Mercado de trabalho e educação física: aspectos da preparação profissional Alfredo Cesar Antunes Mestre em Ciências da Motricidade - UNESP Coordenador do curso de Educação Física da Faculdade Comunitária de Campinas - Unidades 3 e 4 e-mail: [email protected] Resumo Abstract Nos últimos anos aconteceram mudanças significativas no mercado de trabalho na área da Educação Física, como a regulamentação da profissão e as novas diretrizes curriculares, além da produção de conhecimento e caracterização acadêmicocientífica. O estágio supervisionado, as práticas curriculares e as atividades de extensão constituem um processo de transição profissional, que procura ligar duas lógicas: educação e trabalho. Na atual situação de mudanças curriculares na área é fundamental propor ações dinâmicas e mecanismos eficientes para uma reorganização estrutural da formação profissional. In the last years significant changes in the work market in the area of the Physical Education had happened, as the regulation of the profession and the new curricular lines of direction, beyond the production of knowledge and academicscientific characterization. The supervised period of training, practical curricular and the activities of extension constitute a process of professional transition, that it joins two logics: education and work. In the current situation of curricular changes it is basic to consider dynamic actions and efficient mechanisms for a structural reorganization of the professional preparation. Palavras-chave: educação física, preparação profissional, estágio, práticas, extensão. Introdução As transformações no mundo do trabalho têm refletido em mudanças na configuração do conjunto da vida individual, social e cultural. A competitividade e a produtividade se tornaram paradigmas no mundo da produção e do trabalho tornando a tecnologia e o conhecimento científico essenciais. Portanto, a qualificação dos recursos humanos e a qualidade dos conhecimentos produzidos são fundamentais. A nova forma de operar do capitalismo que se baseia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e padrões de consumo é responsável também pelo surgimento de novos mercados, serviços, tecnologias, etc, (HARVEY apud CATANI, OLIVEIRA e OURADO, 2001). Nesse contexto houve uma ampliação nas áreas de atuação do profissional de Educação Física. A área escolar, a mais tradicional, oferece possibilidades na Key-words: physical education, professional preparation, period of training, practical, extension. educação infantil, ensino fundamental, médio e superior. Na área da saúde surgem maiores oportunidades de trabalho com equipes multiprofissionais em hospitais, clínicas e centros de tratamento. No lazer podem ser desenvolvidos trabalhos em prefeituras, clubes, hotéis, entre outros locais que oferecem atividades de lazer. No esporte as ações do profissional de educação física podem ocorrer no contexto profissional, amador e de iniciação. Ainda, surgem oportunidades em empresas, principalmente em academias e escolas de iniciação esportiva. Assim, o novo modelo de formação profissional se expressa na polivalência, agilidade e flexibilidade profissional (profissional multicompetente). Contudo, Catani, Oliveira e Dourado (2001) alertam sobre o princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. Segundo Meghnagi (1998), a dialética entre competências possuídas e mudanças requeridas é 141 constante e somente a diminuição da distância entre elas pode gerar novas sínteses de conhecimentos adequados para impedir uma provável exclusão do mercado de trabalho. Ainda, destaca a importância em se redefinir a educação profissional a partir de uma perspectiva que estabeleça vínculos entre pesquisa, experimentação e negociação entre os protagonistas sociais, ou seja, instrumentos que permitam a interação e complementaridade entre a teoria e a prática. Estes instrumentos são os estágios curriculares, as práticas como componente curricular e os projetos de extensão. São instrumentos de interação entre os conteúdos teóricos transmitidos na graduação e as experiências e conhecimentos adquiridos da observação e participação em situações reais de trabalho. São instrumentos privilegiados para que o futuro profissional se identifique com a área que irá atuar. Assim, as atuais perspectivas do mercado de trabalho e as demandas sociais em Educação Física devem merecer a atenção das Instituições de Ensino Superior (IES) na elaboração dos projetos pedagógicos. Para essas instituições significa aproximar-se mais das necessidades e interesses