A Precarização das Condições de Trabalho na Monocultura Canavieira sob
a Lógica da Reestruturação Produtiva
Área: Serviço Social
Categoria: PESQUISA
Weslei Trevizan Amâncio
Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana, Av. Minas Gerais nº.
5021,Fone/Fax: (43) 3423-7277 - CXP: 98 - CEP: 86800-970.Apucarana – Paraná,
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Valdir Anhucci
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Resumo
O trabalho realizado sob condições precárias se fez um fenômeno social insolvente à estrutura
ao qual se assentou o desenvolvimento da sociedade capitalista, fazendo de seu apogeu o
modelo no qual se consubstanciou a reestruturação produtiva. Suas marcas foram esculpidas
em milhares de vidas, se expressando no processo de exploração-expropriação dos
trabalhadores. O labor no corte da cana-de-açúcar, como atividade pertencente ao mundo do
trabalho, e inerentemente à sua lógica, impregna em seu movimento particular de realização
do trabalho as mesmas causas e efeitos do trabalho no contexto global, em resumo, molesta a
vida humana em todos os sentidos. Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo
identificar como tem se expressado a precarização das condições de trabalho dos cortadores
de cana moradores do bairro Santa Terezinha, do município de São João do Ivaí, em especial
neste artigo, a partir da reestruturação produtiva. Para tanto, a metodologia de pesquisa se
realizou por uma abordagem qualitativa, utilizando para a coleta de dados a técnica de
entrevista semi-estruturada. A análise dos dados fez-se através da técnica da análise de
conteúdo. Com os resultados da pesquisa concluiu-se que a precarização das condições de
trabalho no corte de cana, expressam em grande intensidade. Suas expressões se retratam nos
salários, que são insuficientes para atender às necessidades básicas dos trabalhadores e de
suas famílias, no grande número de horas que são obrigados a dedicarem, para que possam
cumprir com suas atividades impositivas, na ausência do poder público, não cumprindo o seu
papel de fiscalizador das relações de trabalho entre empregados e patrão. Explicitando ainda
os males que o trabalho realizado sobre tais condições se caracteriza para a degradação da
saúde dos trabalhadores, unindo-se com os demais fatores e perfazendo a destruição da vida,
quando menos o seu sentido.
Palavras-chave: Trabalho, Precarização, Reestruturação Produtiva.
A PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NA MONOCULTURA
CANAVIEIRA SOB A LÓGICA DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Área: Serviço Social
Categoria: PESQUISA
RESUMO
O trabalho realizado sob condições precárias se fez um fenômeno social insolvente à estrutura
ao qual se assentou o desenvolvimento da sociedade capitalista, fazendo de seu apogeu o
modelo no qual se consubstanciou a reestruturação produtiva. Suas marcas foram esculpidas
em milhares de vidas, se expressando no processo de exploração-expropriação dos
trabalhadores. O labor no corte da cana-de-açúcar, como atividade pertencente ao mundo do
trabalho, e inerentemente à sua lógica, impregna em seu movimento particular de realização
do trabalho as mesmas causas e efeitos do trabalho no contexto global, em resumo, molesta a
vida humana em todos os sentidos. Neste sentido, o presente estudo teve como objetivo
identificar como tem se expressado a precarização das condições de trabalho dos cortadores
de cana moradores do bairro Santa Terezinha, do município de São João do Ivaí, em especial
neste artigo, a partir da reestruturação produtiva. Para tanto, a metodologia de pesquisa se
realizou por uma abordagem qualitativa, utilizando para a coleta de dados a técnica de
entrevista semi-estruturada. A análise dos dados fez-se através da técnica da análise de
conteúdo. Com os resultados da pesquisa concluiu-se que a precarização das condições de
trabalho no corte de cana, expressam em grande intensidade. Suas expressões se retratam nos
salários, que são insuficientes para atender às necessidades básicas dos trabalhadores e de
suas famílias, no grande número de horas que são obrigados a dedicarem, para que possam
cumprir com suas atividades impositivas, na ausência do poder público, não cumprindo o seu
papel de fiscalizador das relações de trabalho entre empregados e patrão. Explicitando ainda
os males que o trabalho realizado sobre tais condições se caracteriza para a degradação da
saúde dos trabalhadores, unindo-se com os demais fatores e perfazendo a destruição da vida,
quando menos o seu sentido.
Palavras-chave: Trabalho, Precarização, Reestruturação Produtiva.
1. INTRODUÇÃO
A importância do trabalho para a vida do homem está no fato do mesmo ser
inerente à sua existência em sociedade, pois no mesmo espaço de compreensão em que o
homem transforma a natureza externa com a realização do seu trabalho, de forma
circunstancial transforma sua natureza interna. Na mobilização de sua força de trabalho de
modificação das matérias inorgânicas e orgânicas da natureza, a fim de obter os elementos
que satisfaça suas necessidades e seus interesses, o homem, de forma dinâmica e com uma
dialética primitiva, modifica sua própria natureza humana, fazendo do trabalho um elemento
essencial e central para sua sociabilidade.
Diante da implementação do modo de produção capitalista, o trabalho se
transformou em uma mera mercadoria, tornando estranho ao indivíduo que o executa,
tipificados e intensificados pelo processo de fragmentação e desmaterialização do sentido do
trabalho pela forma que passou a ser realizada.
Tais mudanças se deram a princípio nos moldes do Fordismo e sua
produção em série, verticalizadora, movida pelo cronômetro tecnológico-cientificista,
organizacional-racionalizador, imposto pelo Taylorismo, e, posteriormente, na onda
neoliberal contemporânea, pelo modelo flexível de produção, também conhecido como
modelo Toyotista, em que se acentuou a exploração da classe trabalhadora pela classe
capitalista. Modelos que se diferenciam em tempos e métodos, porém garantiram o
desenvolvimento do capitalismo, dando outro sentido ao trabalho, qual seja de composição
fundadora e integradora do homem em sociedade a um estágio de extrema miséria com a
função única e exclusiva de ser um meio da sua existência individual.
