Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
AS PÁGINAS ANTICOMUNISTAS DO JORNAL FOLHA DE GOIAZ
Tereza Cristina Pires Favaro (UFG)
RESUMO:
A proposta desta comunicação é resgatar o papel desempenhado pela imprensa brasileira,
nesta, o Jornal Folha de Goiáz, nos fins da década de 50 até 1964, na construção do ideário
anticomunista. Em outras palavras, por meio de campanha sistemática, o comunismo é
apresentado como uma ameaça à ordem estabelecida, o inimigo da pátria. Sob esse discurso,
o comunismo é desqualificado, retirando-lhe a legitimidade para colocar-se como um projeto
político alternativo ao vigente.
Palavras-chave: Imprensa. Comunismo. Anticomunismo. Inimigo. Poder.
Buscou-se neste artigo trazer à tona o posicionamento anticomunista do Jornal
Folha de Goiáz e seus possíveis rebatimentos nos fins da década de 50 até 1964 no Estado de
Goiás. Não há nenhuma novidade na argumentação que segue. Tem o compromisso, por meio
de fatos históricos, apreender o uso que é feito da imprensa na disputa pelo poder, envolvendo
um amálgama contraditório de ideias, práticas e sentidos. A experiência brasileira trouxe a
representação do mito do anticomunismo1, uma estratégia usada pela direita que debilitou a
política e resultou na realidade sombria: os anos de chumbo da ditadura militar (1964 – 1985).
Essas palavras quase não dizem apenas que a imprensa torna possível interferir nos
rumos dos acontecimentos, mas que torna inevitável. Diz Abreu (2006, p. 107): “por uma
perspectiva elaborada pelos veículos de comunicação que muitas vezes o leitor é levado a
perceber a realidade e a se posicionar diante dos acontecimentos”. Sem perder de vista que o
texto é um discurso fixado pela escrita, antes de se materializar em texto, constitui-se de fala,
expressão de mundo vinculada historicamente a um lugar, com projeção de valores, de
sentimentos e de interesses.
Com esse argumento e uma aproximação mais cuidadosa é possível ver que o
papel da imprensa só pode ser pensado se compreendida a ponte estabelecida por ela com seu
momento histórico, na busca dessa legitimidade segue a trilha da “sua relevância histórica,
pois nenhum documento está dissociado do contexto no qual está inserido” (ALMEIDA,
2008, p.19). Numa demonstração que mais que trazer à tona os fatos, o faz movido por
1
Tomamos como referência o conceito formulado por BONET (2004, p.34): [...] um fenômeno complexo,
ideológico e político ao mesmo tempo, explicável, além disso, à luz do momento histórico, das condições de
cada um dos países, e das diversas condições originais, ideais e políticas em que se inspiram.
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interesses ideológicos. O capitalismo não ficou imune às críticas, entretanto, aquelas
direcionadas ao comunismo eram mais virulentas e ferozes. Viu-se refletir nas páginas dos
jornais uma ofensiva contra o perigo comunismo.
No Brasil, a ofensiva anticomunista assume maior vigor com o advento da
Intentona Comunista em 1935, levante armado sob a liderança de Luiz Carlos Prestes, visando
à tomada do poder. Como resposta, deu início à ampla ação pedagógica na argumentação de
Almeida (2003), envolvendo um eficiente aparato, que se em 1935, a ofensiva anticomunista
foi um pilar de sustentação ao projeto político de Vargas – o Estado Novo; em 1964 foi
argumento decisivo para a instauração da ditadura militar.
A campanha anticomunista adotada sistematicamente apresentou o comunismo
como uma ameaça à ordem estabelecida, o inimigo, sem necessariamente ser vinculado ao
Partido Comunista.
