O Papel da Educação a partir de suas Interações com o Trabalho e a Tecnologia: algumas reflexões The Role of Education from its Interactions with the Work and Technology: some reflections. Joelma Busato, Licenciada em Pedagogia, Mestranda em Desenvolvimento Regional, UTFPR, Pato Branco-PR. [email protected] Resumo: O presente artigo busca propiciar algumas reflexões e questionamentos sobre o papel da educação, principalmente da educação escolar, na sociedade, considerando-se as relações existentes entre a prática educativa escolar e a prática da produção social da existência, que no contexto atual de mudanças tecnológicas vem sofrendo os impactos da incorporação do progresso técnico aos processos produtivos. Assim, as interações existentes entre educação, trabalho e tecnologia ganham destaque nas discussões ora apresentadas, com base em autores críticos que discutem tais temáticas. O que se verifica é que sendo atividades humanas, construídas socialmente, a partir de relações historicamente determinadas, tais temáticas carregam em si possibilidades e limites, na medida em que se desenvolvem a partir das contradições da sociedade capitalista. Palavras-chave: Educação. Trabalho. Tecnologia. Abstract: The following article seeks to provide some reflections and questions about the role of education, mostly from the education schooling, in the society, considering the relations between the educational practice and the social production practice from existence, which in the current context of technological change has been suffering the impacts of the incorporation of technical production processes. Like this, the interactions between education, work and technology are highlighted in discussions presented now, based in critical writers that discuss these themes. What can be verified is that human activities, socially built, from historically determined relations, these themes have possibilities and limits, that develop from de capitalist society contradictions. Keywords: Education. Work. Technology. Introdução O presente artigo busca propiciar algumas reflexões e questionamentos sobre o papel da educação, principalmente da educação escolar, na sociedade, considerando-se as relações existentes entre a prática educativa escolar e a prática da produção social da existência que, no contexto atual de mudanças tecnológicas, vem sofrendo os impactos da incorporação do progresso técnico aos processos produtivos. 2 Considerando que educação, trabalho e tecnologia são atividades humanas, construídas socialmente e a partir de relações historicamente determinadas, as interações que ocorrem entre as mesmas são dinâmicas, complexas e carregadas de intencionalidades. Assim, dentro dos limites desse estudo, e a partir da contribuição de um referencial teórico crítico que discute tais atividades, é que se busca oferecer elementos que possam contribuir para a ampliação do debate. Partindo de uma aproximação com as temáticas educação, trabalho e tecnologia faz-se, a seguir, um breve percurso pelo surgimento da escola e as contradições que ocorrem em seu interior. Na sequência são tecidos alguns comentários sobre as interações existentes entre tais temáticas, partindo, enfim, para as considerações finais. Educação, Trabalho e Tecnologia: primeiras aproximações A educação é um processo que perpassa toda a vida humana, pois “as origens da educação se confundem com as origens do próprio homem” (SAVIANI, 1994, p. 152) visto que a existência humana não é dada naturalmente, mas produzida pelos homens. Assim, a educação está articulada a todos os processos sociais de produção da vida, é responsável pela produção do homem, pela sua formação, pela inserção das gerações mais novas no tecido social, permitindo-lhes o aprendizado do mundo; é desenvolvimento das potencialidades humanas e apropriação do saber socialmente construído. Inicialmente, esse aprendizado se dava pela imitação dos mais velhos, de forma natural e instintiva, porém, à medida que as sociedades foram se tornando mais complexas surgiu também a necessidade de instituições específicas para essa tarefa. Surge, assim, a escola, para atender as necessidades da sociedade em razão das transformações que nela ocorreram. Assim como a educação, o trabalho também faz parte da essência humana, pois é por meio dele que o homem produz sua existência, agindo sobre a natureza e transformando-a. Trabalho e educação são, portanto, atividades exclusivamente humanas, essenciais à espécie. Frigotto (2008, p. 399) diz que através de Marx pode-se fazer três distinções em relação ao trabalho: a primeira é que é através dele que nos diferenciamos dos animais; a segunda é que o trabalho representa uma necessidade do homem em qualquer tempo histórico; e a terceira, que ele assume formas históricas específicas nos diferentes modos