FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
Escola de Pós-Graduação em Economia
Mestrado em Finanças e Economia Empresarial
ANÁLISE ECONÔMICA E HISTÓRICA DO INSTITUTO DA
UNITIZAÇÃO
Por
William Luiz de Souza Monteiro
Rio de Janeiro
2010
ANÁLISE ECONÔMICA E HISTÓRICA DO INSTITUTO DA
UNITIZAÇÃO
Por
William Luiz de Souza Monteiro
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Escola
de
Pós-Gradução
em
Economia
da
Fundação Getúlio Vargas como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em Finanças e
Economia Empresarial, sob a orientação da
Professora Adriana Azevedo Hernandez Perez.
Rio de Janeiro
2010
2
Dissertação de Mestrado:
ANÁLISE ECONÔMICA E HISTÓRICA DO INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO
Autor:
William Luiz de Souza Monteiro
Orientador:
Adriana Azevedo Hernandez Perez
Data da defesa:
31 de maio de 2010
Aprovada por:
________________________________________________
Pedro Cavalcanti Ferreira
FGV / EPGE - RJ
________________________________________________
Fernando Antonio Lucena Aiube
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC / RJ
________________________________________________
Marco Antonio Guimarães Dias
Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS
Rio de Janeiro
2010
3
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Raquel. A nossa amizade, cumplicidade e parceria foram
fundamentais para a conquista de mais um desafio na minha vida.
Aos meus pais, ao meu irmão e minha família, por todo o seu amor, carinho e
compreensão pela minha ausência nos momentos dedicados ao curso de Mestrado em
Finanças e Economia Empresarial.
À PETROBRAS, por sua política de incentivo ao conhecimento, estímulo ao
desenvolvimento profissional e a valorização das pessoas. O apoio da Gerência Executiva de
Planejamento Financeiro e a atenção de toda a equipe do PLAFIN/PA foram determinantes
para o sucesso desta iniciativa.
Ao Mestrado em Finanças e Economia Empresarial, coordenadores, professores,
monitores e o pessoal da secretaria.
À Banca de Avaliação.
Em especial, à família Carvalhal, sempre acolhedora e admirável por natureza.
Aos meus amigos da Tijuca, de Niterói e da PETROBRAS.
Ao Eugenio Rodrigues do Carvalhal, por sua colaboração e dedicação ao genro.
A Antonio Luiz Vianna de Souza, por sua orientação profissional e educacional. Sem
o seu incentivo o presente trabalho não seria realizado.
A José Alberto Bucheb, por sua colaboração e atenção.
André Fadel, Cristiano Freixo, Fernando Aiube e Marco Antonio Dias, pelas
conversas produtivas e reflexivas em Economia e Finanças.
À minha orientadora, Adriana Hernadez Peres, por sua disponibilidade, apoio e
orientação técnica.
4
RESUMO
O presente trabalho aborda o tema “Instituto da Unitização”, ou mesmo “Individualização da
Produção”, conforme nomenclatura nacional, termos que designam o que vem a ser uma
operação conjunta e coordenada de um reservatório de petróleo, gás natural ou ambos por
todas as partes com direitos de propriedade sobre as áreas por onde se estende o reservatório.
Os conceitos de Unitização serão estudados e abordados segundo contexto da indústria do
petróleo em seus elementos técnicos, jurídicos e econômicos. À luz da Teoria Econômica,
serão analisados os Fundamentos do Instituto da Unitização e a evolução de sua aplicação no
contexto nacional e internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Unitização. Regra da Captura. Common-Pool Resources.
Assimetria da Informação. Custos de Transação. Coordenação. Teoria dos Contratos.
Tragédia dos Comuns.
ABSTRACT
This paper deals with the theme “The Institute of Unitization,” or even “Individualization of
Production,” as national classification, terms that describe what happens to be a joint and
coordinated from a reservoir of oil or gas by all parties with property rights on the areas where
the reservoir stretches. The concepts of Unitization will be studied and discussed according to
context of the oil industry in its entirety technical, legal and economic issues. In light of
Economic Theory, will be analyzed the Fundamentals of the Institute of Unitization and
evolution of its application in national and international context..
KEYWORDS: Unitization. Rule of Capture. Common-Pool Resources. Assimetric
Information. Transactions Costs. Coordination. Theory of Contracts. The Tragedy of the
Commons.
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 10
2. OS FUNDAMENTOS DA UNITIZAÇÃO ......................................................................... 13
2.1 COMMON-POOL RESOURCES (CPR)...................................................................................13
2.2 QUESTÕES MOTIVADORAS AO INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO ................................20
3. ANÁLISE ECONÔMICA – REFERENCIAL TEÓRICO................................................. 39
3.1 RISCOS E INCENTIVOS DA INDÚSTRIA...........................................................................40
3.2 O PROBLEMA DA EFICIÊNCIA ALOCATIVA .................................................................41
3.3 A TEORIA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO....45
3.4 A TEORIA DOS CONTRATOS E DESENHO DE MECANISMOS...................................51
4. O INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO..................................................................................... 59
4.1 A QUESTÃO DA UNITIZAÇÃO ............................................................................................59
4.2 TIPOS DE ACORDOS DE UNITIZAÇÃO.............................................................................62
5. A INDÚSTRIA PETROLÍFERA E AS NAÇÕES PRODUTORAS.................................. 71
5.1 ARRANJOS INSTITUCIONAIS DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA MUNDIAL.............71
5.2 A RACIONALIDADE DOS GOVERNOS..............................................................................77
6. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL ............................................................................. 81
6.1 A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA .............................................84
6.2 A EXPERIÊNCIA DA NORUEGA .......................................................................................100
6.3 A EXPERIÊNCIA CONJUNTA DO REINO UNIDO E DA NORUEGA .........................108
7. O INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO NO BRASIL............................................................. 117
7.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA.....................................................................................................117
7.2 O MODELO ATUAL ..............................................................................................................120
7.3 DESAFIOS DO PRÉ-SAL E REFORMA .............................................................................130
8. CONCLUSÃO.................................................................................................................... 136
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 143
Sites Visitados ........................................................................................................................ 151
6
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Uma classificação geral de bens _____________________________________ 14
