, as a unique space,” explained
Boldarini, who in 2010 presented this project at the
Architecture Biennale in Venice.
Outra característica peculiar da urbanização do Cantinho do Céu foi o
desenho do parque de lazer conforme o avanço da obra. Boldarini viu
nessa dinâmica um avanço metodológico importante. “Buscamos um
modelo que não se faz impositivo”, explicou. Outro aspecto ressaltado foi a constante reavaliação do trabalho.
Boldarini further explained that in the negotiations
with the community, the focus was to create
“a desirable public space”. The professionals
who worked on this project fostered the idea
that the shores of the water reservoir would
no longer be a space for a few, but a common
space for all residents, planned and built to meet
the community’s needs. This approach reduced
resistance to the process and increased the
population’s level of involvement. The process also
provided compensation payments to residents
who were moved and funding for the construction
of new residences nearby, which also helped to
generate income.
A imagem usada pelo arquiteto para descrever o processo foi de “uma
costura, quase um bordado”, conforme os espaços disponíveis e as demandas apresentadas. Um exemplo: nas interações com a comunidade, pesquisadores ficaram sabendo que muitos jovens nunca tinham
ido ao cinema, e sonhavam com isso. Dessa informação, surgiu a ideia
de instalar um suporte de telão que permite a projeção de filmes.
Another interesting characteristic of the upgrading
of Cantinho do Céu was the design of a leisure park,
as the construction work progressed. Boldarini saw
this dynamic as a very important methodological
development. “We looked for a model that wasn’t
imposed,” he explained. Another important aspect
was the ongoing review of the work.
Uma das fotos emocionantes apresentadas por Boldarini, no IAB,
mostrou justamente uma projeção noturna, em uma noite de chuva,
com muitos moradores debaixo de seus guarda-chuvas assistindo a
um filme. Outra imagem exibiu um painel de 330 metros pintado por
artistas plásticos convidados em uma área da comunidade.
The image used by the architect to describe the
process was that of a “needlework, almost a quilt”,
molded according to the available areas and needs
presented. One example: in their interactions with
the community, researchers learned that many
young people had never been to a movie theater
and dreamed of this opportunity. Based on this
information, the idea emerged to install a screen
to project movies.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
25
O uso de concreto, em vez de asfalto, também foi apresentado como
ponto forte. Boldarini explicou que o concreto é um material mais
amigável à circulação de pessoas, enquanto o asfalto remete ao uso
de automóveis. A comunidade também ganhou abastecimento de
água e energia, além de novo sistema de saneamento.
A reorganização do espaço vem permitindo atividades antes inviáveis na comunidade. Por exemplo, a ginástica laboral, com professor
de Educação Física, organizada pelos próprios moradores em um dos
deques construídos na área de lazer. “Assistimos a uma apropriação
do espaço público pela população”, afirmou, orgulhoso.
Fotos: Urbanização da Cantinho do Céu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
Pictures: Unrbanization of Cantinho do Séu, São Paulo, SP, Marcos Boldarini, 2010
26
One of the touching photos Boldarini presented at
the IAB conference showed an evening screening,
on a rainy night, with many residents huddling
under umbrellas to watch a movie. Another image
showed a 330 meters long panel painted by artists
who were invited by the community.
The use of concrete, instead of asphalt, also brought
large benefits. Boldarini explained that concrete is
a friendlier material to use in areas where people
circulate, as asphalt always reminds people of car
traffic. The community also received water and
energy supplies and a new sewage system.
After the reorganization of the space, the
community is now able to conduct activities
that were previously impossible. For example, an
exercise class, with a Physical Education teacher,
organized by the residents on one of the decks in
the leisure area. “We see that the population has
taken ownership of the public space” Boldarini
proudly affirms.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
27
Acessibilidade e lixo em projetos de favelas no Rio de Janeiro
>> Solange Carvalho
Apesar dos investimentos realizados nas últimas décadas, no Rio de
Janeiro, em projetos de urbanização de favelas, a acessibilidade ainda é um problema sério nessas comunidades, principalmente naquelas localizadas em encostas. De acordo com o diagnóstico da arquiteta Solange Carvalho, da empresa Arquitraço, existe dificuldade tanto
na movimentação dentro das favelas como na interligação entre elas
e o sistema público de transportes.
Especialista em habitação de interesse social, Solange apresentou soluções para melhorar o acesso e a circulação da população nesses espaços. Ela citou o exemplo do morro do Chapéu Mangueira, no Leme,
que tem como único acesso a ladeira Ary Barroso – por onde passam
pessoas e todos os serviços. Para a arquiteta, deveria haver ali um
caminho mais largo, com rampa e escada.
Na Rocinha, em São Conrado, também há muito a avançar. Ela recomendou o alargamento de vias e becos já existentes após um mapeamento cuidadoso dos talvegues (cursos d´água) locais. “Esse investimento poderia permitir, conforme o caso, a circulação de carros
na favela, o que reduziria a sobrecarga que há hoje na Estrada da
Gávea”, defendeu.
A arquiteta também falou em favor do uso de novas vias para a passagem não só de pedestres, mas para o escoamento de lixo – hoje um
problema sério nas favelas. Em várias delas, o lixo é simplesmente
arremessado das casas em pontos de servidão.
Para Solange, os elevadores do Pavão/Pavãozinho, em Ipanema, e do
Cantagalo, em Copacabana, deveriam ser utilizados também para escoamento do lixo. Trata-se de um problema meramente burocrático,
segundo ela. “O equipamento já existe, mas o Metrô não permite que
o lixo seja transportado por ele.” Até mesmo o teleférico inaugurado
em 2012 no Morro do Alemão, na Zona Norte, podia ter seu uso considerado para esse fim. “O custo é alto, é verdade, mas talvez fosse
viável”, afirmou.
ACCESSIBILITY AND GARBAGE IN
FAVELAS IN RIO DE JANEIRO
Solange Carvalho
Despite Rio de Janeiro’s investments in upgrading
projects for the favelas over the last few decades,
accessibility remains a serious issue in these
communities, especially for those that are located
on hills. According to a diagnosis by architect
Solange Carvalho, of Arquitraço, there is a problem
with mobility inside the favelas, as well as a
problem with the connection between the favelas
and public transportation.
An expert in social housing issues, Carvalho
presented solutions to improve access and
circulation of the population in these spaces. She
cited the example of Chapéu Mangueira, in Leme,
where the only access for people and goods and
services is via the steep Ary Barroso street. The
architect believes there should be a broader access
way, with a ramp and stairs.
Rocinha, in São Conrado, also has a long way to
go. Carvalho recommended widening existing
streets and alleys, after carefully mapping the
local waterways. “This investment would allow car
access inside the favela, reducing traffic on the
busy Estrada da Gávea,” she defended.
Carvalho affirms that the elevators in Pavão/
Pavãozinho, in Ipanema, and in Cantagalo, in
Copacabana, should also be used for garbage
removal. She explains that the hold-up is merely
bureaucratic. “The equipment already exists,
but the subway company does not allow garbage
transportation.” Even the cable car at Morro do
Alemão inaugurated in 2011, in the northern part
of Rio, could be used for that purpose. “The cost
would be high, but it could be viable,” she affirmed.
Another key issue, from her point of view, is the
construction of bicycle storage at the foot of
the hills, as it is very difficult to climb the steep
roads or stairs with bicycles. And building new
public stairways – although the residents of the
neighborhoods where the favelas are located are
usually against increasing the permeability of the
urban fabric.
An alternative for improving accessibility of
the favelas that is still being discussed is the
construction of escalators. “Escalators are being
used in various parts of the world. These could
be used in Rio as well, although it requires a
discussion about aspects such as maintenance,”
explains Carvalho.
Finally, the architect presented the idea of creating
alternative transportation services in the favelas,
to replace the motorcycle taxis. In addition to being
unsafe, she stated that motorcycle transportation
cannot be used by children, elderly and people with
mobility restrictions. It would be better to provide
transportation with mini-cars, such as those used
in Thailand, or golf carts.
The architect also spoke out in favor of using new
access roads not only for pedestrians, but also for
garbage removal – a serious problem in the favelas
today. In some favelas, garbage is simply dumped
outside at informal garbage collection points.
Edifício residencial com escadaria pública, Urbanização do
Morro da Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012.
Housing units with public stairs, Urbanization of Morro da
Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012.
28
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
29
Outra questão fundamental, do seu ponto de vista, é a construção de
bicicletários ao pé dos morros, vista a dificuldade de subir fortes aclives, e escadarias, com as bicicletas. E a criação de novas escadarias
públicas – embora os moradores dos bairros em que se localizam os
morros cariocas normalmente sejam contrários à ideia de aumento
da permeabilidade do tecido urbano.
Projeto social, projeto de urbanização –
fronteiras a serem ultrapassadas
Uma alternativa, ainda em debate, para melhorar a acessibilidade nas
favelas seria a criação de escadarias rolantes. “As escadas rolantes
estão sendo utilizadas em várias partes do mundo. É uma possibilidade existirem também no Rio, embora haja uma discussão necessária
sobre aspectos como manutenção”, disse Solange.
O sociólogo Marcelo Burgos, professor da PUC-Rio, avalia que os avanços sociais nas favelas do Rio não foram proporcionais aos ganhos em
infraestrutura das últimas décadas. Especialista em Sociologia Urbana, Burgos alertou: é preciso, daqui para a frente, planejar, além das
obras físicas, um conjunto de objetivos na área social.
Por fim, a arquiteta apresentou a ideia de criação de serviços alternativos de transportes nas favelas, em substituição ao mototáxi. Ela
lembrou que, que além de inseguro, o transporte por motocicletas
não pode ser usado, por exemplo, por crianças, idosos e pessoas
com dificuldade de locomoção. Melhor seria se a locomoção fosse
realizada por minicarros, como os utilizados na Tailândia, ou por
carrinhos de golfe.
“Um legado social institucional deve ser pensado. Inteligente, vivo,
direcionado. Isso não pode ser secundário. É preciso ir além da dimensão técnica possibilitada pelo trabalho dos arquitetos”, defendeu.
>> Marcelo Burgos
Corte típico para urbanização de via, Arquitraço, 2012.
Typical section for street urbanization, Arquitraço, 2012.
Na opinião de Burgos, o programa de urbanização de favelas Morar
Carioca, conduzido pela Prefeitura desde 2010, deve dialogar com outras áreas de intervenção. Ele defendeu também um acompanhamento social das comunidades beneficiadas, para evitar que, com os anos,
o esforço empreendido se perca.
Quanto à metodologia para realizar o tipo de trabalho que defende,
o sociólogo alertou que não basta perguntar o que a comunidade deseja. “Às vezes as pessoas não sabem o querem”, explicou. Em vez
disso, recomendou um diálogo mais igualitário.
“Hoje o morador da favela é mais escolarizado. Isso é um facilitador.
O momento de intervenção deve valorizar a produção de diagnóstico.
Ainda há uma fronteira a ser ultrapassada na relação com as comunidades. Espero que o Morar Carioca consiga, para que se dê um salto
qualitativo”, disse.
Tal como o pró-reitor de Extensão da UFRJ, Pablo Benetti, que falara
pouco antes, Burgos estabeleceu algumas comparações entre o Morar Carioca e o Favela-Bairro, que teve duas fases de investimentos
nos anos 1990 e na primeira década dos anos 2000. Para ele, esse
tipo de análise abre uma oportunidade de reflexão crítica e lança luz
sobre novas abordagens.
SOCIAL PROJECT, FAVELA UPGRADING
PROJECT - OVERCOMING BOUNDARIES
Marcelo Burgos
Sociologist Marcelo Burgos, professor at PUC-Rio
University, assesses that the social progress in Rio
de Janeiro’s favelas has not been proportionate
to the infrastructure developments over the
last few decades. An expert in urban sociology,
Burgos warned that it is important to not only plan
physical constructions, but also the series of social
objectives.
“We must think about an institutional social legacy.
Intelligent, vibrant, focused. This cannot be a
secondary issue. We must go beyond the technical
dimension of the work conducted by architects,”
he argues.
According to Burgos, the Morar Carioca favela
ugrading program, which the municipal goverment
has been implementing since 2010, must
communicate with the other intervention areas.
He also called for ongoing social monitoring of the
benefited communities, to prevent that the efforts
undertaken fade over time.
The sociologist warned that just asking what
the community wants is not an appropriate
methodology. “Sometimes people don’t know what
they want,” he explained. Instead, he recommended
a more equal dialogue.
“Favela residents today are better educated. That
facilitates things. The intervention should be an
appropriate opportunity for producing a diagnosis.
We still have to go beyond certain borders with
regards to the communities. I hope that the Morar
Carioca project is able to achieve this, so we can
make a qualitative leap forward,” he said.
Just like vice-rector of Continuing Education at
UFRJ, Pablo Benetti, who had spoken just before
him, Burgos drew some comparisons between
Morar Carioca and Favela Bairro, which underwent
30
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
31
O sociólogo sustentou que, apesar de suas generosas aspirações, o
Favela-Bairro partia da premissa de que a favela não era parte da
cidade. Ao propor a integração entre as comunidades e os bairros
em que estavam inseridas, afirmou-se uma situação de exclusão. “No
Morar Carioca, com ou sem consciência disso, a ideia é diferente”,
comparou. Outra crítica ao Favela-Bairro foi o investimento desproporcional entre comunidades da Zona Sul e as presentes em outras
áreas menos nobres da cidade.
“Outra ideia implícita no Favela-Bairro era que as cidades deviam
ser levadas aos moradores das favelas, para que eles pudessem se
tornar cidadãos. Hoje está vencendo o argumento de que a favela
é cidade. A ideia de cidade não comporta apenas um modelo único,
mas uma multiplicidade de formas urbanas. Houve a assimilação de
novas fronteiras”, analisou.
“
Realizei recentemente um levantamento, para um
congresso do qual participei, que gostaria de apresentar
aqui: os dados mostram um aumento muito expressivo
nos investimentos em urbanização de favelas nas últimas
décadas, com previsão de expansão contínua até 2020.
De 1984 a 1993, com o projeto Mutirão, foram aplicados
US$ 172 milhões. Entre 1994 e 2000, na primeira fase
do Favela-Bairro, os investimentos foram, em números
redondos, de US$ 350 milhões. Na segunda fase do projeto, entre 2001 e 2006, foram mais US$ 300 milhões.
Se computarmos o que foi investido de 2007 a 2010, no
âmbito do PAC, por estado, prefeitura e governo federal,
a soma salta para US$ 900 milhões. No primeiro ciclo do
Morar Carioca (2010-2012), novamente somando o que
os governos colocaram, a cifra é de US$ 1,1 bilhão. E no
segundo ciclo, que se inicia agora, a cifra irá a US$ 1,8
bilhão. Há uma evolução de conceitos, um aprimoramento de tecnologia para essas áreas, mas também há um
investimento inimaginável há alguns anos. Esse é um sinalizador de que há espaço político, na atual conjuntura,
para que programas desse tipo tenham sucesso.
”
Antônio Augusto Veríssimo, mediador
32
two distinct investment stages, first in the 1990s
and then at the beginning of the first decade of
the 21st century. In his opinion, this kind of analysis
provides an opportunity for critical reflection and
shines a light on new approaches.
3. Projetos da Paisagem
The sociologist underlined that, despite its lofty
aspirations, the Favela Bairro was based on the
premise that the favela was not part of the city.
The proposal to integrate the communities and the
neighborhoods in which they were located, only
reaffirmed their status of exclusion. “With Morar
Carioca, whether it is deliberate or not, the idea
is different,” he compared. Another criticism of
the Favela-Bairro project was the disproportionate
difference in investments between communities in
the southern part of Rio and those in less affluent
parts of the city.
Vita eT Otium: plano de urbanização do litoral de Santa Catarina
“An implicit concept of Favela Bairro was that the
city should be brought to the favela residents, so
they could become full citizens. Today’s leading
argument is that the favela is the city. The idea of
a city does not encompass a single model, but a
multitude of urban forms. New frontiers have been
assimilated,” he analyzed.
“I recently conducted an analysis for a conference
in which I participated, and I would like to present
the results here: the data shows a significant
increase in favela upgrading in the last few decades,
and expansion should continue until 2020. Between
1984 and 1993, under the Mutirão project, US$172
million were invested. Between 1994 and 2000,
in the first phase of Favela-Bairro, investments
totaled approximately US$350 million. In the
second phase of the project, between 2001 and
2006, another US$300 million were invested. If we
add up the investments between 2007 and 2010,
under the PAC program, by the state, municipality
and the federal government, the sum increases
to US$900 million. In the first cycle of Morar
Carioca (2010-2012), the total amount invested
by all levels of government totals US$1.1 billion.
And in the second cycle, which is just starting, the
number will reach US$1.8 billion. There has been
an evolution of the concepts and improvements
in technology for these areas, but we have also
seen an incredible amount of investments over
the last few years. This indicates that there is the
political space in the current climate to make these
programs succeed.”
Antônio Augusto Veríssimo, mediator
>> Nelson Saraiva
“O litoral de Santa Catarina está jurado de morte em termos de ocupação. Há sobre ele uma especulação tão desenfreada, que resulta
em uma conurbação contínua de tecidos urbanos pobres e repetitivos. O que ele tem de particular são os centros históricos ou os discursos paisagísticos fortes, mas em um estado desguarnecido de uma
agenda capaz de qualificar esse litoral.”
Com esta afirmação, o arquiteto Nelson Saraiva da Silva deu a medida
da importância do projeto Vita et Otium (vida e ócio, em latim). Fruto
das preocupações levantadas por ele em sua tese de doutoramento
apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em 2006, o projeto traça diretrizes
físico-espaciais para os mais de 500 quilômetros do litoral catarinense – um dos mais belos e recortados do País –, com base nas suas
vocações turísticas, de locomoção e moradia.
Rafael Winter Ribeiro, Lucia Costa, Nelson Saraiva
3. LandscE Projects
VITA ET OTIUM: AN URBANIZATION
PLAN FOR THE SANTA CATARINA
COASTLINE
Nelson Saraiva
“The coast of Santa Catarina has been condemned
to death, in terms of occupation. Rampant
speculation has resulted in a continuous sprawl
(conurbation) composed of poor and repetitive
urban fabric. The coastline features historic centers
and strong landscape elements, but in its current
state it lacks an agenda that values this coastline.”
With this affirmation, architect Nelson Saraiva da
Silva expressed the importance of the project Vita
et Otium (life and leisure, in Latin). Fruit of the
concerns he raised in his 2006 doctorate thesis at
the Faculty of Architecture and Urban Planning at
the University of São Paulo (FAU-USP), the project
outlines physical and spatial guidelines for the
more than 500 kilometers of coastline in Santa
Catarina – one of the most beautiful and jagged
coastlines in the country – based on the area’s
tourism, mobility and housing needs.
Nelson Saraiva gave a detailed presentation of
Vita et Otium, which was created by a group
of 40 architects from the Instituto Silva Paes
and developed with funding from the State
Government of Santa Catarina in 2010. Speculating
about the future trends for the entire length of
Santa Catarina coastline, the project proposes a
contemporary understanding at several different
levels: Atlantic, Continental, regional, state, intermunicipal and local.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
33
Nelson Saraiva fez uma detalhada exposição do projeto Vita et Otium,
elaborado por um grupo de 40 arquitetos do Instituto Silva Paes e
desenvolvido com recursos do Governo do Estado de Santa Catarina
em 2010. Especulando sobre as tendências de futuro de toda a extensão do litoral catarinense, o projeto propõe leituras de seu papel
contemporâneo em diversas escalas: atlântica, continental, regional,
estadual, intermunicipal e local.
Furthermore, the architect explained that we
must not look at the territory on maps, but in a
third dimension, to facilitate an understanding of
the proposed new scenario, and work with guiding
concepts such as connectivity, eco-genesis,
conservation units and sustainability. “The idea
is to regard the coast as a single organism,” he
summarized.
Além disso, conforme explicou o arquiteto, olha o território não em
mapas, mas na terceira dimensão, facilitando a compreensão da nova
cena proposta, e trabalha com conceitos norteadores, tais como conectividade, ecogênese, unidades de conservação e sustentabilidade.
“A proposta é pensar o litoral todo como um só corpo”, resumiu.
The study offers an unparalleled overview of the
history of Santa Catarina, as well as professional
and technical plan that reassesses the occupation
of the coastline and proposes some bold changes.
Proposals include moving the BR-101 highway
between Palhoça and Biguaçu further inland and
creating a green corridor at the site where the
highway currently passes through São José; the
construction of a floating harbor, near Governador
Celso Ramos; and building an international airport
in Tijucas. In Florianopolis, the capital of Santa
Catarina, proposals include bringing the ocean
back to the Mercado Público market, now separated
by the Baia Sul landfill, amongst other things.
Em um trabalho inédito de resgate da história catarinense e de planejamento profissional e técnico, o estudo reavalia a ocupação do litoral e propõe alterações audaciosas. Uma das medidas prevê o recuo
da BR-101 entre Palhoça e Biguaçu, construindo um bulevar verde no
ponto em que hoje passa a rodovia em São José; a construção de um
porto náutico flutuante, perto de Governador Celso Ramos; e, ainda,
a construção de um aeroporto internacional em Tijucas. Na capital,
propõe ainda a reaproximação do mar até o Mercado Público e o aterro da Baía Sul, entre outros.
Segundo Nelson Saraiva, entre as estratégias que nortearam o projeto, a principal foi a de procurar diminuir a pressão da ocupação junto
à beira do mar e estudar modais de transporte que valorizem mais o
interior. Com isso se possibilita, conforme a descrição feita por ele, a
celebração da vida marinheira catarinense e sua decantada vocação
para o ócio.
Por enquanto, o projeto está na fase de divulgar para a população
– e para as crianças em particular – as singularidades da paisagem
litorânea catarinense. “A população do nosso tempo desconhece sua
própria paisagem. As águas que eram caminhos no passado deixaram
de ser. Atualmente, os que conseguem enxergar a paisagem da orla
são os pássaros, os tripulantes dos navios de contêineres e os milionários em seus iates. As estradas são malposicionadas e nos colocam
de costas para o mar. O primeiro objetivo do projeto é colocar as qualidades do litoral em foco”, argumentou o arquiteto. Com isso, será
possível resgatar sua beleza e qualificar seu potencial.
34
Proposta global projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Master plan for “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
According to Nelson Saraiva, the project’s main
guiding strategy was to reduce the occupational
pressure along the seashore and study
transportation modes that would favor the interior
of the state. He described how this would enable
the people of Santa Catarina to celebrate their
seafaring lifestyle and enjoy their leisure time by
the sea.
The project is currently in the stages of making
the people – and children in particular – aware
of the unique features of the Santa Catarina
coastal landscape. “People in this day and age are
unfamiliar with this landscape. The waters that
provided a connection to the past no longer serve
this purpose. The only ones who can actually see
the coastline these days are the birds, the crews
of container ships and millionaires on their yachts.
The roads are poorly placed and actually lead us
away from the sea. The first goal of the project
is to focus on the qualities of the coast,” stated
the architect. By doing that we can recapture its
beauty and measure its potential.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
35
Rio de Janeiro e Paisagem Cultural
>> Rafael Winter Ribeiro
No momento em que o Rio de Janeiro já dá como certa a conquista
do título de Patrimônio Mundial da Humanidade, o geógrafo Rafael
Winter Ribeiro, que integrou o comitê técnico para a elaboração do
dossiê da candidatura, expôs o projeto carioca. Se aprovado – a decisão por sua aprovação virá em julho de 2012, de uma reunião em São
Petersburgo, na Rússia –, o projeto tornará o Rio a primeira paisagem
cultural urbana na lista da Unesco.
Segmento centro-norte do projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Center-north part of the “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
O conceito de paisagem cultural – em que natureza e cultura estariam
associadas – foi adotado pela Organização em 1992. Atualmente, 911
sítios são considerados patrimônio mundial da Unesco, localizados
em 151 países. Desses, 70 são patrimônios culturais, e o restante, patrimônios naturais. O Brasil detém 18 títulos de patrimônio, divididos
entre as duas categorias.
“Não há espaço para cidades nessa divisão. Paisagem cultural, como
ensinamos no colégio, é a que é transformada pela mão do homem.
Com a candidatura, o Rio está tentando abrir uma porta para uma nova
compreensão do que seja paisagem cultural”, disse Rafael Ribeiro.
