Oficina 1 – Lazer e Educação Popular
Fabiano Maranhão1
Fábio Ricardo Mizuno Lemos2
Matheus Oliveira Santos3
Sinopse: Compreensão do lazer como uma prática social e, portanto, como práxis humana que
se dá no contexto do mundo através das relações entre pessoas, grupos, comunidades,
sociedades e nações. Elementos como tempo, espaço e atividade são tidos como fundamentais
para a compreensão do lazer, destacamos, no entanto, o elemento intencionalidade, ou seja, o
modo como o ser dirige sua consciência no sendo-uns-com-os-outros-ao-mundo na
apropriação e vivência do lazer. Neste curso objetivamos discutir/vivenciar tal compreensão do
lazer estabelecendo relações desta prática social com o trabalho, a educação popular e as
relações étnico-raciais.
Palavras-Chaves: lazer; trabalho; educação popular; relações étnico-raciais.
O lazer a partir do final da década de 60 e no decorrer da década de 70 começou a ser
discutido com maior ênfase no Brasil, tanto no âmbito acadêmico (ciências sociais, psicologia,
comunicação social e educação física) quanto no das organizações governamentais (políticas
públicas de lazer). Melo (2003) destaca que “em comum entre essas diferentes reflexões, devese ressaltar a compreensão da característica multidisciplinar da temática, bem como a sua
consideração como fenômeno a ser entendido como componente da cultura” (p.21)
Neste sentido, Werneck (2000) pontua o lazer:
enquanto uma prática social relacionada às diferentes dimensões de nossa
sociedade (tais como o trabalho, a economia, a educação e a política),
compreendo o lazer em duas perspectivas: como um direito social, em
princípio, proveniente das conquistas dos trabalhadores por um tempo
legalmente regulamentado; e como uma possibilidade de produção de cultura,
por meio da vivência lúdica de diferentes conteúdos, mobilizada pelo desejo
e permeada pelos sentidos de liberdade, autonomia, criatividade e prazer, os
quais são coletivamente construídos (p.132).
Visualiza, assim, o lazer enquanto estímulo para os sujeitos empenhados na luta pela
conquista de autonomia e pela garantia de um viver digno, ultrapassando as barreiras dos
discursos ideológicos opressores e injustos.
1
Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH) e do Núcleo de
Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF); Mestrando em Educação no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCar).
2
Professor da Rede Pública Estadual Paulista (SEE/SP); Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa
em Motricidade Humana (SPQMH) e do Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física
(NEFEF); Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de São Carlos (PPGE/UFSCar).
3
Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH) e do Núcleo de
Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF); Mestrando em Educação no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCar).
No entanto, desde o início das discussões, observa-se uma constante incompreensão ao
redor da temática, com a dissociação do lazer do âmbito da cultura e atrelamento “simplista” do
mesmo, ao esporte, às atividades físicas.
Esta associação pode ser compreendida como apropriação, também do lazer, por uma
“indústria cultural” que visa, entre outras coisas, impor necessidades de consumo e padrões de
vida, para subordinar diferentes culturas aos princípios impostos por uma cultura reconhecida
como dominante.
De acordo com Werneck (2000), “devido às estratégias do marketing de mercado, são
criadas necessidades de consumo e impostos novos padrões de vida, os quais atingem
profundamente as dimensões do trabalho e do lazer em nossa globalizada sociedade” (p.64).
Para Vieitez (2002), o lazer “combinando-se com a indústria cultural, tornou-se meio
generalizado de controle social, caracterizando-se assim como lazer alienado” (p.144).
Tratam-se, assim, estas imposições, de uma verdadeira “invasão cutural”.
Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural
é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos,
impondo a esses sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao
inibirem sua expansão. Nesse sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente
alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da
cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la
(FREIRE, 2006, p.173).
Ianni (1993), partindo da perspectiva de nação pertencente à América Latina, indica que
há várias nações dentro da nação latino-americana e refere-se à “nação burguesa, dominante,
que profere o discurso do poder” e à “nação popular, camponesa e operária, dispersa na
sociedade e na geografia”. As diversidades escondem profundas desigualdades e relações de
dominação entre elas (p.35).
Tem-se, então, a constituição de dois “pólos”, de um lado os que aprisionam, oprimem e
dominam e do outro, os que são aprisionados, oprimidos e dominados.
Deste modo, o condicionamento, a domesticação de uma ideologia fatalista embutida no
discurso neoliberal, aplicada preponderantemente às classes populares, têm a capacidade de
penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer, de fazer a muitos de nós aceitar
docilmente discursos fatalistas neoliberais, que proclamam, por exemplo, “ser o desemprego no
mundo uma desgraça do fim do século” (FREIRE, 2005, p.126).
Para Freire (2005):
faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos dominados da
responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que sentem eles, em
determinado momento de suas relações com o seu contexto e com as classes
dominantes por se acharem nesta ou naquela situação desvantajosa. (...)
