Pº R.Co. 15/2010 SJC-CT
Recorrente: A…, SGPS, S.A.
Recorrida: Conservatória do Registo Comercial ….
Registo a qualificar: Alteração parcial, requisitado pela Ap. 43, de ……..
Relatório:
A. Pela Ap. 43 de …… foi requisitado na Conservatória recorrida o registo de
alteração parcial do contrato da sociedade recorrente, instruído com cópia da acta nº 5
da assembleia geral de 17.05.2010 e com cópia do pacto social actualizado.
A deliberação social tem como conteúdo a alteração do art. 4º do contrato social,
para dizer que o capital social, integralmente realizado, é de vinte e cinco milhões,
seiscentos e quarenta e um mil, quatrocentos e cinquenta e nove euros e está
representado por duzentas e cinco milhões, cento e trinta e uma mil, seiscentas e
setenta e duas acções do valor nominal de doze cêntimos e meio cada uma 1.
.
Por despacho de 31.05.2010
2
foi exarado no respectivo procedimento registal
despacho de qualificação do pedido de registo como provisório por dúvidas, com a
seguinte fundamentação:
«A introdução do euro implica o arredondamento dos montantes pecuniários,
sendo as regras de arredondamento consignadas no art. 5º do Regulamento nº 1103/97
CE. O resultado deve ser arredondado para o cêntimo superior se se situar exactamente
a meio ou acima do meio – art. 3º do Dec.Lei 138/98. O valor nominal das acções nunca
poderá ser uma fracção do cêntimo. Assim, não poderá ser atribuído o valor de 0,125 €.
1
- Antes, o capital social, do mesmo montante, estava representado por 102 565 836 acções do valor nominal
de 0,25 € cada.
2
- Antes, mais precisamente por email de 21.05.2010, o «apresentante» foi convidado a “suprir a deficiência”
nos termos do art. 52º, nº 2, do CRCom.
1
Ou se arredonda para o cêntimo seguinte e ficará 0,13 € ou se atribui qualquer outro
valor expresso em cêntimos. O meio cêntimo não existe».
B. Do despacho de qualificação foi interposto recurso hierárquico em …….(Ap. 42)
em douta petição onde, a final, foram formuladas as seguintes conclusões:
«1. A introdução do euro tornou necessário estabelecer a relação de paridade
entre as diferentes moedas nacionais e o euro.
2. Isso levou a cálculos complexos donde resultou que várias moedas vissem o
seu valor por relação ao euro fixar-se numa cifra contendo várias casas decimais.
3. Quando fosse o caso de pôr a máquina a trabalhar, efectuando pagamentos e
contabilizando valores, uma pura conversão matemática das moedas nacionais em euros
conduziria a números díspares e disparatados no seu excessivo fraccionamento, levando
o marasmo à vida económica e financeira.
4. Daí ter-se tornado imperioso estabelecer, para a conversão das moedas
nacionais em euros, a regra do arredondamento.
5. Esse o limitado âmbito – normativo e temporal – em que se inscrevem o art. 5º
do Regulamento nº 1103/97 CE e o art. 3º do D.L. nº 138/98, não visando eles
estabelecer qualquer princípio geral de arredondamento aplicável às demais situações de
vida.
6. Não há assim qualquer obstáculo, de direito comunitário ou nacional, à
expressão do valor nominal das acções numa cifra contendo fracções do cêntimo.
7. Isso prova-o, quanto ao direito comunitário, o elenco de sociedades referidas
no corpo destas alegações [3] e sediadas na zona euro, que adoptam como valor nominal
das suas acções uma cifra contendo fracções do cêntimo.
8. Quanto a Portugal, idêntico procedimento foi adoptado num empréstimo
obrigacionista referido supra
4
e é adoptado na cotação das acções em bolsa,
designadamente na Euronext Lisbon.
9. Em sede mais ampla do que a das acções, mas sempre a provar que não há um
princípio geral de arredondamento inscrito no ordenamento jurídico português, temos o
caso de vários preços oficiais (p. ex. combustíveis) regulados em cifras contendo mais do
que duas casas decimais, bem como o de inúmeros diplomas legais fazendo referência a
valores em euros contendo fracções do cêntimo.
3
- Por exemplo, a italiana Recordati SPA, cujo capital social é representado por acções com o valor nominal de
0,125 cada (cfr. http://www.recordati.it/rec_en/investors/share/).