da população com relação às atividades físicas e esportivas e, para os profissionais, compreender a natureza dinâmica do conhecimento que deve possuir para sustentar a atividade profissional (BARROS, 2006). Organização profissional Além desses fatores, outro que influencia na profissão é a organização profissional. Para Lawson (1984) numa profissão a ação está baseada no conhecimento sobre a essência do serviço que é oferecido e sobre quem presta esse serviço. Como o conhecimento muda com as mudanças sociais os profissionais são capazes de alterar o modo como eles trabalham. Quando uma ação não está baseada nesse critério ela se caracteriza como ocupação que é um conjunto de técnicas obtidas pelo processo de tentativa e erro e pouco influenciável pela produção de conhecimentos científicos. Segundo Flexner, citado por Barros (1993), para que uma atividade se caracterize como profissional deve apresentar alguns critérios. O primeiro determina que a atividade profissional deve ser de natureza intelectual, ou seja, baseada em um corpo de conhecimentos. Em seguida, deve ser prática, para atender à prestação de serviços. A atividade profissional também deve ser dinâmica, para atender à atualização profissional. A profissão deve apresentar organização interna, uma 142 instituição que a represente. É preciso possuir conteúdo que possa ser comunicado (comunicabilidade). E finalmente, contribuir para o desenvolvimento e bemestar da humanidade, ou seja, altruísmo. A Profissão de Educação Física foi regulamentada através da Lei nº 9.696/1998 que, proporcionou a criação do sistema CONFEF/CREF’s (Conselho Federal de Educação Física/Conselhos Regionais de Educação Física), que apresenta como objetivo acompanhar e fiscalizar a qualidade dos serviços prestados a sociedade nessa área. Segundo Barros (1996) a organização profissional da área de Educação Física permite a interação entre produção de conhecimentos (teoria) e prestação de serviços (prática) e a atualização e reformulação dos currículos. Steinhilber (1996) afirma que a organização profissional da Educação Física é a defesa da sociedade contra a prática profissional leiga e irresponsável, através do caráter disciplinar de promover o controle ético e punir quando for necessário, isto é, os conselhos são órgãos fiscalizadores e mantenedores da qualidade profissional. Apesar da regulamentação da profissão é fundamental a competência profissional. Porém, essa competência apenas será completa se estiver embasada em um corpo de conhecimento que dê suporte teórico (científico) e prático ao profissional que atua no mercado. Os profissionais de educação física devem ser capazes de oferecer serviços confiáveis e de qualidade e ter uma nova postura ética e profissional, que leve a transformações políticas e econômicas (BARROS, 2000). Tojal (2004) destaca que a regulamentação da profissão foi talvez o que mais levou a categoria a unirse e demonstrar um espírito de classe profissional. E, esclarece que um conselho profissional não é um órgão de atuação corporativista, mas com o papel de sair em defesa da sociedade para que a profissão que representa preste o melhor atendimento com conhecimento e aplicação de preceitos éticos. Para que essa categoria profissional seja reconhecida e respeitada pelos seus beneficiários. Perfil profissional A formação em nível superior de graduação plena em Educação Física vem sendo objeto de um amplo processo de discussão. Com o Parecer nº 894/1969 e a Resolução nº 69/1969 foi fixado o currículo mínimo, a duração e a estrutura dos cursos superiores de graduação em Educação Física. Porém, esses licenciados através da Resolução MEC/CFE 69/69 (Ministério da Educação e Cultura/ Conselho Federal de Educação), além das escolas, atuavam também em outros espaços não-escolares. Um amplo processo de debates e proposições culminou com a aprovação pelo CFE/MEC do Parecer nº 215/87 e da Resolução nº 03/87, que vieram normatizar a reestruturação dos currículos plenos para os cursos de graduação em Educação Física que, a partir daí, deveriam contemplar um núcleo de disciplinas de “Formação Geral” e um núcleo de disciplinas de “Aprofundamento de Conhecimentos”. Também, ocorreu a criação do bacharelado em Educação Física com o objetivo de preparar profissionais para a atuação em instituições não escolares que prestam serviços à sociedade na área da Educação Física e esporte. É necessário registrar que, além do aspecto profissional (mercado de trabalho), a criação do bacharelado em Educação Física também sofreu influências