No contexto mencionado, o trabalho na sociedade capitalista passou a se
configurar como alienado, concentrador e centralizador na propriedade privada. Sua
expressão se dá pelos meios de produção, pelo capital e pelo dinheiro dos capitalistas. O
trabalhador, nesse processo, passou a não se reconhecer mais frente ao produto do seu
trabalho e nem mesmo no ato da sua produção na vida material, tornando-se, em
conseqüência, um ser desconhecedor de si mesmo, em um plano regionalizado e
desconhecedor do gênero humano, num plano global.
Diante disso, a sociedade encontra-se em um processo de extrema
vulnerabilização da classe trabalhadora, oriundas da reorganização do sistema de produção e,
em conseqüência, das forças produtivas, processo que se denominou reestruturação produtiva.
Com isso, promoveu intensamente o desemprego estrutural, a arregimentação destruidora das
garantias normativas de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora. Isso se
caracteriza pela flexibilização desregulamentadora das leis trabalhistas, pelo emprego
desenfreado no trabalho informal, com a vigência perene do subemprego, expresso pelo
trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado, excluídas as garantias dos
direitos trabalhistas do trabalho protegido na ordem formal.
Tal realidade não é diferente no caso dos trabalhadores cortadores de cana,
na medida em que sua condição de trabalho tem expressado a absoluta precarização,
atendendo à demanda do capital em tempos caracterizados pela lógica da reestruturação
produtiva.
2. O SENTIDO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA
Antunes (2004), ao fazer referência a Engels, certifica que ao estabelecer a
relação homem-natureza1, fica evidente que é pelo trabalho que os homens se transformam,
diferenciando-se dos animais. Significa dizer que o trabalho modifica a realidade obrigando
ao homem desenvolver novos conhecimentos e habilidades, para constantemente produzir
bens necessários à sua subsistência, de modo que venha garantir sua sobrevivência.
Neste sentido, Holanda (2002) afirma que os homens que trabalham
conseguem prever resultados, visto conceberem previamente o desenho e a forma que querem
dar ao objeto do seu trabalho, ou seja, o homem constrói ideologicamente em sua cabeça,
pensa e imagina aquilo que fará antes mesmo de pôr em prática, o que ficou conhecido nas
palavras de Marx como o pôr teleológico, elemento central e determinante do trabalho em
sentido ontológico.
Assim, para Lessa (1996), é pelo ato de trabalhar que os homens não só
produzem os bens que garantem sua sobrevivência, mas também produzem novas
necessidades e, sobretudo, possibilidades. Ocorre que, transformando a realidade material
existente na natureza externa, o homem transforma a sua própria natureza, num jogo dialético.
1
Para Antunes (2004, p. 183), segundo Marx, a natureza “é o corpo inorgânico do homem [...]. O homem vive
da natureza [...] a natureza é seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer [...] a
vida física e mental do homem está interconectada com a natureza [...], pois o homem é uma parte da natureza.
Desta forma, ao desenvolver as potencialidades adormecidas da natureza material, desenvolve
com a mesma intensidade a sua natureza, exercendo um domínio sobre os aspectos naturais, a
fim de se realizar e superar as barreiras naturais. É neste sentido que o ser social é fundado,
visto que converte nesse processo, o trabalho social num elemento central do
desenvolvimento da sociabilidade humana.
Na sociedade capitalista, tal como expressa Antunes (2004), amplamente
embasado nas citações de Marx, há uma intensiva e extensiva apropriação dos fundamentos
do trabalho para a vida humana. Aqui o trabalho passa de condição essencial de produtor de
valores de uso, e, em conseqüência, marco originário do processo de humanização, para a
fundação de um processo de alienação, de fetichismo2, de trabalho assalariado, levando a uma
inversão de valores do trabalho como finalidade central do ser social para mera atividade de
sua subsistência.
Nas considerações de Iamamoto (2000), com o desenvolvimento da
sociedade capitalista, ocorre uma revolução abrangente e totalizadora no processo de
produção do trabalho. Engendra, nesse processo, um progressivo engrandecer das forças
produtivas sociais, em conseqüência da intensiva cooperação, da constante graduação de uma
divisão sócio-técnica do trabalho. Decorre deste contexto, inúmeros efeitos sobre os
trabalhadores, disposições conseqüentes das condições de trabalho fixadas no sistema fabril
de produção.
Neste sentido, Iamamoto (2001) faz referência ao ponto de vista da classe
trabalhadora, frente a esse contexto em que, quanto mais cresce o capital, tanto mais se
expressa à pobreza, em uma relação que atinge a globalidade de suas vidas. Assim,
[...] A exploração se expressa tanto nas condições de saúde, de habitação,
como na degradação moral e intelectual do trabalhador; o tempo livre do
trabalhador é cada vez menor, sendo absorvido pelo capital nas suas horas
extras de trabalho, no trabalho noturno que desorganiza a vida familiar. O
período da infância se reduz pelo ingresso de menores na atividade
produtiva. As mulheres tornam-se trabalhadoras produtivas. Crescem junto
com a expansão dos equipamentos e máquinas modernas, os acidentes de
trabalho, as vítimas da indústria. O processo de industrialização, ao atingir
todo o cotidiano do operário, transforma-o num cotidiano de sofrimento, de
luta pela sobrevivência. (IAMAMOTO, 2001, p.66)
Antunes (2004) menciona que, em decorrência desse processo caracterizado
na sociedade capitalista, o trabalho passa a ser objetivado em bases degradantes, coexistindo
em sua base à consonância da perversão e depauperação do trabalhador, tendo como
conseqüência direta da forma em que se apresenta o trabalho a desrealização social. Com a
mesma intensidade com que o trabalhador realiza sua atividade produtiva, realiza também sua
desafetivação enquanto trabalhador. Em grande parte, o seu trabalho não é voluntário, mas
sim compulsório, em que pese trabalho forçado.