Até agora nenhuma cidade conseguiu isso. A primeira tentativa nesse
sentido foi feita por Buenos Aires, que teve sua candidatura recusada.
O projeto “Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas entre a Montanha e o
Mar” baseia-se na ideia de que a cidade desenvolveu, ao longo dos
anos e de forma deliberada, uma interação única e excepcional entre
homem, cultura e natureza. Este conjunto harmonioso torna o Rio
singular como paisagem cultural urbana. “É a relação da cidade com
o mar e a montanha que a torna especial”, explicou o geógrafo.
Pela proposta, o sítio que pleiteia o título é composto por três elementos: a Floresta da Tijuca, a entrada da Baía de Guanabara e a cidade,
que faz a ligação entre essas duas áreas. O foco, segundo Rafael Winter Ribeiro, não foi o tipo de arquitetura existente, mas a cultura nascida nessa relação do homem com a natureza. “A delimitação foi muito
discutida. A escala da candidatura é a do alto do Corcovado”, afirmou.
Segmento centro-sul do projeto “Vita et Otium”, Litoral de Santa Catarina, SC, Nelson Saraiva, 2010.
Center-south part of the “Vita et Otium” project, Santa Catarina coast, SC, Nelson Saraiva, 2010.
36
RIO DE JANEIRO AND ITS CULTURAL
LANDSCAPE
Rafael Winter Ribeiro
Now that it is practically certain that Rio de
Janeiro will be designated a World Heritage Site,
geographer Rafael Winter Ribeiro, who was a
member of the technical committee that prepared
the application file, presented the project. If
approved – the decision will be made in July of
2012, at a meeting in St. Petersburg, Russia –, Rio
de Janeiro will be the first cultural urban landscape
on the UNESCO list.
The concept of cultural landscape – in which nature
and culture are interconnected – was adopted by
the Organization in 1992. Currently, 911 sites in
151 countries have been granted a UNESCO world
heritage designation. Of all these sites, 70 are
cultural heritage sites and the rest are natural
heritage sites. Brazil has 18 heritage sites, split
between these two categories.
“There is no room for cities in this division. As we
teach in school, the cultural landscape is that which
has been transformed by the hand of humans. As
a candidate for this designation, Rio is trying to
open the door to a new understanding of a cultural
landscape,” said Rafael Ribeiro.
So far no city has managed to do so. The first
attempt in this direction was made by Buenos
Aires, but its application was turned down. Rio de
Janeiro’s project ‘Carioca Landscapes between the
Mountains and the Sea’ is based on the idea that
the city, over the course of many years and with
deliberate efforts, has developed a unique and
exceptional interaction between humans, culture
and nature. It is this harmonious combination that
makes Rio’s cultural urban landscape so unique.
“It’s the city’s relationship with the sea and the
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
37
A elaboração do dossiê de candidatura do Rio foi coordenada pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e contou com a participação de outras entidades, como o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac) e a Prefeitura. O comitê técnico foi
formado em 2008 e composto por uma equipe multidisciplinar que
incluiu arquitetos (urbanista e paisagista), geógrafos, historiadores
e antropólogos. Encaminhado em 2010, o dossiê já passou por todas
as instâncias de análise e conta com parecer favorável do Conselho
Internacional de Patrimônios e Sítios (Icomos).
De acordo com Rafael, o desafio está só começando. Não se trata
apenas de um título honorífico para o Rio, explicou. “Ele nos coloca
a tarefa de construir uma gestão integrada dentro de uma área, a
partir da ideia de paisagem. Não existe modelo no mundo para isso.
Daí o interesse de diversos países na nossa candidatura. A ideia é que
isso seja replicado em outros lugares.”
No momento, está em gestação um plano gestor previsto para ser
implantado a partir de 2013. O comitê se reúne a cada 15 dias para
discutir os encaminhamentos. “A dificuldade agora é decidir que narrativas priorizar. A relação entre homem e natureza proposta pela
Unesco não é a única. As políticas públicas adotadas virão dessas
escolhas”, concluiu Rafael Winter Ribeiro.
mountains that make it special,” the geographer
explained.
According to the proposal, the site that has been
submitted for the heritage designation consists of
three elements: the Tijuca Forest, the entrance to
Guanabara Bay and the city that connects these
two areas. According to Rafael Winter Ribeiro, the
focus was not on the existing type of architecture,
but on the culture that was born from this
relationship between humans and nature. “There
has been much discussion about the demarcation;
the scope of the application goes to the top of the
Corcovado,” he said.
The application process for Rio’s candidacy was
coordinated by the Institute for National Historic
and Artistic Heritage (Iphan) and involved several
other organizations, such as the State Institute
for Cultural Heritage (Inepac) and the Municipal
Government. The Technical Committee was formed
in 2008 and composed of a multidisciplinary
team that included architects (city planners and
landscape architects), geographers, historians
and anthropologists. Submitted in 2010, the file
has been through all the assessment stages and
has received a favorable recommendation from
the International Council on Monuments and Sites
(ICOMOS).
“
Nos últimos anos temos presenciado um interesse expandido pelo tema da paisagem, que passou a ter
grande visibilidade em várias áreas do conhecimento.
Por esse motivo, são muitos os conceitos atribuídos ao
termo. Isso só aponta para a importância que a ideia traz
em termos de transformação do ambiente e da cultura.
Entre esses conceitos, o de paisagem cultural é uma ideia
que se renova a partir dos anos 1980 e que tem sido muito importante na interdisciplinaridade, principalmente
nas disciplinas que trabalham o projeto da paisagem. Da
materialização do projeto da paisagem duas dinâmicas
são enfocadas de maneira complementar: a ambiental e
a cultural. Um conceito importante – o de que a paisagem cultural materializa as visões de mundo e os valores e significados que atribuímos a ela – evoluiu. Hoje
se entende que a paisagem não é passiva, não é apenas
reflexo, ela atua também. A paisagem não é substantivo, é verbo, tem uma mediação grande, é fator também
determinante da cultura. Os dois trabalhos apresentados
mostram isso, que a paisagem cultural é ativa, implica
conflito, porque a cultura é plural.
”
Lúcia Costa, mediadora
Visuais do sítio, Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro a
Patrimônio de Paisagem Cultural, 2009.
Visuals of the site, Rio de Janeiro Cultural Landscape
Heritage Candidacy Files, 2009.
38
According to Rafael, the challenge is just beginning.
He explained that this is not just about an honorary
title for Rio de Janeiro. “We will be responsible for
setting up an integrated management system within
a certain area, based on the concept of landscape.
There is no existing model in the world for this.
This explains the interest of some countries in our
candidacy. The idea is that this could be replicated
elsewhere.”
At the moment, a management plan is being
developed that should be implemented until the
end of 2013. The committee meets every 15 days
to discuss the proceedings. “The challenge now
is to decide which narratives to prioritize. The
relationship between humans and nature, as
proposed by Unesco, is not the only one. These
choices will influence the public policies that will
be adopted,” concluded Rafael Winter Ribeiro.
“In recent years we have seen a growing interest
in the theme of landscape, which has been gaining
great visibility in various knowledge areas. As a
result, many different concepts are being attributed
to the term. This is only indicative of the importance
of this idea in terms of the transformation of the
environment and culture. Within these concepts,
that of cultural landscape has been renewed in the
1980s and has been very important in many different
disciplines, especially in those disciplines that are
working on the landscape project. In creating this
landscape project there has been a dual focus on
environment and culture, which complement one
another. An important concept – that of a cultural
landscape materializing the visions of the world
and the values and meaning we attribute to the
landscape – has evolved. Today we see landscape
not as passive, not only as a reflection, but it also
has an active role. Landscape is not a noun, but a
verb, it has a large extension, and is a determining
factor in culture. The two projects that have been
presented show us exactly that: cultural landscape
is active, it implies conflict because culture is plural.
Lúcia Costa, mediator
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
39
módulo 2.
CONFERÊNCIAS
module 2 • conferences
40
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
41
Abertura
A abertura do módulo de conferências contou com a presença da
secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães, do Ministério das
Cidades; do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano no
Ministério do Meio Ambiente, Pedro Wilson Guimarães; do vice-presidente da Federação Pan-americana de Associações de Arquitetos,
João Suplicy; do diretor regional do programa da Organização das
Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU Habitat), Alain
Grimard; do Presidente da União Internacional dos Arquitetos (UIA),
Albert Doubler; do presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), Haroldo Pinheiro; e do presidente do IAB, Sérgio Ferraz Magalhães, na segunda-feira, dia 18 de junho de 2012.
Sérgio Magalhães abriu os trabalhos apresentando números que dimensionam o desafio que se coloca: só no Brasil, de uma população
aproximada de 190 milhões de pessoas, estima-se que 170 milhões
vivam em cidades. “Nesse contexto, não cabe discutir meio ambiente
sem colocar a questão da sustentabilidade nas cidades”, disse.
Para o arquiteto, nessa frente há interesses convergentes entre empresas, governos e entidades não governamentais. Todos querem
construir cidades mais integradas, voltadas para o bem-estar e a felicidade das pessoas, e os arquitetos têm muito a contribuir para esse
objetivo. Ele enfatizou a importância da ampliação dos investimentos
governamentais em programas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida e defendeu uma ampliação ainda maior dos trabalhos. Magalhães disse ainda que é preciso cuidar para que os investimentos
tragam uma maior qualificação das cidades.
Albert Doubler, Pedro Wilson Guimarães, Inês Magalhães, Sérgio Magalhães, Alain Grimard, João Suplicy, Haroldo Pinheiro
42
Alain Grimard lembrou que, nos últimos 50 anos, o número de pessoas vivendo em cidades cresceu seis vezes. Como diretor regional
do ONU Habitat para América Latina e Caribe, ele trabalha na coordenação de quatro artigos analíticos e propositivos que consideram
a questão da sustentabilidade nos centros urbanos. Para Grimard, o
desenvolvimento urbano pode ser sustentável, e há que se trabalhar
com urgência por isso.
Opening
The opening event of the conference module
on Monday, June 18, 2012, was attended by the
National Housing Secretary of the Ministry of
Cities, Inês Magalhães; by the Secretary of Water
Resources and Urban Environment of the Ministry
of Environment, Pedro Wilson Guimarães; by the
vice-president of the Pan-American Federation of
Associations of Architects, João Suplicy; by the
regional director of the UN program for Human
Settlements (UN Habitat), Alain Grimard; by the
President of the International Union of Architects
(UIA), Albert Doubler; by the president of the
Council of Architecture and Urban Planning in
Brazil (CAU-BR), Haroldo Pinheiro; and by the
president of the IAB, Sérgio Ferraz Magalhães.
Sérgio Magalhães began the event by presenting
some numbers that reflect the challenge that
lies ahead: In Brazil alone, with a population of
approximately 190 million, an estimated 170 million
people live in cities. “In this context, we cannot
discuss the environment without raising the issue
of sustainability in cities,” he said.
The architect stated that companies, governments
and non-governmental organizations share
converging interests. Everybody wants to build
more integrated cities that foster people’s wellbeing and happiness, and architects have a lot to
contribute to this goal. Magalhães also stated that
it is important to ensure that investments result in
better cities.
Alain Grimard reflected that in the last 50 years
the number of people living in cities has grown
six times. As the regional director for the UN
Habitat for Latin American and the Caribbean, he
works on coordinating four articles that analyze
and propose recommendations on the issue of
sustainability in urban centers. Grimard affirmed
that urban development can be sustainable and we
must urgently address this issue.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
43
João Suplicy enfatizou que fatores econômicos não devem centralizar os debates em torno do tema da sustentabilidade nas cidades.
Lembrou que estas são “mecanismos complexos construídos sobre
camadas de cultura” e, sendo assim, há que se considerar suas dimensões culturais e humanas, para além das especificidades técnicas. Suplicy defendeu um maior planejamento do espaço habitável e
a busca de ganhos para a população que não se restrinjam à conquista de serviços básicos.
Pedro Wilson Guimarães abriu sua fala propondo uma homenagem
a arquitetos que, por terem assumido posturas de esquerda durante
o regime militar brasileiro, foram obrigados a abandonar funções no
serviço público. Ele contou que participou da Rio 92 como militante
de ONG e desta vez veio à Rio+20 como integrante do governo. Nessa
condição, defendeu a ideia da chamada “economia verde”, capaz de
gerar desenvolvimento e qualidade de vida.
Sobre o Código Florestal que está em discussão no Congresso, o secretário afirmou que “se não é para proteger, devia se chamar código do desmatamento” e disse que hoje é mais importante debater o
problema da água do que a questão do petróleo. Por fim, defendeu o
planejamento urbano como chave para tornar possível a concretização da ideia de cidade sustentável. “Temos que pensar na Rio+21, 22,
23... Temos que pensar na segurança alimentar, habitacional, etc., na
continuidade”.
Haroldo Pinheiro enfatizou a relevância da criação, em 2012, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, que ele preside. “O Conselho
nasce sob o signo dessa responsabilidade com o ambiente construído
e com a recuperação da profissão, em sua importância.” O arquiteto
acrescentou que, na semana anterior à conferência, assinou um termo
de compromisso do conselho com o Ministério do Meio Ambiente estabelecendo responsabilidades conjuntas dos dois órgãos.
O arquiteto Albert Doubler abordou a importância da participação da
sociedade civil nos debates envolvendo o tema das cidades e lembrou
que, na Grécia antiga, os cidadãos é que zelavam pelo bem das pólis
(cidades).
44
João Suplicy emphasized that economic factors
shouldn’t take center stage in the discussions
about sustainability in cities. He noted that these
are “complex mechanisms that have been built
on layers of culture” and as such, we must also
consider the cultural and human dimensions, going
beyond merely the technical specifications. Suplicy
argued that better planning of inhabitable spaces
and the pursuit of benefits for the population
should not be limited to providing basic services.
Pedro Wilson Guimarães began his presentation
by paying tribute to architects who during Brazil`s
military regime were forced to resign from
their public service for supporting a left-wing
perspective. He talked about his participation
in the Rio 92 conference as an NGO activist, and
now he is participating in Rio+20 as a member
of government. He also defended the idea of the
so-called “green economy”, capable of generating
development and quality of life.
No fechamento da solenidade, a secretária Inês Magalhães disse estar comprometida com o desafio de construir cidades com justiça socioambiental. “Ao apresentar nossos desafios, temos que estar olhando para os dilemas que os envolvem. Um deles é: como oferecer uma
habitação de qualidade para os milhões de brasileiros que vivem hoje
em favela”, disse. A secretária lembrou que, desde 2007, o governo
vem investindo fortemente em programas de urbanização de comunidades pobres, e agradeceu o apoio do IAB nesse processo.
Architect Albert Doubler addressed the importance
of the participation of civil society in discussions
about cities. He reflected how in Ancient Greece
citizens looked after the wellbeing of the polis
(cities).
In her closing remarks of the opening ceremony,
National Housing Secretary Inês Magalhães
expressed her commitment to the challenge of
building cities with socio-environmental justice.
“Our challenges have to include the dilemmas
of those who are affected by these. One of these
challenges is can we can offer quality housing to
the millions of Brazilians who still live in favelas,”
she said. The secretary recalled that since 2007
the government has been investing heavily in
upgrading programs in poor communities and she
thanked the IAB for its support in this process.
With respect to Forestry Code that is currently
being discussed in Congress, the secretary affirmed
that “if the code is not going to grant protection, it
should be called the Deforestation Code”. He also
stated how today it is more important to discuss
the issue of water than the issue of oil. In his
closing remarks, he defended urban planning as
the key to realizing the idea of a sustainable city.
“We have to think of Rio + 21, 22, 23 ... We must
think about ongoing food security, housing, etc.”
Haroldo Pinheiro underscored the relevance of
the foundation of the Council of Architecture
and Urban Planning in Brazil, six months ago, the
President of the Council, Pinheiro stated that the
council has been endowed with a responsibility
towards the built environment and in restoring the
importance of the profession. The architect added
that, in the week prior to the conference, he had
signed a term of commitment between the council
and the Ministry of Environment, establishing joint
responsibilities for the two entities.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
45
Conferência de Abertura
No lugar disso, o que Gehl propõe é a redução de vias para carros e
o alargamento de calçadas e ciclovias. “Precisamos de cidades mais
atraentes, vivas, que proporcionem um convite a estilos de vida mais
saudáveis”, afirmou. Novamente, fotografias projetadas ilustraram
suas palavras. Ele mostrou ruas com calçadas movimentadas, palco
de paqueras e encontros entre amigos, em um forte contraste com as
cenas anteriores de caos no trânsito.
Cidades para pessoas
>> Jan Gehl
Um dos grandes nomes da arquitetura mundial hoje, com escritório
em Copenhague, que planeja e executa projetos para países em quase todos os continentes, Jan Gehl apresentou em sua conferência o
tema de seu livro mais recente, o Cidades para as Pessoas. A ideia
central, com a qual ele já trabalha há alguns anos, é que o planejamento urbano nas cidades não deve se estruturar para acomodar
mais e mais automóveis, como se vê na maior parte das metrópoles.
O espaço urbano deve, antes de mais nada, ser aprazível para as pessoas que ali habitam.
O arquiteto chamou a atenção para o fato de que, para se ter uma
cidade mais sustentável, não basta haver construções sustentáveis.
Sua proposta é bem mais abrangente: “Se todos os prédios de uma
cidade forem sustentáveis, isso não quer dizer que essa cidade também seja”, disse, enquanto exibia a foto de edifícios altíssimos e modernos em metrópoles do mundo. “Vamos ser ambiciosos e fazer
cidades para pessoas que sejam também sustentáveis”, acentuou o
dinamarquês.
Gehl propõe uma reflexão sobre o papel decisivo do local, na era do
global. Para ele, os esforços feitos no âmbito das cidades são fundamentais para gerar também um planeta melhor, do ponto de vista da
sustentabilidade. Em sua apresentação, o arquiteto e professor situou
o problema historicamente ao lembrar que, nos anos 1960, houve uma
invasão dos carros nas grandes cidades europeias, e a preocupação
central dos governantes passou a ser acomodá-los. “Os engenheiros
de trânsito se tornaram os todo-poderosos”, disse.
“Nos últimos 50 anos, a gente foi perdendo a noção de que o trânsito causou uma perda considerável de qualidade de vida e abalou a
dignidade dos cidadãos”, acrescentou, enquanto mostrava à plateia
imagens de engarrafamentos monumentais e de vias sem espaços
para pedestres.
46
Opening Conference:
CITIES FOR PEOPLE
Jan Gehl
Jan Gehl is one of the great names in international
architecture today. Based in Copenhagen, he has
planned and implemented projects in countries on
almost every continent. At the conference, Gehl
presented the theme of his most recent book, Cities
for people. The central idea is one that he has been
working on with for several years; urban planning
in cities should not be structured to accommodate
a growing number of cars, as we see in most large
cities. The urban space must, first and foremost, be
pleasant for the people who live there.
The architect pointed out that for a city to be more
sustainable, it is not enough to have sustainable
buildings. His proposal is much broader than that:
“even if all the buildings in a city were sustainable,
that wouldn’t mean that the city was sustainable,”
he said, as he presented a photo of the tallest and
most modern buildings in metropolises around
the world. “Let’s be ambitious and make cities for
people that are also sustainable,” emphasized the
Danish architect.
Gehl suggested a reflection on the importance
of our local community, in the era of a global
world. He stated that the efforts in the cities are
essential for creating a more sustainable world.
In his presentation, the architect and professor
remembered the historic context of the issue by
describing how in the 1960s, cars began to invade
all major European cities and the governments’
main concern became how to accommodate them.
“Traffic engineers became very powerful,” he said.
“Há muito mais no caminhar do que caminhar. Caminhar é uma forma
de transporte, mas traz muitos outros benefícios. Você pode andar e
conversar, andar e observar ou ser observado o caminhar é a própria;
vida na cidade! Eu os convido a essa experiência”, disse.
Gehl destacou que, quando as pessoas frequentam as vias públicas,
estas normalmente ficam mais seguras. E defendeu um transporte
público de qualidade, que ofereça conforto e segurança aos seus usuários, e funcione 24 horas por dia.
Outra vantagem de sua proposta é o ganho em saúde. Para o arquiteto, as pessoas não têm se movimentado o suficiente, mas uma mudança de estilo de vida pode ajudar a mudar essa realidade. Segundo
ele, há pesquisas médicas indicando que uma pessoa magra e sedentária tem a saúde mais frágil do que a de um obeso que se exercita.
Na parte final de sua apresentação, o arquiteto exibiu projetos que
ajudou a desenhar para implementar essas ideias nas cidades de Copenhague, Melbourne, e Nova Iorque. Agora está contribuindo também para a urbanização de Moscou.
Nessas cidades, segundo ele, a qualidade de vida aumenta a cada dia.
Como diretriz geral, recomenda uma redução lenta, mas progressiva,
do número de vias para carros e dos estacionamentos. Em paralelo, deve haver um alargamento de calçadas e ampliação de praças
e áreas verdes, além da construção de ciclovias e bicicletários, de
modo a permitir uma integração entre o transporte complementar e
o transporte público.
“Em Copenhague, não há mais engarrafamentos. Do aeroporto ao
Centro, são dez minutos”, contou. Lá, a maior parte das famílias tem,
além da bicicleta convencional, bicicletas de carga, nas quais costumam levar seus filhos, compras ou o que for preciso. Tantas pessoas
utilizam bicicletas, que às vezes há engarrafamentos de bicicletas – o
que considera um ótimo problema. “Foi preciso criar pistas de velocidade para as bicicletas. O hábito de usar esses veículos conquistou
de tal forma os moradores, que até mesmo no frio, as pistas ficam
cheias”, acrescentou.
“In the last 50 years, we have lost sight of how
traffic has caused an enormous loss of quality of
life and affected the dignity of citizens,” he added,
showing the audience images of enormous traffic
jams and clogged roads without any space for
pedestrians.
Instead, Gehl proposes reducing road space for
cars and expanding sidewalks and bike paths. “We
need more attractive and vibrant cities that invite
people to live a healthier lifestyle,” he said. Again,
photographs illustrated his words. He showed
streets with busy sidewalks, where people gather
to flirt and meet friends, a sharp contrast with the
earlier chaotic traffic scenes.
“There is a lot more to walking than just walking.
Walking is a form of transportation, but it offers
many other benefits. You can walk and talk, walk
and observe or be observed, walking is life itself
in the city! I invite you all to try this experience,”
he said.
Gehl underlined that when more people access
public roads, safety usually increases. He argued in
favor of quality public transportation that offers its
users comfort and safety, operating 24 hours a day.
Another advantage of his proposal is the health
benefit. According to the architect, people haven’t
been active enough, but a change in lifestyle could
help change this reality. He stated that there are
medical studies that indicate that a thin sedentary
person may be less healthy than an obese person
who exercises.
In the final part of his presentation, the architect
exhibited the projects he helped design to
implement these ideas in Copenhagen, Melbourne
and New York. He is now also contributing to the
urbanization of Moscow.
In these cities, the quality of life is increasing day
by day. As a general guideline, he recommends a
slow but progressive reduction in the number of
roads for cars and the number of parking lots.
At the same time, there should be a widening of
sidewalks and an expansion of squares and green
spaces, in addition to building bike paths and bike
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
47
Em Nova Iorque, num curto espaço de tempo foram construídos 400
quilômetros de ciclovias. Localidades turísticas famosas, como a Broadway e a Times Square, foram fechadas para automóveis. A região
passou a abrigar cafés onde novaiorquinos e visitantes podem se
sentar para apreciar a cidade.
Na sessão de perguntas, quando um dos arquitetos presentes na plateia falou da especificidade de o brasileiro adorar automóveis, Gehl
disse que ouviu isso em cada cidade que adotou sua proposta, e todas
estão mais agradáveis agora. Ele assegurou que os donos dos automóveis também estão felizes com a mudança.
storage facilities, to allow the integration between
complementary transportation and public
transportation.
In a short period of time, New York built 400
kilometers of bike paths. Famous tourist
destinations, such as Broadway and Times Square,
were closed for cars. Cafés have sprung up in these
areas where New Yorkers and visitor now gather to
enjoy the city.
“In Copenhagen, there are no more traffic jams.
It takes ten minutes to go from the airport to
downtown. Most families not only have a regular
bike, but also a cargo bike for transporting their
children, groceries or whatever else they need.
So many people ride bikes that you sometimes
get bike traffic jams – which is a great problem
to have. “We had to build high speed bike lanes.