das discussões sobre suas matrizes teóricas para caracterizá-la como uma disciplina acadêmica. Depois da Lei 9394/96, ocorreram algumas alterações nesse processo e o CNE/CES (Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior), passou a adotar procedimentos e diretrizes diferenciadas para essas duas vertentes profissionais. Portanto, o currículo deve “oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional” (Parecer CNE/CES 776/97). No que se refere à Licenciatura, o Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), definiu através da Resolução n. 1/99 que a preparação de professores para a Educação Básica, deve ser realizada como um processo autônomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria. O Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, no parágrafo 4º do Art. 3º, define: “A formação de professores para a atuação em campos específicos do conhecimento far-se-á em cursos de licenciatura, podendo os habilitados atuarem no ensino da sua especialidade, em qualquer etapa da educação básica”. Assim, com a fundamentação contida no Parecer CNE/CP 9/01 e da Resolução CNE/CES 1/2002, o curso de licenciatura adquiriu terminalidade e integralidade própria em relação ao Bacharelado (graduação), constituindo-se em um projeto específico, definindo um perfil profissional e um espaço próprio e exclusivo no mercado de trabalho no sistema de ensino básico formal. A Resolução CNE/CES 7/2004 (atuais diretrizes) definiu os parâmetros legais e orientadores para a preparação dos Bacharéis de Educação Física. Propuseram um redimensionamento do currículo, direcionando-o para a formação de um profissional de Educação Física qualificado para o seu campo de atuação e priorizando a definição das competências. Define que o Graduado em Educação Física deve estar qualificado para analisar a realidade social e intervir acadêmica e profissionalmente nas diferentes manifestações do movimento humano e no âmbito do conteúdo específico da Educação Física. Assim, quando se trata da licenciatura os novos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Educação Física devem estar em acordo com o Parecer CNE/CP 9/2001, 27/2001 e 28/2001 e as Resoluções CNE/CES 1/02 e 2/02. A graduação em nível superior de graduação plena (bacharelado) deve estar de acordo com o parecer CNE/CP 58/04 e a Resolução CNE/ CES 7/04, uma vez que essa legislação substitui a anterior Resolução CFE 03/87. Em relação à formação profissional em Educação Física, a legislação atual possibilita duas vertentes de formação: licenciatura e bacharelado. Os Cursos de Licenciatura em Educação Física (licenciatura de graduação plena) formam professores de Educação Física para atuar exclusivamente na Educação Básica/escolar: educação infantil, ensino fundamental e médio. As exigências para a formação do licenciado são: 400 horas de práticas como componente curricular, 400 horas de estágio curricular supervisionado, 1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e 200 horas de atividades acadêmicocientífico-culturais complementares. Totalizando uma carga horária mínima de 2.800 horas e três anos de tempo mínimo para integralização do curso. Os Cursos de Bacharelado (graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena) habilitam o Profissional de Educação Física para atuação em todo e qualquer segmento de mercado inerente à área por meio das diferentes manifestações da atividade física e esportiva, excetuando-se a Educação Básica, ou seja, estando impedido de atuar na educação básica. A formação do graduado (bacharel) indica duas dimensões: formação ampliada e formação específica. A formação ampliada deve abranger as dimensões da relação do ser humano-sociedade, biológica do corpo humano e produção do conhecimento científico e tecnológico. A formação específica deve atender as dimensões culturais do movimento humano, técnica143 instrumentais e didático-pedagógica. Com relação à carga horária total como a matéria não foi revogada pela atual diretriz (Resolução CNE/ CES 7/04) vale o documento anterior que regulamenta o assunto (Resolução CFE 03/87). Assim, para a formação do graduado (bacharel) a carga horária mínima é 2.880 horas e quatro anos de tempo mínimo para integralização do curso. A Resolução nº 07/CNE/CES (2004) que Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, no artigo 10º, complementa essa questão apontando que a prática como componente curricular deverá ser vivenciada em diferentes contextos desde o início do curso, o estágio profissional curricular vivenciado em diferentes