4
- Empréstimo obrigacionista contraído pela Reditus SGPS, S.A., cujos títulos têm o valor nominal de 0,0007143
2
10. Não sendo proibida a expressão do valor nominal das acções contendo
fracções do cêntimo, temos que ela é lícita.
11. E, para além de lícita, só ela – a possibilidade de cifrar bens e valores em
quantias contendo fracções do cêntimo – dá resposta a necessidades da vida económica
e financeira, “maxime” quando for o caso de cifrar bens ou valores susceptíveis de serem
transaccionados ou contabilizados em grandes lotes (caso típico dos combustíveis e das
acções).
12. Se aí se fosse forçado a arredondar para o cêntimo por unidade – no limite,
meio cêntimo por unidade -, isso conduziria a distorções astronómicas no valor global do
lote.
13. Dadas as inegáveis vantagens do fraccionamento e a inexistência de
obstáculos legais ao mesmo é que entidades altamente especializadas como a CMVM, a
Euronext Lisbon e a Interbolsa foram unânimes em sufragar a posição da recorrente na
matéria.
14. O simbolismo e a relevância do valor nominal das acções enquanto referência
estruturante entraram hoje em franco declínio, com a possibilidade da criação de acções
sem valor nominal recentemente introduzida pelo D.L. 49/2010 de 19 de Maio» 5.
C. A Senhora Conservadora recorrida exarou douto despacho de sustentação da
qualificação impugnada, com a seguinte fundamentação:
«(…)
7- O valor nominal de um título é o seu valor facial, o valor expresso no título.
Não é necessariamente o valor pago ou recebido por ele.
8- O valor nominal de uma acção representativa do capital nada tem a ver com o
valor de mercado de uma acção, ou seja, o preço que os investidores pagam para
comprá-la na bolsa de valores.
9- O valor atribuído às acções nos mercados de valores mobiliários é um valor que
traduz uma “matemática financeira” que não tem correspondência com a definição
jurídica desses títulos.
10- O valor nominal da parte, quota ou das acções não pode exceder o valor da
sua entrada, como tal se considerando a respectiva importância em dinheiro ou o valor
atribuído aos bens pelo relatório do ROC – art. 25º nº 1 do CSC.
5
- A petição de recurso foi instruída com uma declaração do BPI de 30.06.2010, o qual, na qualidade de
intermediário financeiro responsável pela assessoria à ora recorrente na operação de renominalização do
respectivo capital social, considera admissível a adopção de um valor nominal (das acções) com três casas
decimais, tendo também sido essa a posição manifestada pela CMVM, pela Euronext Lisbon e pela Interbolsa,
para o efeito consultadas pelo BPI.
3
Esta importância é uma importância em euros e portanto não pode conter valores
que não tenham correspondência na moeda nacional corrente, e não pode ser inferior a
um cêntimo – art. 276º nº 3 do CSC.
11- O art. 14º do CSC dispõe que o montante do capital social deve ser sempre e
apenas expresso em moeda em curso legal em Portugal.
A acção é um título transaccionável e como tal está sujeito à legislação nacional
no que respeita ao valor que lhe é atribuído. As acções traduzem uma realidade
económica susceptível de avaliação pecuniária.
12- Com a introdução do euro foi necessário estabelecer relativamente a valores
mobiliários as normas que possibilitariam a sua redenominação em euros, por aplicação
das taxas de conversão fixadas no Regulamento CE nº 2866/98 do Conselho. Para a
redenominação automática em euros de acções, optou-se por aplicar a taxa de conversão
fixada no art. 1º do Regulamento CE nº 2866/98 a cada título representativo do capital,
seguida de arredondamento ao cêntimo mais próximo, nos termos do art. 5º do
Regulamento CE nº 1103/97 do Conselho, aplicável por remissão do art. 14º do
Regulamento CE nº 974/98 – ver art. 2º e 4º do DL nº 339-A/2001 de 28 de Dezembro e
o preâmbulo deste Decreto-Lei.
13- O conceito de redenominação é a expressão dos valores mobiliários em euros.
De acordo com a definição dada no DL nº 343/98, esta consiste na alteração para euros
da unidade monetária em que se expressa o valor nominal de valores mobiliários. A
regra geral de arredondamento a adoptar, quer para cálculos resultantes de conversões,
quer para cálculos efectuados em euros, será a regra estabelecida pelo Regulamento CE
nº 1103/97 de 17/6.
