O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO: ALGUMAS REFLEXÕES
VIVAN, Renato Pizzatto – PMC/ UFPR
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Área Temática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento.
Resumo
O objetivo do presente estudo é promover uma reflexão com relação ao trabalho enquanto
princípio educativo na ótica marxista. Para desenvolver tal discussão levantaram-se duas
hipóteses que serviram de fio condutor para o trabalho, são elas: 1) O trabalho se institui
como principio educativo, considerando a educação em sua dupla dimensão – de adaptação e
de emancipação – por ser práxis que comporta, como um de seus fundamentos integração
entre ciência, cultura e trabalho. 2) O trabalho, social do capitalismo, ao se instituir como
trabalho alienado, reforça o sentido de adaptação e impõem limites à dimensão emancipatória
da educação. A partir disso apresenta-se o caráter ontológico do trabalho e como o ser social é
constituído no e pelo trabalho na sua forma genérica; na seqüência reflete-se como o trabalho
institui-se na sociedade capitalista transformando-se em atividade que aliena o trabalhador, e
em que medida aproxima-se/ separa-se da educação e, por fim, são apontadas perspectivas
superadoras do trabalho alienado e da dualidade estrutural da educação, produzidas pelo modo
de produção capitalista. Nas considerações finais aponta-se que o trabalho o como princípio
educativo, tem sentido emancipatório se vinculado com o projeto histórico comunista e na
medida em que se aproxime da dimensão ontológica e se afaste da dimensão alienada, no
espaço da contradição. E ao contrário, o trabalho tem sentido adaptativo quando desvinculado
de um projeto histórico alternativo a sociedade capitalista, se afasta da dimensão ontológica e
se aproxima da dimensão alienada, adaptando-se a sociedade capitalista e a sua forma de
organizar o trabalho.
Palavras-chave: Princípio educativo do trabalho; Alienação; Emancipação.
Introdução
Partindo de discussões referentes ao trabalho como princípio educativo, apoiado em O
Capital e nos Manuscritos econômico-filosóficos de Karl Marx, na Ontologia do ser social de
Lukács, nos Cadernos do Cárcere de Gramsci, e de algumas contribuições de Mészarós no
campo educativo, apontam-se duas hipóteses com relação à dimensão educativa do trabalho,
são elas: 1) O trabalho se institui como principio educativo, considerando a educação em sua
dupla dimensão – de adaptação e de emancipação – por ser práxis que comporta, como um de
seus fundamentos integração entre ciência, cultura e trabalho. 2) O trabalho, social do
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capitalismo, ao se instituir como trabalho alienado, reforça o sentido de adaptação e impõem
limites à dimensão emancipatória da educação.
Apoiado nisso, buscar-se-á estabelecer nexos entre as discussões existentes nos textos
e as hipóteses apresentadas.
Trabalho na formação do ser social
Para se manter vivo o ser humano necessita produzir seus meios de vida, que são
modificados historicamente pelas ações dos próprios homens, em relação com a natureza,
com os outros homens e consigo mesmo. Esta produção de meios de vida, que se consolidam
em bens materiais e imateriais, se da com base no trabalho humano que é, portanto, a
condição da existência humana que para Marx (1999) significa “o primeiro pressuposto de
toda história humana”(p. 27), independente de qual seja a sociedade.
Nesse sentido o trabalho trata-se de uma atividade exclusivamente humana, por
executar-se conscientemente, diferente da ação animal que é puramente instintiva. Como
afirma Marx (1996):
Uma aranha executa operações que se assemelham àquelas do tecelão, a abelha
envergonha muitos arquitetos com a construção de seus favos de cera. Mas o que
distingue, a princípio, o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de ele construir o favo
na sua cabeça antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se
um resultado que no início já estava presente na idéia do trabalhador, que portanto já
estava presente idealmente (p. 212).