Neste contexto se sobressaem novas formas na qual se posta historicamente
à produção capitalista de acumulação do capital. Como estratégia para superação da crise, a
partir de preceitos neoliberais, houve a implementação daquilo que é chamado de
2
Segundo Iamamoto (2000 p. 35), para Marx, o fetichismo ao qual afirma apresentar os produtos do trabalho das
mãos humanas no mundo da produção de mercadorias, compara-se à postulação referenciada no mundo da
religião, “onde os produtos da mente humana assemelham-se a seres dotados de vida própria, de existência
independente e relacionados entre si e com os homens”, tal qual se estabelece as relações sociais de produção
entre os homens e a valoração dos produtos de seus trabalhos, em que se evidencia a exaltação dos objetos
materiais originários desse modo de produção em detrimento das relações sociais concretas que articulam a sua
composição.
reestruturação da produção na era flexível, portadores em sua essência de fortes traços que
corroem os elementos fundantes do trabalho. Neste sentido, as condições de trabalho são de
extrema precarização nos dias atuais, em especial quando submetidos à lógica da
reestruturação produtiva, posta como saída para que o modo capitalista pudesse sobreviver,
assunto que será discutido no item seguinte.
3. A PRECARIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO CONTEXTO DA
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Vivencia-se nas últimas décadas, segundo Almeida e Alencar (2001),
sobretudo após a crise de 1970, uma brutal vulnerabilização da classe trabalhadora.
Conseqüência do modo de acumulação flexível, reflexo do esgotamento do modelo
fordista/keynesiano de produção e regulação do sistema capitalista.
Nesse contexto, evidencia-se o processo de (re) organização das forças
produtivas, que no atual estágio do capitalismo determinou um conjunto de mudanças na (re)
organização da produção material e nas modalidades de gestão e consumo da força de
trabalho, provocando impacto nas práticas sociais que intervêm no processo de reprodução
material e espiritual da força de trabalho.
Desse processo, decorre a ascensão do neoliberalismo3 e da reestruturação
4
produtiva , pautada em uma vertiginosa desagregação do mundo do trabalho, que expõe a
novo patamar de desemprego e de reprodução do trabalho em condições precárias, produzindo
novas formas de exclusão e desigualdade entre as classes sociais, sucumbidas por uma
expansiva insegurança do trabalho.
Nesta linha de raciocínio, Santos (2005) afirma que a força de trabalho sofre
as formas mais ativas e intensivas de precarização, por estar inserida no atual avanço
tecnológico provocado pela onda neoliberal, que tem o sentido estrito de aumentar a
produtividade do trabalho avistado pela ótica do acúmulo de riquezas.
Segundo Gomes e Costa (2008), a reestruturação produtiva atinge amplos
setores do trabalho, trazendo consigo diversas caracterizações e expressões da precarização do
trabalho. Esse quadro se reflete nas empresas e no sistema produtivo, uma vez que o
fortalecimento do sistema econômico se expressa sobre uma constante regressão social, que
se consubstancia na diminuição de postos de trabalho. Isso pode ser confirmado na reduzida
oferta de emprego em tempo parcial ou com durações eventuais, nas amplas limitações na
absorção das forças de trabalho, caracterizada por constantes irregularidades e instabilidades
ocupacionais, expressas no subemprego e, quando não no desemprego estrutural5
3
Para Kurahashi (2004), o neoliberalismo prega a omissão do Estado frente às relações econômico-sociais,
inserido a essa lógica se encontram as relações de trabalho, impregnando com esse movimento específico a
constante desregulamentação, tanto quanto possível, dos direitos trabalhistas, afim que as condições do emprego
sejam ditadas, basicamente, pelas leis do mercado, com a mínima interferência do Estado. Assim é possível
afirmar que no neoliberalismo na esfera trabalhista, não se exige a observação dos preceitos normativos,
inexistindo a maioria das normas de proteção ao trabalho, afrontando, brutalmente a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1948), que consagrou os princípios basilares da seguridade do ser humano na
realização de seu labor.
4
Almeida e Alencar (2001) afirmam que as mudanças ocorridas na organização da produção em conseqüência
da reestruturação produtiva têm comprometido todo um reordenamento da produção e acumulação do capital,
forçando o desdobramento no mundo do trabalho de diversas modificações nos processos de relações de
trabalho, uma vez que se tornou característico do seu desenvolvimento diversas inovações no sistema produtivo,
tal como as modalidades em que se assentam sua gestão, as formas como são consumidas e controladas a força
de trabalho.
5
Para Gomes e Costa (2008, p. 414), a gravidade da precarização e do desemprego, quando instalado, está na
tendência a se perpetuarem, dada à ausência de alternativas previsíveis. Passam a fazer parte da dinâmica de
erosão de uma modernidade que aponta para a desagregação da sociedade do trabalho [...]. Não cabe esperar que
acompanhado de períodos duradouros e sem perspectiva de inclusão por parte da força de
trabalho no mercado formal. Apresenta-se, portanto, grandes dificuldades de (re) inserção da
mão-de-obra não-qualificada, refletindo diretamente em decrescente rendimento e
investimentos nessa população que já se encontra em uma situação de vulnerabilidade sócioeconômica.
Ao se referir a Figueiras, Santos (2005) afirma que essa nova concepção
presente nas relações entre capital e trabalho circunscrito ao mercado de trabalho é provocada
pelo afluxo de um mercado regido pela lógica da flexibilidade das relações sócio-políticas em
direção ao fortalecimento de um sistema econômico impulsionado pela competitividade.
Nesta perspectiva, é possível afirmar que, em favor da acumulação flexível, produz-se um
movimento que a tudo e a todos flexibilizam. Assim,
[...] a flexibilidade deve ser alcançada em todas as esferas e dimensões da
acumulação: flexibilidade espacial, com derrubada das restrições de entrada
e saída, de capitais e mercadorias nos diversos países e regiões; flexibilidade
temporal, com a criação de novos e impressionantes meios de comunicação e
de produção de informações; flexibilidade de mão-de-obra, de acordo com as
flutuações quantitativas e qualitativas da demanda; flexibilidade financeira e
de comercialização; flexibilidade no uso e na contratação e dispensa de mãode-obra, com total desregulamentação do mercado de trabalho, de acordo
também com as variações da demanda; flexibilidade da jornada de trabalho e
da remuneração dos trabalhadores. Enfim, para o capital, total liberdade de
movimento, contratação e exploração da força de trabalho. (FILGUEIRAS,
apud SANTOS, 2005, p. 77 a 78).