campos de intervenção sob a supervisão de profissional habilitado e qualificado, a partir da segunda metade do curso e no caso de núcleos temáticos de aprofundamento 40% da carga horária do estágio profissional curricular supervisionado deverá ser cumprida no campo de intervenção acadêmico-profissional correlato. Assim, é “imprescindível, portanto, que haja coerência entre a formação oferecida, as exigências práticas esperadas do futuro profissional e as necessidades de formação” (Parecer CNE/CES 058/04). Os estágios profissionalizantes de qualquer área profissional são regulamentados pela Lei nº 6.494 de 07/12/1977 e pelo Decreto Lei nº 87.497 de 18/08/ 1982. De acordo com a lei e o decreto os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e representa as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, e proporcionadas ao estudante pela participação em 144 situações reais de vida e trabalho de sua área. Na área da Educação Física, os estágios curriculares eram desenvolvidos em conjunto com a disciplina prática de ensino. A nova legislação fez uma separação entre os estágios e do que se passou denominar de práticas como componente curricular. O papel da Instituição de Ensino Superior (IES) não é só o de formar ou preparar pessoal qualificado para o mercado de trabalho, mas também deve pelas suas possibilidades extencionistas e de pesquisa, antecipar soluções. Portanto, a organização do currículo não é feito apenas do momento da análise do vivido, mas das diferentes possibilidades para um tempo futuro (TOJAL, 1995). Ciência da motricidade humana A ciência da motricidade humana proposta pelo filósofo português Manuel Sérgio Vieira e Cunha (no Brasil é citado como Sérgio, M.) é um referencial teórico importante para a reflexão sobre formação profissional na área da educação física. A ciência da motricidade humana preconiza uma ciência do movimento humano ou quinantropologia. Para Sérgio a ciência do movimento humano faz parte das ciências do homem como uma região da realidade específica, ou seja, o movimento humano. Sérgio (1987, 1989) argumenta que o verdadeiro objeto de estudo da Educação Física é a motricidade humana, partindo do princípio de que o homem é um ser em busca da transcendência e a motricidade é a capacidade de movimento dessa transcendência, ou seja, se baseia na intencionalidade operante e na ascensão do Homem para o mais humano, tanto do ponto de vista biológico quanto psicológico, ideológico, cultural e espiritual. A motricidade humana compreende o treino, a dança, a motricidade infantil, a ginástica, o jogo desportivo, o desporto, o circo, a educação especial, a reabilitação e a ergonomia, entre outras atividades, e que teria no lúdico e na motricidade as categorias dominantes. Para Sérgio a Educação Física deve tornar-se a ciência da Motricidade Humana, definida como a ciência da compreensão e de explicação das condutas motoras, visando ao estudo das constantes tendenciais de motricidade humana, em ordem ao desenvolvimento global do indivíduo e da sociedade, e tendo como fundamento simultâneo o físico, o biológico e o antropossociológico. Tojal (2004) entende e concorda com a proposta inicial apresentada por Manuel Sérgio que o objeto de estudo da denominada educação física deverá ser o movimento humano (pág. 101). Segundo Tojal (1994), para Manuel Sérgio, a ciência da Motricidade Humana é a ciência da compreensão e de explicação das condutas motoras. É o radical científico onde se fundamenta o desporto, a dança, a ginástica, e outras. Para ela, além do físico há o social, o político e tudo o que compõe a complexidade humana (TOJAL, 2005). Tojal (1997) entende que se deve formar o profissional de motricidade humana para atuar nos diferentes aspectos do desenvolvimento do humano junto à sociedade, a sua cultura e à natureza que o cerca. “A motricidade humana representa a intencionalidade operante do próprio indivíduo, na busca da superação de algo que lhe interessa, visando alcançar seu absoluto, que é só seu, para o que necessita de ajuda profissional que o auxilie a identificar as capacidades de que dispõe e as possibilidades e caminhos para a consecução desse seu objetivo” (TOJAL, 2005). Esta busca pela superação deve ser realizada pelo profissional de Educação Física desde o início da graduação sem prazo para terminar. Os instrumentos desta busca da superação profissional são os conhecimentos científicos e técnicos adquiridos nas disciplinas, estágios, projetos de extensão e nas práticas como componente curricular e nas buscas realizadas