Página 1 de 6 DEMURRAGE OBJETIVO DA INFORMAÇÃO O tema demurrage, embora não seja novo, é o de maior contencioso do Direito Marítimo. Assim, e sabendo-se que a quase totalidade das mercadorias importadas ou exportadas pelo Brasil passam pelos portos, e, havendo demora no processo de carga ou descarga, incide a demurrage. Tendo em vista os prejuízos causados às empresas, a demurrage tornou-se tema de relevante importância. Assim, é importante que todos os profissionais envolvidos no comércio internacional conheçam esse instituto. Dessa forma, essa cartilha pretende abordar o tema, alertando para alguns pontos que, se observados, podem evitar ou reduzir os valores referentes à incidência de demurrage. CONCEITO DE DEMURRAGE Demurrage é um termo técnico, usado no Direito Marítimo, que significa sobrestadia, ou seja, o avanço além do tempo pactuado, do navio ou do equipamento (contêiner). A indenização ou multa pela sobrestadia é devida pelo afretador, arrendatário, exportador ou importador ao armador ou dono do navio ou do equipamento. Para o Ministério da Justiça, a demurrage é definida domo “o pagamento feito ao dono do navio pelo operador portuário pelo atraso no embarque da carga”. Já para o Banco Central, a demurrage é “a indenização convencionada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de carregar e descarregar as mercadorias no tempo pactuado”. Assim, a demurrage está diretamente ligada ao excesso de tempo na utilização do navio ou equipamento. Página 2 de 6 Os contratos de afretamento já preveem um tempo livre – free time – que normalmente é de 7 a 15 dias, para que se providencie a liberação do navio ou equipamento sem geração de demurrage. A REGRA ONCE ON DEMURRAGE, ALWAYS ON DEMURRAGE Sua tradução é "uma vez em sobreestadia, sempre em sobreestadia". Esta regra não consta de forma literal em nenhum contrato, mas é aceita e aplicada internacionalmente. Ela nasceu da jurisprudência inglesa, sendo hoje conhecida e aplicada por todos aqueles que lidam com transporte marítimo, desde seus operadores até árbitros e juízes que julgam conflitos daí originados. A razão da existência dessa regra é o princípio universal de que aquele incide em demurrage, deve reparar o dano à outra parte. Mesmo a cláusula de exceções (general exceptions clause) contemplando diversas ocorrências como, por exemplo, greve nos portos, que impede que o tempo de duração desse fato seja contabilizado como tempo de estadia. Contudo, esse mesmo tempo, se o navio incorrer em sobreestadia, desde que esta não seja por culpa do armador, será contabilizado para o período de sobreestadia, ou seja, mesmo que o afretador não seja o culpado direto, ele arcará com o custo desse atraso. O entendimento é o de que, se o afretador, ou embarcador, ou consignatário, tivesse liberado o navio antes de incorrer em sobreestadia, o motivo que causou o atraso se daria após o navio ter sido liberado. Importa ao afretador a diligência na liberação. DEMURRAGE DE CONTÊINERES Na importação, o armador normalmente estabelece um prazo para a devolução do contêiner, o chamado free time, que pode variar de Página 3 de 6 acordo com a negociação feita com o armador. Assim, caso esse prazo estabelecido não seja cumprido, pode haver a incidência de multa. A justificativa para a aplicação dessa multa é a de que o armador, na falta do equipamento que deveria ser cedido a outro cliente, terá a necessidade de realizar um leasing de contêiner para atender a esse outro cliente. Dessa forma, o reembolso do armador, através da cobrança da demurrage, é justo, uma vez que ele terá despesa extra, provocada por aquele que está retendo o contêiner, embora não seja apresentada, por parte do armador, nenhuma alternativa ao afretador no sentido de tornar as sobrestadias menos onerosas. Destaca-se que há possibilidades de ajustes de prazos maiores ou menores. A contagem de dias livres tem início com a descarga do contêiner e termina com a devolução do contêiner ao transportador em local por ele designado, e em perfeitas condições de uso. Quando a operação for de exportação e o exportador retirar o contêiner