Residents have become so used to riding their
bikes that even on cold day the bike lanes are
packed,” he added.
Capa do livro “Cities for people”,
Jan Gehl, 2010
Book cover of “Cities for people”,
Jan Gehl, 2010
Capa do livro “Public spaces, public life”, de Jan Gehl & Lars Gemzoe, 1968
Book cover of “Public spaces, public life”, by Jan Gehl & Lars Gemzoe, 1968
“
É uma honra estar nesta casa num momento tão
decisivo, em que se discute como as metrópoles podem
enfrentar o tema da sustentabilidade. Hoje essa questão
aponta para uma revalorização do espaço, do território
e sua centralidade. Talvez o século XXI represente um
século urbano, mas com a novidade de trazer a responsabilidade estratégica de se lidar com o desenvolvimento
sustentável. O professor Jan Gehl, nosso conferencista,
amplia a discussão sobre esse tema. São décadas e décadas de experiência, em Copenhagen e muitas outras
cidades do mundo, dezenas de livros publicados, difundindo a ideia de que as cidades devem ser feitas, antes
de mais nada, para as pessoas. Gehl nos fala da centralidade do espaço público e da busca da escala humana
nos projetos urbanos, entre outros aspectos que nos colocam questões éticas, estéticas e políticas e apontam
para uma transformação no papel do arquiteto nos dias
de hoje.
During the Q& A session, when one of the
architects from the audience talked about
Brazilians’ fondness for cars, Gehl said he has
heard this argument in every city that has adopted
his proposal, and all of them are much more
pleasant cities today. He confirmed that even the
car owners are happy with the change.
“It is an honor to be here at such a decisive
moment, when we are discussing how metropolises
can address the issue of sustainability. Today
this question points to a renewed appreciation of
space, territory and its centrality. Perhaps the 21st
century represents the urban century, but with a
strategic responsibility to deal with sustainable
development. Professor Jan Gehl, our conference
speaker, expands the discussion on this topic. He
has many decades of experience, in Copenhagen
and in numerous other cities around the world,
and he has published dozens of books published
that promote the idea that cities should be made,
first and foremost, for people. Gehl talks about
the centrality of public space and the search for
a human scale in urban projects, as well as other
aspects that raise ethical, aesthetic and political
issues, and that point to a transformation in the
role of architects today.”
Pedro Claudio Cunca Bocaiúva, commentator
”
Pedro ClAudio Cunca Bocaiúva, comentarista
48
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
49
Jan Gehl | Entrevista por Rosa Lima
“
JAN GEHL
O propósito da cidade é fazer as pessoas – e não
os carros – felizes.
”
“The goal of cities is to make people– and not cars
– happy.”
Jan Gehl
Jan Gehl
Depois de arrancar risos, aplausos e encantar a plateia que lotou o
auditório do IAB-RJ para ouvir sua conferência sobre “Cidades para
Pessoas”, o arquiteto dinamarquês Jan Gehl concedeu a entrevista
a seguir. Com a mesma simplicidade, simpatia e bom humor exibidos
na palestra, ele falou de coisas aparentemente óbvias, mas que, esquecidas, têm imposto uma qualidade de vida extremamente precária
para muitas cidades do nosso tempo. No centro de toda a conversa,
estão sempre as pessoas. Os valores humanos, a escala humana. São
eles que norteiam todos os seus projetos de arquitetura e urbanismo
e que, segundo Gehl, precisam ser resgatados pelos formuladores e
gestores públicos nas cidades do século XXI.
50
Interview by Rosa Lima
After generating laughter and applause and
delighting the audience that packed the lecture hall
of the IAB-RJ to listen to his conference on ‘Cities
for People’, Danish architect Jan Gehl granted
this interview. Displaying the same simplicity,
friendliness and sense of humor as he did in his
lecture, Gehl talked about apparently obvious
issues that are sometimes forgotten, and that have
resulted in an extremely precarious quality of life in
many cities today. At the heart of the conversation
are always the people; human values, a human scale.
These are the notions that guide all his architecture
and urban planning projects, and Gehl believes that
policy makers and government administrators need
to restore these to our 21st century cities.
ROSA LIMA – O crescimento do Rio de Janeiro se deu segundo um
modelo rodoviarista com ênfase nos carros particulares. Nesse contexto, como se pode pensar uma cidade para pessoas?
ROSA LIMA– Rio de Janeiro’s growth has been
based on a road model with an emphasis on private
car use. In this context, how can we think about a
city for people?
JAN GEHL – Na minha apresentação, falei de um bom número de cidades que mudaram esse padrão. No meu livro Novos espaços urbanos,
falamos de três tipos de cidade: a cidade tradicional, a cidade invadida e a cidade reconquistada. A cidade tradicional era a que todos tínhamos antes de 1960, mais ou menos construída em função da vida
das pessoas. Aí veio a invasão dos automóveis e começamos a construir as cidades de maneira que os carros pudessem ser felizes. E então passamos a ter um número crescente de cidades reconquistadas,
aquelas em que alguém – pode ser o prefeito, como em Curitiba, ou,
como em Bogotá, Estrasburgo ou Copenhague, pode ser um arquiteto
ou um grupo político, que se levanta e diz: “ei, servir aos carros não
pode ser o propósito da cidade. Precisamos resgatar outros valores
da cidade, valores humanos!”. Essas cidades reconquistadas, como
as chamamos, são então caracterizadas pela busca de um bom equilíbrio entre três funções: um lugar de encontro para as pessoas, um
lugar de mercado de bens e serviços e um lugar de mobilidade, onde
se podem conectar diferentes espaços. O que ocorreu com a chegada
dos carros foi que a função mobilidade passou a ser preponderante
sobre as demais. Depois de um tempo a cidade ganhou uma feição
tal que parecia que a razão de sua existência era apenas se mover e
não o encontro entre pessoas e as trocas comerciais. O mercado foi
empurrado para dentro, mas o encontro foi cancelado, e as pessoas,
separadas umas das outras. Essas cidades reconquistadas estão tentando restabelecer esse equilíbrio perdido, tentando assegurar que
haja espaço suficiente para as pessoas se encontrarem, para caminharem e ter vida comunitária, para que a vida social tenha condições de existir. E nesse processo descobrimos, através de pesquisa,
que o ambiente urbano edificado tem um efeito enorme sobre o que
as pessoas podem ou não podem fazer na cidade. Se voltarmos aos
anos 1960, quando os modernistas chegaram, ninguém sabia até então que a maneira como construímos as cidades tem influência sobre
nosso estilo de vida ou sobre nossas condições de vida. Não existia
pesquisa sobre isso. Então, eles achavam que a vida seguiria igual,
business as usual, com prédios e um monte de carros entre eles. O
que se descobriu, é claro, é que se você constrói cidades assim, você
mata a vida. Jane Jacobs foi a primeira a chamar atenção para isso
com seu livro Morte e vida de grandes cidades. Hoje faz 51 anos que
ela escreveu esse livro revolucionário, e de lá para cá um número crescente de pessoas começou a fazer essa relação do que acontece com
a cidade se você preenche todos os seus espaços com automóveis.
JAN GEHL – In my presentation I talked about a good
number of cities that have been able to change this
pattern. In my book New urban spaces, I talk about
three types of cities: the traditional city, the invaded
city and the re-conquered city. The traditional city
is what we all had prior to 1960. It was built more
or less to suit the way people lived. Then came the
invasion of the automobile and we started to build
cities to make cars happy. And then we began to
see a growing number of re-conquered cities, those
cities where someone – it could be the mayor, like in
Curitiba, or an architect or a political group, like in
Bogotá, Strasbourg or Copenhagen – stands up and
says “Hey, serving cars should not be the purpose
of a city. We need to restore other values for the
city, human values!”. These re-conquered cities, as
we call them, are characterized by the search for
a balance between the following three functions:
a meeting place for people, a market place for
goods and services and a place of mobility, where
different spaces can connect. What happened with
the arrival of cars was that the mobility function
overshadowed all other functions After a while, the
city’s sole reason for existence seemed reduced
to mobility and not the meeting of people or
commercial exchanges. The market was pushed
inward, but the meeting place was eliminated and
people became separated from each other. These
re-conquered cities are trying to reestablish this
lost balance, trying to ensure enough space for
people to meet, to walk and live a community life,
offering the conditions for the existence of a social
life. Through research we have discovered that in
this process the urban built environment has an
enormous impact on what people can or cannot do
in a city. Back in the 1960s, when the modernists
arrived on the scene, nobody knew that the way
that we build cities would influence our lifestyle or
our living conditions. There was no research on this.
So they thought that life would continue as usual,
business as usual, with buildings and a whole bunch
of cars among them. Of course we discovered that
if you build cities that way, you kill life. Jane Jacobs
was the first person to draw attention to this in her
book Life and death of great American cities. It has
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
51
Hoje já sabemos muito sobre isso e sobre o que fazer para evitar que
a vida seja extinta. O que as cidades que têm os mesmos problemas
que o Rio de Janeiro estão fazendo é repensar esse modelo e buscar
um equilíbrio nas funções da cidade, abrindo mais espaços para as
pessoas caminharem e se encontrarem. Isso é bom para a saúde e
para a vida pública em todas as suas conotações. Poder andar, sentar,
olhar, conversar e compartilhar no espaço público é extremamente
importante para a vida humana. É uma questão de reajustar o equilíbrio como estão fazendo essas cidades que eu cito no livro: Barcelona, Lyon, Curitiba, Copenhague, Estrasburgo, Melbourne, Portland,
Freiburg e Córdoba, que fizeram muitas coisas interessantes. Eu não
conhecia, quando escrevi o livro, o exemplo de Bogotá, senão o teria
incluído também. É possível mudar esse modelo com políticas públicas quando se pensa que o propósito da cidade é fazer as pessoas – e
não os carros – felizes.
R.L. – O Rio segue se expandindo horizontalmente com densidade populacional baixa. Quais as consequências disso e o que deve ser feito
na busca de uma cidade mais sustentável?
J.G. – Toda essa expansão horizontal é um produto da gasolina barata. E gasolina barata é coisa do passado, não voltará mais. Além
disso, ficaremos sem ela nos próximos 20 ou 30 anos. Portanto, toda
a base dessa expansão está se extinguindo e isso nos coloca um desafio muito sério. A forma de se criarem novos assentamentos hoje é
construí-los como contas de um colar ao longo da linha dos trens ou
bondes, de maneira que haja cidades passíveis de serem percorridas
a pé com estações entre elas. É assim que se faz planejamento urbano moderno nos dias de hoje. Acredito que Melbourne seja um exemplo muito interessante: lá eles dobraram a população de 3 para 6 milhões de habitantes, adensando os subúrbios, ou seja, simplesmente
construindo, ao longo da linha do trem, prédios de cinco ou seis andares cercados de bulevares. Eles se deram conta de que teriam que
derrubar 20% das casas, mas poderiam deixar 80% intocadas. Dessa
forma, as pessoas puderam ter acesso a serviços muito melhores já
disponíveis nos bairros, como clínicas, escolas, farmácias e transporte público, em vez de terem de ir para um lugar novo e mais distante
onde não havia nada. Essa é uma boa forma de se resgatarem os
subúrbios, dando-lhes vida nova a partir do adensamento, não com
arranha-céus, mas com prédios baixos de até seis andares. O arquiteto Rob Adams foi o homem milagroso que transformou Melbourne.
Ele conseguiu enquadrar seis prefeitos e fez uma coisa fantástica.
Atualmente, trabalha no nosso escritório como consultor sênior, nos
ajudando no projeto de Nova Iorque e também no de Moscou.
52
been 51 years since she wrote this revolutionary
book and since then a growing number of people
have made the connection with what happens to a
city when you fill all of its spaces with cars. We now
know a lot about this and how we can prevent life
from going extinct. Cities with the same problems
as Rio de Janeiro are rethinking this model and
looking for a balance in the city’s functions,
creating more spaces for people to walk and meet.
This is good for people’s health and for public life
in every sense. To be able to walk, sit, look, talk and
share in a public space is extremely important for
human life. It is a matter of readjusting the balance,
as they are doing in the cities that I quote in the
book: Barcelona, Lyon, Strasbourg, Copenhagen,
Melbourne, Portland, Freiburg and Córdoba. These
cities are doing many interesting things. When I
wrote the book I wasn’t familiar with the example
of Bogotá, otherwise I would have included it as
well. When we consider that the purpose of a city
is to make people – and not cars – happy, we can
change this with public policies.
R.L. – Rio continues to expand horizontally with low
population density. What are the consequences of
this and what must be done in the search for a
more sustainable city?
J.G. – All this horizontal sprawl is a result of cheap
gasoline. And cheap gasoline is a thing of the past, it
will never come back. Furthermore, we will probably
run out of it in the next 20 or 30 years. Thus, the
entire basis for this expansion is becoming extinct
and that is posing a very serious challenge. The
way we create new settlements today is by building
them along a train or streetcar line, like beads on
a string. This results in cities interconnected by
stations where people can get around on foot. And
that is what is happening in urban planning today.
I think that Melbourne could be a very interesting
example: they doubled their population from 3 to
6 million inhabitants, by increasing the density of
the suburbs, or rather, simply building five to six
story buildings surrounded by boulevards along
the train line. They realized they had to knock
down 20% of the houses, but could preserve 80%.
This way people were able to have access to much
better services that were already available in their
neighborhoods, such as clinics, schools, drugstores
and public transportation, instead of having to go
R.L. – Como se pode transformar um espaço público visto como “de
ninguém” em um lugar “de todos”?
J.G. – Se um espaço público é visto como sendo “de ninguém”, se a
população dele não se apropria, é porque não é um bom espaço. A
partir da minha experiência, minha opinião é que, quando se aplicam
os critérios de qualidade para um bom espaço público, as pessoas o
usam. Eu conheço diversos exemplos ao redor do mundo de espaços
que são ignorados pelas pessoas. Nesse meu novo livro – Cidades
para pessoas –, apresentamos 12 critérios de qualidade para um bom
espaço público. Todos os bons espaços públicos no mundo preenchem
esses requisitos. Esses critérios são apresentados no livro no capítulo
sobre “Ferramentas”. É interessante que o critério “aparência” não é
o principal deles. Muitos arquitetos acham que isso basta: ser bonito,
com boas lâmpadas, materiais e equipamentos. Mas isso não é suficiente para que um espaço público seja bom. Nele é preciso também
que as pessoas sejam protegidas do tráfego, do barulho, da violência,
das intempéries; que seja um bom lugar para caminhar, para estar,
para sentar, para ver e ouvir; deve prover oportunidade para as pessoas se exercitarem, brincarem e usufruírem do tempo, ter uma boa escala humana, e, por fim, deve ser um espaço bem desenhado. Se você
se ativer apenas ao critério da aparência, normalmente não funciona.
Mas, ao contrário, geralmente funciona se os demais critérios forem
respeitados e esse não. Se você puder preencher todos os critérios,
aí, é claro, terá o melhor lugar do mundo, cheio de gente. Um ponto
importante a se observar é que ele não deve oferecer espaço demais.
Nesse caso, menos é mais. É como em uma festa: se tiver pouca gente
em um espaço grande, não fica boa. Coloque todo mundo na cozinha,
e você terá uma boa festa. Também não a faça em dois andares, não
funciona. Na dúvida, deixe uns metros de fora. É melhor ter espaços
menores e mais aconchegantes. Nos últimos 50 anos, nós arquitetos
ficamos completamente confusos sobre o que seja uma boa escala
humana. Sabemos tudo sobre a escala para 60 km por hora, ou para
estacionamentos. E também porque construímos esses prédios altos,
achamos que eles devem ficar mais distantes uns dos outros. Isso é
uma confusão. O olho humano é o mesmo. Por isso também incluímos
um outro capítulo no livro sobre os sentidos humanos e o que significa uma boa escala humana. O livro vai sair em português pela Editora
Perspectiva e agora estamos negociando a data do lançamento. Eu
quero 2012 e eles, 2013. Vamos ver.
R.L. – Seu escritório em Copenhague tem uma unidade de pesquisa. Qual
o seu objetivo, que ganhos traz para a sua prática e como funciona?
to a new place, further away, without any services.
This is a good way to recover suburbs, give them
a new lease of life by increasing density, not with
skyscrapers, but with low-rise buildings with no
more than six floors. Architect Rob Adams was the
miracle worker who transformed Melbourne. He
was able to get six mayors onboard and perform
this amazing feat. He currently works in our office
as a senior consultant, helping us with the projects
in New York and Moscow.
R.L. - How can we transform a public space that is
seen as “nobody’s” into a place “for everybody”?
J.G. – If a public space is seen as “nobody’s”, if
the population has no ownership, it’s because
it is not a good space. Based on my experience,
when you apply quality criteria to a good public
space, people will use it. I know several examples
of spaces around the world that are being ignored
by people. In my new book – Cities for people –,
we present 12 criteria for a good public space.
Every good public space in the world meets
these criteria. These criteria are presented in the
book in the chapter about “Tools”. Interestingly
enough “appearance” is not a main criterion.
Many architects believe that this is all it takes: an
attractive space, with good lighting, materials and
equipment. But this is not enough to create a good
public space. People also have to feel protected
from traffic, from noise, from violence, from the
elements; it has to be a good space to walk in, to be
in, to sit, to see and listen; it should provide people
with the opportunity to exercise, to play and to
spend time. It should also have a good scale and
finally, it must be a well designed space. If you only
go by the criterion of appearance, it usually won’t
work. But the other way around, it usually works if
all other criteria are met, even if appearance is not.
Of course, if you meet all the criteria you will have
the best place in the world, always full of people.
An important point to note is that the area should
not offer too much space. In this case, less is more.
It’s like at a party, if you have only a few people in
a large space, it won’t work. But put everyone in
the kitchen, and you will have a good party. Also
don’t create two levels, it does not work. When in
doubt, leave out some space. It is better to have
smaller spaces that are cozier. In the last 50 years,
we architects have been completely confused
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
53
J.G. – O pano de fundo para isso é que eu venho do meio acadêmico.
Fui professor universitário em tempo integral durante 40 anos. E só
quando eu estava prestes a me aposentar é que abri minha empresa.
Isso foi em 2000, quando eu tinha 63 anos. Para mim, era lógico que
era preciso fazer pesquisa o tempo todo sobre o que eu estava fazendo. Quando eu estava na universidade, podia confiar muito no meu
trabalho por causa da pesquisa; então, quando montei a empresa,
entendi que era importante criar no escritório uma unidade de pesquisa que embasasse os projetos. Fomos capazes de fazer isso porque
existem excelentes fundações que acreditam que planejamento urbano humanista é muito importante para a humanidade. Elas me deram
muito dinheiro quando eu estava na universidade e, quando saí de lá,
eles continuaram me apoiando. Este livro Cidades para pessoas foi
financiado por elas, assim como outros que estão saindo. Normalmente é difícil conseguir isso com o orçamento do próprio escritório.
O tipo de trabalho que fazemos não é muito lucrativo, ele basicamente se paga, porque trabalhamos com base em muitos pequenos
projetos ao redor do mundo, que são custosos. Não pegamos grandes
contratos, como hospitais ou coisas do gênero, de forma que nosso
lucro é restrito. Nos divertimos muito, viajamos muito pelo mundo e
fazemos o bem. Achamos que isso nos basta. Mas nossa operação
não é capaz de pagar nossas pesquisas. Dependemos das fundações
para isso. Elas entendem que nossos conselhos são tão importantes
que continuam nos financiando. Nunca fazemos projetos de design.
Fazemos consultoria e aconselhamento. Acredito que o mundo está
cheio de excelentes arquitetos, designers, paisagistas e projetistas,
mas faltam bons programas sobre o que eles devem fazer. É aí que
entra nosso trabalho. Em programas estratégicos. Em ideias. E a pesquisa tem papel importante nisso.
54
about what makes a good human scale. We know
everything about the scale for 60 km per hour or
for parking lots. And because we build these tall
buildings, we think they should be further apart
from each other. That is the mistake. The human
eye is the same. That is why we have also included
another chapter in the book about human senses
and what a good human scale means. The book will
be published in Portuguese by Editora Perspectiva
and we are negotiating the release date. I want it to
be in 2012 and they want in 2013. We will see.
1. Ambiente
Estudo técnico | Cidade Sustentável, Saneamento e Ambiente
>> Leo Heller
1. ENVIRONMENT
R.L. - Your office in Copenhagen has a research
unit. What is your goal, what benefits does it bring
to your work and how does it work?
J.G. – I come from an academic background; I was
a full-time university professor for 40 years, and
only set up my own company when I was about
to retire. That was in 2000, when I was 63 years
old. For me, it made sense that the work I would
be doing required ongoing research. When I was at
the university, I could rely on a great deal on my
work because of the research. So when I set up my
company, I realized that it was important to create
a research unit to provide the base for the projects.
We were able to do this because there are excellent
foundations that believe that humane urban
planning is very important for humanity. They
gave me a lot of money when I was in university,
and after I left, they continued to support me. This
book ‘Cities for people’ was funded by them, as
well as other books that are about to published. It
is usually difficult to do this only with funding from
my own company. The kind of work we do is not very
lucrative, it just pays for itself because we work on
many small projects around the world, which is
very expensive. We don’t sign big contracts, like
with hospitals or things of that nature, so our profit
is limited. We have great fun, travel around the
world a lot and do good. We believe that is enough.
But our operation is not able to fund our research.
For that we rely on foundations. They understand
that our advice is so important that they continue
to fund us. We never do any design projects. We
provide consultation and advice. I believe that
the world is full of excellent architects, designers,
landscape architects and planners, but there aren’t
enough good programs on what they should be
doing. And that is where our work comes in. With
strategic programs. With ideas. And research plays
an important role in this.
Technical study:
Sustainable city, Sanitation and
Environment
Leo Heller
Francis Bogossian, Leo Heller
Um setor com um enorme passivo histórico a ser resgatado, financiamento insuficiente e marcado por uma visão tecnicista, pontual e
pouco afeita ao planejamento estratégico. Assim podem ser resumidas as principais características do saneamento básico brasileiro hoje,
de acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanitária
e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leo Heller. Na tarde de 18 de junho de 2012, ele compartilhou com o público
presente ao auditório do IAB-RJ seu estudo intitulado “Crescimento
Econômico e Saneamento Básico: impactos, oportunidades e desafios para o Brasil”, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente e
Saneamento.
A sector with an enormous historical liability that
must be repaired, insufficient funding and marred
by a technical, short-term vision with little strategic
planning. That sums up the main characteristics
of Brazil’s basic sanitation, according to Leo
Heller, professor of the Department of Sanitation
and Environmental Engineering of the Federal
University of Minas Gerais (UFMG). On the
afternoon of June 18 of 2012 he shared with the
audience gathered in the IAB-RJ lecture hall the
results of his study entitled Economic Growth
and Basic Sanitation: impacts, opportunities and
challenges for Brazil, commissioned by the Ministry
of the Environment and Sanitation.
Leo Heller began with a diagnostic overview of the
sector, affirming that the so-called conservative
modernization process in Brazil wasn’t quite as
successful in basic sanitation as it was with public
health policies and the eradication of poverty.
“When it comes to sanitation, Brazil still has an
unacceptable deficit for a country with our level of
development,” he stated.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
55
Leo Heller começou por traçar um diagnóstico do setor, afirmando
que o chamado processo de modernização conservadora vivido pelo
país não alcançou no saneamento básico o mesmo sucesso observado com as políticas de saúde e de combate à pobreza. “No saneamento, ainda temos no Brasil um déficit inaceitável para um país com o
nosso nível de desenvolvimento”, afirmou.
Segundo o professor, a Lei 11.445/2007, conhecida como Lei do Saneamento Básico, substituiu um vácuo de marcos regulatórios para o
setor e representou o “consenso possível”: foi saudada como avanço,
mas contém muitas contradições. Hoje existe o Ministério das Cidades, a participação social está garantida pelo Conselho das Cidades,
mas essas conquistas, apesar de importantes, não são suficientes
para fazer avançar o setor e garantir a universalização dos serviços
à população.
Na prática, esse déficit se traduz, segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), elaborado pelo governo federal, em uma
grande parcela da população desprovida de bons serviços de abastecimento de água e esgoto. O atendimento é adequado para apenas
62% das pessoas, no abastecimento de água; 47%, no esgotamento
sanitário; e 59%, no manejo de resíduos sólidos. “O desafio de abranger toda a população com atendimento contínuo e adequado não é
pequeno”, argumentou Leo Heller.