Enquanto se sentirem assim, pensarem assim e agirem assim, reforçam o
poder do sistema. (p.83).
De encontro a esta realidade, Dussel (s/d), a partir da construção de um conhecimento
filosófico e científico enraizado na experiência, na cultura, na história e nas utopias dos povos
periféricos, reconhecendo e apresentando a dominação sofrida pelos povos da América Latina, a
partir da opressão – pela matança, pela aculturação –, indica a tomada de consciência para a
ruptura, a libertação.
Nesse sentido, Fiori (1986), apresenta a emergência de uma auto-consciência crítica dos
povos da América Latina, sendo para isso,
de vital importância uma reflexão comprometida com a práxis da libertação,
que nos permita captar, com lucidez e coragem, o sentido último deste
processo de conscientização. Só assim será possível repor os termos dos
problemas de uma educação autenticamente libertadora: força capaz de
ajudar a desmontar o sistema de dominação, e promessa de um homem novo,
dominador do mundo e libertador do homem (p.3).
Pois, "inclusive a mais feroz dominação não é capaz de coisificar totalmente o homem”
(FIORI, 1986, p.6). "As estruturas podem aprisionar o homem ou propiciar sua libertação,
porém, quem se liberta é o próprio homem” (FIORI, 1986, p.3) quando toma sua existência em
suas mãos, quando protagoniza sua história.
E, no movimento em busca da libertação, é possível verificar o surgimento de
movimentos sociais que vêm lutando para que a sociedade possa considerar de maneira
adequada as diversas formas e escolhas da vida em sociedade, sem preconceitos, estereótipos e
discriminações.
Estas lutas têm contribuído para o questionamento de certas regras e normas, sendo
então uma possibilidade de dar um salto de qualidade nas relações sociais e conseqüentemente
nas questões que envolvem o lazer, entre elas, o acesso a este.
A exemplo disso é possível observar que os grupos representados pelas “camadas
populares” criam resistências traçadas de acordo com suas experiências concretas cotidianas. A
resistência, assim, inclui modos de contestar ou de não aceitar o conjunto de máximas
estabelecidas para a vida cotidiana. Um espaço para resistência pode, então, ser criado pela
dissonância entre as experiências vividas pelos indivíduos e a versão de tais experiências ou de
interstícios entre experiência e representação.
Estudos nessa área vêm crescendo ultimamente no Brasil e mostra a força que os grupos
das “camadas populares” vem tendo na implementação de políticas públicas de lazer que
respeitem gostos, anseios e necessidades da população.
Como afirma Freire (2006), “dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas
direito de todos os homens” (p.90).
Sendo assim, por não poder “dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os
outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais” (FREIRE, 2006, p.9091), as inserções realizadas por nós pesquisadores (que serão o foco da presente oficina), nas
temáticas: lazer e relações étnico-raciais; lazer, trabalhadores e processos educativos; lazer e
educação popular, consideram sobremaneira a “intencionalidade do sendo-uns-com-os-outrosao-mundo” na prática social lazer (GONÇALVES JUNIOR e SANTOS, 2006).
Com esta escolha, fazemos de pronto nosso posicionamento moral para o lazer
enquanto prática social com possibilidades de reflexão e/ou mudança em detrimento da
alienação e/ou permanência.
Isto porque, entendemos o ser humano de forma integral, o qual faz-se e refaz-se nas
relações de intersubjetividade com os outros, tendo como pano de fundo o contexto do mundo.
E, somente deste modo, o ser humano vai constituindo sua humanidade e conquistando o mundo,
para libertar-se.
REFERÊNCIAS:
DUSSEL, E.D.A pedagógica latino-americana (a AntropológicaII). In: ______. Para uma ética
da Libertação Latino Americana III: Erótica e Pedagógica. São Paulo: Loyola; Piracicaba:
UNIMEP, p.153-281, s/d.
FIORI, E.M. Conscientização e educação. Educação & Realidade, v. 11, n. 01, p.03-10, 1986.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
GONÇALVES JUNIOR, Luiz; SANTOS, Matheus Oliveira. Brincando no jardim: processos
educativos de uma prática social de lazer. In: VI EDUCERE - CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO - PUCPR - PRAXIS, 2006, Curitiba. Anais ... Curitiba: PUCPR, 2006. v. 1.
IANNI, O.I. Interpretações da história. In: ______. O labirinto latino-americano. Petrópolis:
Vozes, 1993. p.9-39.
MELO, V.A. Lazer e minorias sociais. São Paulo: IBRASA, 2003.
VIEITEZ, C.G. Marx, o trabalho e evolução do lazer. In: BRUHNS, H.T. (Org.). Lazer e
ciências sociais: diálogos pertinentes. São Paulo: Chronos, 2002. p.125-147.
WERNECK, C. Lazer, trabalho e educação: relações históricas, questões contemporâneas.
Belo Horizonte: UFMG; CELAR-DEF/UFMG, 2000.
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