14- A fracção do cêntimo não existe como unidade ou subunidade monetária, não
tendo, por isso, correspondência na moeda corrente em Portugal, constituindo a adopção
de tal valor um desrespeito pela legislação vigente.
15- Quanto aos exemplos citados, de sociedades com sede noutros países cujas
acções têm um valor nominal correspondente a fracções inferiores ao cêntimo, são
exemplos não comprovados documentalmente, sem citação dos diplomas legais que as
justifiquem e onde estão publicados, sendo certo que, se nesses países decidiram como
refere a recorrente, então, com o devido respeito, ou a lei é diferente ou a interpretaram
incorrectamente.
16- Sugere a recorrente que a conservadora signatária “não deverá ter medo de
inovar”. Acontece que no exercício da sua função o conservador está sujeito ao princípio
da legalidade – art. 47º do CRC -, e no caso em apreço não existe lacuna que possa ser
preenchida nos termos do disposto no art. 10º do Código Civil.
4
17- Refiro, por último, que o DL nº 49/2010 que permite a existência de acções
sem valor nominal entrou em vigor após o pedido do presente registo e não colide em
nada com o que atrás vem alegado, pelo que, relativamente a acções com valor nominal
atribuído deverá respeitar-se a legislação já existente.
18- Por último, resta-me referir que o campo correspondente ao valor nominal das
acções de uma sociedade anónima que o sistema informático SIRCOM obriga a preencher
na elaboração e confirmação do registo pedido, não aceita o valor introduzido, obrigando,
também este sistema informático, ao arredondamento do valor atribuído».
Saneamento:
O processo é o próprio, as partes legítimas, a recorrente está devidamente
representada, o recurso é tempestivo, e inexistem questões prévias ou prejudiciais que
obstem ao conhecimento do mérito.
Pronúncia:
1- Apreciação preliminar do pedido de registo e da respectiva qualificação registal.
Como resulta do Relatório, o pedido de registo traduz-se na alteração da cláusula
do contrato social que versa sobre o capital social e a sua representação, e tem como
título (fundamento jurídico) uma deliberação social.
A deliberação social procedeu à reformulação da representação do capital social,
passando este a ser representado pelo dobro das acções que anteriormente tinham sido
emitidas.
No respectivo procedimento registal, a Senhora Conservadora começou por abrir
um sub-procedimento de suprimento de deficiências nos termos do disposto no art. 52º,
nº 2, do CRCom, e acabou por qualificar o pedido de registo como provisório por dúvidas.
O que nos permite concluir que, na tese da recorrida, o procedimento registal enferma de
deficiências que não constituem motivo de recusa do registo peticionado nos termos das
alíneas c) a e) do nº 1 do art. 48º do CRCom. Portanto, no entendimento da ora
recorrida as “dúvidas” que determinaram o registo efectuado (provisoriamente) serão
removíveis (embora o despacho de qualificação seja omisso quanto ao modo de
remoção).
5
Salvo o devido respeito, temos dificuldade em compreender a posição da Senhora
Conservadora recorrida. Na verdade, para quem entenda que o valor nominal das acções
tem que ser expresso, em euros, numa cifra que não contenha fracção do cêntimo 6, a
deliberação social que fixe às acções da sociedade um valor nominal expresso numa cifra
que contenha fracção do cêntimo será manifestamente nula porque ofensiva de preceitos
legais que não podem ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios [cfr.
art. 56º, nº 1, d), do CSC] 7, e então o registo do facto deveria ser recusado [cfr. art.
48º, nº 1, d), do CRCom].
É certo que, como acima referimos, a Senhora Conservadora não se pronunciou
sobre o modo de remover as dúvidas suscitadas, pelo que sempre teremos de admitir
que na sua mente exista a possibilidade de a sociedade praticar acto, com efeito
retroactivo, convalidante da citada deliberação social de 17.05.2010. Porém, pela nossa
parte não vemos que isso fosse legalmente possível. Como refere a recorrente na p.r., se
a sociedade persistisse na vontade em duplicar o número de acções representativas do
seu capital social e tivesse que arredondar o valor nominal das acções nos termos
exigidos pela recorrida, então teria que aumentar o capital social por novas entradas, em
dinheiro ou em espécie, no montante de 1 025 658, 36 € (meio cêntimo por acção) 8.