O ser humano, portanto, tem a capacidade de colocar finalidade à transformação da
natureza, refletir, pré-idear e agir praticamente sobre ela. E é nesse sentido que ocorre o salto
ontológico, ou seja, ocorre uma mudança qualitativa na ação do ser que é operado pelo e no
trabalho. Dessa forma o trabalho é a fundação do ser social, do ponto de vista ontológico.
Segundo Lukács (1981)
todas as outras categorias desta forma de ser têm, essencialmente, já um caráter social;
suas propriedades e seus modos de operar somente se desdobram no ser social já
constituído; quaisquer manifestações delas, ainda que sejam muito primitivas,
pressupõem o salto como já acontecido (p. 13-14).
Nesse sentido segundo Macário (2001) o trabalho traz, in nuce, todas as determinações
que marcam a vida social precisamente porque ele é, por um lado, síntese operante de
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teleologia e causalidade e, por outro, porque é nele e por ele que, primeiramente, estes dois
momentos interagem e se põem enquanto complexos reais.
Assim, supera-se a idéia de que todo o ser pode estabelecer finalidade, pois é somente
no e pelo trabalho que isso pode ocorrer e que surge a teleologia, que tem como premissa a
capacidade do ser humano refletir sobre a realidade. Como afirma Lukács (1981)
para Marx, o trabalho não é uma das muitas formas fenomênicas da teleologia em
geral, mas o único lugar onde se pode demonstrar ontologicamente a presença de um
verdadeiro pôr teleológico como momento efetivo da realidade material (p. 23).
E justamente a colocação continua de finalidades, da origem a consciência que é a
mediação entre a necessidade e a resposta oferecida pelo homem, empurrando-o a contínua
criação de novidades. Não a partir simplesmente de sua vontade, mas das necessidades
impostas pelo real, precisa se efetivar para que o novo surja e se coloque como posição
teleológica. Isso quer dizer que o pôr teleológico que surge como resposta na confrontação
com o real, necessita utilizar as possibilidades apresentadas pelo próprio real, optar pela mais
adequadas para a realização do fim, que nasce de uma necessidade humana, e agir
praticamente. Como explica Lukács (1981):
A finalidade nasce de uma necessidade humano-social; mas, para que ela se torne uma
verdadeira posição de um fim, é necessário que a busca dos meios, isto é, o
conhecimento da natureza, tenha chegado a um certo nível adequado; quando tal nível
ainda não foi alcançado, a finalidade permanece um mero projeto utópico, uma
espécie de sonho, por exemplo, o vôo foi um sonho desde Ícaro até Leonardo e até um
bom tempo depois. Em suma, o ponto no qual o trabalho se liga ao pensamento
científico ao seu desenvolvimento é, ponto de vista da ontologia do ser social,
exatamente aquele campo por nós designado como busca dos meios (p. 16).
Dessa forma a realização das finalidades está submetida às condições materiais para
que essa finalidade realmente se efetive, caso contrário, não passará de uma simples idéia,
entretanto, como bem aponta Marx (1982)
a humanidade só se propõem às tarefas que pode resolver, pois, se considerada mais
atentamente, se chegará á conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as
condições matérias de sua solução já existirem, ou, pelo menos, são captadas no
processo de seu devir (p. 26)
o que explica que as finalidades serão colocadas também na medida em que as condições
objetivas, os meios, estiverem presentes para que se efetive.
4861
Nesse contexto o próprio Lukács (1981) aponta que
a busca dos objetivos e processos naturais que precede a posição da causalidade na
criação dos meios é constituída essencialmente por atos cognoscitivos reais, ainda que
não haja, no decorrer, consciência expressa, e deste modo traz em si o início, a gênese
da ciência (p.19).
Assim, no estabelecimento dos meios, entre o fim e sua operação prática, se processa o
conhecimento para transformação, que possibilita operar continuas novas formas de
realização do fim, onde se erradica a ciência. Não é por nada que Lukács (1981) afirma que “o
conhecimento mais adequado que fundamenta os meios (utensílios, etc.) é, muitas vezes, para
o ser social, mais importante do que a satisfação daquela necessidade (finalidade)” (p.17-18).