Sob esse discurso, o comunismo é desqualificado, retirando-lhe a
legitimidade para colocar-se como um projeto político alternativo ao vigente, tese balizada
por aqueles interessados em manter o status-quo, e agravada pelos anos afora, justificando as
arbitrariedades que a sociedade brasileira assistiu. A bandeira do anticomunismo aglutinou em
torno de si, a Igreja Católica, parcela das Forças Armadas, a polícia, órgãos de imprensa,
governo dos três poderes, organizações criadas exclusivamente para o combate ao
comunismo, entidades classistas e intelectuais.
A Igreja Católica foi eficiente ao articular discurso e prática, vinculando
catolicismo, patriotismo e anticomunismo. Soube tirar proveito, aproximando do Estado e
interferindo nos processos políticos nacionais. Projetou para os fiéis a representação do
comunismo vinculada ao traidor da pátria, ao ateu, ao demônio.
Como se vê, embora varie em ênfase e detalhes, a ofensiva anticomunista é o
ponto, mais que sobre qualquer outro, que foi bem sucedida e aproximou diferentes grupos.
Getúlio Vargas (1930-1945) soube bem tirar proveito disso, e legitimar suas práticas
autoritárias. Atuou no combate implacável ao perigo vermelho. Habilidosamente, Vargas
criou todo um aparato de controle social e de propaganda ao implantar o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), além de um eminente controle, no caso, o trabalho jornalístico,
tinha traços nazista e corrupto (SODRÉ, 1999, 1966). Em um mesmo sentido de controle
responde à criação da Diretoria de Ordem e Política Social (DOPS). Ademais, o governo de
Dutra, que se seguiu à deposição de Vargas (1945), não foi diferente, atuou em perfeita
sintonia com a cruzada anticomunista.
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O retorno de Getúlio Vargas, em 1951 (1951/54), e consequentemente a política
econômica de orientação nacionalista, despertou franca oposição dos anti-getulistas,
udenistas, parte de militares das forças armadas, empresários vinculados ao capital
transnacional. A Campanha do Petróleo é expressão disso. A presença do PCB nesta
campanha foi amplamente utilizada, vinculando a defesa do monopólio estatal aos
comunistas. A ofensiva contra o nacionalismo assumiu magnitude inédita no Brasil, na
avaliação de Sodré (2010), com civis e militares, sob aval de grandes jornais, O Estado de São
Paulo, O Globo, a organização Diários Associados, capitaneados por Carlos Lacerda e seu
Jornal a Tribuna da Imprensa. Para Bojunga (2010, p.285), Lacerda era um “craque na mídia,
e foi o primeiro no Brasil a perceber seu potencial destrutivo, se usada de maneira sistemática
e abusiva”.
A presença de João Goulart (PTB) como ministro do Trabalho de Getúlio Vargas
(1953/54), e na Presidência da Republica (1961/64), acirrava o embate ideológico. Sua
proximidade com os trabalhadores e sindicalistas era visto com desconfiança e deixava em
polvorosa as elites, a direita, a igreja e parte dos militares. A imagem de João Goulart esteve
sempre vinculada ao comunismo. O discurso anticomunista foi uma estratégia utilizada por
seus opositores e se mostrou eficiente, pois João Goulart não conseguiu descolar desse viés
decisivo na sua deposição da presidência pelos militares golpistas e seus aliados civis.
A ascensão de João Goulart à Presidência da Republica, com a renuncia de Jânio
Quadros, foi bastante turbulenta. Reconhecido como herdeiro da política populista de Vargas,
de proximidade com a esquerda e os movimentos sociais. João Goulart expressava uma
ameaça aos interesses das forças políticas tradicionais e dos militares entreguistas, afinados
com os Estados Unidos. Sob esse argumento, os ministros militares tentaram burlar a
constituição e impedir sua posse. Isso leva os governadores do Rio Grande do Sul, Leonel
Brizola, e de Goiás, Mauro Borges Teixeira a convocar o povo brasileiro a defender a
Constituição, deflagrando o Movimento pela Legalidade (1961), e garantir a posse.