Além de grande quantitativamente, o déficit ainda é distribuído desigualmente no Brasil. As assimetrias são de toda ordem: regionais
(Sul e Sudeste melhores do que as demais regiões; atendimento urbano melhor que rural); intraurbanas, socioeconômicas e até étnicas.
Os desafios de gestão também são enormes, de acordo com Heller.
Os financiamentos não só são insuficientes, mas ineficientes. “O PAC
foi uma injeção de recursos enorme, num setor quase em inanição.
Porém, houve muita oscilação no fluxo de dinheiro e pouco cuidado
com a gestão”, disse.
Para completar o quadro adverso, as intervenções na área são muito
pontuais, sem articulação com uma visão de longo prazo. “O setor se
ressente muito de uma cultura de planejamento estratégico”, afirmou
o professor mineiro.
Pelas projeções do Plansab, o Brasil deverá chegar a 2020 com o
abastecimento de água universalizado nas áreas urbanas e atendendo a 77% dos domicílios das zonas rurais. A coleta de esgoto, por sua
vez, deverá chegar a 91% nas cidades e a 62% no meio rural. A meta
56
According to the professor, Law 11.445/07, also
known as the Basic Sanitation Law, filled a
vacuum of regulatory frameworks for the sector,
representing a “possible consensus”. The law
was hailed as a big step forward, but still contains
many contradictions. Today there is a Ministry
of Cities, and social participation is ensured by
the Council of Cities, but these achievements,
although important, are not enough for the sector
to advance and guarantee universal sanitation
services for the population.
According to the National Plan for Basic Sanitation
(Plansab), developed by the Federal Government,
a large part of the population still lacks adequate
water and sewage services. Only 62% of the
population receives adequate water service; 47%
has access to sewage services; and 59%, to solid
waste management. “The challenge of providing
the entire population with continuous adequate
service is not a small one,” argues Leo Heller.
In addition to the large numbers involved, the
deficit is also distributed unequally across Brazil.
There are all types of asymmetry: regional (the
south and southeast have better services than the
other regions; urban services are better than rural);
intra-urban, socio-economic and even ethnic. The
administrative challenges are also huge, according
to Heller. Funding is not only insufficient, but also
ineffective. “PAC provided an enormous injection
of resources to a starving sector. However, there
were significant fluctuations in the flow of money
and little attention was paid to the administration,”
he said.
To further complete this unfortunate picture, the
interventions are usually very brief, without a
coordinated long-term vision. “The sector suffers
from a lack of a culture of strategic planning,”
affirmed the professor from Minas Gerais.
According to Plansab’s forecasts, by 2020 Brazil
should have universal water supply in all urban
areas and in 77% of all households in rural areas.
Sewage service should cover 91% of households
in the city and 62% in rural regions. The goal for
reducing inefficiency is to reduce the so-called
para reduzir a ineficiência é que as chamadas perdas no sistema
caiam dos atuais 47% para 32%. Para isso, os investimentos deverão
passar dos 0,4% do PIB para 0,45%, e chegar a R$ 420 bilhões. “Em
20 anos teremos um quadro melhor, mas ainda não universalizado”,
disse Leo Heller.
O recado que ficou para a plateia é que dois aspectos são fundamentais para que o País alcance a universalização na área de saneamento: inserir as políticas públicas em uma visão estratégica de futuro
e mudar a lógica do Estado, substituindo as medidas estruturantes
ainda hoje predominantes por medidas estruturais. “Planejamento é
o ponto central, em primeiro lugar. Em segundo, precisamos superar
essa visão imediatista de implantar infraestrutura, de programa de
obra, que não enxerga além. Se continuarmos nessa linha, teremos
muito desperdício de recurso público e no futuro vamos chorar por
não contarmos com um serviço que funcione a contento”, concluiu.
“
Minha preocupação, com relação às metas apresentadas pelo Plano Nacional de Saneamento Básico
para 2020 e 2030, é se foi considerada a expansão do
tecido das cidades. No caso do Rio de Janeiro, estamos
com uma perda de densidade demográfica bastante expressiva, e esse modelo corresponde também às principais cidades brasileiras. Na última década, a região
metropolitana do Rio aumentou a ocupação de seu território e perdeu densidade da ordem de 25%. A população
cresce pouco, mas a cidade aumenta muito em território.
Considerando que nós temos, no caso da Baixada Fluminense, uma cobertura de saneamento muito baixa – os
dados oficiais para Nova Iguaçu são de 0,5% –, esta é
uma questão de extrema importância, que, se não for revertida, pode comprometer seriamente o cumprimento
das metas estabelecidas no plano.
losses in the system from 47% to 32%. To achieve
this, investments will be increased from 0.4%
of GDP to 0.45%, reaching R$420 billion. “In 20
years we should be in much better shape, but we
still won’t have universal services,” said Leo Heller.
The main message he shared with the audience is
that there are two key aspects in getting Brazil to
the point of universal sewage coverage: including
public policies in a strategic vision of the future
and changing the logic of the State Government
by substituting the still predominant structuring
measures with structural measures. “Planning is
the central point, it comes in first place. Hence,
we need to overcome this short-term vision for
implementing infrastructure and construction
programs that don’t look further into the future.
If we continue along these lines, we will waste a
lot of government money and in the future we will
still be complaining about inadequate services,” he
concluded.
“I am concerned whether the goals presented in
the National Plan for Basic Sanitation for 2020 and
2030 consider the expansion of the urban fabric.
In Rio de Janeiro, we are experiencing a significant
loss of demographic density and this model also
applies to other major cities in Brazil. In the last
decade, the metropolitan region of Rio de Janeiro
expanded its territory, while losing approximately
25% of its density. The population is growing a
little, but the city is greatly expanding its territory.
In the case of the Baixada Fluminense we have very
low sewage coverage – the official data for Nova
Iguaçu say 0.5%, so this is an extremely important
issue. If we do not change this it could seriously
compromise the goals of the plan.”
Francis Bogossian, commentator
”
Francis Bogossian, comentarista
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
57
Mesa-redonda | Questões Ambientais das Metrópoles
A ideia central das políticas públicas em vigor é reverter a dispersão geográfica com baixa densidade e investir nas zonas com grande potencial de regeneração urbana, incentivando a construção nos
terrenos ociosos e trabalhando na recuperação dos espaços públicos
degradados.
“Temos cerca de 20% do solo urbano que podem ser reciclados. Assim como fazemos com o plástico, também podemos dar novos usos
ao solo urbano, criando um espaço mais compacto e aprazível para a
convivência”, destacou.
A estratégia incluiu ações como a construção de novas moradias na
área central da cidade, promoção de usos mistos dos edifícios, de
plantas baixas ativas e muros verdes, aproveitamento de espaços
ociosos como vãos sob viadutos, fechamento de ruas para pedestres,
restrição ao estacionamento de carros em áreas públicas, investimento em transporte coletivo com a adoção de BRT e criação de um
sistema público de bicicletas, entre outras.
Marilene Ramos, Maria Teresa Serra, Felipe Leal
>> Felipe Leal
“Uma cidade compacta, extrovertida e compartilhada” é o lema que
norteia os projetos de desenvolvimento urbano hoje em curso na Cidade do México. O secretário de Urbanismo do Distrito Federal, Felipe
Leal, fez uma apresentação das mudanças que vêm transformando a
cara da capital mexicana desde que foi criada a Autoridade do Espaço
Público, em 2000, com o objetivo de reverter a degradação que havia
anos tomava conta de cidade.
Quinta cidade do mundo em população – 9 milhões à noite e 13,5 milhões durante o dia, contando os que chegam para trabalhar –, ela
ocupa menos de 0,1% do território do país, com 10% dos seus habitantes. Tem uma extensão de 1.500 quilômetros quadrados, dos quais
42% são de área verde. São 2,5 milhões de domicílios existentes na
Cidade do México, com uma média de 3,5 pessoas em cada um deles.
Segundo Felipe Leal, 80% dos cidadãos da capital utilizam transporte
público – metrô, ônibus, bondes, trens e bicicletas, em cerca de 22
milhões de viagens diárias. Paradoxalmente, os automóveis, apesar
de transportarem apenas 20% das pessoas que circulam pela cidade,
ocupam 80% das ruas. Com os constantes engarrafamentos, o trabalhador médio gasta 3 horas para ir e voltar do trabalho diariamente.
“Por isso estamos trabalhando no sentido de encurtar as distâncias
para que se possam melhorar as condições urbanas e desfrutar um
espaço público de qualidade.
58
Round-table:
The Environmental Issues of
Metropolises
Felipe Leal
“A compact, outgoing and shared city” that is
the guiding motto for the urban development
projects that are taking place in Mexico City today.
The Secretary of City Planning for the Federal
District, Felipe Leal, gave a presentation about the
changes that have been transforming the face of
the Mexican capital ever since the Authority for
Public Space was created in 2000 to reverse the
degradation process that had been plaguing the
city for years.
The fifth most populated city in the world – 9
million at night and 13.5 million during the day,
including those who flock to the city to work–,
Mexico City occupies less than 0.1% of the
country’s territory and has 10% of the population.
The city covers 1,500 square kilometers; 42% of its
territory is green space. Mexico City has 2.5 million
households, with an average of 3.5 persons per
household.
O secretário mostrou diversos exemplos dessas intervenções em prol
de espaços mais bem ocupados. Uma das principais avenidas do Centro, o Passeo de la Reforma, teve sua densidade aumentada com a
construção, em terrenos baldios, de 17 grandes edifícios, 7 deles de
uso misto (escritórios, comércio e residência). “Isso representa uma
grande redução de gasto energético e poluição e melhora muito a
mobilidade”, frisou Leal.
Outro exemplo apresentado foi o da Praça da República, um marco
histórico da cidade. Antes um enorme estacionamento, a praça foi fechada para carros e transformada em área de lazer, restaurando-se o
monumento central, com um elevador panorâmico, a criação de fontes
e iluminação apropriada. Agora vive cheia de gente, conforme se viu
na apresentação. “Isso tem um caráter simbólico muito importante
para a identidade do cidadão, que se sente retomando a sua cidade.”
A principal rua de acesso ao centro foi fechada ao tráfego, recebeu
nova iluminação e piso, e, segundo o secretário, a resposta foi imediata: “novos restaurantes e lojas foram surgindo e hoje 120 mil pessoas
circulam por ela diariamente, número que chega a 200 mil nos fins de
semana”. A Praça Garibaldi, tradicional ponto dos mariachis, também
foi restaurada, ganhou um Museu da Tequila e voltou a ser plenamente ocupada. “Depois disso, a delinquência no local foi reduzida em
90%”, disse Felipe Leal.
According to Felipe Leal, 80% of citizens use public
transportation – subway, buses, streetcars, trains
and bicycles, with approximately 22 million daily
trips. Paradoxically, even though cars transport
only 20% of people who move through the city,
they occupy 80% of the streets. With constant
traffic jams, a worker spends an average of three
hours each day to go to and from work. “That is
why we are trying to reduce distances so we can
improve urban conditions and give people quality
public space to enjoy.”
The central idea of the current public policies is
to reverse low density urban sprawl and invest
in regions that have a great potential for urban
renewal, encouraging construction on empty lots
and recovering degraded public areas.
“Approximately 20% of our urban land can be
recycled. Just as we do with plastic, we can also
find new use for our urban land, creating a more
compact and pleasant living space,” he emphasized.
The strategy includes some of the following
actions: building new housing in central parts of
the city, promoting the mixed use of buildings,
low-rise construction with green walls, the use
of vacant spaces, for example under viaducts,
closing streets to car traffic and allowing only
pedestrian use, parking restrictions in public areas,
investments in public transportation by adopting
BRTs and creating a public bicycle system.
The secretary of city planning showed several
examples of these interventions which have
resulted in the better use of public spaces. The city
increased the density of one of the main downtown
avenues, the Passeo de la Reforma, by building
17 large buildings on empty lots; seven of these
buildings have mixed use (offices, commerce and
housing). “This greatly reduced energy use and
pollution, and significantly improved mobility,”
highlighted Leal.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
59
O secretário informou ainda que a restrição do espaço para carros,
acompanhada do investimento em transporte público, representou a
emissão de menos 400 milhões de toneladas de CO2 nos últimos cinco anos – uma redução de 34%, tirando da capital mexicana o título
de cidade mais poluída do planeta. E concluiu afirmando que “mais
do que criar novos espaços, resgatar os existentes e devolvê-los à população é o que garante uma cidade sustentável, mais extrovertida,
acessível, segura e atrativa para todos”.
Teto verde do Palácio Virreinal, Cidade do México, 2012
Green roof of the Virreinal Palace, Mexico City, 2012
Another example was that of the Plaza de
la República, a historic landmark in the city.
Previously, the square had been a huge parking
lot. It was closed to traffic and transformed into
a leisure area. The main monument was restored
and equipped with a panoramic elevator, fountains
were built and appropriate lighting installed. The
presentation showed that the square is now always
packed with people. “This has a very important
symbolic meaning for the identity of citizens, who
feel they are regaining ownership of their city.”
The main access road to downtown was closed to
traffic, equipped with new lighting and resurfaced.
According to the secretary, the response was
immediate. “New restaurants and shops began
to emerge and today 120 thousand people a day
use this area, on weekends this increases to 200
thousand people.” Plaza Garibaldi, the traditional
gathering place of the Mariachi musicians, was also
renovated. A Tequila Museum was built and the
area is now fully used again. “After these changes,
delinquency in this area dropped by 90%,” said
Felipe Leal.
The secretary also said that restricting the amount
of space for cars, accompanied by investments
in public transportation, represented a reduction
of 400 million tons of CO2 in the last five years
– a 34% reduction, causing Mexico’s capital to
lose its position as the most polluted city in the
world. He concluded by affirming that “it is not by
creating new spaces, but by restoring the existing
spaces and returning those to the population that
we ensure a sustainable city, a more outgoing,
accessible, safe and attractive city for everybody.”
Rua convertida para pedestres, Cidade do México, 2012
Street converted for pedestrians, Mexico City, 2012
60
>> Marilene Ramos
“A única maneira de melhorarmos a qualidade da água de forma sensível e atingirmos a meta de despoluição da Baía de Guanabara para
2016 é por meio do sistema de tratamento de tempo seco. Sem isso
não chegaremos lá. Sei que a questão é extremamente polêmica, exige
mudança na legislação para ser adotada, porque a Constituição determina o tratamento de esgoto em rede unitária, mas eu defendo o
sistema de tempo seco como meio de se buscar atingir tratamento de
uma quantidade maior em curto espaço de tempo. Foi o sistema de
tempo seco que salvou o sistema lagunar em Araruama e Saquarema.
Se formos esperar o sistema de esgoto passar em cada rua e conectar cada casa, isso levará décadas, e aumentará ainda mais o passivo
ambiental da baía.”
A afirmação enfática foi feita pela presidente do Instituto Estadual do
Ambiente do Rio de Janeiro (INEA), Marilene Ramos, no debate que se
seguiu a sua apresentação sobre questões ambientais das metrópoles.
Marilene respondia à pergunta de um dos presentes que indagara como
o Inea se posicionava sobre o fato de cidades como Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, possuírem, em cerca de 80% do seu sistema de esgoto em rede unitária direcionados para os rios, sem nenhum tratamento.
Em situações como essa, em vez de construir as tubulações do
saneamento convencional, o governo defende que o esgoto seja bombeado para pequenas estações de tratamento nas localidades. A expressão «tempo seco» refere-se à impossibilidade de usar o sistema
em dias de chuva, pelo risco de o esgoto transbordar. Segundo Marilene, a tecnologia, apesar de criticada por muitos sanitaristas, possibilita uma melhora na qualidade da água de lagoas, baías e praias. O
projeto foi apresentado ao governo pelo biólogo Mário Moscatelli e é
considerado pela Secretaria do Ambiente uma solução emergencial
para melhorar a qualidade da água da baía a tempo de se realizarem
os jogos. “Esse sistema não pode ser considerado solução final para
o tratamento de esgoto, e sim complementar, à espera da instalação
futura de uma rede de esgoto”, disse.
A fala da presidente do Inea recebeu apoio imediato e irrestrito do
presidente do IAB, Sérgio Magalhães, que colocou o espaço do Instituto à disposição para a realização de um amplo debate sobre o tema.
“Eu me incluo entre os que consideram que a recuperação da baía é
um dos mais importantes pilares para se reestruturar a metrópole.
Marilene Ramos
“The only way we can significantly improve
the water quality and reach our goal to reduce
pollution in Guanabara Bay in time for 2016 is
with a dry weather flow sewage treatment system.
Without this system we will never get there in time.
I know that the issue is extremely controversial.
It will require a change in legislation because the
Constitution dictates that sewage treatment must
be provided by a single network, but I advocate the
use a dry weather system to achieve the greatest
amount of treatment in the shortest possible time
frame. It was this treatment that saved the lagoon
system in Saquarema and Araruama. If we wait for
the sewage system to be installed in every street
and hooked up to every home, it will take decades,
and it will even further increase the environmental
damage in the bay.”
This clear statement was made by the president of
the State Environmental Institute of Rio de Janeiro
(INEA), Marilene Ramos, during the discussion that
followed her presentation about the environmental
issues of metropolises. Ramos was answering
a question from one of the guests who wanted
to know what the position of INEA was on cities
such as Nova Iguaçu, in the Baixada Fluminense,
that dump 80% of the sewage from their sewage
network untreated into the rivers.
In situations such as these, instead of installing
conventional sewage pipes, the government calls
for the sewage to be pumped to small sewage
treatments stations in the communities. The
term ‘dry weather’ refers to rainy days when
the system cannot be used, due to the risk of
sewage overflowing. Although criticized by many
sanitation engineers, Ramos states that the
technology improves the quality of the water
in the lagoons, bays and beaches. The project
was presented to the government by biologist
Mario Moscatelli and is being considered by the
State Secretary of Environment as an emergency
solution to improve the water in the bay in time for
the Games. “This system should not be regarded as
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
61
Você comentou que é preciso haver uma mudança institucional para
que isso seja possível. Eu gostaria de sugerir que nós organizássemos
um seminário para discutir esse assunto, do qual possamos retirar
uma posição que ofereça respaldo a essa tese, e que possa se transformar uma causa em benefício de nossa cidade metropolitana.” Marilene agradeceu e aceitou o oferecimento.
Na sua apresentação, ela falou dos desafios ambientais da Região Metropolitana do Rio, que engloba dois maciços – da Tijuca e da Pedra
Branca – cercados por ocupação urbana com toda sorte de problemas: ocupação desordenada, perda de cobertura florestal, degradação da água, poluição, lixões, áreas contaminadas, desastres naturais
e vulnerabilidade às mudanças climáticas.
A qualidade da água dos rios da cidade está totalmente comprometida. A fonte é o esgoto urbano sem tratamento. E essa situação decorre da falta de saneamento. Levantamento do Inea, com base no ICMS
Verde, aponta que 33% do esgoto são tratados no estado. Há cinco
anos, eram 20%. “Mas é ainda insuficiente para reverter o quadro”,
afirmou.
A meta estabelecida no pacto pelo saneamento é chegar a 2018 com
80% do esgoto tratados e coletados. O desafio, segundo a engenheira, é grande por causa da baixa capacidade de investimentos no setor.
“Mas hoje temos uma grande oportunidade de virar o jogo com o
legado das Olimpíadas”, lembrou Marilene.
Como conquistas, ela contabilizou o fato de o estado já ter alcançado
desmatamento zero, de ter recuperado 5% da cobertura vegetal, de
ter fechado o lixão de Gramacho e caminhar a passos largos para
cumprir a meta de ter 85% do lixo coletados em aterros sanitários.
Urbanização do Rio
Sarapuí – Programa de
Aceleração do Crescimento
PAC- Rios da Baixada
Fluminense, RJ, 2010
Sarapuí River urbanization
– Growth Acceleration
Program PAC - Rivers of
Baixada Fluminense,
RJ, 2010
62
the end solution for sewage treatment, but rather
as complementary, while we await the future
installation of a sewage system,” he explained.
This statement by the president of INEA received
immediate and unconditional support from the IAB
president, Sérgio Magalhães, who offered a space
at the institute to host a broad debate on the issue.
“I also believe that the recovery of the bay is one
of the most important pillars for restructuring the
city. You mentioned that it requires an institutional
change to make this possible. I would like to
suggest that we organize a seminar to discuss this
issue, so we can form a position that will support
this thesis and we can transform this cause into a
benefit for our metropolitan city.” Marilene Ramos
thanked the IAB and accepted the offer.
In her presentation, she talked about the
environmental challenges in the Metropolitan
Region of Rio de Janeiro, which encompasses
two mountain massifs – Tijuca and Pedra Branca
– surrounded by urban settlements with a variety
of problems: disorganized occupation, loss of
forest coverage, degradation of the water quality,
pollution, garbage dumps, contaminated areas,
natural disasters and vulnerability to climate
changes.
The water quality of the city’s rivers is completely
compromised. The source is untreated urban
sewage, which is a result of a lack of sanitation
services. An assessment by INEA, based on ICMS
(State Tax on Circulation of Goods and Services),
Verde, showed that only 33% of sewage in the
state of Rio de Janeiro is treated. Five years ago,
this was 20%. “But it is still insufficient to reverse
the situation.”
The goal that has been established in the sewage
agreement is to collect and treat 80% of all sewage
by 2018. According to the engineer, the challenge
is huge because investments in this sector are low.
“But today we have a great opportunity to turn
the tables because of the Olympic legacy,” stated
Ramos.
Among some of the State’s achievements, Ramos
listed reducing deforestation to zero, restoring
5% of the forest coverage and closing the
O controle de inundações e a convivência com desastres ainda representam desafios grandes, mas também já se registram avanços.
O Projeto Iguaçu dragou 60 quilômetros de rios, removeu de áreas
de risco de inundação e reassentou 2.500 famílias e também criou
a APA do Alto Iguaçu. E já está quase finalizado o sistema de alerta
contra temporais, com a criação em todo o estado de 64 estações
hidrometereológicas e dois radares metereológicos.
A poluição do ar é outro problema gravíssimo, mas Marilene falou
com orgulho que o Estado do Rio é o único do Brasil a fazer vistoria
veicular anual, com reprovação para os carros desregulados. Não é
um dado trivial, levando-se em conta que o inventário de emissões de
gases poluentes locais aponta que 77% vêm das fontes móveis. Outra
boa notícia é a verba do Fundo de Proteção Ambiental: “Hoje temos
R$ 360 milhões no fundo, que é todo aplicado em meio ambiente.
Com isso temos conseguido alavancar projetos e esperamos cumprir
com todos os compromissos para 2016 que nos deixe o legado de um
meio ambiente melhor”, disse Marilene Ramos.
“
Gostaria de fazer três ponderações a partir do que
ouvimos aqui hoje. A primeira é que o mundo em que estamos vivendo e para o qual caminhamos é um mundo cada
vez mais urbanizado. Portanto, o fato de cidades como
Copenhague, Rio de Janeiro e Cidade do México poderem
compartilhar experiências e aprender umas com as outras é de grande valia. A segunda observação é que esta
reunião foi muito feliz em nos permitir passar pelas três
grandes escalas das quais depende a sustentabilidade urbana: da macroescala – da infraestrutura, das grandes redes – até a microescala – do nível do desenho –, nos dando
a medida dos grandes desafios que temos que enfrentar.
Finalmente, acabamos batendo na questão da mudança
de paradigmas tecnológicos que poderão requerer novas
legislações e novos desenhos institucionais. Fica então o
convite para que esse debate prossiga.
”
Gramacho landfill. The city is also well on its way
to meet its goal of collecting 85% of all its waste in
sanitary landfills.
Flood control and disaster management remain
huge challenges, but here the city has also made
some progress. The Iguaçu Project dredged 60
kilometers of rivers, removed 2500 families from
flood-prone areas and resettled them elsewhere,
and created the Alto Iguaçu Environmental
Protection Area (APA). Furthermore, the city has
almost completed its storm alert system, setting up
64 weather stations across the state to measure
rainfall and two weather monitoring radars.
Air pollution is another serious problem, but
Marilene Ramos was proud to share that the state
of Rio de Janeiro is the only one in Brazil that
conducts annual vehicle emission inspections,
failing poorly tuned cars. This is not a trivial
statistic, as studies have shown that 77% of local
pollution emissions come from mobile sources.