de produção da existência humana. Isso demonstra que as formas que o trabalho assume na sociedade capitalista não fazem parte de um processo natural, mas são historicamente determinadas, 3 passíveis de mudança, e que por ele ser condição necessária ao ser humano em qualquer tempo histórico, já que faz parte da essência humana, seu fim é improvável. Porém, o trabalho enquanto atividade humana possui também natureza contraditória, como explica Manacorda (2000, p. 53): Por um lado, [...] nas condições historicamente determinadas, [...] o trabalho é verdadeiramente ‘o homem perdido de si mesmo’, a negação de toda manifestação humana, a miséria absoluta. [...] Por outro lado, [...] a atividade do homem se apresenta como humanização da natureza, devir da natureza por mediação do homem, o qual, agindo de modo voluntário, universal e consciente, como ser genérico ou indivíduo social, e fazendo de toda natureza o seu corpo inorgânico, liberta-se da sujeição à casualidade, à natureza, à limitação animal, cria uma totalidade de forças produtivas e delas dispõe para desenvolver-se onilateralmente. (MANACORDA, 2000, p. 53) Manacorda (2000) fala da necessidade de compreender a natureza contraditória do trabalho presente em Marx, pois o aspecto negativo do trabalho em suas obras corresponde ao trabalho historicamente determinado nas condições da economia politica, que é a sociedade fundada sobre a propriedade privada dos meios de produção. A partir de então, o trabalho perde seu caráter de atividade humana livre, vital, consciente, para se tornar trabalho alienado, resultado da divisão do trabalho. O que Marx (1976) procura deixar claro é que os homens produzem as relações sociais pautadas nas atividades materiais, e que as ideias, as categorias, são abstrações dessas relações sociais. Sendo assim “as categorias são tão pouco eternas como as relações que exprimem. São produtos históricos e transitórios” (MARX, 1976, p. 166). Isso denota o caráter determinado e histórico do trabalho, uma vez que é construção social, o que acena para possibilidades de transformação. A tecnologia, por sua vez, enquanto atividade humana, construída socialmente, impacta sobre o trabalho e a educação na medida em que é convertida em instrumento de poder, no contexto da sociedade capitalista, assumindo a forma de objeto. Por isso, Frigotto (2008, p. 379) fala da necessidade de entendê-la sem cair no extremo de uma visão de pura negatividade, na qual é vista como prejudicial, excludente e destrutiva; ou de fetiche do determinismo tecnológico, considerada a solução para todos os problemas da humanidade. A partir dessas considerações sobre educação, trabalho e tecnologia, se discutirá o papel que a educação, principalmente a escolar, vem desempenhando nas contraditórias relações sociais capitalistas, nas quais a escola tem se convertido em campo de disputas e o trabalho e a tecnologia assumem formas e usos diferenciados de acordo com as necessidades do capital. 4 A Educação Escolar e suas contradições Pensar o papel da educação escolar hoje, considerando-se as interações existentes entre educação, trabalho e tecnologia requer um passeio, ainda que breve, sobre a origem da escola e as contradições que ocorrem em seu interior. Tal passeio foi pautado nas considerações dos autores Mariano Fernández Enguita (1989) e Dermeval Saviani (1994, 2003, 2007). Enguita (1989) apresenta a origem da escola partindo do princípio de que sempre existiu um processo de enquadramento dos indivíduos às relações sociais de produção, e que a partir do desenvolvimento da indústria, a nova ordem capitalista e industrial, as novas relações de produção e os novos processos de trabalho passaram a exigir um novo tipo de trabalhador, possível apenas por sua modelagem desde a infância. Daí o papel fundamental da escola. Fazendo uma retrospectiva histórica o autor relata como ocorria a aprendizagem dos mais jovens: na Roma arcaica havia uma mescla de aprendizagem familiar e participação na vida adulta em geral; nas economias camponesas a família desempenhou e desempenha até hoje um papel central no processo de aprendizagem social e para o trabalho; na Idade Média também permanecia o papel da família, porém, a educação se dava no seio de outra família, ocorrendo um intercâmbio familiar (ENGUITA, 1989, p. 105-106). Assim, inicialmente, a educação tinha um papel de socialização entre as gerações, não havendo separação entre a vida privada e a profissão, pois tudo acontecia simultaneamente, e o ofício propiciava um vínculo entre a ciência e o trabalho. Porém, mudanças nas relações de produção afetaram o papel da educação, que passou a reproduzir tais relações. Enguita (1989, p.110) afirma que com a ascensão da burguesia esta passou a demandar educação para o povo. Surgiu, no entanto, um dilema: de um lado ela