após a graduação como cursos de atualização, pós-graduação, experiências profissionais. Com a velocidade da transformação do conhecimento novas expectativas e necessidades surgirão em toda a sociedade e a formação profissional terá que se adaptar a essas mudanças. Reconhecendo a formação do profissional de educação física como um processo contínuo, acreditase que a etapa da graduação é decisiva para a aquisição e desenvolvimento das habilidades e competências no processo de aprendizagem dinâmica do futuro profissional. O conhecimento necessário ao profissional de Educação Física tem sido constantemente transformado. Em função disso, as Instituições de Ensino Superior devem preparar o profissional com competência tanto para a atuação profissional, quanto para a atualização necessária ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, a preparação profissional é compreendida como um processo de constante aprendizado, pois com a superação cada vez mais rápida do conhecimento, a concepção de formação profissional como um processo completo e acabado perde seu sentido. Daí o fato de considerar primordial a valorização do estágio curricular, práticas como componente curricular e às atividades complementares na preparação do futuro profissional de educação física. O estágio curricular, as práticas como componente curricular e os projetos de extensão proporcionam uma ação formadora através da aplicação na realidade social, dos conhecimentos adquiridos ao longo do processo acadêmico com competência e habilidade de forma a contribuir também como um feedback dos conteúdos de cada disciplina. Também proporciona uma ação social e política, pois além de oportunizar a empregabilidade, favorece a reflexão, a análise e a avaliação das diferentes atuações do profissional no amplo mercado de trabalho apresentado ao graduado em Educação Física. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Educação Física, o “estágio supervisionado constitui um processo de transição profissional, que procura ligar duas lógicas (educação e trabalho) e que proporciona ao estudante a oportunidade de demonstrar conhecimentos e habilidades adquiridos e também treinar as competências que já detém sob supervisão de um profissional da área”. É necessário que a prática esteja presente na preparação do futuro profissional não apenas para cumprir uma determinação legal no que se refere a carga horária, mas no preparo do futuro profissional é fundamental a interação com a realidade e/ou com situações similares àquelas de seu campo de atuação, tendo os conteúdos como meio e suporte para constituição das habilidades e competências, isto é, levando-se em conta a indissociabilidade teoria-prática como um elemento fundamental para orientação do trabalho. Para se entender as dificuldades enfrentadas hoje quanto à questão do estágio, é preciso saber que, antes da Resolução 03/87 a licenciatura era simplesmente uma tradição na Educação Física e a única opção de formação na área. O aluno ingressava na Faculdade de Educação Física para o curso de licenciatura e era muito comum começar a trabalhar em qualquer espaço do mercado de trabalho, e isso muitas vezes era considerado estágio. O estágio é encarado por muitas IES apenas como uma formalidade e muito burocrático. Essa concepção diminui a responsabilidade da IES e o real valor do estágio na formação do futuro profissional. 145 Além disso, atualmente com a regulamentação da profissão de Educação Física o descumprimento da caracterização da situação de estágio é considerado exercício ilegal da profissão e pode levar tanto o aluno quanto o supervisor de estágio a responderem judicialmente por seus atos. Silva (2003) apresenta como um dos problemas relativos à realização dos estágios a impessoalidade da relação estagiário/orientador e a falta de significado dos estágios obrigatórios. Esses fatores impedem ou anulam todo o potencial dos estágios, das práticas e projetos de extensão como instrumentos eficientes de preparação profissional e interação das IES com o mercado de trabalho. Competências profissionais A sociedade atual, com acesso a informações, tecnologias e conhecimentos, exige serviços de qualidade e profissionais competentes. Cabe aos cursos de preparação profissional, selecionar esses conhecimentos e transmiti-los aos futuros profissionais para preparar profissionais competentes para o mercado de trabalho. Competência profissional é a capacidade de identificar, articular intelectualmente e colocar em prática os conhecimentos, valores, técnicas e habilidades necessárias ao desempenho eficiente e eficaz requerido no exercício profissional de Educação Física (BARROS, 2006). Competência também pode ser definida como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para o bom desempenho profissional (NASCIMENTO, 2006). 