Figura 2: Relação principal – agente __________________________________________ 16
Figura 3: Fases na vida de um campo _________________________________________ 23
Figura 4: Recuperação terciária por injeção de vapor ____________________________ 25
Figura 5: Extração de petróleo – regra da captura _______________________________ 27
Figura 6: EUA, extração de petróleo – regra da captura __________________________ 28
Figura 7: O diagrama de Stanley Reiter – ilustração de um jogo de desenho de mecanismos
________________________________________________________________________ 57
Figura 8: Jazida se estendendo por blocos vizinhos onde atuam concessionários distintos 60
Figura 9: Regimes jurídicos da indústria petrolífera______________________________ 72
Figura 10: Jazida se estendendo por uma zona em conflito de interesses _____________ 74
Figura 11: Jazida se estendendo além do limite externo da plataforma continental jurídica
________________________________________________________________________ 75
Figura 12: Jazida se estendendo por mais de um país_____________________________ 76
Figura 13: Regulação estadual, jazida se estendendo por mais de uma propriedade ____ 97
Figura 14: Regulação estadual/federal, jazida se estendendo por mais de uma propriedade
________________________________________________________________________ 98
Figura 15: Noruega, blocos exploratórios e campos petrolíferos ___________________ 101
Figura 16: Noruega, blocos exploratórios, campos petrolíferos e infraestrutura ______ 105
Figura 17: Jazida se estendendo por mais de um país, Reino Unido e Noruega _______ 109
Figura 18: Mapa dos blocos exploratórios da Noruega – zoom out _________________ 110
Figura 19: Mapa dos blocos e da Noruega – zoom in ____________________________ 110
Figura 20: Brasil, Pré-Sal – extensão da província petrolífera ____________________ 129
Figura 21: Brasil, Pré-Sal – blocos exploratórios _______________________________ 131
7
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Produção de petróleo nos Estados Unidos, 1930-1990 ___________________ 31
Gráfico 2: Histórico da evolução dos preços do petróleo, 1913-1930 _________________ 33
Gráfico 3: EUA – produção de petróleo, 1900-2008 ______________________________ 36
Gráfico 4: Produção mundial de petróleo, 1980-2009 _____________________________ 73
Gráfico 5: Produção de petróleo, países selecionados, 1980-2009 ___________________ 82
Gráfico 6: Histórico da evolução dos preços do petróleo, 1970-2009 _________________ 83
Gráfico 7: EUA, principais estados produtores de petróleo_________________________ 88
Gráfico 8: Períodos exploratórios – 1858-2000 – evolução das reservas _____________ 119
8
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Comparação entre teorias selecionadas ________________________________ 58
Tabela 2: Unitização, comparação entre teorias selecionadas ______________________ 69
Tabela 3: Produção de petróleo, países selecionados, 1980-2009 ____________________ 82
Tabela 4: Reservas provadas de petróleo, 1980-2009 _____________________________ 83
Tabela 5: Campos petrolíferos unitizados, participações empresariais e operador da
unidade_________________________________________________________________ 104
Tabela 6: Brasil, contratos de concessão ______________________________________ 124
Tabela 7: Brasil, contratos de concessão ______________________________________ 125
Tabela 8: Brasil, contratos de concessão - Cláusula Décima Segunda ______________ 126
Tabela 9: Brasil, negociação de termos contratuais e comerciais___________________ 128
Tabela 10: Brasil, processos para formalização de Acordos de Unitização ___________ 129
Tabela 11: Brasil, reservas potenciais do Pré-Sal _______________________________ 130
Tabela 12: Análise comparativa, países selecionados e experiência brasileira ________ 137
Tabela 13: Análise comparativa, países selecionados e experiência brasileira ________ 139
9
1. INTRODUÇÃO
A demanda contínua e crescente de energia coloca o petróleo e o gás natural como
uma importante fonte não-renovável da matriz energética global. As consequências de sua
exploração e produção são distintas entre países, e são discutidas nas mais diversas esferas:
política, econômica, empresarial, cultural e do meio ambiente.
O petróleo está intimamente vinculado às estratégias nacionais de política global e de
poder. O petróleo mantém condição de produto estratégico, decisivo tanto para a política
internacional como para as estratégias nacionais.
Segundo a teoria política, a soberania pertence ao povo, e a apropriação dos recursos
naturais é atributo da soberania. O processo de interação entre governo e indústria petrolífera
se dá num ambiente antagônico, de intensa negociação. De um lado está o governo, que busca
maximizar o bem-estar social e é responsável pela provisão de incentivos aos agentes
econômicos privados; do outro, as empresas petrolíferas, que visam maximizar seus lucros.
Os governos nacionais frequentemente deixam de receber o valor integral de seus recursos.
Do ponto de vista econômico, a atividade de exploração e produção de petróleo tem
importantes implicações macroeconômicas sobre os setores fiscal, externo e da economia real.
O impacto macroeconômico da tributação dessas atividades pode ser analisado a partir de uma
série de perspectivas: sobre o impacto no consumo interno por meio do canal fiscal, a
volatilidade das receitas e divisas e a transferência de riqueza entre as gerações.
Do ponto de vista das empresas, as atividades de exploração e produção de petróleo
são de vasta complexidade. São conjugadas enormes quantidades de capital, grande
contingente de recursos humanos, especialização tecnológica avançada e incisiva modificação
do ambiente natural onde são feitas tais operações. Como externalidade positiva para as
sociedades, essas atividades estimulam o investimento continuado em pesquisa e
desenvolvimento, agregando conhecimentos e produzindo inovações.
Outra questão relevante é que os países são diferentes por natureza, divergem quanto
aos seus processos de exploração e produção de hidrocarbonetos, e os atores econômicos
estarão sempre atentos quanto às questões referentes aos custos de produção, o tamanho e a
qualidade dos recursos minerais; a percepção dos riscos de investimentos, dentre outros.
Além de todas essas questões, verifica-se o fato de que os projetos podem variar
bastante entre si, e considerando este fato, torna-se necessária certa flexibilidade na
determinação de Tratados, Modelos Regulatórios, Regimes Fiscais, Contratos e Acordos.
10
O presente trabalho aborda o tema “Instituto da Unitização”, ou mesmo
“Individualização da Produção”, conforme nomenclatura nacional, termos que designam o
que vem a ser uma operação conjunta e coordenada de um reservatório de petróleo, gás
natural ou ambos por todas as partes com direitos de propriedade sobre as áreas por onde se
estende o reservatório.
Os conceitos de Unitização serão estudados e abordados segundo contexto histórico da
indústria do petróleo em seus elementos técnicos, jurídicos e econômicos. À luz da Teoria
Econômica, serão analisados os fundamentos do Instituto da Unitização e a evolução histórica
e econômica de sua aplicação no contexto nacional e internacional.