queria se impor e reduzir o poder da igreja e também incutir nos trabalhadores e futuros trabalhadores a aceitação da nova ordem; por outro, temia que a educação alimentasse ambições indesejáveis nos trabalhadores. Para resolver tal dilema buscou-se dar ao povo uma educação restrita aos conhecimentos ligados às tarefas relacionadas ao trabalho e que disciplinasse os comportamentos, transferindo-se para as escolas a disciplina dos quartéis, com o ensino e a instrução ficando em segundo plano. Sob a égide do capitalismo, observa-se, assim, o papel domesticador e disciplinador atribuído à escola, como socializadora das gerações mais novas para o trabalho assalariado, pelo qual foram transferidos princípios e normas de organização empresarial, com ênfase na gestão do dinheiro e dos recursos humanos, e na busca de atender as demandas da indústria. 5 O autor critica os que veem a história da educação como uma evolução, argumentando que ela foi uma sucessão de revoluções e contrarrevoluções e que várias foram as causas que motivaram o surgimento de sistemas escolares: questões militares, políticas e religiosas; a necessidade de adquirir conhecimentos indispensáveis à vida em uma sociedade industrializada e urbanizada; e as necessidades do capitalismo de mão-de-obra qualificada, que Enguita considera o elemento mais forte a provocar mudanças no sistema escolar. No entanto, Enguita (1989) afirma que, embora o papel atribuído à escola, na sociedade capitalista, seja o de socializar as novas gerações para o trabalho assalariado, tal papel não é cumprido plenamente, nem harmoniosamente, mas acompanhado de conflitos, contradições e resistências. A partir disso, o autor apresenta quatro fontes consideradas mais importantes desses conflitos e contradições: A primeira fonte de contradição é o fato de existirem diversos modos de produção na sociedade e a escola optar por atender a apenas um deles, o trabalho assalariado. Tenta-se, dessa forma, moldar hábitos, atitudes, valores e condutas de todos os alunos para o trabalho assalariado, industrial e urbano, desconsiderando os conhecimentos necessários para os que vivem em uma sociedade agrária, para os trabalhadores autônomos, (embora em um contexto urbano) e para os trabalhadores da esfera doméstica, para os quais a escola está separada da vida, pois não atende suas necessidades. A segunda fonte é a contradição entre a lógica da escola e a do trabalho. O autor afirma que a escola pertence a uma esfera, que é o Estado, mas é dominada por uma lógica e presta serviço à outra esfera: a economia. Surge, então, uma contradição entre a lógica democrática e igualitária e a lógica burocrática e autoritária, visto que a escola incorpora as duas. A terceira fonte de conflito é a contradição entre a qualificação do trabalho e a qualificação do trabalhador. A escola vive uma ambiguidade resultado das formas como o capital se relaciona com o trabalho: ora buscando uma qualificação mínima, ora uma formação multilateral. Dessa forma, a escola fica na encruzilhada entre ensinar um pouco de tudo ou tudo de um pouco, o que a tem levado a optar pela primeira opção. No entanto, a tendência geral tem sido, por um lado, a degradação do trabalho e, por outro, a evolução da qualificação do trabalhador, o que tem gerado um descontentamento. A quarta e última principal fonte de conflito apresentada por Enguita (1989) é a contradição entre a cultura da escola e a cultura dos alunos, pois para que a escola tenha êxito é preciso que haja adesão por parte dos que nela se encontram. Porém, isso não é o que ocorre com os alunos que fazem parte da cultura operária, que apresentam resistências à cultura imposta pela escola e acabam se apegando ao trabalho manual. Outro aspecto citado pelo 6 autor é o fato da escola degradar tanto o trabalho manual quanto o intelectual, uma vez que desvaloriza o primeiro e não dá conta de desenvolver o segundo. Assim, as afirmações do autor reforçam o argumento de que a escola é um campo de disputas, conflitos, contradições e resistências, e que embora o objetivo da classe detentora do poder seja a socialização para o trabalho assalariado, tal objetivo não se efetiva plenamente. Partindo para as considerações de Saviani (2007, p. 155) este afirma que, inicialmente a educação coincidia com o processo de trabalho, mas a partir da divisão da sociedade em classes surgiu uma diferenciação na educação, em que a classe detentora da propriedade desfrutava de uma educação voltada para as atividades intelectuais, para a arte da palavra e para os exercícios físicos, o que deu origem à escola, enquanto a classe dos não proprietários (escravos e serviçais) ficava restrita às atividades ligadas ao trabalho. De acordo com Saviani (2003), na Grécia a escola era restrita a uma pequena parcela da sociedade, a classe