O cenário brasileiro com rápido processo de industrialização, com a introdução do
capital estrangeiro e das multinacionais, culminou no crescimento da camada urbana
dominada pelos operários e trabalhadores públicos, e na emergência de novas forças sociais
na vida nacional, os estudantes, os movimentos sociais, os camponeses. Não perdendo de
vista a conjuntura de Guerra Fria, o mundo polarizado ideologicamente entre comunismo e
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capitalismo, assiste a embates significativos: Guerras coloniais em Angola, Guiné,
Moçambique, independência do Vietnam e a Revolução cubana.
A cruzada anticomunista contou com o decisivo apoio e aprovação dos Estados
Unidos ao financiar o Programa Aliança para o Progresso, com investimentos de fundos
públicos direcionados para a América Latina. No Brasil, negociado diretamente com governos
estaduais2, em contrapartida, adotavam programas de reformas orientados pelo planejamento
intervencionista. Além do mais, sofisticadas ações operadas pelo complexo Instituto de
Pesquisas Econômico-Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD),
entidades anticomunistas aglutinavam empresários brasileiros ligados aos interesses do capital
internacional, políticos, intelectuais, profissionais liberais e militares. Ambas articuladas pela
Escola Superior de Guerra (ESG), produziram diversos estudos relativos às questões
nacionais para a formulação de um planejamento estatal. Esse complexo dispunha de grandes
somas financeiras provenientes de empresas estrangeiras, a maioria norte americana instalada
no Brasil, para colocar em prática uma ardilosa campanha - decisiva no apoio ao golpe de
Estado de 1964 - por meio de programas radiofônicos, de televisão e matérias nos jornais de
conteúdo anticomunista e em favor da disseminação de valores estadunidenses (SODRÉ,
2010).
A articulação das forças conservadoras mostrou-se como verdadeiras tropas
anticomunistas e anti-Jango. Propagaram representações acerca de uma eminente revolução
comunista a ser operada por João Goulart. De maneira competente, conseguiram atrelar João
Goulart e o seu governo, além das forças sociais populares e a esquerda ao comunismo. O
depoimento do jornalista Hélio Fernandes, ex-diretor da Tribuna da Imprensa (RJ) é bastante
eloquente em relação à atuação da imprensa na ofensiva anticomunista:
[...] Tratava-se de um dos mais radicais defensores (Jornal Tribuna da Imprensa) e fora um dos seus
propugnadores — do golpe de 64. Esse jornal era praticamente um porta-voz da Linha Dura, o
segmento militar que desde a deposição de Jango empalmara majoritariamente o poder e
preconizava uma varredura completa dos que qualificavam de subversivos e corruptos. Para esse
grupo, quem não coubesse na capanga dos subversivos devia ser colocado na sacola dos corruptos.
De maneira que qualquer cidadão que não tivesse a simpatia dos totalitários dominantes não
escapava da sua perseguição (JORNAL OPÇÃO, 2011, p, 1).
O Golpe significou o desfecho final de uma disputa pelo Estado brasileiro, acirrada
pelos desdobramentos impostos pela conjuntura da Segunda Guerra. Tudo isso capitaneado
2
Identificadas pelo embaixador americano Lincoln Gordon, de ilhas de sanidade administrativas (DREIFFUSS,
1981).
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pelas Forças Armadas dos entreguistas, com apoio da burguesia, das velhas forças agromercantis, da Igreja Católica, por meio da mobilização da classe média na marcha da Família
com Deus pela Liberdade, e da imprensa, em especial, Estado de São Paulo, O Tribuna da
Imprensa e o Globo. O Golpe concretizado em 31 de março de 1964 culminou na instalação
da ditadura militar com total apoio dos Estados Unidos
O olhar da imprensa goiana sobre o processo em curso:
[...] Governadores, parlamentares, homens de empresa, trabalhadores, religiosos não enfermos de
progressismo, leaders da imprensa, estudantes, donas de casa, jovens esclarecidos ai estão
confundidos na aspiração de bem servir ao Brasil, de lutar até o supremo sacrifício para que o país
não entre na faixa vermelha ocupando o lugar que Moscou lhe designou (FOLHA DE GOIÁZ,
29.3.1964).