O objetivo da dissertação é fazer uma revisão bibliográfica da literatura que analisa o
problema da Unitização e, pela análise da experiência internacional, entender como os
diferentes países têm respondido à necessidade de alinhar os interesses das partes envolvidas
na exploração e produção dos recursos petrolíferos comuns.
A negociação de um Acordo de Unitização é delicada, pois normalmente envolve
valores altos e questões técnicas de difícil solução, entre elas a mensuração das reservas de
cada bloco para efeitos de divisão proporcional da renda originada pela exploração e produção
conjunta da jazida, e por critérios para a redeterminação dessa divisão.
Nesse sentido, torna-se necessário definir um Acordo de Unitização e estabelecer que
problema ele busca resolver, considerando questões como a perda de valor para a sociedade
devido ao free riding no investimento exploratório, o depreciamento do valor da jazida por
meio de produção subótima, que surgem do problema de exploração e produção em CommonPool Resources petrolíferos em que o direito de apropriação dos recursos divide-se entre dois
ou mais atores econômicos públicos ou privados.
A evolução do mecanismo se deve, em grande parte, às estruturas negociadas nos
Estados Unidos, Noruega, em particular o acordo internacional firmado entre Reino Unido e
Noruega para a exploração conjunta do campo de gás denominado Frigg, no Mar do Norte, na
década de 1970. Além dos já complexos elementos cobertos pelo Acordo de Unitização, o
caso Frigg envolveu ainda questões comerciais internacionais, tendo em vista que a jazida
ultrapassava as fronteiras dos países envolvidos, prevendo também um Acordo de Cooperação
entre as nações.
Atualmente, foi divulgada a descoberta de um grande reservatório de petróleo e gás
natural no Brasil em águas profundas, após perfurações da camada Pré-Sal. Estudos
geológicos indicam um alto potencial para descoberta de reservatórios petrolíferos gigantes,
numa faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e
11
Santa Catarina. Nesse contexto, os Acordos de Unitização ganham relevância maior dado que
diferentes blocos, operados por diferentes consórcios, já exploram a região.
Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil apresenta uma excelente performance em
relação aos resultados alcançados pela indústria de petróleo e gás natural. Em face dos novos
desdobramentos produtivos e da orientação legal que tem como diretriz a conservação dos
recursos energéticos e o aproveitamento eficiente da produção, questões importantes surgem e
precisam ser pensadas e discutidas no âmbito nacional. Como a exploração dos Common-Pool
Resources poderá ser organizada de forma a evitar tanto a produção predatória quanto a
replicação de custos produtivos e administrativos? Os direitos de propriedade sobre os
recursos estão bem definidos? Como as instituições afetam o desempenho dos sistemas
produtivos e econômicos? Qual o comportamento das instituições em face dos incentivos
individuais, das estratégias e das escolhas cooperativas?
Esta Dissertação de Mestrado tem como objetivo estudar os fundamentos da
Unitização, bem como o referencial teórico econômico que engloba o tema Unitização. O
Capítulo 2 apresenta os fundamentos da Unitização, o Capítulo 3 trata do referencial teórico.
O Capítulo 4 apresenta o Instituto da Unitização, seus principais conceitos e contratos. Já o
Capítulo 5 analisa alguns fundamentos da Indústria Petrolífera Mundial e dos seus países
produtores. Considerando-se os países produtores, o Capítulo 6 traz a seleção de três casos de
destaque que ilustram a experiência em formular, regular e instituir a Unitização. O Capítulo
7 faz uma análise da experiência brasileira e as futuras perspectivas para o país. Finalmente,
no Capítulo 8 são apresentadas as conclusões do trabalho.
12
2. OS FUNDAMENTOS DA UNITIZAÇÃO
Neste capítulo são apontados os fundamentos relevantes para a discussão sobre o
Instituto da Unitização. Dividido em duas seções, a primeira trata dos fundamentos dos
“Common-Pool Resources” e a segunda, das questões motivadoras ao Instituto da Unitização.
2.1 COMMON-POOL RESOURCES (CPR)
A solução da extração competitiva em campos de petróleo e gás natural, onde dois ou
mais atores econômicos possuem direitos correlatos1 para a exploração desses recursos, pode
vir a gerar perdas econômicas substanciais para toda a sociedade. Estas perdas podem ser
associadas a problemas inerentes aos bens classificados como “Common-Pool Resources”
(CPRs). A solução mais adequada para a exploração desses recursos vem sendo atribuída ao
Instituto da Unitização. Esta seção busca introduzir os fundamentos de tal instrumento, por
meio de um breve estudo acerca da problemática dos CPRs, os conceitos mais relevantes a ele
associados e por que os atributos desses bens constituem-se fundamentos para a discussão de
questões motivadoras para a sua coordenação e Unitização.
2.1.1 Competição e Cooperação
Em Economia podemos classificar os bens, serviços e recursos segundo duas
características elementares: bens rivais e bens exclusivos.
Um bem, serviço ou recurso diz-se rival se o seu consumo por um agente reduz a
quantidade disponível desse bem, serviço ou recurso para ser consumido por outro agente. Os
bens privados, como carros e eletrodomésticos, tendem a caracterizar um alto grau de
rivalidade entre produtores concorrentes, por exemplo.
Em contrapartida, um bem classificado como não-rival significa que o consumo por
um agente não reduz a quantidade disponível desse bem, serviço ou recurso para ser usado
por outra pessoa ou instituição. O conhecimento, a inovação, a defesa nacional, a segurança, o
uso de recursos hídricos, o oceano, são exemplos de bens em que essa característica
concorrencial é referencialmente baixa.
Por outro lado, a característica de bens exclusivos está relacionada com a existência de
direitos de propriedade sobre os bens, serviços e recursos. São os bens pelos quais se atribuem
1
Conforme Maciel (2003) apud Simioni (2006, p. 22), trata-se de fundamento jurídico que sustenta que
proprietários que compartilham um reservatório devem respeitar os direitos um do outro.
13
direitos de propriedade de forma clara. Em geral, bens como carros, eletrodomésticos, canais
de TV por assinatura e telefonia local exibem um alto grau de exclusividade.