Isso pois, esse conhecimento se transforma em utensílios de trabalho que garantem a
continuidade da cultura humana.como afirma o próprio Lukács (1981) “o meio, o utensílio, é
a chave mais importante para conhecer aquelas etapas do desenvolvimento da humanidade a
respeito das quais não temos nenhum outro documento” (p.18), portanto, os utensílios são
mais importantes que a sua aplicação e que o próprio resultado de sua utilização, ou seja, é
mais preciso para o desenvolvimento humano os utensílios de trabalho do que a satisfação das
necessidades.
Tal processo de continua criação colocado em ato pelo trabalho como é
eminentemente educativo. O que quer dizer que pôr-se diante de si mesmo, colocando
finalidades sobre seus próprios afetos, mesmo que sem a devida consciência é o mesmo que
educar-se. Apanhado assim pelas suas determinações ontogênicas o complexo da educação
assume um caráter eminentemente radical e totalizador. Radical porque é processo gestado a
partir de uma interpelação ao próprio ser do homem, isto é, porque é ato posto pelo homem
como resposta a carecimentos seus que, se não respondidos, inviabilizam o próprio homem
enquanto ser natural, corpóreo – ser de necessidade – e enquanto ser social que se desenvolve
suas faculdades, distanciando-se do meio natural, de si mesmo, tornando-se ser de liberdade.
Totalizador na medida em que para atender àquela interpelação radical tem que tomar o
homem por inteiro, como matéria e consciência, produção material simbólica, objetividade e
subjetividade, sociedade e individuo. O ato educativo, portanto, na sua gênese ontológica é o
momento do próprio trabalho, ou seja, o próprio ato de objetivação posto pelo trabalho é
educativo (Macário, 2001).
4862
Mesmo sendo comum a todas as formas de sociedade e se constituir na ontologia do
ser social, o trabalho, se diferencia pelas relações sociais que estabelece, especialmente na
sociedade capitalista, em que a unidade da educação entendida como o próprio processo de
trabalho, sofre uma cisão e se diferencia. A seguir será discutida a dimensão que o trabalho
assume, especialmente, no modo de produção capitalista e na seqüência como a conseqüência
que traz para o processo formativo/ educativo.
O trabalho na forma da sociedade Capitalista e sua separação/ aproximação com a
educação
Na sociedade capitalista o trabalho assume duplo caráter: Um caráter ontológico de
formação humana (ser genérico), já descrito, e outro de trabalho alienado, próprio do modo de
produção capitalista, que segundo Marx (1989) ocorre na relação do trabalhador ao produto
do trabalho como um objeto estranho que o domina, e na relação do trabalho ao ato da
produção dentro do trabalho, ou seja, a alienação não se revela apenas no resultado, mas
também no processo da produção, no interior da própria atividade produtiva.
O que o ocorre na sociedade capitalista, é que o trabalho na sua forma ontológica é
subsumido a dimensão alienada, pois como descreve Marx (1989) o trabalho alienado subtrai
ao homem o objeto da sua produção, furta-lhe igualmente a sua vida genérica, a sua
objetividade real como ser genérico, e transforma em desvantagem a sua vantagem sobre o
animal1, porquanto lhe é arrebatada a natureza, o seu corpo inorgânico. Nesse sentido afasta o
ser humano da sua dimensão humana e o aproxima da sua dimensão animal, o elemento
animal torna-se humano e o humano animal.
Fruto do trabalho alienado, segundo Marx (1989) constitui-se a propriedade privada
que é produto do trabalho alienado e, por outro, é o meio através do qual o trabalho se aliena,
a realização da alienação. A propriedade privada, conjugada a divisão social do trabalho, faz
com que toda a sociedade se divida em duas classes, os possuidores de propriedade e os
trabalhadores sem propriedade. Divide, portanto, a sociedade em detentores de meios de
produção (capitalistas) e os não detentores (trabalhadores) que desprovidos de meios para sua
existência, necessitam vender ao capitalista a única coisa que possuem, para se manterem
vivos: a força de trabalho. Tornam-se assim, a força de trabalho e o próprio trabalho,
mercadorias. E é exatamente durante o processo de produção, também de mercadorias, através
1
Segundo Marx (1989) o homem diferencia-se do animal, pois “faz da atividade vital o objeto da vontade e da
consciência”.