Para Motta (1997), as mudanças em prol da flexibilização nos processos de
condicionamento do trabalho, alteram substancialmente as relações e condições que se postam
o trabalho. Os fundamentos estruturantes do trabalho protegido são constantemente
fragilizados, via desemprego, terceirização, precarização e debilidade dos vínculos formais de
trabalho. Essa mudança advinda da reestruturação da produção segue novas formas de
domínio do capital sobre o trabalho, tendo interesse pela pactuação de uma cultura racional
em projeções societárias, combinada com mudanças intencionais na esfera da produção
material e reprodução social dos interesses neoliberais em busca da estruturação de um
pragmatismo econômico6.
A este fato, Antunes (2000) defende que a acumulação e a produção flexível
se tornaram imprescindíveis à flexibilização dos trabalhadores, em que pese maior constância
na flexibilização dos direitos, de modo que possam dispor de uma força de trabalho que
atenda de todas as formas aos interesses e necessidades do mercado consumidor. Inseridos
nesse campo, a mercê das condições que se apresenta o mercado, trabalhadores temporários e
subcontratados unificados a uma política de racionalização cujo ponto central da produção se
a lógica do livre jogo das regras do mercado possibilite reabsorver essa população deslocada, à margem de
qualquer sistema previdenciário. Competitividade e rentabilidade não combinam com solidariedade e coesão
social. Enfrentar o acelerado crescimento de contingentes ocupacionais economicamente desnecessários e
supérfluos que ampliam as dimensões do desemprego estrutural, sem a menor chance de acesso ou reingresso a
posto de trabalho, sem espaço na vida econômica, é o maior desafio imposto pelo fenômeno da exclusão.
6
O pragmatismo econômico para Motta (1997), se expressa nos mecanismos que subordinam os processos
sociais (incluindo-se ai os projetos societários), as necessidades de ajustamentos e reformas que viabilizem a
reestruturação produtiva. Dentre as necessidades, a que se torna latente pelo capital como próprio da onda
neoliberal propiciado pela globalização, se situa na constante criação de mecanismos de subordinação do
trabalho à permissiva flexibilização da produção, com uma determinação sempre a suprimir qualquer vestígio de
conflito entre capital e trabalho.
flexibiliza produzindo extensamente com um reduzido número de trabalhadores, para
compensar o déficit de mão-de-obra, atividade que se da sob intenso emprego de horas extras.
Para Kurahashi (2004), a flexibilização permitiu a maleabilidade das leis
trabalhistas, de tal forma que se tornou um negócio de interesses, visto que os incisos VI, XIII
e XIV do Art. 7º, da CF7 são expressivos. Sendo assim, é possível afirmar que a autoregulamentação das relações de trabalho é expressão da flexibilização das normas, em
particular das trabalhistas, permitindo a redutibilidade salarial, jornada de trabalho extenuante,
banco de horas entre outras.
A terceirização da produção, segundo Motta (1997, p. 32), “ao mesmo
tempo em que determina a exclusão dos trabalhadores do trabalho socialmente protegido, cria
outras formas de inclusão na economia, que têm na insegurança e na desproteção do trabalho
as suas principais características”. Neste sentido, o trabalho coletivo apresenta-se sobre um
vasto estatuto trabalhista e reprodutivo, que tem na instabilidade e na precarização a razão de
sua existência.
Segundo Santos (2005), esse novo contexto de (re) composição do trabalho,
caracterizado por intensas transformações na forma de sua realização no ato da produção e na
forma de sua organização, repercutiu drasticamente na vida dos trabalhadores. A
materialidade e a subjetividade dos trabalhadores se restringiram à constância de valorização
do capital, de tal modo que a busca constante dos trabalhadores se dá na lógica do mercado,
sendo o fim de suas atividades, tendo que produzir sempre além de suas reais capacidades,
para assim atenderem à ordem consumista imposta pelo sistema capitalista.
De forma mais intensa, é possível afirmar a contundente existência da
exploração de muitos trabalhadores sob a lógica da reestruturação produtiva, propositada pela
desmedida precarização das condições de seu labor e do seu modo de vida. Neste sentido, no
próximo item, os esforços serão no sentido de refletir sobre esse fenômeno, a partir da
situação dos trabalhadores do corte de cana na produção agroindustrial canavieira, levando em
consideração a singularidade dessa problemática na sociedade brasileira.
4. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO CONTEXTO DA MONOCULTURA
CANAVIEIRA
O processo de trabalho na monocultura canavieira tem em seu cerne as
mesmas características que presidem o desenvolvimento do trabalho no mundo globalizado,
oscilando para uma constante que tornam intensivas e extensivas às condições de precarização
que se apresentam às formas de trabalho, carregando traços históricos particulares na
realidade dos perímetros brasileiros.
Para Iamamoto (2006), a desigualdade se expressa de forma ampla entre um
monstruoso desenvolvimento econômico das indústrias da cana estruturado sobre um mínimo
desenvolvimento social dos trabalhadores. Essa constante expansão das forças produtivas,
arregimentadas nas relações sociais de ordem capitalista, em que se emprega uma reprodução
ampliada da riqueza econômica em uma vertente, e, em contrapartida, reproduz-se também
uma ampliada desigualdade social, faz crescer, nessa mesma dinâmica, a pobreza. Tudo isso,
em decorrência de uma extrema centralização e concentração do capital sob a posse de
7
Conforme a CF, Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria
de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a
compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação
coletiva.