Ora, nós não vemos como fosse possível que este aumento de capital adquirisse eficácia
interna em data anterior à própria deliberação do aumento, de modo a convalidar a
deliberação de 17.05.2010 e a opor a terceiros esta deliberação a partir da data do seu
registo provisório (18.05.2010) 9.
Em face do exposto, somos de opinião que o fundamento invocado no despacho
de qualificação demandaria a recusa e não a feitura do registo provisoriamente por
dúvidas.
6
- Sobre o curso legal e o poder liberatório das várias espécies monetárias (em euros) admitidas, cfr. Decisão
do Banco Central Europeu de 7.7.1998, in JOCE, L 8, de 14.1.1999, págs. 36 e segs., alterada pela Decisão do
BCE de 26.8.1999 e republicada em JOCE, L 258, de 5.9.1999, pág. 29, e o Regulamento nº 975/98 do
Conselho, de 3.5.1998, in JOCE, L 139, de 11.5.1998, págs. 6 e segs.
7
- Não importa agora averiguar quais as normas que na tese da recorrida terão sido violadas pela deliberação
social objecto imediato do registo peticionado.
8
- A sociedade passaria, então, a ter o capital social no valor nominal de 26 667 117,36 €, sem dúvida legal
(mesmo na tese da recorrida – cfr. art. 276º, nº 3, do CSC) mas talvez pouco estético.
9
- Partimos do pressuposto que o aumento do capital social, nos termos considerados no texto, seria a única via
para satisfazer a exigência da recorrida.
6
2- O valor nominal das acções das sociedades anónimas.
Se bem ajuizamos, a questão colocada nos autos consiste em saber se o valor
nominal das acções deve ser expresso em espécie (unidade ou subunidade) da moeda
com curso legal em Portugal (euro) que seja legalmente admitida (euro e/ou cêntimo).
É a esta questão que, com os parcos conhecimentos de que dispomos, vamos
tentar responder.
2.1- Nas sociedades anónimas, o capital é dividido em acções (art. 271º, nº 1,
CSC), e quer o capital quer as acções possuem uma necessária expressão nominal (art.
276º, nº 1, CSC) que deve constar dos estatutos [art. 9º, nº 1, f), e 272º, a), ambos do
CSC]
10
.
Como ensina Osório de Castro
11
, segundo a doutrina tradicional a acção tem um
tríplice significado: a posição de sócio, uma fracção do capital e o «documento
representativo da posição de socialidade: a acção – posição de socialidade, se não
assumir forma meramente escritural, pode ser incorporada num título de crédito, com o
mesmo nomen iuris».
No caso dos autos, é a acção com o significado de fracção do capital que nos
interessa. M.J. Almeida Costa / Evaristo Mendes
12
, depois de referirem que as
acções representam, simultaneamente, fracções ou unidades de valor e unidades de
participação social, ensinam que «a atribuição do valor da sociedade aos accionistas
efectiva-se através das acções (…), em que sobressaem o direito a receber um quinhão
dos lucros (…), o direito ao contravalor das acções que venham a ser amortizadas
compulsivamente (…), e o chamado direito à quota de liquidação (…)».
2.2- Sendo a acção, num certo sentido, fracção do capital, importa sublinhar que
aqui o capital social é considerado na sua vertente formal, enquanto elemento do pacto
(contrato ou estatuto) que se consubstancia numa cifra estável, representativa da soma
10
- Desconsideramos por ora a alteração introduzida à al. a) do art. 272º do CSC pelo D.L. nº 49/2010, de 19
de Maio.
11
- In Valores Mobiliários – Conceito e Espécies, 2ª ed., 1998, págs. 78/79.
12
- “Transmissão de acções tituladas nominativas”, in R.L.J. Ano 139º nº 3959, págs. 66 e segs.
7
dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em bens (dinheiro
e/ou espécie)13.
Visando o capital social nesta acepção formal, o art. 14º do CSC diz-nos que o
montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso
legal em Portugal. Como refere Pinto Furtado
14
«a locução “sempre e apenas” pretende
excluir a opção de uma referência conjunta a outra moeda, além da com curso legal –
mas temos agora de atender à adaptação ao euro, operada através do Decreto-Lei nº
343/98, de 6 de Novembro».
2.3- Repisamos que o capital social é uma mera cifra, um puro nomen iuris, um
número ideal e abstracto
15
.