Porém, há bens e serviços para os quais é muito difícil estabelecer com clareza os
direitos de propriedade. Para esse tipo de bens, serviços e recursos o acesso ao seu uso ou o
seu consumo é livre. Uma vez disponível o bem, serviço ou recurso com baixo grau de
exclusividade, todos aqueles que não querem (ou não podem) pagar para ter acesso ao seu
consumo não podem ser excluídos dos seus benefícios ou dos seus custos, mesmo que esses
pagadores não tenham condições de arcar num dado momento com eles. Dito de outra forma,
é impossível ou mesmo proibitivamente dispendioso excluir do seu consumo os não
pagadores. Esta impossibilidade de exclusão dos não pagadores motiva o aparecimento de um
agente econômico denominado na literatura como carona2. Referencia-se como exemplos de
bens com essa característica os reservatórios de petróleo, a segurança, a defesa nacional, os
peixes (no oceano), o conhecimento, a inovação, a atmosfera, a biodiversidade etc.
Através de uma combinação dos atributos de exclusão e rivalidade apresenta-se uma
matriz que mostra uma classificação de quatro tipos de bens, como representado na Figura 1:
Bens Rivais
Grau de rivalidade
Baixa
Alta
Difícil
Bens Públicos
"Common-pool
Resources"
Fácil
"Club Goods"
Bens Privados
Bens Exclusivos
Grau de Exclusividade
Figura 1: Uma classificação geral de bens
Fonte: O Autor, adaptado de Ostrom3, 1994
2
Do inglês free-rider, também referido como carona. Os caronas são agentes que consomem mais do que a
parcela justa de recursos. O problema dos caronas é como evitar ou impor um limite a este consumo.
3
“Recebeu o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 2009, juntamente com Oliver
Williamson, pela análise da governança econômica, especialmente dos ‘Common-Pool Resources’. Foi a
primeira mulher a receber este prêmio. Formada em ciência política pela Universidade da Califórnia em Los
Angeles, desenvolveu uma linha de pesquisa na área de CPR, influenciada pela nova economia institucional.
Seu trabalho descreveu a formação de uma relação sustentável entre o homem e os ecossistemas, através de
arranjos institucionais que se desenvolveram ao longo de muitos anos de experiência e cooperação.” Internet,
site da Wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Elinor_Ostrom.
14
Conforme a classificação apresentada na Figura 1, os Bens Públicos podem ser
caracterizados por um baixo grau de rivalidade e a dificuldade de exclusão. São bens cujo
consumo é efetuado por toda a coletividade, ou seja, o consumo de um agente não impede o
consumo de outro. Exemplos: Defesa Nacional, Administração da Justiça etc.
Já os Bens denominados “Club Goods” são caracterizados por um baixo grau de
rivalidade e por sua facilidade de exclusão. Podemos citar os serviços comunitários de TV a
cabo, Telefonia Fixa, Internet, entre outros exemplos.
Os Bens Privados apresentam a característica da exclusividade, ou seja, o consumo de
uma pessoa exclui o consumo da outra. Geralmente estes bens são oferecidos pela iniciativa
privada. Portanto, possuem alto grau de rivalidade. Existem inúmeros exemplos, como
automóveis, eletrodomésticos e vestuário.
O grau de exclusividade depende das características físicas dos bens, serviços e
recursos, e também de convenções informais (usos e costumes, cultura, tradição etc.) e
formais (legislação). Os direitos de propriedade são a expressão desta característica e, do
ponto de vista estritamente econômico, uma das condições necessárias para que uma
sociedade possa promover a utilização eficiente dos seus recursos. A eficiência dos mercados
tende a ser tanto mais elevada quanto melhor estiverem definidos e estabelecidos os direitos
de propriedade. Mas nem todos os bens e serviços possuem características físicas apropriadas
à existência de direitos de propriedade bem definidos4.
A exclusividade é violada sempre que a ação de um agente tem implicações sobre
outro ou outros agentes, e esse fato ocorre com maior frequência para a classe de bens,
serviços e recursos nos quais os direitos de propriedade não são bem formulados ou definidos.
Como podemos observar na Figura 1, o termo Common-Pool Resources (CPRs) é
utilizado na literatura para tratar de uma classe particular dos bens econômicos que
compartilham de dois importantes atributos: são bens não-exclusivos e rivais.
CPRs são caracterizados pela dificuldade de excluir os agentes de usar os recursos e
pelo fato de que a utilização por um indivíduo ou grupo significa que haverá menos recursos
disponíveis para utilização por outros. Florestas, sistemas de irrigação, pesca, bacias
subterrâneas de água, reservatórios de hidrocarbonetos, pastagens são exemplos de CPRs.
4
Esta parte se baseia em Varian (2000), Pindyck & Rubinfeld (2006), Ostron (1994).
15
A instalação de um CPR cria as condições necessárias para a existência de um estoque
de recursos. Este estoque torna viável um fluxo de recursos ao longo do tempo que serão
apropriados por um agente e subtraídos do consumo de outros indivíduos. Alguns exemplos
de instalações de CPR e os seus estoques de recursos podem ser relacionados a seguir:
1) Bacia de água e volume de água;
2) Área de pesca e toneladas de peixe;
3) Reservatório de petróleo e barris de petróleo extraídos;
4) Estacionamento e número de vagas.
A distinção entre um estoque e um fluxo de recursos é especialmente útil na
concepção dos recursos renováveis, aos quais é atribuída uma taxa de renovação. Enquanto
uma quantidade de recursos apropriados de um CPR não exceder a sua taxa de renovação,
este recurso não será exaurido. Já no caso de recursos não-renováveis, qualquer taxa de
apropriação irá eventualmente levar à sua exaustão.
Quando os direitos de propriedade não são bem especificados, os usuários de CPR
acabam por se defrontar com um dilema indesejável do ponto de vista social, a exploração
predatória desses recursos, ou o que é comumente conhecido como a “Tragédia dos Comuns”.
Competição x Cooperação
Conflito
Competição
Principal
normas
obrigações
riscos
interesses
Agente
Coordenação
Cooperação
Figura 2: Relação principal – agente
Fonte: O Autor, adaptado de Nalebuff & Brandenburger (1996)
A Figura 2 apresenta um fluxo de interação entre agentes econômicos. O principal é
um ator cujo retorno depende da ação de um agente ou de uma informação que é propriedade
exclusiva deste. O núcleo da Figura 2 representa as regras do jogo de relacionamentos, por
16
meio das quais são estabelecidas as normas que orientam estratégias de atuação (competitiva
ou coordenada) e as obrigações das partes que jogam esse jogo (conflituosa ou cooperada). Os
tipos são caracterizados por interesses próprios, tanto por parte do principal quanto do agente,
num ambiente de riscos associados aos negócios inerentes do jogo de relacionamentos e de
barganha entre as partes.