4863
do trabalho, ou seja, a ação do trabalhador, que se expressa à alienação do ser humano. Nessa
condição o trabalhador não possui a sua força de trabalho, pois enquanto mercadoria, é
propriedade de quem a compra, o capitalista.
Se o Trabalho é necessário para o ser humano, na sua relação metabólica com a
natureza, como enfatizamos na primeira parte do texto, ele é o ponto de partida para
humanização do ser social, entretanto, como apontamos na segunda parte do artigo, na
sociedade produtora de mercadorias (capitalista) o trabalho se torna alienado. Segundo
Antunes (1992) “o que deveria se constituir na finalidade básica do ser social – a sua
realização no e pelo trabalho – é pervertido e depauperado. O processo de trabalho se
converte em meio de subsistência. A força de trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria,
cuja finalidade vem a ser a produção de mercadorias. O que deveria ser a forma humana da
realização do indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído”
(p.128).
Dessa forma apresenta-se um paradoxo. O trabalho é condição natural e eterna do
homem em sociedade ao mesmo tempo em que é externo, alienado e estranho a esse mesmo
homem. Na sociedade capitalista, muito mais afastado da dimensão ontológica do trabalho e
mais próximo da sua dimensão alienada, o trabalhador, pelas modificações e alterações que o
modo de produção capitalista e o mundo do trabalho passam, emerge novos processos de
formação humana, principalmente voltados para o trabalho alienado.
Com o advento da indústria moderna, especialmente com a revolução industrial,
conduziu uma crescente simplificação dos ofícios, reduzindo a necessidade de qualificação/
formação específica, viabilizada pela introdução de maquinaria que passou a executar a maior
parte das funções manuais. Pela maquinaria que não é outra coisa senão trabalho intelectual
materializado deu-se visibilidade ao processo de conversão ciência, potência espiritual, em
potência material. Vê-se, então, que o fenômeno da objetivação e simplificação do trabalho
coincide com o processo de transferência para as máquinas das funções próprias do trabalho
manual. Desse modo, os ingredientes intelectuais antes indissociáveis do trabalho manual
humano, incorporam-se às maquinas, dessa forma o trabalho aprofundou-se na sua dimensão
alienante, tornando-se simples e geral. E quem assumiu a tarefa, dentro do processo produtivo
de generalizar as funções intelectuais na sociedade foi a escola, organizada nos diversos
países através de um sistema de ensino. A educação que a burguesia concebeu e realizou
sobre a base do ensino primário comum não passou, nas suas formas mais avançadas, da
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divisão dos homens em dois grandes campos: aquele das profissões manuais para as quais se
requeria uma formação prática limitada à execução de tarefas mais ou menos delimitadas,
dispensando-se o domínio dos respectivos fundamentos teóricos; e aquele das profissões
intelectuais para as quais se requeria domínio teórico amplo a fim de preparar as elites e
representantes da classe dirigente para atuar nos diferentes setores da sociedade. Tal
separação teve dupla manifestação: a proposta dualista de escolas profissionais para os
trabalhadores e “escolas de ciência e humanidades” para os futuros dirigentes; e a proposta de
escola única diferenciada, que efetuava internamente a distribuição dos educandos segundo as
funções sociais para as quais se os destinavam em consonância com as características que
geralmente decorriam de sua origem social (Saviani, 2006).
Assim dentro do sistema capitalista, a escola ocupa função central na formação do
trabalhador para que se adapte ao modelo produtivo e as suas possíveis e necessárias
mudanças. Marcada pela divisão entre trabalho manual e intelectual, teoria e prática, ciência e
técnica, educação para dirigentes e para dirigidos, se conforma na dualidade estrutural da
educação, que reforça a dimensão alienante da educação, já que voltada para o processo
produtivo na forma capitalista.