frações mínimas de capitalistas, que alijam do usufruto da riqueza sociamente produzidos
segmentos majoritários da sociedade, representados pela classe trabalhadora. Neste sentido,
O paradoxo do desenvolvimento desigual nesse ramo de produção pode ser
assim sintetizado: um dos setores de peso da produção capitalista
agroindustrial, fartamente acobertado por subsídios públicos na sustentação
da taxa média de lucro dos empreendimentos, recria um padrão de consumo
da força de trabalho fundado na desmedida extensão da jornada e em
mecanismos favorecedores de intensificação do trabalho, acompanhados da
precária observância dos direitos trabalhista e sociais reguladores das
relações de trabalho. Em outros termos, no processo de reprodução ampliada
do capital e na captura da renda fundiária, o usineiro utiliza-se, por um lado,
de processos modernos de produção, incorporando forças produtivas sociais
materializadas na ciência e tecnologia de bases biológicas, químicas e
mecânicas e de um padrão de organização do processo de trabalho assentado
em padrões taylorista e fordista de produção. Por outro lado, recorre a
formas despóticas de gestão da força de trabalho (Burowoy,1990) e à
recriação de mecanismos extra-econômicos de seu controle [...], evocando
similitudes com momentos iniciais da industrialização, tal como retratadas
no exemplo clássico inglês (Marx, 1985; Engels, 1975). Tais desigualdades
internas trazem para o processo de reprodução capitalista recente padrões de
consumo produtivo da força de trabalho agrícola e industrial que foram
dominantes em momentos pregressos da expansão capitalista,
redimensionando-os e atualizando-os, tornando o processo produtivo um
amálgama de temporalidade históricas distintas.(IAMAMOTO, 2006, p. 104
a 105)
As desigualdades são expressas, concretamente, em determinados fatos, pois
a mão-de-obra empregada pelo setor agroindustrial canavieiro, sobretudo no agrário, é
totalmente desqualificada. Muitos não possuem o mínimo de estudo e instrução para o
envolvimento na divisão sócio-técnica do trabalho, levando o empresariado, e muitos dos
cortadores de cana, a crerem que “o cortador de cana não passa de um cortador de cana, ele
não é outra coisa” (SILVA, 2004, p. 30). Ainda segundo o autor, uma das situações que
ocorre entre os trabalhadores do corte da cana que agrava suas condições de trabalho está no
modelo de contratação a que estão submetidos. São trabalhadores, em sua grande maioria
subcontratados, não possuindo sequer o registro formal de emprego. É comum a existência de
um simples contrato firmado entre as partes para o emprego delimitado em uma determinada
safra. Em outras situações, esses trabalhadores não contam com a mínima seguridade
trabalhista8 que lhes garantam, por exemplo, o seguro desemprego.
Iamamoto (2006) assegura que nesse ramo de produção prevalece um uso
predatório da força de trabalho, de forma que os trabalhadores desconhecem conquistas
democráticas fixadas em uma legislação que faça valer uma proteção legítima do trabalho. Tal
contexto é imposição mecânica dos usineiros, de forma a garantir uma taxa média de lucro
que colabore com seu enriquecimento. Frente aos processos particulares desse modo de
8
A referida seguridade ao qual o trabalho informal não lhes garante estão resguardado na Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943, aos quais regulam a duração do trabalho Artº 59, o
período de descanso Art º 66, 67 e 70, o direito a férias Art.º 129, 130, 134, 142, 143, 144 e 145, e pela Lei nº
5.889 de 8 de junho de 1973 em que institui as normas reguladoras dos trabalhadores rurais, especialmente em
seus artigos, 8, 9, 11 e 13, e sobretudo no que rege a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de
outubro de 1988, em que trata em seu artigo 7º dos direitos inerentes aos trabalhadores urbanos e rurais como
forma de garantir-lhes uma melhor condição social, previstos nos seus incisos I, II, III, IV, VII, VIII, X, XI, XII,
XIII, XV, XVI, XVII, VXIII, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII e XXXIII.
produção foram implementadas estratégias de constante flexibilização do emprego da força de
trabalho, aos quais os desgastes da produção são constantemente compensados na
desregulamentação de tudo que venha a valorizar e garantir direitos aos trabalhadores.
Para Silva (2004), é na etapa do corte da cana que se presencia uma superexploração do trabalhador, de modo que se articulam longas jornadas com uma maximização
intensiva do trabalho.Isso é verificado na medida em que a forma de salário se baseia na
quantidade de produção diária, ou seja, na quantidade diária de cana cortada9. Decorre desse
processo, a constante elevação média de produtividade, que atualmente está fixada acima de
dez toneladas10 de cana cortada por dia de trabalho. Inclui-se a essa soma o tempo de remoção
exigido para se chegar aos canaviais e o retorno a suas casas. Atinge-se a surpreendente marca
de doze a quatorze horas de dedicação do tempo de vida diária dos trabalhadores ao
atendimento dos interesses dos capitalistas. Nos períodos de safra, a maior parte do tempo
deixa de pertencer ao trabalhador, levando-o à restrição de seu relacionamento com outras
esferas da vida, qual sejam a familiar e a social.
O capital tem necessidade constante de imprimir uma intensidade crescente
ao trabalho nesse ramo de produção. Para Iamamoto (2006), em consonância com Marx, isso
significa um ampliado dispêndio das forças de trabalho no mesmo espaço de tempo, para
produzir mais, propiciando uma “recompensa” monetária proporcionada pelo capitalista aos
trabalhadores. Neste sentido, na constante busca de maior produtividade, os trabalhadores
devem atingir o limite máximo de resistência física, tendo como resultado o esgotamento das
energias, pelo desgaste do corpo que se traduz em constante cansaço.
Segundo matéria publicada por uma revista mensal de Saúde e Segurança do
11
Trabalho , em reportagem produzida por Auler (2008), para Antônio Lucas Filho, o
pagamento por produtividade imposto pelos usineiros tem como principal objetivo aumentar a
produção “às custas dos trabalhadores”. Desta forma, os trabalhadores, a fim de aumentar
suas rendas, tornam-se reféns da produtividade, de tal modo que extrapolam constantemente
os limites do próprio corpo, impondo ritmos de produtividade que reduz o período de sua vida
produtiva. Isso se expressa por enfermidade com seqüelas físicas12, como problemas de
coluna e nos membros superiores. Para aqueles que permanecem por períodos maiores, após
uma constante máxima de 12 safras, encontram-se imprestáveis para qualquer tipo de serviço
que exija atividades físicas. Neste sentido, os que conseguem atingir os patamares produtivos
exigidos pelas usinas se mantêm empregados por um tempo determinado. Por outro lado,
aqueles que não dispõem de condições físicas para continuar trabalhando passam a engrossar
9
Para Auler (2008), ao se referir a Scopinho, afirma que os trabalhadores cortadores de cana, vivem
constantemente sob pressão para atingir as metas propostas de toneladas de cana cortada ao dia, que hoje
ultrapassa as dez toneladas, tendo os cortadores que não conseguirem atingir as cotas estipuladas amplas
possibilidade de serem descartados pelas usinas. Ibidem p. 12.