para acondicionamento de sua carga, o uso desse contêiner além do tempo ajustado entre as partes dá direito à cobrança de sobrestadia, neste caso chamada detention. Esta cobrança tem o objetivo de inibir os atrasos injustificados e que são passíveis de serem evitados. AVARIA DE CONTÊINERES A responsabilidade pela avaria ao contêiner é bastante complexa. De forma geral, desde a retirada do contêiner até sua entrega no local de destino, são várias as fases de manipulação e as partes envolvidas. Em relação ao transporte em si, em caso de avaria, o transportador é o responsável. Neste sentido, destaca-se que, quando do fechamento da carga, ou seja, da formação do contrato, todas as despesas e riscos inerentes ao transporte, desde que não tenha havido ressalvas, a partir da retirada dos contêineres até a entrega Página 4 de 6 no destino acordado, são do transportador. Aqui, destaca-se que não importa se nas diversas fases outras partes foram envolvidas, isso porque, se existiram essas outras partes, elas tiveram relação direta com o transportador e não com o exportador ou importador. PRAZO PARA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE COBRANÇA A Lei 9.611/98, em seu artigo 22, determina que “As ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição”. Além disso, esta mesma Lei, em seu artigo 23, faculta tanto ao proprietário de mercadorias, quanto ao operador de transporte, dirimir conflitos através de arbitragem. PARA EVITAR OU REDUZIR OS CUSTOS, É IMPORTANTE NEGOCIAR: • O valor do frete pode ser reduzido quando se estabelece um free time pequeno, mas isso é muito arriscado; o prazo mais adequado para as circunstâncias brasileiras é de 15 dias. • O free time deve ser negociado antes da confirmação da praça. • É conveniente negociar, previamente o valor da demurrage, caso ocorra. • Sugere-se incluir, no momento da negociação, cláusulas de força maior1 e hardship2. 1 A cláusula de hardship se aplica às cláusulas de revisão, frequentes nos contratos internacionais e em particular nos de longa duração, podendo tal expressão ser livremente traduzida como adversidade, infortúnio ou privação. A hardship é o evento que permite a renegociação do contrato diante da modificação das circunstâncias de fato, de modo que uma das partes fique submetida a um rigor injusto, ou seja, que uma das partes, cumprindo sua Página 5 de 6 • No fechamento do frete recomenda-se definir claramente as obrigações de cada parte, independentemente do Incoterm utilizado. • Convém dar atenção ao conteúdo dos documentos, evitando erros que exijam correção e causam atrasos na nacionalização das mercadorias. • Se ocorrerem greves, pode-se recorrer à Justiça para obter, através de liminar, o direito de devolver o contêiner ao armador. • Convém ter alternativas tanto para armazenamento de cargas quanto para a desova de contêineres. • Quando contratar o frete, negociar o critério relativo à taxa de câmbio a ser observado caso haja incidência de demurrage. Este critério definirá a data de cotação para conversão dos valores. • Recomenda-se sempre utilizar cláusula arbitral; segue um exemplo: Toda e qualquer controvérsia oriunda do presente instrumento, incluída a relativa a sua validade, interpretação, execução e/ou resolução, será dirimida por arbitragem, incluindo prévia tentativa de conciliação Ou Every and any dispute originating from this instrument, also concerning its validity, interpretation, execution and/or resolution, will be solved through arbitration, which includes a previous attempt of conciliation. obrigação, sofra um prejuízo substancial e desproporcional. O objetivo da hardship é, portanto, a renegociação do contrato. 2 A cláusula de força maior, embora exista semelhança com hardship, é tradicionalmente utilizada como um evento imprevisível, inevitável, externa à vontade do devedor, que tornaria absolutamente impossível a execução da obrigação. Força maior é aquela situação em que haveria uma exoneração ou libertação sobre o cumprimento contratual pelas partes que forem afetadas pelos eventos supervenientes à conclusão do contrato. Página 6 de 6