Para, além disso, apresenta-se uma alternativa ao trabalho alienado e a dualidade
estrutural da educação que será tratado a seguir.
Projeto de formação superador e de rompimento com a sociedade capitalista, trabalho
alienado e a dualidade estrutural da educação
Como proposta superadoras à formação para o trabalho alienado e a dualidade
estrutural da educação, e ao modo de produção capitalista, tomam-se as contribuições de
Gramsci, Mészarós e estudiosos de ambos, para elaboração de uma proposta alternativa.
Por vezes a o debate no campo marxista traz a perspectiva da formação omnilateral para em
oposição à formação fragmentada produzida pela sociedade capitalista, ou seja, a busca pelo
desenvolvimento humano em suas múltiplas potencialidades e dimensões. Entretanto, como
afirma Manacorda (1991) os elementos de definição de omnilateralidade são insuficientes, já
que seus objetivos apontam para a superação da divisão do trabalho na forma capitalista.
Assim, para uma formação omnilateral põe-se a necessidade de superação da sociedade
capitalista, sendo apontada, mesmo dentro dos marcos capitalistas, a politecnia que segundo
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Kuenzer (2001) significa a síntese superadora dos limites da divisão do trabalho, reunificando
o trabalho intelectual e o instrumental, como tendência na busca da superação do capitalismo.
Um princípio fundamental para defesa de uma superação da formação para o trabalho
alienado de acordo com os pressupostos formativos da sociedade capitalista, encontra-se as
contribuições de Gramsci. Trata-se da escola unitária (ou única dependendo da tradução)
como estrutura educacional que segundo Gramsci (2000) deveria ser organizada como escola
em tempo integral, com vida coletiva diurna e noturna, liberta das atuais formas de disciplina
hipócrita e mecânica, e o estudo deveria ser feito coletivamente, com a assistência dos
professores e dos melhores alunos, mesmo nas horas do estudo dito individual, tendo como
fase decisiva a criação dos valores fundamentais do “humanismo”, entendido de forma ampla,
a autodisciplina intelectual e autonomia moral necessária para uma posterior especialização,
sendo financiada e assumida pelo Estado. Tendo segundo Nozaki fundamentado em Gramsci
(2005)
uma formação que articule o trabalho com as capacidades de pensar, estudar, dirigir e
questionar quem dirige, ou seja, o trabalho enquanto principio educativo. Nesse
empenho, defende a sólida formação cultural inicial e a necessidade da formação
continuada. È contrária, neste sentido, à especialização precoce de caráter pragmatista.
Ainda, defende uma formação cultural diversa da simples erudição, mas de caráter
crítico, político e coletivo.
Portanto para Nozaki (2005)
A escola unitária pressupõe, portanto, uma estrutura que contraponha a dualidade
estrutural da educação fundada pela divisão social do trabalho, dualidade esta que
imputa uma escola para os que dirigem – classe dominante – e uma escola para os que
são dirigidos – classe dominada (p. 385).
Atuando no resgate da relação entre conhecimento, trabalho e relações sociais, através
da apropriação do conhecimento científico-tecnológico no interior de uma perspectiva
histórico-crítica (Saviani, 1992).
No enfrentamento da sociedade capitalista, do trabalho alienado e da dualidade
estrutural da educação encontramos também as contribuições de Mészarós, que defende que
apenas a mais ampla das concepções de educação pode ajudar a alcançar uma mudança
radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam com lógica alienante do capital,
que são as seguintes, sintetizadas em Taffarel (2006):
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1) Auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente oposto
ao indivíduo que está à serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e
definitivamente incontrolável do capital.
2) O conhecimento como elemento necessário para transformar em realidade o ideal da
emancipação humana, oposto à adoção pelos indivíduos, de modos de comportamento que
apenas favorecem a concretização dos objetivos do capital.