Another piece of good news is the funding of the
Environmental Protection Fund: “Today, this fund
contains R$360 million, which is entirely spent
on the environment. As a result we have been able
to set up various projects and we expect to meet
all our commitments so that 2016 will leave us
with the legacy of a better environment,” said
Marilene Ramos.
“I would like to make three points based on what
we have heard today. The first is that the world in
which we live today and where we are heading in the
future, is an increasingly urbanized world. Therefore,
it is very valuable that cities like Copenhagen, Rio de
Janeiro and Mexico City can share experiences and
learn from each other. Secondly, this meeting has
been a wonderful opportunity for us to reflect on
the three major scales on which urban sustainability
depends: ranging from the macro – the infrastructure,
the large networks, to the micro – the level of design,
which shows us the major challenges we have to
address. Finally, we ended up discussing the issue of
changing technological paradigms that may require
new legislation and new institutional designs. I would
therefore like to invite you to continue this debate.”
Maria Teresa Serra, mediator
Maria Teresa Serra, mediadora
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
63
2. Habitação
Estudo técnico | Cidade Sustentável e Habitação
A demanda por materiais de construção já é forte e tende a se intensificar. “Mais de 50% dos recursos extraídos da natureza são destinados à construção. Uma vez que não há como miniaturizar nossa
matéria-prima, como na indústria eletrônica, o setor continuará sendo um grande demandante”, complementou.
Outro problema ambiental envolvido na indústria da construção civil
é o alto consumo de água e energia. Segundo John, logo os edifícios
irão consumir 10% da água e 40% da energia mundial, e responderão por 25% das emissões de CO2. A geração de resíduos também
preocupa.
A solução, para ele, não passa pelo uso do chamado green building
(construção verde), que vem sendo divulgado como grande solução
para tornar as construções mais sustentáveis. “O motivo é que o conceito de green building foi desenvolvido em nações com muitos recursos financeiros e tecnológicos e baixo déficit habitacional. Na prática,
não tem aplicabilidade em nações em desenvolvimento, como a nossa, ou em países mais pobres”, disse, categórico.
A cor dos materiais utilizados, principalmente em países pobres, tem
contribuído para o aquecimento nas grandes cidades. “Quanto mais
pobre é a construção, mais escuro é o telhado e mais quente fica a
casa; são coisas que não estão na agenda ambiental, mas deveriam
estar”, enfatizou.
João Whitaker, José Conde Caldas, Wanderley John
>> Vanderley John
As metas em curso para se acabar com o déficit habitacional, no Brasil
e no mundo, têm gerado imenso ganho social. Ao mesmo tempo, desafiam governos, empresas, organizações não governamentais e cientistas a buscarem soluções para minimizar os danos ao meio ambiente.
É o que se pode concluir da palestra do engenheiro e professor Vanderley John, do Instituto Politécnico da Universidade de São Paulo
(Poli/USP). Segundo ele, até 2030 serão construídas 96 mil casas ao
dia, em especial nos países pobres e em desenvolvimento. No Brasil, a
meta é de 22 milhões de moradias até 2022.
“Para cumprir essas metas, é preciso aumentar a velocidade das
construções e a capacidade de provê-las de infraestrutura, o que requer um volume alto de investimento e, inevitavelmente, irá provocar
danos ambientais”, afirmou.
64
2. HOUSING
Technical study:
Sustainable city and Housing
Vanderley John
The current goals that have been established
to eliminate the housing shortage, both in
Brazil and around the world, have generated
enormous social benefits. At the same time, the
issue challenges governments, businesses, nongovernmental organizations and scientists to
find solutions to minimize the damages to the
environment.
Outro problema, no que se refere a materiais, está no fato de que
ainda não há substituto viável para o cimento. “Nosso consumo per
capita de cimento é maior do que o de comida, e não se monta uma
escala dessa dimensão da noite para o dia”, acrescentou.
Embora essa agenda para minimizar problemas ambientais seja global, o professor da USP defende a busca de soluções locais. Para ele,
normalmente, quando o País busca pacotes importados, acaba “errando feio”. E lembrou que os compromissos por país, em negociações
globais, devem ser diferenciados. “Um americano gasta em média oito
vezes mais energia do que um brasileiro, é um consumo maciço. Para
reduzir o consumo aqui, só se abrirmos mão da geladeira”, brincou.
That was the conclusion from the lecture presented
by engineer and professor Vanderley John, from
the Polytechnic Institute of the University of São
Paulo (Poli/USP). In his opinion, through to 2030,
there will be 96 thousand houses built every day,
especially in poor and developing countries. In
Brazil, the goal is to build 22 million houses by
2022.
“To meet these goals, we need to increase the
speed of construction and our capacity to provide
these houses with infrastructure, which requires
a high volume of investment and, inevitably, will
cause environmental damages,” he said.
The demand for construction materials is already
very high and will only increase. “More than 50% of
the resources extracted from nature are destined
for the construction industry. As we cannot reduce
the size of our resources, like for example in the
electronics industry, this sector will continue to
represent a huge demand,” he added.
Another environmental problem in the civil
construction industry is the high level of water
and energy consumption. According to John, in
the near future, buildings will consume 10% of
all water and 40% of all energy in the world, and
will be responsible for 25% of CO2 emissions. The
generation of waste is another concern.
The solution is not the use of so-called green
construction, which has been hailed as a
major solution for making construction more
sustainable. “The concept of green construction
has been developed in countries with huge
financial and technological resources and a low
housing shortage. In reality, this technology is not
applicable in developing countries, such as ours, or
in poorer countries,” he stated emphatically.
The color of the materials used, especially in poor
countries, contributes to generating heat in large
cities. “The poorer the construction, the darker
the roof and the hotter the house. These issues are
not included in the environmental agenda, but they
should be,” he underscored.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
65
Nossa agenda de contribuição para minorar os problemas ambientais provocados pela indústria da construção civil, na opinião do
engenheiro, deveria incluir, por exemplo: melhoria das condições de
trabalho no setor; investimentos em educação ambiental para trabalhadores e consumidores; maior fiscalização quanto à qualidade de
produtos utilizados; e realização de investimentos em inovação para
a sustentabilidade. Vanderley John defendeu também a formulação
de estratégias de médio e longo prazo.
A tecnologia só tem a contribuir nesse processo. “Muita gente fica falando mal do desenvolvimento, mas a indústria, a tecnologia, praticamente dobrou a expectativa de vida nos últimos 250 anos. Do ponto
de vista humano, a tecnologia é um sucesso tremendo”, argumentou,
para em seguida registrar que se morre muito mais no interior do
Mato Grosso, onde não há estresse mas também não há infraestrutura, do que nas grandes capitais.
Another problem in terms of the materials is the
fact that there is no viable replacement yet for cement. “Our per capita consumption of cement is
higher than that of food, and you cannot address
an issue of this magnitude overnight,” he added.
Although the agenda to reduce environmental
problems should be global, the USP professor
advocates for a search for local solutions. Typically when a country opts for imported solutions,
“things go very wrong”. He also recalled that each
country’s commitments in global negotiations
should be differentiated. “An American spends on
average eight times more energy than a Brazilian,
which represents an enormous amount of consumption. To cut back on our energy use here, we
would have to get rid of our fridge,” he joked.
The engineer believes that our plan to contribute
to reducing the environmental problems caused
by the civil construction industry should include
for example: improved working conditions in the
sector; investments in environmental education
for workers and consumers; more quality control
of products used; and investments in innovations
for sustainability. Vanderley John also advocated
for the development of medium and long-term
strategies.
Technology can contribute to this process. “A lot of
people badmouth development, but industry and
technology, have practically doubled people’s lifespan in the last 250 years. From a human perspective, technology is a huge success,” he argues. In
fact, the death rate is much higher in the interior of
Mato Grosso, where there is no stress, but also not
the same infrastructure as in the large capitals.”
>> João Whitaker
O professor João Whitaker, do Laboratório de Habitação da Universidade de São Paulo (LabHab/USP) e da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, trabalha na formulação de uma nova matriz urbana para
o Brasil, sob o paradigma da justiça socioambiental. Whitaker acredita
que a sustentabilidade urbana está, antes de mais nada, na promoção
de justiça socioambiental, o que implica a construção de uma cidade
boa para todos os seus habitantes e não apenas para as classes econômicas mais abonadas.
O desafio é enorme, dado o cenário de crescimento econômico significativo, mas ainda com peso da desigualdade social; alto consumo; imensa emissão de carbono; e falta de serviços básicos para uma
grande parcela da população. Ele ressaltou que o problema é agravado pelo fato de países do Sul, como o Brasil, nunca terem tido um
Estado promotor do bem público.
“É preciso crescer, mas ao mesmo tempo resolver nosso passivo ambiental. Sabemos que os processos de industrialização e urbanização
trazem forte impacto ambiental. É possível mitigar os danos ao meio
ambiente no padrão atual ou deve-se pensar em mudança de padrão?
Precisamos nos fazer esta pergunta”, disse.
Olhar para nossa dívida social deve ser uma prioridade, na opinião do
arquiteto. “Vocês acham que é possível andar de bicicleta aqui?”, perguntou, enquanto projetava fotografias de favelas brasileiras cheias
de becos, praticamente intransitáveis. A pergunta retórica era uma
alusão à conferência na qual o arquiteto dinamarquês Jan Gehl, no
dia anterior, defendera a locomoção a pé ou de bicicleta nas cidades.
“Nosso desafio é mais complexo. Em algumas cidades, 40% da população moram em lugares como esses”, acrescentou. E lembrou que,
em São Paulo, 35% da população andam de bicicleta porque não têm
dinheiro para a condução ou acesso a transporte público eficiente.
“A cara da sociedade brasileira ainda é de precariedade urbana, ausência de saneamento, exposição a riscos, ocupação em áreas frágeis
e muitos outros problemas. Sustentabilidade ambiental urbana, antes
de mais nada, é promoção de justiça socioambiental”, enfatizou.
66
João Whitaker
Professor João Whitaker, from the Housing
Laboratory of the University of São Paulo
(LabHab/USP), and the Presbyterian University
Mackenzie, is working on a new urban matrix for
Brazil, under the paradigm of social-environmental
justice. Whitaker believes that urban sustainability
is found, first and foremost, in promoting socialenvironmental justice, which implies building a
good city for all its inhabitants and not only for the
more economically endowed classes.
The challenge is huge, considering the scenario
of significant economic growth, but we still see
the burden of social inequality; high level of
consumption; high carbon emissions; and a lack of
basic services for a large portion of the population.
He pointed out that the problem is compounded by
the fact the southern countries, such as Brazil, have
never had a State that promoted the public good.
“We have to grow, but at the same time we have
to solve our environmental liabilities. We know that
industrialization and urbanization processes cause
strong environmental impacts. It is possible to
mitigate the environmental damages in the current
standard or should we consider changing the
standard? We need to ask ourselves this question,”
he said.
The architect believes that our social debt should
be our priority. “Do you think you can ride your bike
here?”, he asked, while projecting photographs
of Brazilian slums full of narrow, practically
impassable alleys. The rhetorical question was a
reference to previous day’s presentation, when
Danish architect Jan Gehl advocated that people
get around the city on foot or by bicycle.
“Our challenge is more complex. In some cities,
40% of the population lives in places like these,“
he added. He recalled that in São Paulo 35% of the
population rides a bike because they don’t have
money for or access to public transportation.
“Brazilian society still suffers from precarious
urban conditions, lack of basic sanitation, exposure
to dangerous situations, settlements in fragile
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
67
Outros motivos para o quadro são: a verticalização sem critério, o
descontrole da atividade imobiliária e o tamponamento de rios. “A situação demanda transformação da consciência social sobre o que é a
cidade sustentável. Precisamos de um novo modelo urbano que atenda o déficit e a precariedade habitacional e responda ao aumento da
classe C, pois estamos produzindo uma matriz insustentável”, disse.
Ao final de sua apresentação, muito aplaudida, Whitaker defendeu
“que se tome a justiça socioambiental como aglutinadora de políticas de infraestrutura dispersas em diferentes níveis de governo, e
que esta seja incorporada como um direito, tal como saúde e educação”. Sugeriu ainda uma mudança radical na matriz de transporte;
maior regulação da atividade imobiliária, com o estabelecimento de
parâmetros e normas para a construção e menor fragmentação de
políticas urbanas; efetiva implementação do Estatuto das Cidades; e
melhores condições para os trabalhadores da construção civil.
“
Estou aqui com dois bonés, o de urbanista e o de
incorporador, presidente de entidade de classe. Queria ressaltar que estávamos construindo, há seis, sete
anos, em torno de 120 mil unidades/ano. Com o Minha
Casa Minha Vida, saltamos para 1 milhão de unidades e
está previsto novo salto para 2 milhões em dois anos.
No dia do lançamento do programa, tive a oportunidade
de dizer à Presidente Dilma: “a senhora tem uma meta
fantástica, mas é absolutamente impossível sair da inércia para construir 2 milhões de casas por ano”. Esse é o
tamanho do desafio que o setor de construção civil enfrenta hoje. Existe demanda, existem recursos, mas está
faltando mão de obra. Grandes construtoras estão entregando obras com dez meses de atraso porque não tem
gente para trabalhar. Também cabe colocar o problema
do anacronismo das nossas legislações urbanísticas. O
Congresso Nacional trabalhou por 11 anos na elaboração
do Estatuto das Cidades – e estive diretamente envolvido
nisso. Já faz dez anos que ele foi aprovado, só que não
está sendo utilizado. Essa é uma questão que deve ser
posta em debate.
”
José Conde Caldas, comentarista
68
areas and many other problems. Urban
environmental sustainability, first of all, is the
promotion of social-environmental justice,” he
emphasized.
Mesa-redonda | Habitação, Política e Gestão
Other reasons for this situation include:
uncontrolled vertical growth, unbridled real estate
development and clogged up rivers. “The situation
demands a transformation of social awareness
of what a sustainable city is. We need a new
urban model that will address the housing deficit
and precarious housing conditions and address
the growth of the C-Class (translator’s note:
lower middle class), as we are now producing an
unsustainable matrix,” he said.
At the end of his much applauded presentation,
Whitaker stated that “we should use socialenvironmental justice to unify the infrastructure
policies that are dispersed over several levels of
government, and ensure it becomes entrenched
as a basic right, like health and education.” He also
suggested a radical change in the transportation
network; greater regulation of real estate
developments, establishing parameters and norms
for construction and less fragmentation of urban
policies; the effective implementation of the
Statute of Cities; and improved working conditions
for workers in the civil construction sector.
“I am wearing two hats here, that of real estate
developer, president of a professional association. I
would like to note that six, seven years ago we were
building around 120 thousand units per year. With
the Minha Casa Minha Vida program, we have gone
up to 1 million units per year and in two years we
should see another jump to 2 million units. On the
day of the program launch, I had a chance to say
to President Roussef: ‘you have an amazing goal,
but it is absolutely impossible to go from inertia to
building 2 million houses a year.’This is the size of
the challenge that the construction industry faces
today. There is a demand, there are resources,
but there is not enough labor. Major construction
companies are delivering projects ten months
late because they don’t have enough workers. It is
also important to mention our out-of-date urban
planning legislation. The National Congress spent
11 years developing the Statute of Cities– and I was
directly involved in this. It was approved ten years
ago, but it is not being used. That is another issue
that should be discussed.“
José Conde Caldas, commentator
Inês Magalhães, Antônio Augusto Veríssimo, Cláudio Acioly
>> Inês Magalhâes
Em um país com 3 milhões de pessoas vivendo em domicílios precários e déficit habitacional de 5,6 milhões de moradias, planejar solução para os problemas habitacionais demanda escala, segundo a
Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. Por esse motivo,
acrescentou, exemplos de como certos países pequenos vêm enfrentando seus problemas habitacionais podem ser interessantes, mas
normalmente não nos servem.
Inês Magalhães observou ainda que, atualmente, existe no Brasil uma
espécie de consenso quanto à necessidade de se enfrentar a questão.
“Que nem quando se fala em combater a fome. Ninguém é contra, só
que cada grupo quer que sua racionalidade comande o processo”, disse, dando pistas da dificuldade de se definir um modelo de atuação.
Round-table:
Housing, policy
and administration
Inês Magalhâes
According to the National Secretary of Housing,
Inês Magalhães, planning a solution for housing
problems in a country where 3 million people live
in precarious housing and there is a shortage of
5.6 million houses, requires scale. She added that
this is exactly why examples of small countries
that are addressing their housing problems may
be interesting, but usually don’t work for us.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
69
A secretária concordou em que se faz necessária a busca de soluções
compatíveis com a noção de justiça social. E enfatizou que, diferentemente do que houve nos tempos da ditadura militar, quando o Brasil
tentou crescer primeiro para distribuir renda, nos últimos governos
a opção foi distribuir renda para crescer. “Trata-se de uma opção importante, pelo aspecto social, mas sabemos que impactante, pelo aspecto ambiental”, ressaltou.
Nesse contexto, Inês Magalhães assume que cabe ao governo se
empenhar para encontrar maneiras de conciliar investimentos em
larga escala com responsabilidade social e ambiental. A secretária
enfatizou que encontros como o realizado pelo IAB representam uma
oportunidade de reflexão extremamente rica. “Esses momentos de
reflexão nos ajudam a compor uma tela mais ampla dos objetivos de
longo prazo que estamos constituindo”, disse.
“Quem está no governo vive uma desgraça e um privilégio. Vive a
angústia de ter que lidar com tantos problemas, mas no dia seguinte
pode tomar decisões, fazer encaminhamentos para poder implementar uma estratégia de longo prazo”, acrescentou.
A secretária lembrou que a urbanização de favelas tem sido uma
prioridade para o governo, nos últimos anos, por meio do Programa
de Aceleração do Crescimento, o PAC. “Este está sendo considerado o passivo social e urbano que deve ser privilegiado para a gente
construir uma plataforma de desenvolvimento duradouro”, explicou.
Inês Magalhães also noted that there is a current
consensus in Brazil that we have to address the
issue. “It is like when we talk about fighting hunger,
nobody is against it. However, each group wants
their own rationale to guide the process,” indicating
the challenge of defining an operational model.
The secretary recalled that favela upgrading has
been a government priority in the last few years,
through the Growth Acceleration Program, or PAC.
“This is seen as a social and urban liability that
must be prioritized so we can build a platform for
lasting development,” she explained.
The secretary agreed that it is necessary to find
solutions that are compatible with the notion
of social justice. She emphasized that, unlike
what happened during the days of the military
dictatorship, when Brazil tried to grow first so
it could distribute income, it has now opted
to distribute income to grow. “This is a very
important choice, for social reasons, but also for
environmental reasons,“ she underlined.
On another front, the government finances the
purchase and renovation of houses through the
program Minha Casa Minha Vida, with specific
programs targeted at different income levels. The
Secretary underscored that one of the program’s
strengths is that for the poorest families the value
of the housing unit is no longer tied to family
income. “People will pay 10% of their income,
regardless of the value of the acquired housing
unit. Conceptually, this was a great leap forward
for the Program Minha Casa Minha Vida, making
housing a right of every citizen,” she said.
In this context, Inês Magalhães acknowledges that
the government must find ways to reconcile large
scale investments with social and environmental
responsibilities. The secretary emphasized that
meetings such as this one organized by the IAB
offer an opportunity for important reflection.
“These moments of reflection help us to paint
a broader picture of the long term goals we are
developing,” she said.
“Those who are in government live both in disgrace
and in privilege. They suffer the anxiety of dealing
with so many problems, but the next day they can
take decisions, make referrals to implement a longterm strategy,” she added.
Habitação social, Programa Minha Casa Minha Vida, c. 2012
Social housing, Minha Casa Minha Vida Program, circa 2012
Em outra frente, o governo financia a compra e a reforma de residências por meio do programa Minha Casa Minha Vida, com modalidades
para diversas camadas de renda. A secretária ressaltou como ponto
forte do programa a recente desvinculação entre o valor da unidade
habitacional adquirida e a renda familiar, para as famílias mais pobres. “A pessoa vai pagar 10% da sua renda, independente do valor da
unidade adquirida. Do ponto de vista conceitual, foi um grande passo
do Programa Minha Casa Minha Vida, no sentido de tomar a moradia
como um direito do cidadão”, disse.
To conclude her presentation, Inês Magalhães
listed some of the government’s challenges in
housing: improve the quality of the architectural
solutions, reduce maintenance costs, ensure
the sustainability of the projects, invest in the
restoration of buildings, and ensure that families
who have received assistance from government
programs remain in their housing units. The
secretary would also like to see the municipal
government play a bigger role in implementing the
Minha Casa Minha Vida program.
Para finalizar, Inês Magalhães listou alguns desafios com os quais o
governo lida, na área habitacional: melhorar a qualidade das soluções
arquitetônicas, minimizar custos de manutenção, garantir a sustentabilidade dos empreendimentos, investir na requalificação de edifícios,
garantir a fixação de famílias beneficiadas por programas de governo. Especificamente em relação ao Minha Casa Minha Vida, a secretária gostaria de ver maior participação do poder público municipal na
implementação do programa.
Habitação social, Salvador, BA, c. 2012
Social housing, Salvador, BA, circa 2012
70
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
71
>> AntOnio Augusto Veríssimo
O arquiteto Antonio Augusto Veríssimo, Coordenador de Planejamento e Projetos da Secretaria Municipal de Habitação (SMH) da Prefeitura do Rio de Janeiro, apresentou na mesa-redonda sobre Habitação o
programa Morar Carioca de urbanização de favelas, representando o
Secretário de Habitação, Jorge Bittar.
Conduzido pela Prefeitura com apoio financeiro dos governos federal
e municipal, o Morar Carioca foi lançado em 2010 e visa, segundo Veríssimo, “fomentar um desenvolvimento urbano mais integrado, por
meio de soluções inovadoras e sustentáveis, considerando os aspectos econômicos, ambientais, culturais e sociais”. A meta é, até 2020,
intervir em todas as comunidades urbanizáveis da cidade.
“O programa toma partido do contexto que vive hoje a cidade, em que
se coloca de forma efetiva a oportunidade de priorização, na política
habitacional, de investimentos que se tornem um legado social e ambiental dos Jogos Olímpicos”, disse Veríssimo.
Atualmente, cerca de 1,4 milhão de pessoas vive em favelas, no Rio,
o que corresponde a 22% da população. Segundo o coordenador, as
favelas urbanizáveis que serão objeto do Morar Carioca somam 256
mil domicílios.
Antonio Augusto Veríssimo
The architect Antonio Augusto Veríssimo, Planning
and Project Coordinator for the Municipal Housing
Secretary (SMH) of the City of Rio de Janeiro made
a presentation at the Housing Round-table on the
favela upgrading program Morar Carioca. He spoke
on behalf of the Secretary of Housing, Jorge Bittar.
Launched in 2010, the Morar Carioca program has
been developed by the municipal government, with
funding from the federal and municipal government
to “promote a more integrated urban development,
through innovative and sustainable solutions, with
regard to the economic, environmental, cultural
and social aspects”. The goal is to intervene in
every community that meets the program criteria
by 2020.
“The program takes advantage of the city’s current
context to prioritize housing policy investments
that will create a social and environmental legacy
of the Olympic Games,” said Veríssimo.
Currently, approximately 1.4 million people live in
favelas in Rio de Janeiro, which corresponds to 22%
of the population. According to the coordinator, the
favelas that meet the program criteria for Morar
Carioca encompass 256 thousand households.
Do total de 625 comunidades, 54 já foram urbanizadas e passarão
por manutenção. Essas favelas reúnem 107 mil domicílios aproximadamente. Outras 122 comunidades são consideradas não urbanizáveis, a maior parte por estar à beira de rios ou em outros tipos de
área de risco. Os moradores de 13 mil domicílios que lá habitam deverão ser reassentados. Favelas pequenas, com menos de 100 domicílios, somam 7,4 mil domicílios.
No Programa estão previstos três ciclos de obras. O primeiro, de 2010
até meados de 2012, atuou em 68 assentamentos utilizando projetos
que estavam “em estoque” na Secretaria. O segundo ciclo começa no
segundo semestre de 2012 e vai até 2016 – período em que haverá
interferências em 218 assentamentos. Quarenta projetos de urbanização foram selecionados para essa fase com a ajuda do IAB-RJ. O
terceiro e último ciclo vai de 2015 a 2020.