146 O conhecimento conceitual é caracterizado pelos conteúdos e teorias que constituem a matéria de ensino. O conhecimento procedimental é composto por estratégias e procedimentos utilizados para tornar acessível e compreensível o conteúdo ensinado. As informações do momento e condições em que os conceitos e procedimentos podem ser utilizados caracterizam o conhecimento contextual. Segundo Feitosa e Nascimento (2006), o profissional de Educação Física deve manifestar atitudes de iniciativa para a criação de novas oportunidades de intervenção, ser voluntarioso, ter predisposição para assumir riscos, fomentar inovação e ter criatividade para enfrentar novos desafios provocados pelas mudanças na sociedade. Os programas de preparação profissional não devem ser planejados exclusivamente para acompanhar os conhecimentos da prática atual, mas devem preparar as pessoas para as mudanças futuras (LAWSON, 1984). A próxima geração de profissionais da Educação Física não necessitará de uma grande variedade de conhecimentos desconectados, em vez disso necessitará conhecer como orientar as pessoas com relação às atividades físicas e esportivas. A decisão por cursar Educação Física deverá estar relacionada à decisão de ser um profissional que atue de forma competente e não por ter sido atleta ou por possuir habilidades em algum esporte ou prática corporal. A realidade acadêmica do curso de Educação Física deve ser marcada por novas propostas no sentido de aperfeiçoar a formação profissional, buscando em sua especificidade contemplar, com o máximo de qualidade, a amplitude dos objetivos que organizam a associação teoria e prática para a capacitação profissional. Uma questão imprescindível é a vinculação entre a teoria e a prática. A teoria é entendida como a produção do conhecimento de que trata a disciplina (conteúdos de ensino) e a prática, como a aplicação desse conhecimento. Daí a necessidade de que o profissional entenda esta vinculação, afastando a dicotomia entre a teoria e a prática. E, os estágios, práticas como componente curricular e projetos de extensão são os principais instrumentos para que este vínculo aconteça. A experiência prática é fundamental para a atuação profissional. O profissional de Educação Física também constrói seu próprio conhecimento denominado “conhecimento de trabalho” ou “operacional”. Esse conhecimento é tácito, a partir do qual aprendem com outros colegas, por ensaio e erro, adaptam suas ações de acordo com o contexto, utilizam os conhecimentos aprendidos na sua formação acadêmica. Por isso, é fundamental oferecer oportunidades e condições para os alunos participarem de projetos, pesquisas, trabalhos em grupo, principalmente em situações reais ou simulações de seu ambiente de atuação profissional. Os estágios, projetos de extensão e práticas como componente curricular são fundamentais para a formação de um profissional autônomo. O profissional reflete antes, durante e após a ação de ensinar. Elabora o seu próprio conhecimento ao incorporar e transcender o conhecimento técnicocientífico. A aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico da ação-reflexão-ação, considerando a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas para a construção do conhecimento. Assim, as experiências práticas adquirem novos sentidos quando associadas aos conhecimentos e conteúdos técnicos, científicos e didático-pedagógicos (BETTI, 1996). Segundo Tojal (2004) não é suficiente preparar o profissional, para atuar no mercado de trabalho junto à sociedade, apenas para atender os atuais anseios da sua clientela, mas é necessário dotá-lo de habilitação suficiente para que seja capaz de mudar de ocupação, dentro da mesma área no momento em que sinta necessidade, sem que seja obrigado a começar um novo curso acadêmico. formação de um profissional autônomo e multicompetente. Deve existir o oferecimento ao futuro profissional de uma condição formativa que permita exercer múltiplas funções dentro da sua área de conhecimento. Não uma preparação altamente especializada e segmentada nem uma preparação generalista e desfocada, mas uma preparação forte na estruturação básica de conhecimentos da área. O profissional deve conhecer as possibilidades de desenvolvimento do homem, suas condições física e emocional, diante