Para encontrar uma maneira de conciliar a concorrência com a cooperação, Ostrom,
Gardner & Walker (1994) estudaram estratégias coordenadas utilizadas por agentes e
implementadas como soluções que minimizassem os problemas da Tragédia dos Comuns.
Os autores atribuem a esse comportamento o resultado de um processo de
aprendizagem evolucionário, no qual os agentes, cada qual com suas estratégias individuais,
interagem entre si com o objetivo de estabelecer acordos negociados que buscam melhorar os
resultados futuros e, que por consenso, atuam de forma cooperada e coordenada.
2.1.2 A Tragédia dos Comuns e a Unitização
Hardin apud Ostrom (1990) utilizou a expressão “tragédia dos comuns” pela primeira
vez, e observou como consequência inevitável do crescimento populacional, a criação de um
efeito trágico do uso dos recursos naturais considerados de uso comum, isto é, aqueles sob os
quais não haveria a propriedade privada definida sobre os mesmos e que, portanto, haveria
livre acesso ao seu uso, seja por consumidores, seja por produtores.
O efeito trágico seria que o consumo do bem por um agente que objetivasse maximizar
seu resultado individual geraria uma externalidade5 negativa àqueles que também fizessem
uso comum do bem. Como resultado, todos os agentes que se utilizassem do recurso
contribuiriam para um resultado social inferior.
Olson apud Ostrom (1990) questionou a ideia de que agentes econômicos de um
determinado grupo com interesses comuns atuassem voluntariamente a fim de tentar
coordenar esses interesses. Com exceção de casos nos quais o número dos indivíduos seja
bem pequeno ou existam mecanismos de coerção, os indivíduos não atuariam para alcançar os
interesses do grupo, mesmo que eles possam viver numa situação melhor quando esse
objetivo for alcançado. A argumentação se baseia amplamente na premissa de que alguém que
5
Pindyck & Rubinfeld (2006) definem externalidade como a ação de um produtor ou consumidor que afeta
diretamente outros produtores ou consumidores, mas que não é considerada no preço de mercado.
17
não pode ser excluído de obter os benefícios de um bem coletivo, uma vez que o bem foi
produzido, tem pouca motivação a contribuir voluntariamente para o fornecimento desse bem.
Articular soluções para a “tragédia dos comuns” é um dos problemas tratados por
muitos economistas. A solução mais comum é a regulamentação por uma autoridade.
Frequentemente, tal regulação assume a forma de ordenações governamentais limitando o uso
por um indivíduo de um CPR. Sistemas de concessão para atividades econômicas, incluindo a
exploração e produção de petróleo e gás natural, são exemplos desta abordagem. De forma
similar, a imposição de limites de poluição é um exemplo de intervenção governamental em
prol do bem-estar social6. Alternativamente, aqueles que utilizam o recurso podem cooperar
para conservá-lo em busca de benefícios mútuos.
Ostrom, Gardner & Walker (1994) citam que os utilizadores dos CPRs aceitam, em
muitos casos, superar os incentivos individuais predatórios de apropriação dos CPRs e têm
desenvolvido ao longo do tempo instituições duradouras, que lhes permitem utilizar, de forma
mais eficiente, esses recursos.
Por isso, compreender as condições sob as quais os usuários de CPRs desenvolveram
com sucesso essas instituições e as mantiveram operando de forma eficaz torna-se um desafio
fundamental para facilitar e melhorar as políticas públicas de utilização dos CPRs.
Ostrom (1990) ressalta que o entendimento do comportamento humano relacionado ao
CPR é um desafio substancial. Dada a grande diversidade de CPRs, a tarefa de entender o
comportamento dos indivíduos que exploram esses recursos e estão relacionados ao consumo
dessa classe de bens é um tanto difícil e de importância política e econômica considerável.
A maior parte das questões relacionadas ao uso do CPR envolve situações nas quais
um grupo de indivíduos utiliza o mesmo recurso repetidamente. A exclusão ou limitação dos
benefícios potenciais de utilização de um CPR traduz-se em um problema não trivial devido a
várias causas. Entre essas causas, podemos destacar questões relacionadas ao tamanho, ou
mais usualmente aos atributos físicos do CPR. Por exemplo, no caso da indústria petrolífera,
em que a rápida extração poderá comprometer a dinâmica de exploração do recurso, a
ausência de restrições, tais como direitos de propriedade ou outros tipos de regulação
governamental, leva os agentes econômicos a agirem competitivamente, e como consequência
serão observadas perdas substanciais por esta rápida apropriação do petróleo.
6
Podemos inferir, neste caso, que observamos uma externalidade positiva.
18
Como exemplo de situações geradoras de conflitos, Libecap & Smith (2002) relatam
que na história do desenvolvimento da indústria de petróleo e gás nos Estados Unidos da
América7 (EUA) existiram quatro cenários distintos de direitos de propriedade, cada qual com
os seus custos e benefícios, que proveram soluções alternativas para as externalidades da
exploração e produção dos CPRs de petróleo e gás natural:
1) Anarquia extrativa, na qual ações realizadas por produtores individuais tendem
a explorar a “Regra da Captura” sem restrições;
2) Regulação conservadora, na qual o governo proíbe os produtores de se engajar
em ações especificamente predatórias;
3) Pooling, na qual um único produtor compra todos os direitos de propriedade do
CPR, internalizando as externalidades;
4) Unitização, na qual diversos produtores permutam direitos de propriedade
individuais do CPR, para compartilharem uma única forma de gestão do
empreendimento que engloba todo o CPR.
As duas primeiras soluções foram observadas durante o início da exploração e
produção de petróleo e gás nos EUA, enquanto as duas últimas e, de forma especial, a
Unitização, foco do presente estudo, caracterizam o período atual.
Bucheb (2005) explica que “a prática do chamado pooling agreement refere-se à
prática pela qual se efetua o agrupamento de diversos pequenos blocos exploratórios de
petróleo e gás natural adjacentes, de modo a se obter uma área suficientemente extensa para
se proceder a um empreendimento único de exploração, respeitando-se as regras técnicas
relativas ao espaçamento mínimo que se deve observar entre os poços”.
May (1996) observa que o esforço para conservação dos recursos petrolíferos nos
EUA contribuiu para o desenvolvimento e implantação do Instituto da Unitização. A natureza
migratória desse recurso natural combinada com a “common law rule of capture”8 acabou por
criar um exemplo clássico da problemática dos CPRs.