No cenário goiano, a imprensa teve um papel fundamental de prestar informação,
propagar novas ideias, comportamentos e valores a sociedade, trazer à tona a cena
contemporânea. Em um estado como Goiás, que desde sua fundação o cenário predominante
era centrado no modelo tradicional de dominação patrimonialista - fruto da herança do
colonialismo lusitano - oligárquica, clientelista, impondo uma prática política e uma cultura
mediadas pela integração das camadas populares por meio do clientelismo, da política
populista, da ocupação da esfera pública pelas elites dominantes, a imprensa não ficaria imune
a isso, e a polêmica envolvendo as disputas políticas ocupou as páginas dos principais jornais,
nomeadamente, Folha de Goiáz (1939) e O Popular (1938). Ambos com circulação
ininterrupta desde a fundação, registrando fatos e acontecimentos, construindo a história dos
goianos. Outros jornais marcaram presença com passagem efêmera, por questões políticas ou
pela incapacidade de adequar-se às inovações e desenvolvimento do setor. Cada um à sua
maneira, ao longo do tempo abriu novas possibilidades e atuou na consolidação do mercado
de trabalho do jornalista em Goiás.
Esses aspectos tornam a imprensa impar, principalmente naquela conjuntura,
permeada pela ferrenha disputa entre o ludoviquismo e o caiadismo, arraigados nas velhas
práticas políticas, protagonizados respectivamente pelo Partido Social Democrático (PSD) e
pela União Democrática Nacional (UDN). O espaço ocupado pela política era marcante, em
especial a partidária, ocupava-se muito do culto da personalidade do chefe do partido, afinal
quase sempre o jornal era dirigido por um político (TELES, 1980).
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Assim se entende o Jornal Folha de Goiáz criado por Gerson de Castro Costa, em
2 de julho de 1939. Circulava duas vezes por semana, no primeiro número trouxe:
“comentam-se em linguagem otimista e ousada, as dificuldades que se venceram para que o
leitor tenha às mãos um papelucho comum, materialmente igual a mais de uma centena que
conhece de sobejo e não lê”. Prossegue o editorial, enaltecendo a figura do Presidente Getúlio
Vargas e do “Brasil, [...] marcha vitorioso”, reafirmando ainda a disposição do Jornal em
colaborar “[...] com boa vontade e patriotismo, nessa empreitada de construção nacional”.
Dentro desse propósito, o posicionamento do jornal sob o estadonovista, portanto,
em Goiás, o interventor nomeado é Pedro Ludovico Teixeira, “um homem de Getúlio”
(MACHADO, 1990, p. 153), “[...] a imprensa em Goiás era uma profissão espinhosa e muito
perigosa. Porque o clima era essencialmente político e não tinha outra modalidade de
noticiário [...] era exclusivamente político partidário” (TELES, 1980, p.205).
Esse tom de crítica é elevado quando em 1943, a Folha de Goiáz incorpora ao
império de Francisco de Assis Chateubriand Bandeira de Mello, em decorrência de problemas
financeiros e equipamentos obsoletos. Gerson de Castro Costa foi mantido na direção quando
em 1946, se tornou diário. Assis Chateubriand era proprietário de jornais, revistas e emissoras
de rádio ― os Diários Associados — o que lhe assegurava proeminência política, econômica
e grande poder na ofensiva anticomunista. Seu império esteve a serviço do combate a possível
infiltração dos bolchevistas. Além das mudanças técnicas, a incorporação aos Diários
Associados significou outra direção à linha editorial do Jornal Folha de Goiáz, e o
anticomunismo foi um dos ingredientes acrescidos à sua retórica. Em suas páginas havia
notícias locais e reprodução dos artigos de Chateubriand, publicados nos jornais de expressão
nacional, de franca oposição aos comunistas e à burguesia, nomeadamente, os fazendeiros,
industriais, comerciantes e banqueiros (ALMEIDA, 2003). Nesse sentido, é bastante
significativo o posicionamento de Assis Chateubriand no artigo “Os inertes, os passivos nos
levam ao inferno” (FOLHA DE GOIÁZ, 25.2.1954):
Em política, há momentos em que a expectativa das forças morais e espirituais constitui um tempo
[...] na hora atual, de uma horda de aventureiros, de cabotinos, todos, mas todos, moralmente
corrompidos. Suprimiram da sua conduta, qualquer encargo para com sua terra onde nasceram ou
que os adotou. Ou eles ou o caos [...] Tudo se encontra hoje debaixo de uma cortina de ferro. As
infiltrações comunistas e peronistas saltam à vista de todos. Nosso amor ao Brasil ordeiro [...] posto
na linha das nações democráticas se exarceba e sobressalta [...] O que nos ameaça aqui é uma crise
dupla, de cultura política de civilização. As elites políticas, as elites financeiras e econômicas,
respondem às perspectivas dessa crise com outra crise, a crise do caráter, da pobreza do seu próprio
caráter [...] a honra pública está em xeque. Além do condutor que resiste, só há inertes e passivos
[...] com esses, aonde se vai é ao inferno.