Os investimentos irão somar R$ 7,6 bilhões (R$ 2,1 bilhões na primeira etapa, R$ 2,7 bilhões na segunda e R$ 2,8 bilhões na última). Outros R$ 700 milhões serão investidos em reassentamentos, de modo
que a cifra total alcançará R$ 8,5 bilhões. “Com esse fluxo de investimentos, será possível deixar um belo legado para o Rio de Janeiro”,
disse Veríssimo que, na sequência da sua palestra, apresentou alguns
dos projetos que serão implementados.
O arquiteto falou brevemente do projeto da Colônia Juliano Moreira,
em Jacarepaguá, onde houve especial preocupação com a sustentabilidade. Citou também o projeto do Morro da Providência, no Centro,
que tem a importância histórica de ter sido a primeira favela do Rio.
Ali se instalaram vários soldados que voltaram da Guerra de Canudos.
Os projetos dos morros Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme,
que ganharam um tipo de selo verde, também mereceram destaque.
Nessas comunidades serão testadas novas tecnologias e métodos de
construção. Trata-se de projeto piloto que atenderá a uma espécie
de “mandala da sustentabilidade”. Haverá esforço pela redução do
consumo de energia, serão utilizados materiais de baixa emissão e
pisos drenantes. Outras novidades serão: a coleta seletiva, a construção de um Centro Cultural, um posto de orientação urbanística, um
ecoponto e jardins verticais.
Of a total of 625 communities, 54 have already
been upgraded and will be undergoing
maintenance. These favelas total approximately
107 thousand households. 122 favelas have been
classified as ineligible for upgrading. Most of these
are located along rivers or in other hazardous
areas. The residents of the 13 thousand households
that fall into this category will be relocated. Small
favelas, with fewer than 100 housholds, account
for 7,400 households.
The Program consists of three cycles. The first
cycle, from 2010 until mid-2012, operated in 68
communities, using projects that were still ‘in
stock’ at the Housing Department. The second
cycle begins in the second semester of 2012 and
will last until 2016 – throughout this period there
will be interventions in 218 communities. Forty
upgrading projects have been selected for this
phase with the assistance of the IAB-RJ. The third
and last cycle runs from 2015 to 2020.
The total sum of the investments will be R$7.6
billion (R$2.1 billion in the first cycle, R$2.7 billion
in the second cycle and R$2.8 billion in the last
cycle). Another R$700 million will be invested
in relocations, so the total amount of the entire
project comes to R$8.5 billion. “With this kind of
investment flow we can leave a beautiful legacy
for Rio de Janeiro”, said Veríssimo who during
his presentation gave an overview of some of the
projects that will be implemented.
The architect briefly mentioned the project
at Colônia Juliano Moreira, in Jacarepaguá,
where there was a special concern regarding
sustainability. He also cited the project at Morro
da Providência, in downtown Rio, which as the
first favela in the city has an important historical
significance. This was the community where the
soldiers returning from the 19th century war in
Canudos settled.
Projeto de urbanização da Favela Chapéu Mangueira,
Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
Urbanization project for Favela Chapéu Mangueira,
Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
72
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
73
He also highlighted the projects in the hillside
communities of Babilônia and Chapéu Mangueira,
in Leme, which have received a green seal of
approval. New technologies and construction
methods will be tested in these communities. This
is a pilot project that will serve as a “mandala of
sustainability”. There will be a concerted effort
to reduce energy consumption and construction
will use low-emission materials and floors with
a draining capacity. Other new developments
include: sorted waste disposal, the construction of
a Cultural Center, an urban planning information
stand, an eco-booth and vertical gardens.
Projeto de urbanização da Favela Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
Urbanization project for Favela Babilônia, Rio de Janeiro, RJ, Arquitraço, 2012
“
Em contexto de busca de uma cidade sustentável,
qual é a relação que existe entre habitação e cidade sustentável?”, foi a pergunta que Cláudio Aciolly fez aos
presentes no auditório do IAB, antes de abrir a mesa-redonda sobre o tema. Um dos presentes disse considerar que essa relação se estabelece com o acesso a
moradia digna e saneamento básico. Outro acrescentou
que é preciso assegurar que a cidade seja desfrutada por
todos e que ofereça serviços plenos em todas as suas
áreas. Um terceiro lembrou a importância do acesso à
terra. Diante dos comentários, Aciolly retomou a palavra
para observar a dimensão social presente no debate que
se seguiria e arrematou: “A habitação é um setor muito importante, entre outros motivos porque se conecta
com os direitos sociais, como o direito universal a habitação adequada, mas também com outras partes da
economia. É inquestionável sua relevância para a cidade
sustentável.
”
Cláudio Accioly, mediador
74
“In the search for a sustainable city, what is the
relationship between housing and a sustainable
city?” Cláudio Aciolly posed this question to the
participants in the IAB lecture hall, before opening
the round-table on this topic. One of the participants
said that the relationship is established when there
is access to dignified housing and basic sanitation.
Another person added that we must ensure that
the city can be enjoyed by everybody and that full
services are available throughout the entire city. A
third person also recalled the importance of having
access to land. In the light of these comments,
Aciolly spoke again to comment on the social
aspect that emerged in the debate and concluded:
“Housing is a very important sector for various
reasons, because it is linked to social rights, like
the universal right to adequate housing, but also
to other parts of the economy. There is no doubt
about its relevance for a sustainable city.”
Claudius Accioly, mediator
Inês Magalhães | Entrevista por Larissa Morais
INÊS MAGALHÃES
INTERVIEW BY LARISSA MORAIS
“The challenges are important for changing the
standards.”
“
The National Housing Secretary, Inês Magalhães,
defended the housing targets that the federal
government has established as a way to stimulate
the various organizations involved in the
implementation to work on improving quality. The
secretary, who participated in the round-table
discussion on housing, said that there are great
challenges in the area of favela upgrading, which
will be receiving R$30 billion in investments over
the next four years. These resources will be used to
carry out more than 800 upgrading projects in the
favelas and Magelhães is striving to ensure that
there will not only be basic services, such as water
and electricity, but also a more comprehensive
improvement in the lives of residents.
Os desafios são importantes para que padrões
sejam alterados.
”
Inês Magalhães
A Secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, defendeu as metas que o governo federal vem estabelecendo na área habitacional,
como modo de estimular as diferentes instâncias envolvidas na sua
implementação a se empenharem por um salto de qualidade. A secretária, que participou da mesa-redonda sobre habitação, disse que na
área de urbanização, onde serão investidos R$ 30 bilhões nos próximos quatro anos, o desafio também é grande. Nos mais de 800 projetos de urbanização de favelas que serão desenvolvidos com os recursos, ela se empenha para que haja não apenas a oferta de serviços
básicos, como água e luz, mas uma melhoria de vida abrangente para
os moradores.
LARISSA MORAIS – We have never invested this
much in housing before, but at today’s event
there was a concern about our construction
industry’s ability to meet these ambitious goals
of the Program Minha Casa Minha Vida. What is
your view of this issue? Could the need to meet
such enormous goals in a short time result in
less sustainable solutions than if we had a more
staggered schedule?
INÊS MAGALHÃES – Our initial goal for the Minha
Casa Minha Vida housing project was 200 thousand
residences, this was increased to 500 thousand and
then to one million. One million residences were
contracted between 2009 and 2010. Personally
I don’t believe that the world operates in a linear
fashion and when you impose targets, there is a
tendency for government, business people and
universities to create solutions to meet these
targets. We have traveled to Mars, but still haven’t
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
75
Larissa Morais – Nunca se investiu tanto em habitação no País,
mas despontou hoje no evento a preocupação com a dificuldade de
nossa indústria de construção dar conta de metas tão ambiciosas, no
âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Como a senhora vê essa
questão? A necessidade de atender objetivos tão significativos em
curto espaço de tempo não pode conduzir a soluções menos sustentáveis do que poderíamos alcançar em uma agenda mais escalonada?
Inês Magalhães – Inicialmente, no Minha Casa Minha Vida tínhamos colocado uma meta de contratação de 200 mil moradias, que
foi para 500 mil e depois para 1 milhão. Entre 2009 e 2010, houve
a contratação de 1 milhão de moradias. Particularmente, acho que
o mundo não funciona de maneira linear e, portanto, quando você
impõe metas a tendência é que o conjunto de governo, empresários e
universidades crie soluções para tentar atendê-las. Nós fomos a Marte e não acabamos com a fome... Os desafios são importantes para
que padrões sejam alterados. A construção civil tem que se tornar
uma indústria de serviços. A modernização da construção civil, seja
pelo viés do material, dos sistemas construtivos ou da capacitação de
mão de obra, tem que alterar seu modus operandi. Agora, o desafio
de se tornar mais sustentável vale para outras áreas também.
L.M. – Então a velocidade não está sendo um problema?
I.M. – Está havendo algum problema, por exemplo, em relação a mão
de obra. Hoje se tem uma utilização intensiva de mão de obra não só
pelo programa, mas pelos outros investimentos em infraestrutura no
País. Tecnologia não é tanto um problema, pois a construção civil tem
baixa produção industrializada.
L.M. – O presidente do IAB, Sérgio Magalhães, expôs a ideia de que as
cidades podem evitar o crescimento territorial progressivo que estão
vivenciando nos últimos anos, e com isso assegurar melhor qualidade
de serviços públicos de infraestrutura para quem já habita nos grandes centros. Como a senhora vê essa ideia?
I.M. – Acho que a expansão urbana é um componente do processo de
crescimento do País. Ela precisa acontecer em todas as cidades? Não.
Há cidades com vazios urbanos enormes que poderiam ser utilizados
para a construção de habitação de melhor qualidade. Mas essa expansão acontecerá em outras cidades. O problema é a qualidade com
que ela acontece e qual é seu mecanismo indutor. Não é adequado
que a habitação sozinha seja indutora da expansão urbana. O ideal
é haver um maior equilíbrio dos investimentos públicos e privados.
76
eradicated hunger... The challenges are important
for changing the standards. Civil construction has
to become a service industry. The modernization
of civil construction, through changing the
materials, the construction systems and training
the workforce, has to result in a different modus
operandi. Now, the challenge to become more
sustainable also applies to other sectors.
L.M. – So you don’t think the speed will be a problem?
I.M.– There are some problems, for example in
terms of labor. There is an intense demand for
workers, not only through this program, but also
because of other infrastructure investments in
the country. Technology is not such a problem,
because the civil construction industry has a low
level of industrialized production.
L.M. – The IAB president, Sérgio Magalhães,
expressed the idea that cities could avoid the
progressive territorial sprawl that we have
experienced over the last few years, and as a result
guarantee higher quality public infrastructure
services for those who already live in the major
urban centers. What do you think of this idea?
I.M.– I think that urban sprawl is a component of
the growth process of this country. Does it need
to happen in every city? No. There are cities with
enormous empty urban spaces that could be used
to build better quality housing. But the sprawl
will happen in other cities. The problem is the
quality with which it happens and what propels it.
Housing alone should not be the inductor of urban
expansion. The ideal is a better balance between
government and private sector investments.
This means generating jobs, which will result in
economic activity, which requires transportation,
investments in mobility, etc. That is the equation.
Expansion alone is not the problem.
L.M. – In your presentation you underlined the cost
for the government of building further from the
urban centers.
I.M. – Often the decision to build in an outlying
area does not take into account the so-called non-
Ou seja, que se gere emprego e, em consequência da atividade econômica, tenha-se que fazer transporte, investir em mobilidade etc.
Essa é a equação. A expansão em si não é um problema.
L.M. – Na sua apresentação, a senhora enfatizou o custo, para o Estado, de se construir em áreas mais distantes dos centros urbanos.
I.M. – Muitas vezes, a decisão de construir em uma área mais externa
não considera os chamados custos não incidentes. Tudo bem, a terra
é mais barata, mas para eu levar um empreendimento para essa área
vou ter que expandir minha rede de serviços, de manutenção, contratar mais gente. Isso não é calculado.
L.M. – Existem planos de incrementar programas que favoreçam a
concessão de crédito diretamente para famílias construírem ou comprarem suas casas?
I.M. – Nós temos um programa chamado Carta de Crédito Individual
(CCI), que é voltado para construção em terreno próprio e aquisição.
O CCI representa 40% dos créditos concedidos no programa Minha
Casa Minha Vida. A pessoa pega uma carta de crédito que serve para
compra ou construção.
L.M. – Quais os planos para incrementar a urbanização de favelas,
de modo a reduzir o enorme passivo socioambiental das cidades
brasileiras?
I.M. – Temos cerca de R$ 17 bilhões em recursos contratados entre
2007 e 2010 em fase de implementação. O Rio de Janeiro tem vários
exemplos, como Manguinhos e Providência. São cerca de 800 intervenções no País. Temos para os próximos quatro anos cerca de R$ 30
bilhões previstos para investimentos em urbanização.
L.M. – Quais são hoje, considerando-se esses volumes elevados de
investimentos, os maiores desafios relacionados à execução desses
projetos de urbanização de favelas?
I.M. – Que a urbanização seja realmente implementada de maneira a
alterar a qualidade de vida dessas famílias, não só do ponto de vista
da estrutura, mas também da qualidade do acesso aos serviços públicos e da possibilidade de uma inserção produtiva. A intervenção
deve não só prover os serviços como melhorar a qualidade urbana da
localidade. Não adianta só pôr água e luz. É importante que o morador possa transitar na sua comunidade, ter o mínimo de mobilidade,
acessar todas as áreas.
incidental costs. Of course land is cheaper, but if
I build housing in that area, I will have to expand
my service network, maintenance, hire more staff.
That is not calculated.
L.M. – Are there plans to expand the programs that
would offer direct credit to families so they can
build or buy their houses?
I.M. – We have a program called Carta de Crédito
Individual for people who want to build on their
own piece of land or purchase a home. It represents
40% of all credit provided under the program
Minha Casa Minha Vida. People receive a letter of
credit they can use to buy or build a house.
L.M. – What are the plans for expanding the
upgrading of favelas, in order to reduce the huge
social-environmental liability of Brazilian cities?
I.M. – We contracted approximately R$17billion
in resources between 2007 and 2010, in the
implementation stage. Rio de Janeiro has various
examples, Manguinhos, Providência. There will be
800 interventions throughout the country. We
have planned R$30 billion in favela upgrading
investments over the next four years.
L.M. – Considering these high volumes of
investments, what are the biggest challenges in
implementing these upgrading projects in the
favelas?
I.M. – That the upgrading project is implemented in
such a way that it actually changes the quality of
life of these families, not only in terms of structure,
but also the quality of access to public services
and an opportunity for productive inclusion. The
intervention should not only provide services to
improve the urban quality of the location. Just
putting in water and electricity is not enough. It
is important that residents can move around their
community and access all areas.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
77
3. Mobilidade URBANA
Estudo técnico | Cidade sustentável e mobilidade urbana
Ele abriu sua apresentação chamando a atenção para o fato de que a
mídia começa a dar mais atenção ao tema da mobilidade, mas ainda
com um foco que ele não considera o mais adequado. O professor
mencionou matérias, publicadas no jornal O Globo em dias anteriores, no escopo da discussão da Rio+20, sobre o financiamento à produção de carros híbridos, menos poluentes. Nelas, os automóveis seriam vistos, segunda suas palavras, como “delinquentes relevantes”.
Em matérias sobre engarrafamentos no Rio, ele mostrou que as fotos
normalmente mostram ônibus parados – o que pode levar os leitores
a crerem que são esses veículos, e não os automóveis, os vilões do
trânsito na cidade.
Para Orrico, o transporte público deveria ser abordado como direito
fundamental do cidadão, e ser posto na agenda política principal – tal
como a educação, a habitação e a saúde. “As cidades não vivem sem
o transporte. Esse é o setor que permite vida social, profissional e
familiar, e é capaz de tornar o espaço público mais democrático”,
argumentou.
O especialista em mobilidade enfatizou ainda a importância do transporte para o desenvolvimento econômico das cidades. “Quando não
há um bom sistema de transporte, tudo fica mais caro”, lembrou Orrico, que acrescentou à gama de benefícios a economia de tempo
para o cidadão.
Regina Cunha, Pablo Benetti e Rômulo Orrico
>> Rômulo Orrico
“Curitiba é como mãe: só tem uma”, brincou o professor Rômulo Orrico, da Coppe/UFRJ, referindo-se ao fato de que há várias décadas as
mesmas soluções adotadas na capital paranaense, na área de transportes públicos, são apresentadas como referência nos debates sobre
transportes. “Vamos para a frente, temos que pensar em outras soluções”, afirmou o engenheiro, que já foi Subsecretário de Transportes
do Município do Rio de Janeiro.
Nesse esforço de renovação, Orrico levou ao IAB algumas ideias que
estão presentes em um trabalho que está realizando, em conjunto
com outros pesquisadores, para o Ministério das Cidades, sobre Cidades Sustentáveis.
78
3. URBAN MOBILITY
Technical study:
Sustainable cities
and urban mobility
Rômulo Orrico
“Curitiba is like your mother, you only have one,”
jokes Professor Rômulo Orrico, from Coppe/UFRJ,
referring to the fact that for decades, the same
public transportation solutions adopted in the
capital of the state of Paraná have been presented
as a reference in debates on transportation.
“Let’s move on, we have to think about other
solutions,” said this engineer, who has worked
as the Undersecretary of Transportation in the
Municipality of Rio de Janeiro.
Um bom planejamento requer um olhar cuidadoso para cada cidade.
Na opinião de Orrico, não costuma ser possível copiar as soluções
adotadas de uma cidade para outra, de características diferentes. Por
outro lado, segundo ele, existe um conjunto de princípios básicos que
podem ajudar.
Um deles é a mobilidade diferenciada. Normalmente, os mais pobres
têm menos acesso ao transporte público, quando deveria ocorrer o
contrário. Outro princípio é a priorização do transporte de massa,
com desestímulo ao uso do automóvel. Orrico considera que o pedágio urbano, medida que ele admitiu ser desgastante do ponto de vista
político, poderia ser interessante para gerar investimentos.
In this renewal effort, Orrico shared with the IAB
some of the ideas from his work on Sustainable
Cities that he is conducting, together with other
researchers, for the Ministry of Cities.
He began his presentation by noting that the media
is beginning to pay more attention to the topic of
mobility, but it is still doing so with a focus that
he does not consider the most appropriate. He
mentioned stories published in the newspaper
O Globo on previous days regarding the Rio+20
discussions, about financing the production of
hybrid cars, which are less polluting. In his words,
the cars would be seen in these stories as “relevant
delinquents”.
In stories on traffic jams in Rio, he showed that the
photos normally show buses that aren’t moving,
which could lead readers to believe that buses, and
not automobiles, are the villains of the city’s traffic
problems.
For Orrico, public transportation should be treated
like a fundamental civic right, and be put on the main
political agenda, like education, housing and health
care. “Cities cannot live without transportation.
This is the sector that enables a social, professional
and family life, and which can make public space
more democratic,” he argued.
Orrico also emphasized the importance of
transportation for the economic development
of cities. “When there is no good transportation
system, everything becomes more expensive,” he
noted, adding that another benefit is the time that
residents save.
Proper planning requires a careful look at each
city. For Orrico, it is not usually possible to copy
the solutions adopted in one city in another, which
has different characteristics. On the other hand,
he noted, there is a set of basic principles that can
help anywhere.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
79
No contexto atual, o professor da Coppe defendeu uma inversão radical de prioridades. “Hoje o usuário de transporte público paga por
um engarrafamento que não imputou! A empresa de ônibus precisa
de mais carros e repassa o custo para as passagens. É preciso cobrar
das pessoas certas”, disse. Ele recomendou, ainda, a utilização do automóvel com mais bom senso. “Está cansado de ficar parado no trânsito? Não sabe como escapar do engarrafamento? Deixe o carro em
casa e vá de galinha!”, tornou a brincar, provocando risos na plateia.
Orrico recomendou que se esqueça o padrão que vigorou nos anos
1970 e 1980 em relação à opção pelos corredores tronco-alimentados.
Nesse tipo de sistema, mesmo as viagens com origem ou destino na
região central costumam necessitar de transbordo, diferentemente
do que ocorre no sistema de linhas independentes.
E elogiando o sistema de BRS implementado no Rio, Orrico afirmou que
a Prefeitura sofreu algumas críticas injustas porque as informações sobre sua implantação vazaram antes da hora. Do seu ponto de vista, as
críticas vieram antes que o projeto estivesse amadurecido. “Depois, o
sistema foi ajustado e está funcionando bem”, avaliou o professor.
Para concluir, ele defendeu uma reestruturação das fontes de financiamento para o setor e a utilização de sistemas modernos de tecnologia e implementação de projetos. Afirmou ainda que o excesso
de espalhamento de linhas aumenta os custos de transporte, assim
como o excesso de concentração. É interessante, segundo o especialista, que haja uma linha definidora do sistema principal que interligue polos de desenvolvimento da cidade e bairros contíguos. Falou
também em favor de uma sobreposição parcial de linhas, para gerar
alguma concorrência e, com isso, melhor atendimento ao usuário.
Acesso aos transportes
públicos, Rio de Janeiro,
RJ, 2012
Access do public
transportation,
Rio de Janeiro, RJ, 2012
80
One of them is differentiated mobility. Normally,
the poorest people have the least access to
public transport, when the opposite should be
true. Another principle is giving priority to mass
transport, as a way to discourage the use of cars.
He believes that urban tolls, a measure he admits
is unpopular from a political standpoint, could be
useful to generate investment.
O tripé de necessidades básicas de um povo, formado por habitação,
saúde e educação, não se completa sem a mobilidade. E a mobilidade
se faz com um sistema de transporte público eficiente e acessível a
todos. “No Rio, do jeito que estava não era possível continuar. Agora
o momento é diferente. A cidade saiu da estagnação e vive uma fase
de transformações, com a implementação de uma série de projetos
importantes na área de transportes”, defendeu Regina Cunha.
Within the current context, the professor from
Coppe defended a radical inversion of priorities.
“Today, users of public transport pay for traffic jams
that they did not cause! The bus company needs
more buses and passes on the cost to the fares. The
right people need to be charged,” he said. He also
recommended using cars more sensibly. “Are you
tired of being stuck in traffic? Don’t know how to
escape the traffic jams? Leave your car at home
and take a chicken!” he joked, causing laughter in
the audience.
Implementar mudanças não é fácil. Segundo Regina, uma parcela da
população resiste a projetos que beneficiem o usuário do transporte
público, em detrimento dos automóveis. “O que as pessoas que estão acostumadas a usar automóvel querem, no fundo, é continuar
usando seus carros como meio de transporte. Querem metrô para os
outros, o BRT para os outros”, analisou. “O espaço é finito e não há
como continuar abrindo quatro, cinco faixas de rolamento para carros. O aumento de faixas para automóveis não vai nos levar a lugar
algum”, acrescentou.
Orrico recommended that we forget the standard
system in effect in the 1970s and 1980s, which
used trunk and feeder corridors. In this type of
system, even trips that begin or end in the central
region require transfers, unlike what happens in
independent line systems.
A assessora da Secretaria Municipal de Trasportes disse ainda que a
criação de novas vias para BRT e BRS, além das já inauguradas, terá
impacto importante na redução dos engarrafamentos na cidade. Outro benefício de ambos os sistemas será a redução do tempo de deslocamento. Ela enfatizou também a importância da implementação
do sistema de Bilhete Único, que permite ao usuário de transporte público intermunicipal pegar várias conduções pagando preço reduzido.
Orrico praised the BRTs implemented in Rio and
said that the Municipal Government was the
target of some unfair criticism because news of
its implementation was leaked early. He believes
that the criticism came before the project had
sufficiently matured. “Afterwards, the system was
adjusted and is operating well,” he evaluated.
In conclusion, he defended a restructuring of the
financing sources in this sector and the use of
modern technology and systems and product
implementation. He also affirmed that the excessive
spreading of lines increased transportation costs,
as did excessive concentration. According to this
specialist, it is a good idea to have a line that defines
the main system that links development centers in
the city and surrounding neighborhoods. He also
spoke in favor of partial overlapping of lines, to
generate competition, and thus better service for
users.
Regina Cunha, comentarista
“
The three aspects of housing, health and
education, the basic needs of the population, are
not complete without mobility, and mobility comes
from an efficient public transportation system that
is accessible to all. “In Rio, things couldn’t go on
the way they were. Now it’s different. The city has
moved away from stagnation and is undergoing a
transformation phase, implementing a series of
important projects in the transportation area,” said
Regina Cunha.