No momento da constituição da sociedade, por regra, o montante do capital social
corresponde à soma dos valores das entradas dos sócios
16
. A entrada corresponde «a
toda a contribuição patrimonial que o sócio se obriga a realizar e a entregar à sociedade
como contraprestação das participações sociais que subscreve»
17
. Esta contribuição
patrimonial traduz-se em dinheiro ou em (outros) bens susceptíveis de penhora que
devem ter expressão (em euros, moeda com curso legal no País – art. 550º, CC) numa
das espécies legalmente admitidas (supra, nota 6). Do que resulta que no momento da
constituição da sociedade será dificilmente configurável a hipótese de o capital social
13
- Cfr. Paulo de Tarso Domingues, Do Capital Social – Noção, Princípios e Funções, in STVDIA IVRIDICA nº
33, 1998, pág.50, e in Variações sobre o Capital Social, 2009, pág. 48.
Segundo o mesmo Autor (In Do Capital …, pág. 51, e in Variações …, pág. 54), «o capital social real é, pois, a
quantidade ou montante de bens de que a sociedade não pode dispor a favor dos sócios, uma vez que se
destinam a cobrir o valor do capital social nominal inscrito no lado direito do balanço».
14
- In Comentário ao Código das Sociedades Comerciais – Artigos 1º a 19º, 2009, pág. 421.
15
- Cfr. Paulo de Tarso Domingues, in Variações …, pág. 36. Daí que o capital social, ao contrário da
participação social – quota ou acção -, seja impenhorável (Autor e ob. citados, págs. 33/34, nota 62, e pág. 36,
nota 74).
16
- Dizemos por regra porque, como ensina Paulo de Tarso Domingues, in Variações …, pág. 174, «a entrada
abrange, não apenas os bens entregues pelo sócio cujo valor corresponde ao valor nominal das participações
sociais que subscreve, mas também, e para além do mais, o valor excedente que o sócio tem de desembolsar
para as adquirir, ou seja, a entrada – e o regime que lhe é aplicável – compreende e abrange também o ágio
ou prémio de emissão (vide artigo 295º, nº 3, al. a) CSC)».
17
- Cfr. Paulo de Tarso Domingues, in Variações …, pág. 174.
8
nominal não ser expresso em espécie monetária legalmente admitida, pelo que quer o
valor nominal do capital social quer o valor nominal das respectivas participações sociais
em que o mesmo se encontra dividido
18
são expressos em espécie monetária legalmente
admitida.
Constituída a sociedade, são a nosso ver perfeitamente configuráveis situações
em que a alteração do valor nominal do capital social das SA pode dar origem a acções
com valor nominal expresso em espécie monetária (obviamente do euro) não legalmente
admitida, concretamente acções com valor nominal que termine em fracção do cêntimo.
Consideremos um aumento de capital gratuito (por incorporação de reservas) em
SA, com aumento do valor nominal das acções existentes. É perfeitamente concebível
que do valor do aumento dividido pelas acções existentes resulte um quociente com
fracção de cêntimo.
Pergunta-se: não poderão os sócios deliberar este aumento? Estão os sócios
vinculados a proceder a um «ajustamento»
18
19
, através de deliberação de aumento de
- Como é consabido, até ao citado D.L. nº 49/2010 consagrou-se entre nós um sistema de par value ou
nominal value: as participações sociais devem necessariamente ter um valor nominal [cfr., para as Sociedades
por Quotas (SQ), art. 219º, nº 3, e, para as Sociedades Anónimas (SA), art. 272º, a), CSC], não significando
isto que o valor da participação social tenha necessariamente que corresponder ao valor da entrada. Mas, em
atenção aos interesses dos terceiros e dos próprios sócios, «o valor nominal da participação social não pode ser
superior ao valor real da contribuição do sócio, i.é, não pode, em caso algum, ser superior à importância em
dinheiro com que cada sócio entra para a sociedade, ou ao valor venal dos bens, ditos em espécie, que
constituem o apport desse mesmo sócio (cfr. art. 25º CSC)» (cfr. Paulo de Tarso Domingues, in Variações …,
págs. 176/177).
19
- O art. 14º do CSC dizia, na sua redacção inicial, que o capital social devia ser necessariamente expresso em
escudos. Com a introdução da moeda única europeia, aquele artigo foi alterado pelo art. 3º do D.L. nº 343/98,
de 6 de Novembro, para dizer que o montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda
com curso legal em Portugal.