3) Mudança verdadeiramente radical oposta às reformas – reparos institucionais formais,
passo-a-passo, em circulo vicioso institucionalmente articulado e protegido da lógica do
capital.
4) Concepção em que nenhuma atividade humana da qual se possa excluir qualquer
intervenção intelectual – o homo faber não pode ser separado do homo sapiens, contrária à
abordagem elitista – educação como atividade intelectual, como forma de preservar os
“padrões civilizados”
5) Universalização da educação e do trabalho como atividades humana auto-realizada oposta
à negação dos requisitos mínimos para a satisfação humana.
6) Sustentabilidade, que significa o controle consciente do processo de reprodução metabólica
social por parte de produtores livremente associados, em contraste com a insustentável e
estruturalmente estabelecida característica de adversários e a destrutibilidade fundamental da
ordem estabelecida do capital.
7) Autogestão, onde a intervenção da educação ocorrerá a partir do estabelecimento de
prioridades e das reais necessidades mediante plena e livre deliberação dos indivíduos
envolvidos.
Aponta-se, com isso a educação na direção superadora da alienação imposta pelo
trabalho na forma capitalista, que retira e afasta o ser humano da sua dimensão emancipatória,
no sentido da formação de uma nova consciência que vá além do capital. Sendo que
necessária uma intervenção nos diversos campos, na disputa pela aproximação do ser humano
e do trabalho da sua dimensão ontológica, especialmente no campo educacional, que como
apresentamos, ocupa função predominante na formação para o trabalho alienado, já que a
dimensão ontológica não some, mas é apenas subsumida pela forma de trabalho especifica do
capitalismo.
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E como horizonte nessa disputa pela emancipação do trabalho, e superação da
dualidade estrutural da educação encontra-se como saída, a abolição positiva da propriedade
privada, e a construção da sociedade comunista, como emancipação e reencontro do ser
humano com seus sentidos e qualidades essencialmente humanas.
O comunismo, segundo Marx (1989) como alternativa ao trabalho alienado, é a
abolição positiva da propriedade privada enquanto auto-alienação humana e, deste modo, a
real apropriação da essência humana pelo e para o homem, o que seria como descreve Marx, o
retorno do homem a si mesmo como ser social. Com o fim da propriedade privada, o humano
enquanto ser social produz o homem e se produz a si mesmo e aos outros homens; como
objeto que constitui a atividade direta da sua personalidade, e ao mesmo tempo a sua
existência para os outros homens e a sua existência para si, ou seja, a eliminação da
propriedade privada, não somente local, mas universal, possibilitaria ao ser humano, a sua
emancipação, seu reencontro com a sua dimensão humana, consigo mesmo, com o trabalho na
sua forma ontológica, por meio da sua apropriação do seu ser omnilateral de uma maneira
omnicompreensiva, portanto, como homem total, isso quer dizer, realmente humano tanto do
ponto de vista objetivo como subjetivo.
Ao contrário, do trabalho na forma capitalista (trabalho alienado) na sociedade
comunista o trabalho afasta-se da sua condição alienante e o aproxima da sua dimensão
emancipatória.
Considerações Finais
Tomando o comunismo como possibilidade histórica e não como condição inevitável
do desenvolvimento humano, terá que necessariamente ser gestada no seio do trabalho
alienado, pelos próprios trabalhadores, no espaço da contradição entre trabalho alienado e
trabalho na forma ontológica, já que a forma ontológica é apenas subsumida no capitalismo,
mas não some da condição da existência humana. O que faz crer que o trabalho como
princípio educativo, tem sentido emancipatório se vinculado com o projeto histórico
comunista e na medida em que se aproxime da dimensão ontológica e se afaste da dimensão
alienada, no espaço da contradição. E ao contrário, o trabalho tem sentido adaptativo quando
desvinculado de um projeto histórico alternativo a sociedade capitalista, se afasta da dimensão
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ontológica e se aproxima da dimensão alienada, adaptando-se a sociedade capitalista e a sua
forma de organizar o trabalho.
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