Implementing change isn’t easy. According to
Cunha, part of the population resists projects that
benefit public transportation, to the detriment
of cars. “At the end of the day people who are
accustomed to using cars want to continue using
their cars as a means of transportation. They want
the subway for other people, the BRT for other
people,” she analyzed. “Space is finite, and it isn’t
possible to keep creating roadways with four or five
lanes for cars. Increasing the number of lanes for
cars isn’t going to get us anywhere,” she added.
Cunha, who is the advisor to the Municipal
Transportation Office, also said that the creation
of new routes for BRTs and BRSs, in addition
to those already operational, will have an
important impact on reducing traffic jams in the
city. Another benefit to both systems will be a
reduction in travel time. She also emphasized the
importance of implementing the Single Ticket
system, which allows users of inter-municipal
public transportation to take several modes of
transportation or transfers at a reduced price.
Regina Cunha, commentator
A partir de uma mobilidade urbana ampla, é possível começar a pensar em uma cidade mais democrática.
Neste momento da Rio+20, infelizmente ainda predomina em muitas cidades o modelo que privilegia o uso de
automóveis. Este é um modelo falido e tem sido duramente criticado em muitos países.
”
“Broad-based urban mobility is the first step
towards conceiving a more democratic city.
Unfortunately, at this time of the Rio+20, the model
that favors automobile use still predominates in
many cities. This model is bankrupt and has been
severely criticized in many countries.”
Pablo Benetti, commentator
Pablo Benetti, comentarista
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
81
Mesa-redonda | Mobilidade Urbana e Espaço Público
Ele mostrou imagens do livro Conquistar a rua!, lançado recentemente
pelo Instituto e que reúne experiências de 11 metrópoles latino-americanas, como Lima, Bogotá, Curitiba, Santiago, Buenos Aires e Rio de
Janeiro. O livro apresenta uma análise dos diferentes sistemas de mobilidade do continente, em seus contextos institucionais e sociais.
“Cerca de 25% a 30% dos espaços das cidades são ruas, e a relação
com o espaço público que se estabelece ali é muito importante”, justificou. O arquiteto enfatizou que a América Latina é um continente
fortemente urbanizado, mas também altamente desigual. “Felizmente,
os anos de crescimento econômico produziram certa diminuição da
pobreza, da indigência, mas ainda há grandes discrepâncias regionais.”
Borthagaray prosseguiu, explicando que cada tipo de rua reflete uma
maneira de entender e construir, de desenvolver e produzir a cidade.
As ruas das cidades latino-americanas têm seu momento fundacional nas colônias espanholas e portuguesas, e daí sobreviveram como
ruas de pedestres nos centros de muitas cidades. A elas se incorporou a ideia da rua como passeio, com outra perspectiva e velocidade,
nas obras que deram monumentalidade republicana às cidades. Mas,
apesar de tudo, narra Borthagaray, essas evoluções mantiveram a
integração entre habitação, comércio e trabalho dentro de um marco
de certa densidade.
Juan Carlos Dextre, Fabiana Izaga, Andrés Borthagaray
>> Andrés Borthagaray
O professor Andrés Borthagaray, da Universidade General Sarmiento,
apresentou algumas ações do Instituto Cidade em Movimento – instituição sem fins lucrativos que reúne pesquisas sobre mobilidade urbana realizadas por profissionais de vários países.
Round-table:
discussion Urban Mobility
and Public Space
Andrés Borthagaray
Andrés é diretor do Instituto na América Latina e falou da importância do compartilhamento de experiências entre as diferentes nações
como modo de compartir acertos e alertar para erros. “O economista
Paul Krugman costuma dizer que não se pode subestimar o poder
destrutivo de uma ideia. Nos investimentos urbanos também é assim”, alertou, em tom de brincadeira.
Professor Andrés Borthagaray, from Universidade
General Sarmiento, presented some actions by
the Instituto Cidade em Movimento, a non-profit
institution that promotes studies on urban mobility
conducted by professionals from several countries.
O objetivo do Instituto, cuja sede principal fica em Paris, é acompanhar as mutações da mobilidade urbana no mundo e contribuir para
o desenvolvimento de uma cultura da mobilidade que combina o conhecimento e o prazer do movimento na cidade. Muitos dos projetos
desenvolvidos ali são implementados a partir do contato com instituições públicas e privadas, e os próprios cidadãos.
82
Borthagaray is the director of the institute in Latin
America and spoke of the importance of sharing
experiences among different nations as the model
for sharing things that work and drawing attention
to those that don’t. “The economist Paul Krugman
always says that you can’t underestimate the
destructive power of an idea. The same is true for
urban investments,” he alerted, jokingly.
A capacidade integradora dessas ruas ficou exposta com a introdução da ruptura feita pelo transporte automotor. Esse desenvolvimento se expressou através de uma progressiva especialização funcional,
com a hegemonia da apropriação dos espaços públicos pelo carro
em detrimento dos pedestres. Na América Latina as batalhas em distintas cidades, por parte da população e dos profissionais em favor
de uma melhor qualidade do espaço do pedestre, apareceram tardiamente, destacou.
Na última parte do século XX e princípios do XXI, segundo Andrés,
observam-se dois tipos de intervenções nas ruas. Uma na cidade informal, que, ao invés de ser ignorada, passou a ser vista como parte
do tecido da cidade como um todo. Alguns exemplos desse tipo de
intervenção são: Pátio Bonito, em Bogotá; alguns bairros informais
em Santiago; e no Rio de Janeiro, através das ações do Favela-Bairro.
The objective of the institute, whose main
headquarters is located in Paris, is to accompany
changes in urban mobility in the world and to
contribute to the development of a culture of
mobility that combines knowledge with the
pleasure of movement in the city. Many of the
projects developed there are implemented based
on contact with public and private institutions and
the citizens themselves.
He showed images from the book “Conquistar
a rua!” (Take back the street!), recently released
by the institute, describing the experiences of
11 Latin American metropolises, including Lima,
Bogotá, Curitiba, Santiago, Buenos Aires and Rio
de Janeiro. The book presents an analysis of the
different mobility systems on the continent, in
their institutional and social contexts.
“Between 25% and 30% of the space in a city is
occupied by streets, and the relationship with the
public space established there is very important,”
he justified. The architect emphasized that Latin
America is a highly urbanized continent, but also
very unequal. “Fortunately, the years of economic
growth have produced a certain reduction in
poverty, in misery, but there are still major regional
discrepancies.”
Borthagaray went on to explain that each type
of street reflects a way of understanding and
building, of developing and producing the city. The
streets in Latin American cities were based on the
foundations laid out in the Spanish and Portuguese
colonies, which have survived to the present day
as pedestrian streets in the centers of many
cities. The idea of the street as a promenade, with
another perspective and rhythm was incorporated
into the cities in the works that gave them a
monumental republican character to the cities in.
But, in spite of all this, Borthagaray tells us that
these developments maintained the integration
between housing, commerce and work within a
framework of a certain density.
The integrative capacity of these streets was
exposed with the introduction of the rupture
caused by motorized transport. This development
expressed itself through a progressive functional
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
83
Em paralelo, outro tipo de rua latino-americana apareceu, em um primeiro momento como novidade capaz de superar problemas, mas,
hoje, se impondo no mesmo viés da ideia da rua estritamente funcional. Trata-se das ruas destinadas à passagem do BRT (bus rapid
transit). Para Andrés Borthagaray, embora o BRT seja uma grande
solução, gera uma oferta estandardizada, e simplifica ilusoriamente
situações complexas, como se se quisesse vestir com o mesmo tamanho de roupa diferentes corpos urbanos.
Por fim, Borthagaray mostrou um projeto de sinalização de itinerários instalado em ônibus de Buenos Aires, cidade que reúne aproximadamente um terço da população argentina (de 40 milhões de habitantes). Foi feito, segundo o arquiteto, com o auxílio de brasileiros
e ainda é um piloto. “Esse tipo de sinalização desafia designers e arquitetos”, acrescentou. Também está nos planos dos profissionais envolvidos no projeto trabalhar em outras formas de sinalização, como,
por exemplo, para telefones celulares. A ideia é encontrar formas de
melhorar a mobilidade na cidade.
“Melhorar a mobilidade não depende de grandes orçamentos. Algumas coisas podem ser feitas com custo baixo, como esse projeto
de Buenos Aires.” Acrescentou que implementar boas ideias é uma
questão de cidadania. Para isso, recomendou transparência e controle de investimentos. “No transporte tem muito jeitinho”, disse.
specialization, with the hegemony of appropriation
of public spaces by cars to the detriment of
pedestrians. In Latin America, the struggles in
different cities by part of the population and
professionals in favor of better quality space for
pedestrians appeared later, he emphasized.
According to Borthagaray, we may observe two
kinds of street interventions at the end of the 20th
century and at the beginning of the 21st century.
One is found in the informal city, which instead
of being ignored, began to be seen as part of the
urban fabric of the city as a whole. Some examples
of this type of intervention include: Pátio Bonito, in
Bogotá; some informal neighborhoods in Santiago;
and Rio de Janeiro’s Favela-Bairro projects.
Simultaneously, another type of Latin American
street emerged, first as a new development
capable of solving problems, but now relegated to
the concept of a strictly functional street. These
streets are the designated BRT (Bus Rapid Transit)
corridors. Although the BRT is a great solution,
Andrés Borthagaray feels that it generates a
standardized solution, deceptively simplifying
complex situations, as if trying to fit different
urban bodies into a one-size-fits-all.
Finally, Borthagaray presented a project for route
information signage installed on buses in Buenos
Aires, a city that is home to approximately onethird of the population of Argentina (which has 40
million inhabitants). According to the architect, the
project was designed with the help of Brazilians
and is still in the pilot phase. “This type of route
information signage challenges designers and
architects,” he added. The staff involved in the
project are also planning to develop other forms
of providing transit information, for example for
mobile phones. The idea is to find ways to improve
mobility in the city.
“Improving mobility does not require a huge budget.
Some things can be done at a low cost, like this project
in Buenos Aires.” He added that implementing good
ideas is a question of civic engagement. For this,
he recommended transparency and control over
investments. “There is a lot that can be done in the
area of transportation,” he said.
84
>> Juan Carlos Dextre
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Peru e presidente
da fundação Transitemos, que pesquisa soluções para um transporte mais eficiente no país, Juan Carlos Dextre usou sua apresentação para desconstruir algumas ideias sobre a educação no trânsito.
Para ele, se ao menos uma parte dos recursos utilizados para ensinar
crianças e jovens a se portar bem no trânsito fosse investida em infraestrutura, haveria uma queda mais significativa no número de mortes
e acidentes.
“Há muitos anos, escuto que é preciso educar as crianças para que
mudem a situação do trânsito quando se tornarem adultas. Já deu
tempo para elas crescerem e nada se modificou, porque existe uma
desconexão entre o que elas aprendem e a realidade. Se gastássemos
5% a 10% do investimento em educação em melhora de infraestrutura, com instalação de sinais de trânsito, por exemplo, teríamos resultados mais eficientes”, afirmou. Na mesa-redonda sobre “Mobilidade,
Espaço Público e Ruas”, Dextre falou sobre conquistas e problemas
do sistema de transporte de Lima. A cidade, segundo ele, convive com
duas realidades bem distintas. Uma parte tem um sistema bem organizado, mas para outra ainda falta o básico.
“As pessoas atravessam em qualquer lugar”, disse, enquanto exibia
imagens de ruas sem sinalização. “Setenta e oito por cento dos que
morrem em acidentes de trânsito no Peru são pedestres, contra percentuais de 40% no Chile e 15%, na Espanha.
O especialista em transportes criticou a qualidade de gastos realizados nos últimos anos. Disse que, muitas vezes, governos têm optado
por construir passarelas em vez de sinais de trânsito que custariam
quatro vezes menos. Isso indica, segundo ele, que os carros vêm tendo prioridade em relação aos pedestres. Dextre apresentou o depoimento impactante de uma senhora de 78 anos que precisa pegar um
mototáxi de ida e outro de volta toda vez que precisa atravessar a
rua onde vive para ir à agência bancária que fica do outro lado. “Ela
simplesmente não consegue. Disse que já tem idade para morrer, mas
preferia morrer na sua cama, não na rua”, contou.
Juan Carlos Dextre
Professor at Pontifícia Universidade Católica do
Peru and president of the Transitemos foundation,
which studies solutions for more efficient
transportation in the country, Juan Carlos Dextre
used his presentation to deconstruct some ideas
about traffic education. For him, if at least part of
the resources used to teach children and young
people how to behave in traffic were used for
infrastructure, there would be a more significant
drop in the number of deaths and accidents.
“For many years, I have heard that it is necessary
to educate children so that they will change
the traffic situation when they become adults.
Enough time has passed for them to grow up and
nothing has changed because there is a disconnect
between what they learn and reality. If we were to
take 5% or 10% of this investment in education
and spend it on improving infrastructure, installing
traffic signs, for example, we would have more
effective results,” he said.
At the Round-table discussion on ‘Mobility,
Public Space and Streets,’ Dextre spoke about
achievements and problems with the public
transportation system of Lima. According to him,
the city presents two very different realities. One
part has a very well organized system, but basic
needs are lacking in the other.
“People cross the street at any point,” he said, as he
showed pictures of streets without signs. “Seventyeight per cent of deaths in traffic accidents in Peru
are pedestrians, compared to 40% in Chile and
15% in Spain.
He criticized the quality of spending in recent years,
saying that governments have often opted to build
footbridges instead of traffic lights that would cost
four times less. According to him, this indicates that
cars are given priority over pedestrians.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
85
Em relação ao sistema de Lima, Dextre disse que muitas pessoas defendem a eliminação de veículos de transporte pequenos, como vans
e mototáxis, mas ele considera que isso não seria benéfico. “Há uma
vasta região de baixa densidade e baixa renda cuja população não
tem como ser atendida por veículos maiores. Os veículos de menor
porte são importantes para fazer a conexão dessas áreas com o sistema principal de transportes e garantir mobilidade à população”,
argumentou.
O palestrante mostrou imagens do sistema de BRT de Lima, que
atualmente cobre boa parte da cidade e tem sido bem aceito pela
população, após resistência inicial em algumas áreas. Exibiu também
imagens de algumas das principais vias da cidade, como a Jirón de la
Unión, a primeira rua de Lima, no Centro histórico; a avenida Saens
Peña, que vai do Centro à área portuária; a Arequipa, que conecta
o centro aos balneários; e a via expressa do Paseo de la Republica,
ligando o Centro ao Sul da cidade.
O professor recomendou cuidado na implementação do BRT em bairros históricos. Para ele, um modo de conciliar a presença desse sistema e a boa convivência com o pedestre é a determinação de velocidade mais baixa do que a usual. “É o sistema que tem que se adaptar
ao espaço, não o contrário”, afirmou.
Rua sem rotas para pedestres, Lima, Peru, 2012
Street without pedestrian crossing, Lima, Peru, 2012
Dextre presented a moving statement from a
78-year-old lady who needs to take a motor-taxi to
go back and forth every time she needs to cross
the street where she lives to go to her bank branch,
located on the other side of the street. “She simply
can’t do it otherwise. She said she is old enough to
die, but she would rather die in her bed and not on
the street,” he said.
In relation to the system in Lima, Dextre said that
many people are in favor of the elimination of
small transport vehicles, like vans and motor-taxis,
but he does not believe this would be beneficial.
“There is a vast region of low density and low
income population that cannot be served by larger
vehicles. Smaller vehicles are important to connect
these areas with the larger transportation system
and guarantee mobility to the population,” he
argued.
He showed images of the BRT system in Lima, which
currently covers a large part of the city and has
been well accepted by the population, after initial
resistance in some areas. He also showed images
of some of the main thoroughfares in the city,
such as Jirón de la Unión, the first street in Lima,
in the historical Center; Avenida Saes Pena, which
goes from the Center to the Port area; Arequipa,
which connects the center to the beaches, and the
express route of Paseo de la Republica, which links
the Center to the Southern area of the city.
He recommended care in the implementation of
the BRT in historical neighborhoods. For him, one
way to conciliate the presence of this system and
proper respect for pedestrians is to operate at a
lower speed than is usual. “It is the system that
has to adapt to the space and not the other way
around,” he affirmed.
Defendeu ainda a qualidade de espaços para pedestres e ciclistas e
o investimento em transporte público, com multimodais integrados
de forma inteligente. Para ele, um sistema de trânsito deve ser planejado não somente por engenheiros, mas também por arquitetos e
sociólogos. A contribuição da população também tem se mostrado
fundamental, na experiência peruana.
“
Começamos este ciclo de conferências com o Jan
Gehl, falando muito da experiência da Europa, e acho importante concluirmos olhando para uma realidade vizinha,
a latino-americana. A mobilidade urbana constitui, seguramente, um dos eixos para a Cidade Sustentável – tema
cujo debate nos parece indispensável que continuemos a
promover e que esteja incluído nos documentos da Rio+20.
Em uma cidade como o Rio de Janeiro, que hoje se empenha na reestruturação de seu sistema de transporte
coletivo, nos parece extremamente adequado que possamos conhecer as questões enfrentadas, e os projetos,
os erros e os acertos de outras cidades com realidades
socioeconômicas mais próximas. Os investimentos vultosos que a Prefeitura do Rio vem fazendo têm contribuído
decisivamente para constituir um outro patamar para a
mobilidade metropolitana, embora inseridos nos limites
municipais, onde os espaços públicos e do pedestre deveriam ganhar maior atenção.
“We began this cycle of conferences with Jan
Gehl, who spoke at length about the European
experience, and I think it is important for us to
conclude by looking at a neighboring case, the
Latin American experience. Urban mobility is
surely one of the axes for a Sustainable city – a
topic on which we believe more debate is essential,
and one that must be included in the documents
of the Rio+20.
In a city like Rio de Janeiro, which today is working
to restructure its public transportation system,
it seems to me to be extremely appropriate for
us to learn about the questions faced, and the
projects, errors and successes of other cities with
similar socio-economic situations. The enormous
investments that the Municipal Government of Rio
has been making have decisively contributed to
establishing another level for metropolitan mobility,
although they are placed within the municipal
limits, where public spaces and pedestrian spaces
deserve more attention.”
Fabiana Izaga, mediator
”
Fabiana Izaga, mediadora
Dextre also defended the quality of spaces set
aside for pedestrians and cyclists riders and
investment in public transport, with multi-modals
integrated in an intelligent manner. In his opinion,
a traffic system should be planned not only by
engineers, but also by architects and sociologists.
In the Peruvian experience, the contribution of the
population is also essential.
86
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
87
Conferência DE ENCERRAMENTO | Direito à mobilidade URBANA
na cidade contemporânea
>> Manuel Herce Vallejo
Se a palestra de Jan Gehl, na abertura do ciclo “Cidade Sustentável”, deixou para os presentes uma mensagem de otimismo, de que
é possível reverter a prioridade dada aos carros nas cidades, a de
Manuel Herce Vallejo, que encerrou a semana, deu a medida da dificuldade que essa mudança representa. “As mudanças de atitude não
são fáceis. Muitos enchem a boca para falar de sustentabilidade, de
transporte de massas, de pistas para bicicletas, mas não pensam em
alterar sua própria mobilidade cotidiana de carro”, disse. Apesar de
parecer pessimista, ele ressalvou que queria, antes de tudo, lançar
um desafio para os profissionais responsáveis, como acreditava serem os que ali estavam.
Um dos grandes especialistas em mobilidade urbana – com larga experiência internacional, inclusive no Rio –, o professor catalão falou,
de mobilidade no marco de construção do espaço público, lembrando
que sustentabilidade implica equidade social e com a natureza e que,
portanto, “diz respeito ao direito de todos os cidadãos a serem tratados com igualdade no que tange à capacidade de mover-se na cidade”.
Segundo Manuel Herce, apesar de mais de metade dos habitantes das
grandes cidades se deslocar a pé, nas suas atividades cotidianas, esse
dado não é levado em consideração na planificação do transporte.
Essa falta de atenção a tudo que não seja carro cria uma espiral crescente: quanto mais motorização, mais demanda de pistas, o que, por
sua vez, provoca mais uso de carros, que demandam mais espaço. “Só
políticas muito duras de restrição aos carros conseguem quebrar essa
espiral, incrementando as viagens em transporte coletivo, ou a pé ou
em outros meios não motorizados”, afirmou.
A tarefa, Herce reconhece, não é nada simples, e exige que se pense
o transporte público como uma cadeia integrada. “Precisamos partir
da existência de muitos e diferentes sistemas, cada um com a sua própria cobertura e eficácia no espaço. Portanto, não dá para planificá-los como coisas separadas”, defendeu. Até mesmo o carro precisa
ser contemplado nessa cadeia, de acordo com ele, como alimentador do sistema de transporte coletivo nas periferias pouco densas ou
mesmo como meio de transporte para passeios de fins de semana.
88
CONFERENCE: URBAN
The Right to Mobility in
Contemporary Cities
Manuel Herce Vallejo
If the presentation by Jan Gehl, who opened
the ‘Sustainable City Cycle’, left those present
with a message of optimism, that it is possible
to rethink the priority given to cars in cities, the
presentation given by Manuel Herce Vallejo, who
closed the week, showed how difficult this change
really is. “Changes in attitude are not easy. Many
people talk a lot about sustainability, about mass
transportation, about bike paths, but they do not
think about changing their own daily car use,” he
said. In spite of seeming pessimistic, he noted that,
above all, he wanted to present a challenge to the
professionals who are responsible for this area,
and who attended the event.
One of the most important specialists in urban
mobility, with broad international experience,
including in Rio, this Catalan professor spoke of
mobility within the framework of construction of
public spaces, remembering that sustainability
implies social and environmental fairness and that,
therefore, “it refers to the right of all citizens to be
treated with equality in regards to the capacity to
move around in the city.”
According to Manuel Herce, in spite of the fact that
more than half of the inhabitants of large cities
get around on foot in their daily activities, this fact
is not taken into consideration in transportation
planning. This lack of attention to everything
except cars creates a growing spiral: the more
motorized vehicles there are, the more demand
there is for road surface, which in turn leads to
more car use, which requires more space. “Only
very strict policies to restrict cars can break this
O grande problema do transporte público de superfície é, na visão de
Manuel Herce, sua indisciplina, que não possibilita que se confie nele
em termos de regularidade nem de ordem pública. Os corredores de
BRT têm-se apresentado como solução nas cidades latino-americanas, seguindo o exemplo de Bogotá. Mas o especialista catalão ressalvou que sua eficácia depende muito das estações, que precisam ser
desenhadas com cuidado, de forma a facilitar o acesso dos passageiros e o intercâmbio de meios. “Muitas estações são elevadas, servidas por passarelas ou obrigam os passageiros a enfrentar o trânsito
para chegarem até elas.”
A ideia central é que as estações não arrasem o espaço do pedestre;
ao contrário, que sirvam de oportunidade para se gerar praças e espaços de encontro, como foi feito em Nantes, França, nas estações de
intercâmbio entre bondes e ônibus. O respeito ao pedestre também
foi destacado em uma imagem de rua de Barcelona, onde carros, motos, bicicletas e pedestres convivem em harmonia. “Tem que haver
espaço para todos”, frisou.
Herce também criticou a ênfase recente na bicicleta, apresentada
como panaceia para os males do trânsito. “Temos que ser sérios e
aceitar que na mobilidade cotidiana o papel da bicicleta é limitado, e
que a sua maior eficácia é alimentar o transporte coletivo.”
spiral, increasing the number of trips on public
transportation, on foot, or other non-motorized
means,” he said.
Herce recognizes that this task will not be easy and
requires that we think about public transportation
as an integrated chain. “We need to begin with
the existence of many different systems, each
with its own coverage and effectiveness in space.
Therefore, it won’t work to plan them separately,”
he argues. Even cars must be included in this
chain, according to him, as feeders to the public
transportation system in the outlying regions that
are not dense or even as a means of transport for
weekend trips.
In Herce’s opinion, the main problem with public
transport on the surface is its lack of discipline,
which means that it cannot be relied on in terms of
regularity or public order. The BRT corridors have
been presented as a solution in Latin American
cities, following the example of Bogotá. But the
Catalan specialist noted that their effectiveness
depends a lot on the stations that need to be
carefully designed to facilitate passenger access
and transfer between different means of transport.
“Many stations are elevated, served by footbridges
or oblige passengers to face traffic to reach them.”
The main idea is for the stations not to take
away the pedestrians’ space, but to the contrary,
to serve as an opportunity to build squares and
meeting spaces, as was done in Nantes, France, in
the transfer stations between trolleys and buses.