No «período de transição», com início em 1 de Janeiro de 1999 e término em 31 de Dezembro de 2001 (cfr.
art. 1º do Regulamento nº 974/98 do Conselho, de 3.5.1998, in JOCE, L 139, de 11.5.1998, pág. 1 e segs.), as
entidades emitentes de valores mobiliários [onde indiscutivelmente se incluem as acções – cfr. art. 3º, nº 1, a),
do CodMVM aprovado pelo D.L. nº 142-A/91, de 10 de Abril, e art. 1º, a), do CVM aprovado pelo D.L. nº
486/99, de 13 de Novembro] puderam proceder à redenominação destes, onde se previa um ajustamento do
diferencial resultante da conversão do capital social (à taxa fixada no art. 1º do Regulamento nº 2866/98 do
Conselho, de 31.12.1998, in JOCE, L 359, de 31.12.1998, págs. 1 e segs,) e da redenominação das acções
através do método padrão [cfr. art.s 13º, nº 2, 14º, nº 1, e 17º, nº 1, a) e b), do citado D.L. nº 343/98].
Após o «período de transição», os valores mobiliários (ainda) denominados em escudos consideram-se
(automaticamente) redenominados em euros, nos termos do disposto no nº 3 do art. 14º do citado D.L. nº
343/98, de acordo com a taxa de conversão fixada no citado art. 1º do Regulamento (CE) nº 2866/98, com o
arredondamento, por excesso ou por defeito, para o cêntimo mais próximo (de acordo com o art. 5º do
Regulamento nº 1103/97 do Conselho, de 17.6.1997, in JOCE , L 162, de 19.6.1997, págs. 1-3), tendo também
9
capital misto, por incorporação de reservas e por novas entradas
20
, de modo a que quer
o valor nominal do capital social quer o valor nominal das acções sejam expressos em
espécie monetária legalmente admitida?
Na nossa modesta opinião, nada obsta a que as acções tenham um valor nominal
contendo fracção do cêntimo.
Se bem ajuizamos, inexiste norma expressa que exija que as acções tenham um
valor nominal que não contenha fracção do cêntimo. O nº 3 do art. 276º do CSC (na
renumeração introduzida pelo D.L. nº 49/2010) apenas nos diz que o valor nominal
mínimo das acções não deve ser inferior a um cêntimo. Não exige, portanto, que o valor
nominal seja um múltiplo do cêntimo.
Por outro lado, não cremos que, ultrapassado o «período de transição» e
encontrando-se já convertido em euros o capital social das SA e já redenominadas as
acções representativas do seu capital em euros, com ajustamento do capital social
nominal à soma do valor nominal das acções, haja que observar a regra do
arredondamento prevista no art. 5º do citado Regulamento/CE nº 1103/97, ex vi do art.
14º do também citado Regulamento/CE nº 974/98, sempre que se verifique alteração do
aqui a lei portuguesa vinculado as sociedades ao «ajustamento do capital social» (cfr. art.s 2º e 4º do D.L. nº
339-A/2001, de 28 de Dezembro).
Na economia do parecer, cremos não ser despiciendo sublinhar que no parecer emitido no Pº C.P. 51/2002
DSJ-CT, in BRN nº 4/2002, notas (12) e (13), se deu conta de que o citado D.L. nº 339-A/2001 resultou de um
esforçado processo legislativo com vários projectos onde se foi evoluindo nas soluções jurídicas adoptadas, e
que na solução inicialmente congeminada o capital social das SA, depois de convertido em euros, era dividido
pelo número total das acções, passando estas a ter o valor nominal resultante da divisão.
Importa ainda salientar que a «Directiva de Capital» - Directiva do Conselho nº 77/91/CEE, de 13.12.1976,
publicada no JO nº L 26/1, de 31.1.1997 – prevê expressamente a possibilidade de os Estados-membros
consagrarem acções sem valor nominal [cfr. art. 3º, al. c), e art. 9º, nº 1], e que «alguns importantes Estados
europeus – como a Alemanha, a Itália, e a França – aproveitando a adaptação dos respectivos Direitos ao euro
e visando facilitar a conversão e adequação das acções à nova moeda única, introduziram esta figura nos seus
ordenamentos jurídicos» (cfr. Paulo de Tarso Domingues, in Direito das Sociedades em Revista (DSR) Ano 2,
Vol. 4, págs. 196/197).