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A polarização ideológica entre Estados Unidos e URSS, como desdobramento da
Guerra Fria repercutiam ao redor do mundo. Muitas vezes, nas entrelinhas dos jornais, havia
um jogo de palavras construído para formar uma opinião contrária a tudo que envolvesse a
URSS,
expressão
do
comunismo,
assim
procedendo,
indiretamente
fortalecia
o
anticomunismo. Nesse alinhamento, as colocações de Chateubriand não deixam dúvidas:
[...] me detenho a relembrar o estranho caso de 69 milhões de brasileiros se entregarem à convicção
de que a sua recuperação econômica estava nas mãos da Rússia soviética. Santa ilusão de 60
milhões, na de serem raciocinantes, mais de 60 milhões de patetas! [...] Volta Redonda, Central do
Brasil, Mogiana, Paulista e Sorocabana, eletricidade, tudo feito ou melhorado com o capital dos
Estados Unidos (FOLHA DE GOIÁZ, 3.1.1959).
A Folha de Goiáz, na edição do dia 18 de maio de 1960, traz como manchete de
primeira página: “Kruchev abandonou a conferência de cúpula”. A reportagem condena a
atitude do Premier russo Nikita Kruchev, por ter abandonado a reunião de cúpula em Paris,
após desentendimento com o presidente Eisenhower dos Estados Unidos. Sutilmente no final
da mesma página, uma nota comunica que na edição do dia seguinte, ia ser distribuída “uma
bem feita publicação”, em cores sobre a visita do presidente americano ao Brasil, realizada
em março daquele ano.
Em outra reportagem, dando notícia de um incidente envolvendo o presidente
nacional da UDN, Bilac Pinto, “[...] durante reunião promovida por estudantes democratas”
em Recife (PE), a edição da Folha de Goiáz (27/28/3/1964, p. 5) trouxe estampada: “Foi
comunista o autor dos tiros contra o povo do Recife”.
Esses exemplos dão mostras de que a campanha anticomunista é um fato
cotidiano. Nas linhas e entrelinhas das páginas da Folha de Goiáz transpareceram
manifestações acompanhadas de antipatia, desaprovação e repulsa, alimentando visões
estereotipadas e pejorativas.
O anticomunismo deu a tônica à pregação da Igreja Católica de Goiás, liderada
pelo arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes dos Santos. Assim, buscou “fortalecer sua
identificação com a sociedade” no enfrentamento de outras visões de mundo que propagavam
no campo e na cidade (BORGES, p. 133). No campo religioso, a igreja católica enfrentava o
avanço do espiritismo e do protestantismo; no campo social, o comunismo. Nesse sentido,
explica a criação da Revista da Arquidiocese (1957), na garantia da manutenção dos valores
cristãos e consequentemente, a hegemonia da igreja.