Respect for pedestrians was also emphasized in
an image from a street in Barcelona, where cars,
motorcycles, bicycles and pedestrians live in
harmony. “There has to be room for everyone,” he
emphasized.
Rua com desenho para uso compartilhado, Barcelona,
Espanha, 2012
Street designed for shared use, Barcelona, Spain, 2012.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
89
Manuel Herce encerrou sua palestra lembrando que para se garantir
a sustentabilidade é preciso alterar a maneira de enfocar a mobilidade, começando por abrir mão da lógica absurda dos tradicionais
enfoques de demanda. “A conclusão é clara: o trânsito ocupa todo o
espaço que recebe e se adapta a ele. Quando se limita o espaço oferecido, regula-se a quantidade de trânsito. É possível se pensar uma
outra engenharia se o espaço público determina o desenho.”
“
Estamos vivendo paradoxalmente um período de
euforia e de construção de uma alternativa que talvez não
seja a que defendemos. Manuel Herce falou da dispersão
urbana como sinônimo de exclusão social. E é o que nós
estamos continuando a construir. O Rio de Janeiro ainda
cresce de forma horizontal e perde densidade vertiginosamente. O Governo do Estado, na avaliação que faz do
Arco Metropolitano, estima que nos próximos oito anos o
território ocupado pela cidade aumentará 700 quilômetros quadrados. Isto é, a densidade, que nos últimos 50
anos caiu de 16 mil pessoas por km, para menos de 10 mil
no ano 2000 – inferior à observada no século XIX –, continua caindo e deverá chegar a 2020 com 4.500 pessoas
por km2. Ou seja, em 60 anos a cidade aumentará seis vezes em território com um aumento de população que não
chega a 2,5 vezes. Isso significa perda de qualidade nos
serviços públicos, talvez até perda dos próprios serviços.
E, entre todos os condicionantes da cidade contemporânea, talvez o da mobilidade seja o mais expressivo nessa
construção – positiva, se conseguirmos modificar essa
tendência, ou negativa, se ela continuar do modo como
está proposta. Esta é uma guerra a ganhar. É uma guerra
justa porque interessa ao conjunto da população.
”
SÉRGIO MAGALHÃES, comentarista
Herce also criticized the recent emphasis on
bicycles, presented as a panacea for traffic
problems. “We have to be serious and accept that,
in daily mobility, the role of bicycles is limited,
and their greatest effectiveness is to feed public
transportation.”
MANUEL HERCE VALLEJO
Interviewed by Rosa Lima
Manuel Herce ended his presentation by
remembering that to guarantee sustainability, it is
necessary to alter how we view mobility, beginning
by giving up the absurd logic of the traditional
focuses of demand. “The conclusion is clear: traffic
will occupy all the space it is allowed and will adapt
to it. When we limit the space offered, the amount
of traffic is regulated. It is possible to think about
another kind of engineering if the public space
determines the design.”
“We are paradoxically living a moment of euphoria
and of construction of an alternative that may not
be what we defend. Manuel Herce spoke of urban
dispersion as a synonym of social exclusion, and
yet this is what we are continuing to build. Rio
de Janeiro is still growing horizontally and losing
density at an astounding rate. In its assessment
of the Metropolitan Area, the State government
estimates that in the next eight years, the land area
occupied by the city will increase by 700 square
kilometers. In other words, in the past 50 years
density fell from 16 thousand people per square
kilometer to less than 10 thousand in 2000, less
than it was in the 19th century. It will keep falling
and is expected in 2020 to reach 4,500 people
per square kilometer. In other words, in 60 years,
the city will have increased the territory it covers
by almost six times, while its population only
increased 2.5 times. This means a loss of quality in
public services, maybe even the loss of the services
themselves. Among all the requirements of a
contemporary city, perhaps mobility is the most
expressive in this construction: it will be positive,
if we are able to modify this trend, or negative, if
it continues as proposed. This is a war to be won. It
is a just war because it is in the best interest of the
population.”
Sérgio Magalhães, commentator
90
Manuel Herce Vallejo | Entrevista Por Rosa Lima
“Sustainable mobility is achieved project by project.”
Currently one of the most respected specialists
in urban mobility, Spaniard Manuel Herce
Vallejo, professor of Urbanism at the Polytechnic
University of Catalonia, is a harsh critic of the carbased model that is predominant in Rio de Janeiro.
“The consequences are people who are more and
more dependent on cars, long and tiring trips,
people who are always stuck in traffic jams, even
in buses,” he said in this interview, given after his
presentation which ended the conference cycle of
Sustainable City, an expression of the 21st century.
For Herce, public transportation must be thought
of in an integrated manner, with stations that
facilitate this connection.
“
Sustainable mobility is achieved project by project.
”
Manuel Herce Vallejo
Um dos mais respeitados especialistas em mobilidade urbana da
atualidade, o espanhol Manuel Herce Vallejo, professor de Urbanismo
da Universidade Politécnica da Catalunha, é um crítico contundente
do modelo rodoviarista predominante no Rio de Janeiro. “As consequências disso são pessoas cada vez mais dependentes de carros, de
viagens longas e demoradas, pessoas que vivem presas em engarrafamentos, mesmo de ônibus”, disse ele nesta entrevista, concedida
ao término da palestra que encerrou o ciclo de conferências “Cidade
Sustentável, expressão do século XXI”. Para Herce, o transporte coletivo precisa ser pensado de maneira integrada, com estações que
facilitem essa conexão.
ROSA LIMA - Based on your experience in getting
Barcelona ready for the Olympic Games, what are
the main lessons that Rio should learn so that
the legacy of this experience is positive for the
entire city?
MANUEL HERCE VALLEJO - The main difference
between the preparations in Rio and those in
Barcelona for the Olympic Games is that, in
Barcelona, all the designs were done by the
Municipal Government. Here it seems that the
Municipal Government passed this on to groups
of construction companies who are planning and
executing the projects. This has led to a decline in
the quality of the projects and loss of control over
the projects’ effects on the city.
In Barcelona, the Municipal Government set up a
double organization: the Municipal Institute of
Urbanistic Promotion, which is responsible for
all works that were not directly Olympic, and the
Municipal Olympic Committee, with a delegate
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
91
ROSA LIMA - Com sua experiência de preparar Barcelona para receber os Jogos Olímpicos, quais são as principais lições que, a seu ver, o
Rio deve aprender para que o legado dessa experiência seja positivo
para toda a cidade?
MANUEL HERCE VALLEJO - A principal diferença entre a preparação
do Rio e a de Barcelona para os Jogos Olímpicos é que lá os projetos
foram todos feitos pela Prefeitura Municipal. Aqui parece que a Prefeitura tem passado isso para grupos empreiteiros pensarem e executarem. Com isso, perde-se a qualidade da obra, perde-se o controle
dos efeitos sobre a cidade.
Lá, a Prefeitura montou uma dupla organização: o Instituto Municipal
de Promoção Urbanística, responsável por todas as obras que não
eram diretamente olímpicas, e o Comitê Olímpico Municipal, com um
delegado do Prefeito para cuidar de todas as obras olímpicas propriamente ditas, como os estádios. Então, todas, sem exceção, foram
projetos públicos. Depois de prontas, sim, foram feitas concessões e
passadas a operação para empreiteiros construírem ou gerirem.
R.L. - O crescimento do Rio de Janeiro se deu sob um modelo rodoviarista, tendo como referência os carros particulares. Quais as
consequências disso e o que pode ser feito para garantir o direito à
mobilidade de toda a população?
M.H.V. - O Rio embarcou em um modelo rodoviarista absurdo. As consequências disso são pessoas cada vez mais dependentes de carros,
viagens longas e demoradas, pessoas que não caminham, que vivem
presas em engarrafamentos.
Não se pode falar de modelo urbanístico e modelo de mobilidade de
forma separada. Uma cidade espalhada está presa ao carro, enquanto uma cidade concentrada convida a caminhar. Esse modelo rodoviarista do Rio não saiu ainda da cabeça nem do poder público nem da
própria população. Tenho muitos amigos que acham absurdo derrubar a Perimetral e que julgam maravilhoso a cidade se espalhar ainda
mais em direção à Barra, pois pensam que o futuro está lá. O ideário
dominante é o de uma classe social que tem carro e pensa em função
dele. E impõe sua maneira de pensar sobre os demais.
R.L. - E o que se pode fazer para mudar esse quadro? Qual seria, a
seu ver, o primeiro passo?
M.H.V. - Adensar a cidade central, ao estilo da previsão do Porto Maravilha. E discutir seriamente os projetos.
92
from the Municipal Government to take care of
all Olympic works per se, like the stadiums. So all
of them, without exception, were public works.
After they were ready, then yes, concessions were
granted for companies to build or manage these
constructions.
R.L. - Growth in Rio de Janeiro took place under a
road-based model, with private cars as a reference.
What are the consequences of this and what can
be done to ensure the right to mobility of the
entire population?
M.H.V. - Rio embarked on an absurd car-based
model. The consequences of this are people who
are more and more dependent on cars, long and
tiring trips, people who don’t walk and are always
stuck in traffic jams.
You can’t talk about an urban planning model and
mobility model separately. A sprawling city is a
prisoner to cars, while a concentrated city is an
invitation to walk. This car-based model of Rio was
not created by anyone in the government, nor the
population. I have a lot of friends who think it is
ridiculous to knock down the Perimetral elevated
highway and they think it is marvelous for the city
to spread out even more towards Barra; they think
the future is there. The predominant idea is that
of a social class that has cars and thinks in terms
of those cars, imposing their way of thinking
on others.
R.L. - And what can be done to change this? What
would be your first step?
M.H.V. - Make the center part of the city denser,
as planned under the Porto Maravilha project,
and seriously discuss these projects. In this city,
nobody discussed the Olympic project. The press
dove right in and everybody just followed, thought
it was wonderful and that was that. Nobody
questioned whether the Olympic Village should be
in Barra or not, whether this went against making
the center denser.
And everything is based on the idea that it is
possible to stretch out the city, whenever new
spaces are served by new BRTs. These projects
were also not discussed.
Nesta cidade ninguém discutiu o projeto olímpico. A imprensa embarcou nele e todo mundo foi atrás, achou uma maravilha e pronto.
Ninguém questionou se a Vila Olímpica deveria ficar na Barra ou não,
se isso era contraditório com o adensamento de centro.
E tudo fica na ideia de que é possível esticar a cidade, sempre que os
novos espaços sejam servidos por novos BRT. Projetos que tampouco
foram discutidos.
R.L. - Por quê? O senhor não acredita que os BRT sejam importantes para desafogar o trânsito e interligar pontos distantes da cidade,
como está sendo apregoado?
M.H.V. - No mundo todo a aposta pelo transporte coletivo foi acompanhada de restrições ao uso dos veículos privados. Tem sentido construir um BRT no meio de seis pistas de carros, com estações no espaço central, sem nenhum cuidado especial com o acesso das pessoas?
Acredito que, do jeito que está sendo feito, é mais uma manifestação
ideológica supostamente de apoio ao transporte coletivo do que um
apoio verdadeiro. Para ser um projeto de transporte coletivo sério, é
preciso ser cuidadoso com estações bem feitas, com acesso fácil para
os passageiros.
R.L. - Qual é, segundo o senhor, a principal melhoria a ser implantada
no desenho desses BRT?
M.H.V. - As estações, cuidar que sejam de fácil acesso e não por passarelas. Que tenham passeios claros até a porta, com bicicletários e
conexão com ônibus de alimentação. A geometria das pistas tem que
se adequar aos requerimentos da estação. Olhem os conflitos sociais
que ocorreram em Bogotá ou Lima até conseguirem essas soluções.
R.L. - O projeto de construção do metrô para a Barra tem sido objeto
de muita polêmica. Como o senhor avalia esse projeto?
M.H.V. - Eu sou a favor do metrô. Para mim, quanto mais metrô, melhor.
Mas um metrô feito em uma só linha que dá a volta por toda a cidade
não é um metrô eficaz. No mundo todo, o metrô é feito em rede. Aqui
se diz que o metrô tem quatro linhas, mas não é verdade. Se for importante levar o metrô até a Barra, que eu acho que é, então isso tem que
ser feito de outra maneira que não seja ficar se alongando eternamente a linha de Botafogo, Copacabana etc. Mas acredito que depois da
extensão dessa linha vai se começar a pensar em rede.
R.L. - Why? Don’t you believe that the BRTs are
important to relieve traffic and link distant points
in the city, as is being claimed?
M.H.V. - Throughout the entire world, when
people bet on public transportation, this bet was
accompanied by restrictions on the use of private
vehicles. Does it make sense to build a BRT in the
middle of six car lanes, with stations in the center,
without any special concern for people’s access?
I believe that the way it’s being done is just another
ideological manifestation supposedly in support of
public transportation, rather than real support.
To be a serious public transportation project, the
stations have to be carefully planned, with easy
access for passengers.
R.L. - What do you think is the principal improvement
to be implemented in the design of these BRTs?
M.H.V. - The stations, it is important to make sure
they can be easily reached, and not by footbridges.
There should be clear paths to the doors, with
places to park bicycles and connections to feeder
buses. The geometry of the lanes has to be
adapted to the requirements of the station. Look
at the conflicts they had in Bogotá or Lima until
they were able to achieve these solutions.
R.L. - The plan to extend the subway to Barra has
been the subject of a good deal of controversy.
How do you see this project?
M.H.V. - I am in favor of the subway. For me, the
more subway you have, the better. But a subway
based on only one line that crosses the whole city
is not an effective subway. Throughout the world,
subways are designed in networks. Here people
say that the subway has four lines, but it’s not true.
If it is important to extend the subway to Barra,
and I think it is, then it has to be done in another
way besides endlessly extending the line from
Botafogo, Copacabana, etc. But I believe that after
this extension, people will begin to think about a
network.
R.L. - The residents of the Northern Zone and
Baixada Fluminense account for 80% of the
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
93
R.L. - Os moradores da Zona Norte e da Baixada Fluminense representam 80% da população do Grande Rio, um contingente muito maior do
que o de moradores da Barra, mas para eles não há projeto de metrô.
­­
M.H.V. - Esses são, sem dúvida, os mais desassistidos, os moradores
dos subúrbios e da periferia. Esse fato é uma razão a mais para se
pensar em uma rede futura.
R.L. - ­Melhorar o serviço dos trens e transformá-los em metrôs de
superfície, com boas estações, não seria uma boa alternativa?
M.H.V. - Deveria ser.
R.L. - Na sua palestra, o senhor exibiu imagens do canal do Mangue
no início do século passado, então um local muito aprazível, ladeado por altas palmeiras, e hoje completamente degradado. A seu ver,
o projeto do Porto Maravilha não contempla a recuperação daquela
área de maneira adequada?
M.H.V. - Quando a Prefeitura expôs o Plano Porto Maravilha, achei
que finalmente alguém tinha tido coragem para derrubar o viaduto
da Perimetral. Mas a minha satisfação se frustrou quando comprovei
que essa derrubada terminava na Francisco Bicalho.
Não se aproveitava o embalo olímpico para recuperar o antigo e lindíssimo canal do Mangue, com tantos significados na história da cidade. Tão desprezado, que está afogado pelo trânsito, recebe todo tipo
de esgotos, e mesmo alguém está projetando escondê-lo debaixo de
um BRT e outros têm projetado ampliar os acessos a esse viaduto no
entorno da estação rodoviária.
Porém, se se derruba o viaduto da Perimetral, as alças que entram
na Francisco Bicalho perderão importância, e podem ser encurtadas
para deixar de ser uma barreira à continuidade da Avenida Pedro II,
que conecta o Porto à Quinta da Boa Vista.
Quando da elaboração do edital do Concurso Porto Olímpico para
situar lá a vila olímpica dos árbitros, fiz para o IAB e a Prefeitura
um trabalho mostrando a possibilidade de substituir esse único eixo
viário de acesso ao Centro pela Francisco Bicalho por uma rede de
ruas paralelas a ele. E fizemos uma simulação do trânsito com dados
de intensidades fornecidos pela CET-Rio. Tudo dava certo e tudo permitia tirar os carros do trecho central da avenida, deixando-a para,
ônibus e pedestres.
A sugestão foi para o espaço, não serviu para nada, todos olharam
para outra parte. Mas, dentro da contínua revisão das propostas
olímpicas que parece estar acontecendo, acho que o tema é demasiado importante para nem ser falado. Isso é falar de mobilidade e
cidade sustentável.
94
population of the metropolitan area of Rio, a
contingent much larger than the residents of
Barra, but there is no subway project for them.
M.H.V. - They are, without a doubt, the least well
served, the residents of the suburbs and outlying
areas. This is one more reason to think about a
future network.
R.L. - Wouldn’t improving the train service and
transforming it into surface subways, with good
stations be a good alternative?
R.L. - O senhor acredita que o Rio de Janeiro terá algum legado que
possa se comparar ao de Barcelona?
M.H.V. - Certamente não haverá um legado que possa ser comparado
com o de Barcelona, Seul ou Londres. Tenho a impressão de que no
Rio vai haver apenas uma Olimpíada – muito divertida, espero. Dela
ficarão estádios e equipamentos. Mas o modelo urbanístico da cidade
não mudará.
R.L. - Que coisas podem ser acrescentadas ainda para fazer da Olimpíada do Rio um exemplo de sustentabilidade do ponto de vista de
mobilidade?
through Francisco Bicalho Avenue with a network
of parallel streets, and we did a traffic simulation
using traffic intensity data provided by CET-Rio.
Everything worked and it would be possible to take
the cars out of the central section of the avenue,
leaving it for buses and pedestrians.
- The suggestion disappeared into thin air, nothing
became of it, and everyone looked for something
else. But within the ongoing review of Olympic
proposals that seems to be taking place, I think this
topic is too important to not be brought up. This is
what it means to speak of mobility and sustainable
cities.
M.H.V. - It should be.
R.L. - In your presentation, you showed images of
the Mangue Canal at the start of the last century,
back then a very pleasant place, surrounded by
high palm trees, and today, completely degraded.
In your opinion, doesn’t the Porto Maravilha project
adequately include the recovery of that area?
M.H.V. - When the Municipal Government presented
the Porto Maravilha Plan, I thought that someone
finally had the courage to knock down the
Perimetral elevated highway. But my satisfaction
was short-lived when I realized that it would only be
knocked down as far as Francisco Bicalho Avenue.
They did not take advantage of the energy brought
by the Olympics to recover the old Mangue canal,
such a meaningful place in the city’s history. It is so
scorned that it is choked with traffic, has all types of
sewage dumped into it, and there is even someone
planning to hide it underneath a BRT, while others
have planned to increase the access roads to this
elevated highway in the area surrounding the bus
station.
However, if they knocked down the elevated
highway, the side roads that go into Francisco
Bicalho would lose importance, and could be
shortened so they would no longer be a barrier
to the continuation of Avenida Pedro II, which
connects the Port to Quinta da Boa Vista.
- When the invitation bid was prepared for the
Olympic Port to locate the Olympic Referees’ Villa
there, I prepared a study for the IAB and for the
Municipal Government showing the possibility of
replacing this single access road to the Center
M.H.V. - Acho que duas: a atenção às estações de transporte coletivo,
pensadas para facilitar a intermodalidade e os acessos amáveis, e
uma reflexão séria sobre o espaço do pedestre: alargamento de calçadas, redução do tamanho das pistas de carros, urbanização superficial que incorpore critérios de sustentabilidade e não só de luxo etc.
É barato, e estaria no nível de uma cidade que tem acolhido o evento
mundial da sustentabilidade.
R.L. - Do you believe that Rio de Janeiro will
have a legacy that will be comparable to that of
Barcelona?
M.H.V. - Certainly there will not be a legacy that
can be compared to that of Barcelona, Seoul or
London. I have the feeling that in Rio there will only
be a very enjoyable Olympics, I hope. Stadiums and
equipment will remain. But the city’s urban model
will not change.
R.L. - What can still be added to make the Rio
Olympics an example of sustainability from the
standpoint of mobility?
M.H.V. - I think there are two things: attention to
public transport systems, thought out to facilitate
inter-modality and user friendly access, and serious
reflection on space for pedestrians: widening
of sidewalks, a reduction in the size of car lanes,
surface upgrading that incorporates sustainability
criteria and not just luxury, etc. This is inexpensive
and would be appropriate for a city that has agreed
to host the world’s event on sustainability.
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
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PROGRAMAçÃO
18 de junho | segunda-feirA
9:00 - 10:00
Recepção e Credenciamento
10:00 - 10:50
Cerimônia de Abertura
Inês Magalhães
Secretária Nacional de Habitação, Ministério das Cidades
19 de junho | terça-feira
14:00 - 14:30
Recepção e Credenciamento
14:30 - 15:50
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável e Habitação”
Vanderley John
Prof. da Universidade de São Paulo/POLI-USP
Francisco Gaetani
Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente
João Whitaker
Prof. da Universidade de São Paulo/LABHAB
Joan Clos
Diretor Executivo da ONU Habitat
José Conde Caldas | comentários do
Presidente da Associação de Dirigentes de Empresas Imobiliárias do Rio de
Janeiro (Ademi-RJ)
Albert Doubler
Presidente da União Internacional dos Arquitetos
Jorge R. Monti
Presidente da Federação Pan-Americana de Associações
de Arquitetos
16:00 - 17:40
Inês Magalhães
Secretária Nacional de Habitação, Ministério das Cidades
Haroldo Pinheiro
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil
(CAU-BR)
AntOnio Augusto Veríssimo
Coordenador de Planejamento e
Projetos, Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura do Rio
de Janeiro - PCRJ
SÉrgio Ferraz Magalhães
Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
10:50 - 13:00
Conferência de Abertura “Cidades para as Pessoas“
Claudio Accioly | comentários e mediação
Coordenador do Setor de Política Habitacional do Programa de
Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas ONU Habitat
Jan Gehl, conferencista
Prof. Emérito da Escola de Arquitetura de Copenhague, Dinamarca
14:30 - 15:50
Pedro Claudio Cunca B. B. Cunha | apresentação, comentários e mediação
do Prof. e Coordenador do Núcleo Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade
do BRICS - Policy Center PUC-Rio
20 de junho | quarta-feira
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável, Saneamento e Meio Ambiente”
Debates organizados pela Cúpula dos Povos
Leo Heller
Prof. da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Francis Bogossian | comentários do
Presidente do Clube de Engenharia, Rio de Janeiro
16:00 - 17:40
Mesa-redonda sobre Habitação
Fórum sobre “Acessibilidade e Sustentabilidade”
18:30 - 21:30
21 de junho | quinta-feira
Mesa-redonda sobre “Questões Ambientais das Metrópoles”
Debates organizados pela Cúpula dos Povos
Felipe Leal
Secretário de Urbanismo, México DF
Maria Teresa Serra
Consultora do Banco Mundial - BID
Organização CAU-RJ
Fórum sobre “Carta da Paisagem”
18:30 - 21:30
Organização CAU-BR com a participação da ABAP e do Prourb /FAU-UFRJ
Marilene Ramos | comentários do
Presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA)
CIDADE SUSTENTÁVEL | expressão do século XXI
97
22 de junho | sexta-feira
10:30 - 11:00
Recepção e Credenciamento
11:00 - 12:30
Conferência sobre “Cidades Sustentáveis: a importância da forma das cidades”
Marcial Echenique | conferencista
Prof. da Universidade de Cambridge, Reino Unido
Ephim Shluger | comentários e mediação
Consultor do Banco Mundial - BID
14:30 - 15:50
Apresentação de Estudo “Cidade Sustentável e Mobilidade Urbana”
Rômulo Orrico
Prof. da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe - UFRJ)
Alexandre Sansão | comentários
Secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro
16:00 - 17:40
Mesa-redonda sobre Mobilidade Urbana, Espaço Público e as Ruas
Andrés Borthagaray
Prof. da Universidad General Sarmiento, Argentina
Juan Carlos Dextre
Prof. da Pontifícia Universidad Católica del Peru, Lima
Fabiana Izaga | comentários e mediação
Prof. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (FAU - UFRJ)
18:00 - 19:30
Conferência sobre “Direito à Mobilidade na Cidade Contemporânea“
Manuel Herce Vallejo | conferencista
Universidade Politécnica da Catalunha (UPC), Espanha
SÉrgio Ferraz Magalhães | apresentação, comentários e mediação
Arquiteto, professor do Prourb / FAU - UFRJ
Encerramento
98
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