A quarta solução, a Unitização, segundo Lueck (1996), vem sendo indicada como a
melhor para o problema do CPR na indústria do petróleo e gás natural. Os acordos de
Unitização são implementados por meio de negociações privadas, e na maioria dos casos
7
De acordo com a história do desenvolvimento da indústria de petróleo e gás natural, os Estados Unidos, com o
objetivo de conservação dos seus recursos naturais e através da introdução de práticas regulatórias, se tornaram o
país pioneiro do instituto da Unitização no mundo.
8
Regime Jurídico de origem britânica.
19
esses acordos demandam longas e intensas rodadas de negociação, apresentando uma gama de
questões complexas (tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista econômico) a
serem consideradas para o desenho de contratos satisfatórios para as partes envolvidas. Por
isso, quando firmados esses acordos, por serem consequência de um maior aprofundamento e
amplitude das discussões, levam à cooperação (e não à competição e/ou comportamentos
predatórios) no compartilhamento de investimentos e retornos proporcionais a serem
auferidos no futuro.
Esta seção apresentou alguns conceitos relevantes que serão importantes para o
desenvolvimento dos próximos capítulos. Entre esses conceitos, os atributos para
caracterização de CPRs, a questão que envolve direitos de propriedade, aspectos fundamentais
da competição e a cooperação em torno de bens/recursos valorizados pelas partes, o problema
da “tragédia dos comuns” e a introdução ao conceito de “common law rule of capture”, o qual
será formalmente apresentado ao leitor ao longo da próxima seção.
2.2 QUESTÕES MOTIVADORAS AO INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO
Os problemas dos CPRs surgem quando dois ou mais principais dividem direitos de
propriedade de um determinado recurso. Os principais que detêm os direitos de propriedade
sobre o CPR concedem aos agentes o direito de exploração e/ou produção por meio de
contratos, que podem variar de acordo com as normas legais vigentes em determinado país.
De acordo com Mohan (2003), o problema do CPR traduz-se em numa questão latente
na indústria de petróleo e gás natural. Firmas que possuem concessões de exploração e
produção em um determinado CPR de petróleo se defrontam com problemas de natureza
técnica, legal e contratual. A multiplicidade de interesses, a mobilidade de petróleo disponível
no reservatório e o regime normativo configuram características que mostram como a
indústria do petróleo e gás natural é suscetível a problemas de CPR encontrados na
exploração competitiva dos vários recursos naturais. Muitos economistas têm argumentado,
portanto, que a extração competitiva do petróleo, em determinados casos, pode ser ineficiente
e apresentar resultados inferiores do ponto de vista social.
Para o melhor entendimento das atividades inerentes à indústria do petróleo e gás
natural, esta seção busca ressaltar a importância de nos debruçarmos sobre alguns
fundamentos dessa indústria e conhecermos mais acerca do processo de exploração e
produção desses hidrocarbonetos.
20
Os Estados Unidos, que figuraram como um dos principais produtores de petróleo do
mundo, chegando a participar com cerca de 88% da produção mundial de petróleo em 1880, e
ainda significativos 20% na década de 60, têm tido uma visão estratégica do uso desses
recursos tão importantes. As referências a seguir são baseadas na experiência norteamericana.
Esta seção destaca as questões técnicas de natureza migratória dos hidrocarbonetos; do
ciclo de vida de um campo; as questões legais, contratuais e a Unitização; e por fim, questões
políticas e econômicas.
2.2.1 Questões Técnicas – natureza migratória dos hidrocarbonetos
Lovejoy (LOVEJOY et al. apud MACDONALD, 2000) chama a atenção para o
problema da heterogeneidade dos reservatórios. Cada reservatório de petróleo e gás natural
possui características próprias, que variam caso a caso, que o diferenciam em relação aos
demais, e demandam soluções específicas para a sua operação. O número de fatores que
podem vir a afetar a produtividade de um campo de petróleo é vasto. Uma lista parcial
incluiria a temperatura dentro do reservatório, o nível de pressão do reservatório, as
propriedades químicas e físicas de fluidos no reservatório, a porosidade da formação da rocha,
a permeabilidade da formação, o tipo de unidade e o grau de saturação.
May (1996) define o petróleo como um termo genérico associado ao crude oil9. O
petróleo definido nesse sentido é usualmente encontrado nos reservatórios subterrâneos como
uma mistura química fluida contendo distintos compostos hidrocarbonetos10. As propriedades
físicas desses compostos diferem de reservatório para reservatório, e dependem da
profundidade e das formações geológicas em seu entorno (ou, alternativamente, temperatura e
pressão). Mas quando chegam à superfície, as várias misturas desse produto podem ser
classificadas como crude oil, gás natural, ou uma combinação de ambos. Pode também
ocorrer uma condensação na superfície do gás natural, resultando em outros hidrocarbonetos
líquidos, tais como gasolina natural, propano ou butano; estes são coletivamente conhecidos
como gás natural líquido ou condensado.
9
Termo referente a depósito mineral no estado natural, sem refinamento (FERNÁNDEZ Y FERNANDEZ et al.,
2009).
10
Definição segundo o Dicionário do Petróleo em Língua Portuguesa (2009): (1) mistura de compostos
orgânicos que constituem a porção com interesse econômico do material que sai do poço produtor.
21
A existência de acumulações de petróleo depende das características e do arranjo de
certos tipos de rochas sedimentares no subsolo. Basicamente, é preciso que existam rochas
geradoras que contenham a matéria-prima a qual se transforma em petróleo e rochasreservatório, ou seja, aquelas que possuem espaços vazios, chamados poros, capazes de
armazenar o petróleo. Essas rochas são envolvidas em armadilhas, ou trapas no jargão da
indústria11, que são compartimentos isolados no subsolo onde o petróleo se acumula e de onde
não tem condições de escapar. A ausência de qualquer um desses elementos impossibilita a
existência de uma acumulação petrolífera. Logo, a existência de uma bacia sedimentar não
garante, por si só, a presença de jazidas de petróleo. A jazida é, fundamentalmente, uma rocha
cujos poros são ocupados pelo petróleo.