proprietária, que vivia do trabalho escravo; na Idade Média, cujo trabalho era servil, a classe que desfrutava das escolas era a dos intelectuais, concentrada principalmente no clero; na sociedade moderna, capitalista, surgiu a necessidade de universalização da escola para que todos pudessem dominar os códigos escritos, necessários à nova forma de organização da sociedade, centrada no modelo urbano-industrial. Saviani (2007, p. 159) afirma que “[…] à Revolução Industrial correspondeu uma Revolução Educacional […]”, com a máquina ocupando o centro da primeira e a escola, a da segunda. Tal afirmação é posta em dúvida por Gouveia (1994), que se baseia em estudos realizados sobre a história da educação na França que desmentem a crença de que foi a Revolução do século XVIII que difundiu a escolaridade naquele país. Tais estudos descobriram que aspectos religiosos estavam relacionados à expansão da escolaridade em algumas regiões. Destas afirmações divergentes depreende-se que é preciso considerar a interdependência de fatores, evitando-se determinismos. Saviani (1994, p. 157-158) fala de um fenômeno recente que ele chama de hipertrofia da escola, ou seja, a escola passa a absorver todas as funções educativas que antes eram desenvolvidas fora dela, como as funções que eram próprias da família. Ocorre assim um alargamento vertical e horizontal da escola: vertical na medida em que ela é demandada para cima (níveis superiores de ensino) e para baixo (educação infantil); horizontal no sentido de alargar o tempo de permanência na escola. Além disso, passou-se a exigir dela o cumprimento de funções assistencialistas (merenda, assistente social etc.)., que vão além do pedagógico. Por outro lado, Saviani (1994, p. 158) afirma que a escola é também secundarizada pelos que a consideram negativamente do ponto de vista educacional, alegando que ela é 7 apenas uma dentre as muitas instâncias educativas. Isso reflete as contradições entre as classes, pois como na sociedade moderna o saber é força produtiva, não é do interesse da classe dominante que esse saber seja apropriado por todos, ao mesmo tempo que se deseja que os trabalhadores detenham o saber para poder produzir. Sendo assim, a contradição reside justamente em fixar esse limite do saber, pois de um lado ele é reivindicado pelos trabalhadores, e por outro é negado pelas classes dominantes (SAVIANI, 1994, p. 160-161). A partir desse breve passeio pela origem da escola e suas contradições, se buscará, a seguir, discutir as interações existente entre educação, trabalho e tecnologia. As Interações entre Educação, Trabalho e Tecnologia As interações entre educação, trabalho e tecnologia são dinâmicas e complexas, o que exige uma análise pautada na realidade complexa vivida nas relações sociais de produção, historicamente determinadas. Isso exige “o desvendamento do real nas suas múltiplas determinações não [...] por ‘verdades’ prontas, mas pela produção da verdade do real cada vez mais global, abrangente, ainda que sempre passível de ampliação e superação” (FRIGOTTO, 1993, p. 133). Sendo assim, para captar as mudanças que ocorrem nessa interação, é necessária uma visão ampla, que considere os aspectos culturais, políticos, econômicos, religiosos, ideológicos, educacionais, jurídicos e históricos presentes. Diante dos impactos que mudanças tecnológicas estão trazendo para o campo educacional e do trabalho, a questão que se coloca é: até que ponto tais mudanças determinam a educação e o trabalho, ou, até que ponto a educação determina o trabalho e a tecnologia, ou ainda, até que ponto o trabalho determina a educação e a tecnologia? Para Carvalho (1998) todo determinismo é reducionista e não permite uma visão totalizante da sociedade, não sendo possível determinar se são as alterações sociais que determinam as inovações tecnológicas ou vice-versa. Assim, a autora considera que tais alterações estão entrelaçadas, ocorrem lentamente e não atingem toda a humanidade, pois existem diferenças entre as sociedades, a partir de diversas lógicas. A autora afirma que com a consolidação do modo de produção capitalista, cresceu a ênfase dada ao desenvolvimento tecnológico, visto como instrumento de dominação. Porém, essa dominação só foi possível porque junto com as inovações técnicas havia também todo um trabalho de disseminação de valores, relações sociais e ideológicas, o que comprova o entrelaçamento entre as inovações tecnológicas e os demais aspectos da vida social, como a educação e as relações de produção. 