Porém, salvo o devido respeito, a questão suscitada nos autos não tem a ver com o advento da moeda única
europeia. Talvez melhor dizendo, só indirecta ou reflexamente terá alguma coisa a ver com este advento, na
medida em que o citado art. 3º do D.L. nº 343/98 deu ao art. 276º, nº 2, do CSC nova redacção, de acordo
com a qual as acções têm o valor nominal mínimo de um cêntimo, quando, de acordo com a redacção inicial
daquela norma, o valor nominal mínimo era de 1.000$00, do que resulta que a questão suscitada nos autos
seria de difícil verificação antes da introdução no nosso ordenamento jurídico das low par stock (também
designadas penny stock ou ainda nominal par shares – cfr. Paulo de Tarso Domingues, in DSR cit., pág.
184).
20
- Sobre a admissibilidade do aumento de capital misto, cfr. Paulo de Tarso Domingues, in Variações …,
págs. 511/514.
10
valor nominal das acções e dessa alteração resulte um valor nominal que termine em
fracção do cêntimo.
21
Como ensina Paulo de Tarso Domingues
relacionado
com
as
funções
de
organização
, o valor nominal das acções está
e
de
produção
ou
financiamento
desempenhadas pelo capital social, e nós não cremos que estas funções sejam de algum
modo beliscadas quando a cifra do valor nominal das acções termine em fracção do
cêntimo.
Como também ensina Paulo de Tarso Domingues
22
, as acções com valor
nominal não diferem substancialmente das “acções de quota”, também chamadas
“acções de quotidade”, i.é, acções que não têm um valor nominal, mas que referem a
indicação de uma fracção, de uma percentagem do capital social, pelo que se nos afigura
relativamente indiferente dizer-se que a acção tem o valor nominal de 0,125 € ou que
representa 0,125/25641459 do capital social.
Em face do exposto, é nossa convicção que a deliberação social dos autos, que
fixou às acções da sociedade recorrente o valor nominal de 0,125 €, não ofende preceitos
legais inderrogáveis nem sequer por vontade unânime dos sócios, pelo que o pedido de
registo do facto deve ser admitido
23 24 25
.
3- Somos, assim, de opinião que o recurso hierárquico merece provimento,
formulando-se a seguinte
21
- In DSR cit., pág. 191, nota 54.
22
- In DSR cit., pág. 188 e nota (35).
23
- Temos consciência de que a posição que defendemos pode eventualmente, do lado do capital social, originar
situações (v.g., a amortização de acções com redução do capital social – cfr. art. 347º do CSC) em que o
capital social nominal também tenha que ser expresso em espécie monetária (do euro) não legalmente
admitida. Esta questão – de saber se o capital social nominal pode terminar em fracção do cêntimo – não está
em tabela, pelo que sobre ela não nos vamos pronunciar.
24
- O sistema informático deve ser adaptado, em conformidade com a posição ora assumida, de modo a
permitir que do registo figurem acções com valor nominal expresso em mais do que duas casas decimais.
25
- Como bem salienta a recorrida, o regime das acções sem valor nominal não deve ser chamado à resolução
do caso. A não ser, obviamente, que os sócios deliberem a conversão das acções com valor nominal da
sociedade em acções sem valor nominal, caso em que as acções passarão a ter um valor contabilístico, que
consiste no valor que resulta da divisão do montante do capital social pelo número de acções emitidas (cfr.
Paulo de Tarso Domingues, in DSR cit., págs. 210 e 212/213).
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Conclusão
A deliberação dos sócios de alteração de cláusula do contrato de sociedade
anónima para dizer que o capital social fica representado pelo dobro das acções que até
então tinham sido emitidas e que cada acção tem o valor nominal de 0,125 € (doze
cêntimos e meio, metade do valor nominal de cada acção até então emitida) não ofende
preceitos legais inderrogáveis nem sequer por vontade unânime dos sócios, pelo que não
pode ser negado o pedido de registo comercial do facto.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 20 de Janeiro de 2011.
João Guimarães Gomes Bastos, relator, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Luís
Manuel Nunes Martins, Ana Viriato Sommer Ribeiro, Carlos Manuel Santana Vidigal, José
Ascenso Nunes da Maia.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 25.01.2011
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Pº R.Co. 15/2010 SJC-CT