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Borges (2008) ressalta a habilidade de Dom Fernando em relação aos meios de
comunicação, ao mostrar o poder de mobilização da Igreja na defesa dos preceitos cristãos e
das tradições. Ele usou a imprensa na ofensiva contra a vinda de Luiz Carlos Prestes à
Goiânia, conclamando a sociedade goianiense a protestar com envio de cartas, telegramas e
telefonemas aos parlamentares no sentido de rejeitar a visita. A estratégia deu certo. A
Assembleia Legislativa e Câmara dos Vereadores manifestaram contrárias à vinda do líder
comunista. Entretanto, a visita aconteceu em junho de 1959, e a revista assim posicionou-se:
[...] não são os que gritam em nome da liberdade para receber prestes, os [...] defensores da
liberdade. Os que combatemos o comunismo é que podemos falar de liberdade [...] o comunismo
acena com a bandeira do servilhismo e do totalitarismo (REVISTA DA ARQUIDIOCESE, 1959, p.
31).
Dom Fernando comandou intensa campanha em defesa da reforma agrária dentro
da filosofia da Encíclica Mater et Magistra3, com paz e bem-estar social no campo,
contrapondo à organização dos camponeses, expressos na luta pela terra, como de Trombas e
Formoso e das influências políticas de esquerdas ali presentes, o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) e as Ligas Camponesas liderados por Francisco Julião.
Articulada ao cenário nacional, a ofensiva anticomunista em Goiás materializou-se
na imprensa com apoio do IBAD, de maneira mais efetiva aparece em 1962, financiando
candidaturas de políticos do PSD e da UDN para impedir a eleição de candidatos
supostamente comunistas, para além de manter o programa “A Semana em Revista”, na Rádio
Difusora de Goiânia, dos padres redentoristas, com pregação contra o perigo vermelho.
Como se vê, os leitores goianos/brasileiros de diferentes maneiras, vão sendo
bombardeados pela ofensiva anticomunista, intensificada com a presença de João Goulart na
Presidência da República.
A imprensa, plenamente articulada com a orientação
anticomunista, repercutia essa preocupação em suas páginas, e contribuiu para construir a
representação do comunismo, dramática e aterrorizante, facilitando uma poderosa
mobilização conservadora com importantes adesões em todas as camadas da sociedade
levadas pela propaganda anticomunista.
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Essa Carta papal manifestava uma visão liberal para os problemas econômicos, garantindo o estímulo à
iniciativa pessoal, reconhecia a propriedade privada como natural, fazia a defesa da lógica urbano-industrial
como condição para o desenvolvimento.
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O que se manifesta em Goiás é uma peculiaridade. O argumento essencial daquela
conjuntura, a ligação do governador Mauro Borges Teixeira (1961/64) com o comunismo. O
discurso, profanado pela direita, foi o fiel da balança e selou o destino de Mauro Borges em
1964, ao ser apeado do poder, sem esse nunca ter sido um comunista, muito pelo contrário,
combateu ostensivamente:
[...] existem, no Brasil, duas correntes radicalizantes, contra as quais me oponho em nome de uma
democracia dinâmica e socialmente justa: a comunista e a lacerdista. Minha posição só pode ser
confundida pelos inimigos dos interesses nacionais. Luto por uma democracia brasileira, com
autoridade forte e definida, sem totalitarismo, planificada, autêntica e cristã (REVISTA
MANCHETE, 1964, p. 21).
Mauro Borges foi protagonista do movimento civil-militar de 1964. Juntou-se ao
coro dos descontentes com o rumo tomado pelo governo de João Goulart. Reprimiu tudo que
pudesse estar vinculado ao comunismo, bem como incentivou e endossou a ação
anticomunista: “Goiânia toda se levantará, hoje num movimento cívico de agradecimento a
Deus pela extinção do perigo comunista no Brasil [...] movimento da família goiana [...]
contará com a presença de autoridades eclesiásticas e militares” (FOLHA DE GOIÁZ,
13.5.1964).