May (1996) descreve os mecanismos que mantêm esses reservatórios de petróleo e gás
abaixo da superfície da terra. Quase todos os tipos de armadilhas dos reservatórios consistem
de combinações ou variações dos três tipos básicos: o anticlinal, a falha selante, e o
estratigráfico. A armadilha anticlinal deriva de uma dobra do estrato geológico que resulta
numa estrutura semelhante a uma tigela de cabeça para baixo. O petróleo migra desde os
estratos inferiores até os pontos mais altos dessa estrutura e permanece lá através da sua
flutuação na água, e o seu limite é imposto por um estrato impenetrável (por petróleo)
sobrejacente. Muitas vezes a dobra afeta algumas das estruturas permeáveis na seção vertical,
de modo que os reservatórios de petróleo podem existir separadamente em diferentes
profundidades, abaixo de qualquer superfície dada. Os dois outros tipos citados de armadilhas
– a falha selante e o estratigráfico – possuem outras características distintas, porém, em cada
um desses casos, e na sua infinidade de variações, a mistura de hidrocarbonetos tende a se
mover através do tempo e depende da porosidade e permeabilidade, temperatura e pressão da
sua formação hospedeira.
O autor esclarece ainda que o problema do CPR surge na área de exploração e
produção de petróleo e gás natural por dois fatores distintos: o primeiro diz respeito à natureza
migratória do petróleo, como vimos anteriormente. Já o segundo fator trata da questão dos
direitos de propriedade. Para elucidarmos a questão que gravita em torno dos direitos de
propriedade, precisamos conhecer a dinâmica do ciclo de vida de um campo petrolífero.
11
Do inglês trap, também referido como armadilha.
22
2.2.2 Questões Técnicas – fases da vida de um campo
Simioni (2006) destaca que a conceituação das fases do processo de extração de
petróleo e gás natural é fundamental para a compreensão das dificuldades encontradas na
implementação do Instituto da Unitização, uma vez que existem diferenças cruciais derivadas
do estágio da vida do reservatório petrolífero e que são inerentes ao processo de negociação
entre as partes envolvidas. A Figura 3 ilustra as fases da vida de um campo estimado em 32
anos.
Figura 3: Fases na vida de um campo
Fonte: ALMEIDA, Alberto S. Petróleo e Gás: Recuperação Secundária em Campos de
Produção
O ponto de partida na busca por petróleo é a exploração, que realiza os estudos
preliminares para a localização de uma jazida. A perfuração é executada, ainda na fase de
exploração, na busca do petróleo. Ela ocorre em locais previamente determinados pelas
pesquisas geológicas e geofísicas. Desde o momento em que a perfuração é iniciada, o
trabalho se processa sem interrupção e só termina quando atinge os objetivos
predeterminados. A perfuração de um poço nem sempre revela a presença de petróleo no
subsolo, mas quando comprovada a existência de petróleo, outros poços são perfurados para
se avaliar a extensão da jazida. Essa avaliação é que vai determinar se é comercialmente
viável, ou não, produzir o petróleo descoberto. Em caso positivo, o número de poços
perfurados forma um campo de petróleo. Na fase da pesquisa petrolífera denominada
avaliação é determinado se o poço contém petróleo em quantidades que justifiquem sua
entrada em produção comercial (declaração de comercialidade). Para isso, são realizados
testes de formação, para recuperação do fluido contido em intervalos selecionados. Se os
23
resultados forem promissores, executam-se os testes de produção, que podem estimar a
produção diária de petróleo do poço.
Revelando-se comercial, começa a fase da produção (desenvolvimento e operação)
naquele campo. Nesta fase, o óleo pode vir à superfície espontaneamente (recuperação
primária), impelido pela pressão interna dos gases. Entre a descoberta de uma jazida e o início
da produção são mobilizados investimentos vultosos para montar uma complexa
infraestrutura que permita a extração do petróleo e seu escoamento até as refinarias. Nas
operações de produção procura-se extrair o petróleo da maneira mais racional possível, para
que este período não seja reduzido.
A escolha do método mais eficiente de produção irá depender das características dos
reservatórios. Montalvo (2008) explica que “as acumulações de petróleo possuem, na época
da sua descoberta, certa quantidade de energia, denominada energia primária. A intensidade
dessa energia é determinada pelo volume e natureza dos fluidos existentes na acumulação,
bem como por níveis de pressão e de temperatura no reservatório. Durante o processo de
produção, a energia primária é dissipada, causada pela descompressão dos fluidos do
reservatório. O decréscimo da energia primária reflete-se principalmente na queda da pressão
do reservatório durante a sua vida produtiva e, observa-se o arrefecimento da produtividade
dos poços”.
A recuperação secundária é o processo pelo qual uma quantidade adicional de
petróleo é produzida por suplementação da energia primária, artificialmente
transferida para a jazida, ou por meios que tendem a tornar a energia primária mais
eficiente. Quando as operações de recuperação secundária começam antes de
terminar a fase de produção primária, elas são muitas vezes chamadas de operações
de manutenção de pressão. Modernamente, os sistemas de recuperação secundária
são implantados tão cedo quanto possível na vida do reservatório (MONTALVO,
2008, p. 16).
O inconveniente de considerar etapas de recuperação12 como uma sequência
cronológica, segundo Montalvo (2008), “é que muitas operações de produção em
reservatórios não são conduzidas na ordem especificada. Um exemplo bastante conhecido é a
produção de óleos pesados na maior parte do mundo. Se o óleo é suficientemente viscoso, ele
não escoará pela influência da energia primária com vazões economicamente rentáveis, sendo
12
Estimativa de recuperação por etapa, medida por Fator de Recuperação (FR): recuperação primária, de 5% a
15%; recuperação secundária, de 15% a 45%; recuperação terciária, de 45% a 65%. Fonte: ALMEIDA, Alberto
S.
24
assim a recuperação primária não é recomendável. Para tais reservatórios, a injeção de água
pode não ser aplicável devido à alta razão de viscosidades. Nestes casos, a utilização de
energia térmica seria o único caminho para recuperar uma quantidade significativa de óleo,
nesse caso, um método normalmente considerado como um processo terciário” (Figura 3).
Em outras situações, os também chamados processos terciários seriam aplicados como
operações secundárias no lugar da injeção de água. Esta ação seria promovida por fatores
como a natureza do processo terciário, a disponibilidade dos fluidos a injetar e também por
fatores econômicos.
Figura 4: Recuperação terciária por injeção de vapor
Fonte: ALMEIDA, Alberto S. Petróleo e Gás: Recuperação Secundária em Campos de
Produção
Montalvo (2008) orienta que “o termo ‘recuperação terciária’ caiu em desuso na
literatura de engenharia de petróleo e a designação do termo ‘enhanced oil recovery’ (EOR),
que poderia ser traduzido para o português como ‘recuperação avançada de óleo’, tornou-se
mais aceita”.
Os diferentes métodos de recuperação avançada de petróleo geralmente envolvem a
injeção de algum tipo de fluido ou fluidos no reservatório. O fluido injetado e os
processos de injeção suplementam a energia natural (primária) presente no
reservatório para deslocar o óleo na direção dos poços produtores (MONTALVO,
2008, p. 18).