10
Segundo Silva (2004), para o cortador de cana atingir a média de dez toneladas de cana cortada na diária, ele
tem que efetuar 9.700 golpes com o facão, tendo em conseqüência que realizar sua atividade com um alto ritmo e
intensidade, isso faz com que tenha um grande desgaste físico, tendo como seqüelas inúmeras disfunções físicas,
sendo entre elas, desde uma simples cãibra até um extremo de enfarte, podendo ocasionar seu óbito.
11
AULER, Sabrina. Produção de Etanol: Setor cresce, trabalhadores padecem. Revista Proteção. Rio Grande do
Sul. páginas 36 a 58. Nº 197, Maio/2008 – Ano XXI.
12
Mendonça e Melo (2008), referindo-se a Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), nos canaviais nos últimos tempos, ocorre uma explosão epidêmica, com elevação significada
dos auxílios-doença concedidos, que passaram de 100, em 2000, para 275, em 2005, isso sem incluir os que não
são notificados aos órgãos competentes, por se tratar de trabalhadores que não estão devidamente registrados em
sua atividade e como conseqüência não contribuem aos órgãos de seguridade e não tem o “direito” de usufruir
deste benefício, casos que marcam maioridade absoluta nesse ramo de produção. A este crescimento
característico em sua maioria são atribuídos como reflexo do aumento de casos de doenças osteomusculares, em
decorrência das longas jornadas de trabalho no corte da cana.
o exército de incapacitados para o mundo do trabalho, uma vez que o nível de instrução
desses trabalhadores não possibilita a inserção em outras atividades laborais.
Iamamoto (2006, p. 231), nesta linha de raciocínio, menciona que o
pagamento por produtividade passa a ser de interesse do próprio trabalhador, na medida em
que o mesmo passa a
[...] aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, como única
possibilidade de ampliar os seus rendimentos. Facilita ao patronato elevar o
grau normal de intensidade do trabalho, fazendo com que as diferenças
individuais de habilidade, energia, força, velocidade, persistência, sejam um
fator importante da definição do montante final do salário recebido. Do
mesmo modo, o trabalhador adere ao prolongamento da jornada, como meio
de elevar seu salário diário ou mensal.
A perversidade da lógica que articula o trabalho por produção e o
prolongamento da jornada de trabalho por parte do trabalhador estão no fato de que para
conseguir manter uma produtividade que lhes garanta os recursos necessários para sua
sobrevivência, há a necessidade de elevar constantemente sua produção, de modo a atender às
metas exigidas pelos usineiros. Neste aspecto, aproveita-se o máximo do tempo de trabalho,
mobilizando sua capacidade e recorrendo a vários recursos para este fim, dentre os quais a
redução do horário de descanso, incluindo o destinado às refeições, dando continuidade ao
trabalho, mesmo que tenha adquirido, eventualmente, pequenos ferimentos, ou esteja sentindo
dores. Isso exige um ritmo desenfreado de trabalho, indo muito além das médias socialmente
aceitáveis, não atendendo aos limites que suportam sua capacidade como seres humanos,
levando a fim a constante degradação de suas capacidades fisiológicas.
Dentro deste contexto, se encontra ainda as expressões singulares do
desenvolvimento técnico-cientificista proporcionado pela reestruturação produtiva, que no
advento da onda neoliberal, com todas as demarcações globais macro-econômicas
empreendidas pelos setores da economia para o mundo do trabalho, outorgou uma revolução
tecnológica como via de adquirir os maiores resultados com os menores custos na produção.
Sendo assim, a mecanização do corte de cana se tornou um dos novos baluartes em que se
assentam a modernização das usinas de açúcar e álcool, como forma de suprimir a mão de
obra empregada neste setor e, assim, reduzir ao máximo os custos advindo dessa forma de
emprego, mesmo que sendo parcos e insignificantes diante do faturamento total da empresa,
que por práticas viciosas não retribuem o montante justo laborado pelos trabalhadores.
Segundo Silva (2004), a mecanização do corte de cana apesar de estar em
pleno início no contexto brasileiro, com algumas exceções como no Estado de São Paulo13
que possui um montante de 30% mecanizado de todo seu território canavieiro14, é responsável
pela eliminação de milhares de trabalhadores manuais. Neste sentido, a situação de
vulnerabilidade e precarização dos cortadores de cana se agravam, pois são trabalhadores que
tiveram, e ainda têm seus direitos trabalhistas historicamente intermitentes. Somado a isso, há
13
Para Silva (2004), em nota, segundo a edição de 22 julho de 2002 do jornal a Folha de São Paulo, Folha de
Ribeirão. “Em 1990, havia na região vinte e seis usinas e dezesseis destilarias; sessenta mil trabalhadores eram
empregados no corte da cana; a produção era de 55,7 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e de 3,64 bilhões
de litro de álcool. Em 2002, há quarenta e uma usinas, trinta mil cortadores de cana e a produção de cana se
elevou para 80 milhões de toneladas e para 3,7 bilhões de litros de álcool.
14
Segundo Silva (2004), uma única máquina colhedeira tem a capacidade de colher setecentas toneladas por dia,
montante que corresponde à produção média de 100 homens. Há ainda segundo estimativas da ÚNICA (União
da Agroindústria Canavieira de São Paulo), uma expressão numérica de que para cada cem desempregados no
corte da cana, se abrem 12 novas vagas em funções especializadas, dentre elas a de condutores dessas máquinas,
pois as mesmas operam ininterruptamente às 24 horas do dia.
o processo de precarização implícito, visto que os trabalhadores não encontram ao menos o
registro formal de emprego, o que reflete de forma impactante nas demissões do processo de
trabalho, que em virtude desse contexto apregoa a inexistência dos direitos trabalhistas. Neste
contexto, Silva (2004, p. 31 a 32) afirma que:
O atual estágio, definido pelas máquinas colhedeiras, representa o momento
de um processo cuja história se caracteriza por várias forças antagônicas, a
saber: exclusão de boa parte dos trabalhadores; superexploração da força de
trabalho, aliada ao processo despótico de seu controle; acumulação
primitiva, através da tomada de terras para novas plantações de cana;
utilização das diversas áreas da ciência, como química, biologia, física,
mecânica e outras como força produtiva geral, além da informática e das
modernas formas de administração e recursos humanos [...]. A interação de
todos esses elementos verifica-se de maneira conflituosa, quer por
intermédio da resistência dos trabalhadores, quer pela própria concorrência
entre os diversos capitais, pela formação de lobbies dos usineiros para a
garantia dos privilégios no Congresso Nacional, ou mesmo pela pressão de
movimentos sociais contra queimadas ou a favor de reforma agrária nessa
região, mediante a defesa da propriedade da terra com finalidade social – e,
mais recentemente, pela ocupação de terras de usinas, situada na região, por
trabalhadores rurais excluídos.