de situações diferentes (TOJAL, 2004). Além do próprio ensino a preocupação também deve estar na aprendizagem, ou seja, desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, habilidades humanas e profissionais, atitudes e valores integrantes à vida profissional. O professor terá um papel de mediador ou orientador do processo de aprendizagem do futuro profissional. Assim, algumas características são fundamentais para a aprendizagem. Incentivar a iniciativa dos alunos para buscar e analisar informações, conhecer diferentes teorias e refletir sobre suas aplicações. Integrar o processo ensino-aprendizagem com a pesquisa. Valorizar experiências e conhecimentos anteriores dos alunos. Motivar e despertar o interesse dos alunos para novas aprendizagens. Incentivar a formulação de perguntas. Permitir o contato do aluno com situações reais e práticas de sua profissão. Fazer com que o aluno assuma o processo de aprendizagem como seu e possa fazer transferências do que aprendeu para situações profissionais (MASETTO, 2003). A interação entre IES, poder público, iniciativa privada, entre outros é fundamental para uma preparação profissional de qualidade, pois fornece aos futuros profissionais instrumentos eficientes de transferência de conhecimentos e ações preparandoos para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições do exercício profissional. Além disso, fornece elementos para os gestores acadêmicos elaborarem políticas de aprimoramento do ensino e da pesquisa, já que funcionam como uma ferramenta de identificação das demandas sociais, inovação e difusão do conhecimento. Considerações finais A coerência entre a formação oferecida, a prática esperada do futuro profissional e a pesquisa serão garantidas através de ações direcionadas para a Na atual situação de mudanças curriculares na área da educação física, é fundamental propor ações dinâmicas e mecanismos eficientes para uma 147 reorganização estrutural da preparação dos profissionais da área. Muitos estudos abordam a preparação profissional na área de educação física, contudo, existe uma carência de pesquisas sobre os benefícios que as Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos nesta área podem proporcionar ao mercado de trabalho e como esse mercado pode auxiliar no processo de formação do futuro profissional. Tais benefícios podem decorrer das atividades da prática como componente curricular, do estágio profissional curricular supervisionado e dos programas de extensão previstos na legislação específica. Tojal (2005) advoga que: “… o Profissional de Educação Física deve ser capaz de identificar que, pela transcendência ou superação, o homem torna-se sujeito e não objeto da história e, portanto, as relações a serem resgatadas pelo Profissional devem privilegiar, no biológico, a atenção, a estrutura, o funcionamento e as possibilidades do corpo do indivíduo; no social, a dinâmica da sociedade, a condição de estrutura e herança cultural e o sistema de valorização da sociedade, no sentido da eficácia individual; na natureza, as diferentes possibilidades de criação e adaptação a determinada cultura em relação ao meio e ao clima, enfim, esse profissional deverá conhecer todas as possibilidades de desenvolvimento do homem, suas condições física e emocional, principalmente diante de condições e situações diferentes e inusitadas” (TOJAL, p. 57-58). A preparação profissional deve visar à competência. E, a competência deve estar embasada em conhecimentos, habilidades e atitudes. Estes três elementos são adquiridos no decorrer do curso de preparação e aperfeiçoados durante sua carreira profissional. Porém, a formação inicial é a base para a formação continuada. Um curso de preparação profissional em educação física deve garantir o desenvolvimento de todos estes elementos. Para que isto aconteça não basta estar previsto no projeto pedagógico, mas ser vivenciado por alunos e professores no processo de preparação profissional. Referências Bibliográficas BARROS, J.M.C. A preparação profissional continuada em educação física. Fórum Nacinal dos Cursos de Formação Profissional em Educação Física no Brasil. Belo Horizonte, 17 a 19 de agosto, 2000. 148 _____. Educação Física e esporte: Profissões? Revista Kinesis, Rio Claro, v.11, p. 5-16, 1993. _____. Perspectivas e tendências na profissão. Motriz, Rio Claro, v.2, n.1, p.49-52, jun.,1996. _____. Educação Física na sociedade brasileira atual e a regulamentação da profissão. Motriz. v. 2, p.107-109, 2000. BRASIL. 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