8 Carvalho (1998) destaca que a partir do período pós-guerra e principalmente a partir da década de 1970, um processo acelerado de inovações tecnológicas vem provocando transformações importantes em todos os aspectos da vida social, como na família, no trabalho, no papel do Estado etc. Os comentários de Antunes (1999) sobre as metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho nos países de capitalismo avançado na década de 1980, considerada pelo autor como uma década de grande salto tecnológico, afirmam que as transformações no trabalho atingiram não só a materialidade do trabalhador, mas também sua subjetividade, sua forma de ser. Tal afirmação corrobora com o exposto por Carvalho sobre o entrelaçamento entre inovações tecnológicas e os demais aspectos da vida social. Carvalho (1998) levanta ainda um questionamento quanto à possibilidade de se usufruir dos recursos tecnológicos fora do modo de produção capitalista, em uma forma de produção que tenha uma distribuição igualitária de recursos, onde todos possam ter acesso aos benefícios da tecnologia. Para que isso ocorra ela defende que é preciso uma mudança na maneira de pensar a questão tecnológica, considerando-a como uma forma de atendimento das necessidades sociais mais amplas e do bem estar de todos, ao invés de satisfazer os interesses de minorias econômicas ou do mercado internacional. Depreende-se, então, que a tecnologia em si não é boa nem má, mas a forma como é apropriada, o uso que se faz dela e o projeto de sociedade ao qual está vinculada é que a converte em instrumento de dominação ou de emancipação humana, o que a torna alvo de disputas. Antunes (2005) analisando as mutações que vem ocorrendo no mundo do trabalho contemporâneo afirma que embora a classe trabalhadora não seja a mesma de meados do século passado, ela não está em extinção. O que ocorre é que a classe trabalhadora adquiriu uma nova conformação, mais fragmentada, heterogênea e complexificada, mas continua compreendendo a totalidade dos assalariados que vivem da venda de sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção. Assim, pensar o papel da educação nesse contexto de mudanças - tecnológicas, no mundo do trabalho e nas relações sociais em geral - exige, antes de mais nada, considerá-la como uma mediação. Mediação para a democracia, para a cidadania, para o trabalho, enfim, para a inserção na cultura humana. Porém, dentro do sistema do capital não há a possibilidade de igualdade de condições entre os seres humanos, uma vez que o capitalismo se funda na desigualdade e na exploração de uns sobre outros. Por isso, educar, nesse contexto, 9 é explicitar criticamente as relações sociais de produção da sociedade burguesa, para pôr-se a caminho de sua desarticulação, e criar as condições objetivas para que se instaure um novo bloco histórico onde não haja exploradores e explorados, proprietários e não-proprietários, e que, pelo trabalho, mediatizados pela técnica, os homens produzam sua existência de forma cada vez mais completa (FRIGOTTO, 1993, p. 196). Esse é o grande desafio posto à educação, pois educação, trabalho e tecnologia como verdadeiros potenciais humanos não podem ser pensados a partir da desigualdade e da exclusão. A tarefa está posta. Considerações Finais Este estudo limitou-se a apresentar, de forma breve e simples, algumas reflexões e questionamentos em torno do papel da educação, principalmente escolar, na sociedade, considerando-se as interações que ocorrem entre educação, trabalho e tecnologia. Essas três temáticas, embora venham sendo tão amplamente discutidas ainda carregam em si indagações que se renovam e se diversificam, à medida que também se diversifica a realidade de que fazem parte. Considerando educação, trabalho e tecnologia como atividades humanas, construídas socialmente, a partir de relações historicamente determinadas, torna-se evidente o quanto as mesmas carregam em si possibilidades e limites, na medida em que se desenvolvem a partir das contradições da sociedade capitalista. Tais categorias, assim, não são neutras, boas ou más, mas a configuração que assumem é fruto das disputas que ocorrem nas relações sociais mais amplas. Dessa maneira, é preciso pautá-las a partir de um projeto novo de sociedade, baseado em outra lógica, que não a capitalista, que busque a emancipação humana e não sua exploração, e considerá-la como uma mediação permanente - para a democracia, para a cidadania, para o trabalho, enfim, para a inserção na cultura humana, pois são os homens que constroem sua historia. A negação do papel emancipador da educação não interessa na construção desse novo projeto, mas sim seu direcionamento na luta pela transformação do que está posto. Porém, não basta uma visão crítica, é preciso organizar a escola tecnicamente e politicamente no sentido de fortalecer a classe trabalhadora na busca do saber elaborado pela humanidade, saber que é poder. 10 Referências ANTUNES, Ricardo L. C. Fordismo, toyotismo e acumulação flexível. In: ANTUNES, Ricardo L. C. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 6. ed. 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