No processo de estruturação dinâmica do desenvolvimento econômico
canavieiro, é possível perceber a tipificação dos traços da lógica capitalista em toda sua
complexidade, visto que um contingente gigantesco de miseráveis marcados pela
vulnerabilidade, mantém sua vida “suspensa por um fio”, lutam constantemente para evitar a
queda no fosso do desemprego (des) estrutural. Em contrapartida, com seu ritmo frenético no
corte da cana, produz o esvaziamento de sua personalidade e de toda humanidade, criando
riqueza para um minúsculo contingente proprietário dos meios de produção, e uma pobreza
(des) estrutural para todo o resto da população.
Esta realidade se faz presente na vida dos cortadores da cana-de-açúcar do
município de São João do Ivaí. Nesta perspectiva, o presente trabalho aponta a precarização
das condições de trabalho em que estão submetidos esses trabalhadores rurais. Sendo assim, a
pesquisa teve por objetivo identificar como se expressa a precarização das condições de
trabalho dos cortadores de cana do Bairro Santa Terezinha (habitado em sua grande maioria
por cortadores de cana) do município de São João do Ivaí, cidade localizada na região Norte
do Paraná. A metodologia da pesquisa adotada fundamentou-se na abordagem qualitativa,
utilizando a técnica da entrevista semi-estruturada para coleta de dados. Na interpretação dos
dados foi utilizada a análise de conteúdo. Para a seleção dos entrevistados levou-se em conta
aquele trabalhador que está a mais tempo nesta atividade, contemplado trabalhadores do sexo
masculino e feminino.
A partir da pesquisa constatou-se que é presente a precarização das
condições de trabalho para os trabalhadores que dependem desta atividade produtiva. Ficou
evidente a percepção dos danos causados às suas vidas, em diretivas que lesionam a
capacidade psicológica em um primeiro plano, desdobrando na deterioração física em um
segundo, devido à realização do trabalho na ordem em que são obrigados a executarem.
Tendo ainda como se não bastasse, uma recompensa que está muito aquém de suas
expectativas diante das forças desempenhadas para exercer suas funções. Isso significa dizer
que a mais valia é absoluta, e a renda destes trabalhadores não satisfaz as necessidades de sua
subsistência.
Nota-se que as condições de trabalho a que estão submetidos os cortadores
de cana convergem nas afluências dos esforços a que são obrigados a despender para atender
às necessidades da empresa, uma recompensa que não atinge um mínimo da reposição das
energias, para o posterior dia de trabalho. Neste sentido, desconsidera-se a condição de seres
humanos portadores de potencialidades e de necessidades, não oferecendo condições para que
os mesmo possam realizar suas tarefas com o mínimo de possibilidade de que necessita um
ser humano. Prova disso é o curto prazo de tempo que os trabalhadores dispõem para o
repouso.
Com a pesquisa percebeu-se que além do sofrimento vivido no dia-a-dia, os
trabalhadores têm a preocupação de se prepararem para enfrentar as duras jornadas de
trabalho, na media em que precisam preservar seus empregos. Do contrário não terão de onde
tirar suas rendas, pelo simples fato de não ter outra oportunidade que contemple seu nível de
instrução. Diante do não atendimento dos interesses da empresa, o trabalhador é descartado e
passa a se encontrar em uma situação de precariedade ainda maior.
As condições de saúde dos que exercem o trabalho no corte de cana são
afetadas de diversas formas. Como se pode constatar, uma das primeiras percepções da
intensiva precarização das condições do trabalho são os males causados para a saúde em
referência a forma de como se realiza seu labor. A partir da pesquisa, nota-se as
transformações sentidas e sofridas, do período anterior a estarem inseridos no corte da cana e
sua posterior inserção. Mesmo com o diagnóstico de uma potencial doença derivada da forma
como realiza seu trabalho, exigem a sua continuidade e permanência na realização desta
atividade, mesmo porque não há alternativa para esses seres humanos.
Outra questão identificada pela pesquisa, e, que demonstra o grau de
precarização desse trabalho, é a forma de pagamento dos cortadores de cana. Essa se restringe
ao quanto de cana são capazes de cortar, levando em consideração uma média mínima
imposta pela usina ao conjunto dos trabalhadores. Tal média já exige o excesso de trabalho, e,
por fim, leva ao comprometimento da saúde dos trabalhadores. A exploração se intensifica na
medida em que o trabalhador está ameaçado pelo não cumprimento das metas. Isso significa
que o esforço despendido é enorme, porém o salário é pequeno, a ponto de não satisfazer às
necessidades básicas.
Em outra vertente averiguou-se que os incentivos oferecidos pela usina nem
ao menos provocam motivação para que trabalhem e almejem sua conquista. Tais incentivos
servem como estratégia para imprimir uma rigorosa disciplina aos cortadores de cana. Em sua
labuta diária, lhe oferecem um incentivo complementar, que se constitui em uma extenuante
produção representada por uma quantia que em muito ultrapassa as condições médias
suportáveis da preservação de suas capacidades, não admitindo uma única falta no mês inteiro
de trabalho, mesmo que esta seja justificada com o atestado médico. Isso leva a constatar o
total desalento das usinas no que se refere à saúde do trabalhador.