Entretanto, foi apeado do poder (26/11/1964) pelos militares golpistas e seus
aliados civis. Trata-se de um cenário, em primeiro lugar, completamente distinto daquele em
que se moveu o Golpe. Ele tem sua ruptura com a disputa pela hegemonia militar, tomando
como pano de fundo a disputa partidária regional, conforme argumenta Souza (2009). A
intervenção em Goiás, orquestrada pelos generais linha dura e endossada pela UDN e classes
produtoras goianas, significava condição sine qua non para atingir tal objetivo. Justificava-se
assim, a intensificação dos ataques ao governo maurista, acusado de manter comunistas no
seu secretariado, de ser benevolente com o movimento camponês e de manter ligações com
Brizola e João Goulart.
Mauro Borges enfrentou Inquéritos Policiais Militares (IPMs), com muita pressão
para renunciar e demitir todos os seus auxiliares supostamente comunistas. Após apuração
conduzida pelos militares, foi feito o expurgo dos secretários e auxiliares acusados por
subversão, alguns por improbidade administrativa. Outra representação do comunismo é
vinculá-lo à corrupção, ao caos administrativo. Os militares acusaram Mauro Borges de fazer
subversão por meio dos órgãos de divulgação oficial, o CERNE. Composto pelo Diário
Oficial, Diário de Goiás, Rádio Brasil Central e Instituto de Cultura Popular, mereceu atenção
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especial da gestão maurista. Ao colocá-lo em funcionamento, Mauro Borges confrontou com
empresários do setor, em especial Jornal Folha de Goiáz e o complexo: Jornal O Popular, a
Rádio e a TV Anhanguera, de propriedade de Jaime Câmara, destacado membro do PSD
goiano, que divergia na condução do governo do estado, motivo que azedou ainda mais a
relação com Mauro Borges. Não restam dúvidas, o descontentamento de Câmara captado pela
Folha de Goiáz:
[...] Jaime Câmara, não se conforma [...] de estar fora do governo [...] vem [...] através de colunas
de seu jornal procurando turbar o trabalho de seu correligionário [...] o governador Mauro Borges
[...] procurando incompatibilizar, propositalmente, o governador com o clero, ao dar o máximo de
destaque aos conceitos emitidos pelo governador sobre as vitórias da Rússia no terreno espacial,
omitindo por outro lado, os elogios de Mauro Borges ao arcebispo metropolitano, D. Fernando
Gomes dos Santos no problema do ensino em Goiás (Folha de Goiás 11.8.1961, apud ALMEIDA,
2003).
Por conseguinte, os ataques a Mauro Borges e a tentativa de associá-lo ao
comunismo já estavam em marcha há muito tempo. As diferenças políticas entre Jaime
Câmara e Mauro Borges pesaram no curso dos acontecimentos. Toda a oposição ao seu
governo e o próprio processo, que coincide com sua deposição, teve nesses poderosos
veículos de comunicação ― Jornal Folha de Goiáz e O Popular ― bases de apoio das mais
influentes (JORNAL OPÇÃO, 2011).
Conforme observa Almeida (2003, p. 12), o comunismo foi um elemento
justificador para Mauro Borges ser apeado do poder. O “[...] anticomunismo se torna uma luta
por um poder simbólico”, e a “[...] imprensa, se torna a arena central onde essa luta é
travada”, ou seja, foi partícipe da ação pedagógica de construção negativa do
comunismo/comunistas em Goiás/Brasil. O que se manifesta aqui é um traço que buscamos
salientar ao longo desta argumentação: o poder da imprensa. No caso, o Jornal Folha de
Goiáz. Nas tensões que ela é compelida a portar, estamos diante de uma movimentação
complexa, rica e permeada por contradições, providas de meios capazes de se fazer respeitar e
impor uma representação, de “exercer efeitos poderosos no interior do campo político,
oferecendo no caso específico do anticomunismo, serviços indispensáveis ao jogo das
relações de poder vigente” (ALMEIDA, 2003, p. 35).
REFERÊNCIAS
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FONTES
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Jornal Opção.
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