Em virtude do tempo que os trabalhadores dedicam ao trabalho, percebeu-se
a dificuldade no que diz respeito ao relacionamento com outras esferas que não seja a do
trabalho, pois a sua participação, na comunidade, na política, na sociedade e na família fica
relegada a um segundo plano. Neste aspecto, o trabalhador dedica parte significativa do seu
tempo exclusivamente para o trabalho. Isso pode ser comprovado uma vez que os
trabalhadores do município de São João do Ivaí, tem que se locomoverem a longas distâncias
para trabalhar. O deslocamento até o local de trabalho e o posterior retorno aos seus lares têm
inviabilizado outras relações sociais que não estão diretamente relacionadas com as atividades
do trabalho. Assim, ficam prejudicados seus relacionamentos com a família, com a
comunidade, com as instituições políticas que deliberam seu bairro, sua cidade e os fatos que
dizem respeito à sua vida particular
É total o descaso com a proteção aos cortadores de cana, na medida em que
o resultado da pesquisa denuncia a omissão por partes dos órgãos públicos que deveriam zelar
pelos direitos trabalhistas. Mesmo diante da constante precarização de suas condições de
trabalho, o trabalhador não tem sido amparado pela legislação por falta de uma fiscalização
efetiva. Para agravar ainda mais a situação, verifica-se a ausência do sindicato que representa
a categoria, em defender as reivindicações e demandas postas pelos cortadores de cana. Com
isso, aumenta a liberdade para que as usinas empreguem de acordo com sua vontade,
usurpando ao extremo do trabalhador. A ausência do poder público na fiscalização das
condições de trabalho tem legitimado ainda mais a precarização das condições de trabalho,
propiciando a desvalorização dos trabalhadores. Mais do que isso a legislação deixa de ser
cumprida, ficando os empresários com a possibilidade de regular as relações de trabalho.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da sociedade capitalista, estruturou-se o trabalho em
condições aviltantes para o homem que o realiza, em que pese aqueles detentores única e
exclusivamente de sua força de trabalho, como forma de garantir os elementos essenciais para
a sua sobrevivência. No desenvolvimento histórico-social da humanidade, a partir da
sociedade capitalista. Fez-se do trabalho o paradoxo central para as duas classes hegemônicas
reprodutoras no seu seio, de forma que ao mesmo espaço de tempo, a estrutura da sociedade
em questão se mostrou enriquecedora para a classe proprietária dos meios de produção, e, por
outro lado, significou a miséria e a pobreza da classe trabalhadora.
A exploração de uma classe sobre a outra é exacerbada principalmente a
partir da década de 1970, com o processo de reestruturação produtiva e a (re) implantação
expansiva do liberalismo como sistema primordial da regulação econômica. Tal período foi
marcado pela intensificação da exploração do trabalhador em virtude da crise em que se
encontrava o capital.
Neste contexto, a monocultura canavieira, elemento de estudo desta
pesquisa, merece destaque diante dos seus traços particulares no que diz respeito ao fenômeno
da precarização das condições em que se coloca o trabalho nesta atividade produtiva. Sua
maior consonância fica patente aos trabalhadores que realizam o corte da cana-de-açúcar,
diante das péssimas condições de trabalho a que estão submetidos os referidos trabalhadores.
Diante do reconhecimento por parte dos próprios trabalhadores das precárias
condições de trabalho a que estão submetidos, das injustiças que fazem parte do seu cotidiano,
é fundamental a organização destes trabalhadores a partir de sindicatos a fim de exigirem
melhores condições de trabalho. Porém, tal precarização tem-se naturalizado, ficando os
trabalhadores destituídos de práticas realmente contestadoras da estrutura do sistema a que
estão submetidos.
Tal situação deixa clara a lógica capitalista, na medida em que os lucros são
privilegiados, em detrimento da degradação do ser humano. O modelo agroexportador que
garante o privilégio de uma minoria sobrevive graças à exploração de inúmeros trabalhadores,
que totalmente desprotegidos se submetem a este modelo perverso.
A superação de tal situação exige a luta coletiva por parte dos trabalhadores,
a partir de uma organização política consistente, capaz de exigir melhores condições de
trabalho e garantia de direitos previstos na legislação vigente. Isso implica também, na
presença do poder público, que a partir do Ministério do Trabalho, deve empreender ações
continuadas para preservar e efetivar os direitos trabalhistas.
Diante do processo de reestruturação produtiva, a classe trabalhadora se
encontra fragilizada. Porém, a reação deve ser imediata, a fim de que a regulação das relações
de trabalho não fique por conta do mercado. Fica claro que o Estado tem um papel
fundamental, na medida em que deve coibir toda e qualquer condição desumana de trabalho.
Porém, é preciso vontade política para reduzir as mais diversas formas de precarização das
condições de trabalho, exigindo dos empregadores o cumprimento de suas obrigações.
Enfrentar a lógica perversa do capital deve fazer parte da agenda de luta de
todos os trabalhadores. Porém, de maneira especial é fundamental ações que possam eliminar
a precária condição de trabalho dos cortadores de cana, uma vez que os mesmos têm
entregado suas vidas para atender aos privilégios dos usineiros. Neste sentido, tomamos como
pressuposto de referência central no enfretamento para a superação das condições dadas às
massas, a proposição Vasapollo (2005, p. 107), que percebe a necessidade da classe
trabalhadora se sentir pertencente a uma coletividade, ao afirma que:
O traço distintivo do trabalhador precarizado e difuso é dado por sua
dificuldade em considerar-se como sujeito coletivo e, então, como sujeito
capaz de exigir direitos e dignidade. Essa condição, dada sua materialidade,
traz dificuldades não apenas de organização, mas também limita sua
constituição como sujeito. Surge, então, a necessidade de elaboração de um
caminho ou de caminhos de organização que possam romper com a jaula do
individualismo e que ofereça instrumentos coletivos.
Sendo assim, o presente trabalho buscou ampliar as reflexões sobre a
precária condição a que estão submetidos os cortadores de cana, e, ao mesmo tempo procura
instigar o aprofundamento desse debate como forma de tornar ainda mais explícita esta
realidade. Mais do que isso, mostrar que é fundamental despertar consciências para resistir ao
modo capitalista de produção, que degrada e destrói o ser humano em suas capacidades
ontológicas.
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