25
A problemática do CPR, e consequentemente a questão da conservação das reservas de
petróleo, está diretamente relacionada a algumas das explicações técnicas que emergem ao
longo das fases de exploração, desenvolvimento e produção desses hidrocarbonetos.
A quantidade de petróleo recuperável num reservatório e a sua taxa de produção
dependem da quantidade e da localização dos poços perfurados neste CPR. A natureza da
propriedade da superfície cujos poços são perfurados e as regras que determinam a
propriedade do subsolo irão influenciar a forma e o método de desenvolvimento e produção
de um CPR de petróleo e gás natural. O método economicamente eficiente de drenagem do
reservatório pode não coincidir com estas questões de propriedade. Neste último caso, os
Acordos de Unitização são apontados como um mecanismo de negociação entre as partes que
buscam um resultado mais eficiente, maximizando a recuperação de petróleo daquele CPR.
Uma vez apresentadas as características dos reservatórios, a natureza migratória do
petróleo e as fases na vida de um campo, podemos agora nos concentrar em estudar o
processo de interação entre os atores econômicos que participam desse jogo estratégico.
Questões legais e contratuais orientam os rumos das operações e desenham mecanismos sobre
os quais os agentes econômicos negociam e elaboram as suas decisões estratégicas
interagindo entre si ao longo do processo de exploração e produção em CPRs de petróleo e
gás natural.
2.2.3 Questões Legais, Contratuais e a Unitização – a regra da captura e os
direitos de propriedade
Bucheb (2005) apresenta a problemática dos CPRs na indústria petrolífera, que ocorre
quando uma jazida de petróleo ou gás natural se estende por dois ou mais blocos contíguos,
cujos direitos de exploração e produção pertencem a concessionários diferentes. Devido à
característica migratória dos hidrocarbonetos, estes fluirão e serão produzidos através de um
poço perfurado num bloco contíguo.
Nos estágios iniciais do segmento de exploração e produção da indústria do petróleo
prevalecia o conceito conhecido como “regra da captura” (rule of capture), segundo
a qual, se alguém produz petróleo a partir de um poço situado em área de sua
titularidade a ele será conferida a propriedade desse petróleo, mesmo que o
reservatório do qual se origine se estenda além dos limites dessa área (RIBEIRO
apud BUCHEB, 2005, p. 205).
26
A regra da captura teve um papel importante no final do século XIX e início do século
XX ao incentivar a produção de petróleo. Porém, conforme assevera Smith apud Bucheb
(2005, p. 206), “esse conceito implicava, necessariamente, a produção predatória de petróleo,
entendida como aquela que visa tão-somente à minimização do tempo de retorno dos
investimentos, e que, por esta razão, tem como consequência a perfuração excessiva de poços
próximos aos limites dos blocos e o esgotamento precoce da jazida, trazendo, ainda, à tona
um grande número de controvérsias acerca da titularidade do petróleo produzido”.
Óleo e gás tendem a migrar de regiões de alto potencial para regiões de baixo
potencial hidrodinâmico. Se um concessionário de uma dada área de concessão
resolver baixar o potencial hidrodinâmico de sua área, pela perfuração intensiva de
poços ou pela redução na pressão de fluxo de seus poços, haverá tendência de fluxo
de fluidos, óleo e gás, de áreas vizinhas, do reservatório comum aos concessionários
vizinhos, para poços sob seu controle. Tal procedimento, além de implicar uma
alocação injusta de produção, pois o óleo produzido nessas condições não
necessariamente se encontra sob a área de concessão daquele concessionário que
tomou tal medida, pode levar a sérios prejuízos ao próprio reservatório, reduzindo a
recuperação final de hidrocarbonetos do mesmo (APPI & ANDRADE apud
BUCHEB, 2005, p. 206).
Figura 5: Extração de petróleo – regra da captura
Fonte: David apud Bucheb (2009)
A Figura 5 ilustra a produção de petróleo sob o conceito da regra da captura. Perez
(2009) ressalta que, sob essas circunstâncias, podemos observar que a ausência de
coordenação da extração de hidrocarbonetos cria incentivos para adoção de um
comportamento concorrente que afeta diretamente as estratégias dos agentes econômicos. Há
27
forte incentivo para a perfuração de diversos poços e, como consequência, ocorre uma
limitação na capacidade de recuperação primária de petróleo. Essas estratégias acabam por
dissipar a renda dos próprios agentes e contribuem para a ineficiência produtiva gerada pelo
aumento dos gastos de capital com a replicação da infraestrutura e instalações para
armazenamento que sustentem a alta produção.
Nesse período histórico da indústria de petróleo e gás natural, a natureza e extensão
das externalidades envolvidas por essa prática não eram bem compreendidas. Os
conhecimentos acerca das características dos reservatórios, assim como os princípios
relacionados com a extração de fluidos eram rudimentares. Como vimos anteriormente, essa
fase constituiu-se no final do século XIX e início do século XX, e a solução implementada na
época ficou conhecida como anarquia extrativa. A Figura 6 ilustra essa fase nos EUA.
Figura 6: EUA, extração de petróleo – regra da captura
Fonte: David apud Bucheb (2009)
Libecap & Smith (2002) narram a evolução do conhecimento ao longo do
desenvolvimento da indústria petrolífera nos EUA. Com o progresso da participação do
produto e consequente avanço do valor econômico do petróleo na economia mundial, a
sociedade evoluiu para um debate cujo foco era o desperdício de recursos e o aparente efeito
de danos materiais aos proprietários adjacentes. Houve um estímulo à investigação sobre a
natureza e dinâmica dos reservatórios e a recuperação mais eficiente dos recursos.
De acordo com Libecap & Smith (2002), com a evolução do conhecimento técnicocientífico na cadeia produtiva da indústria de petróleo e gás natural, houve uma base para
negociações políticas no âmbito da sociedade americana, que tinha como objetivo mitigar os
efeitos das externalidades derivadas da extração predatória de petróleo e desenhar estratégias
28
para conservação desses recursos. A multiplicidade de interesses estimulou a elaboração de
normas jurídicas que buscavam organizar a interação entre os agentes econômicos,
conferindo-lhes obrigações e direitos e propiciando a organização de instrumentos
particulares de contratação e resolução de conflitos. Muitos desses conflitos eram derivados
da natureza migratória dos hidrocarbonetos e dos incentivos econômicos envolvidos para a
apropriação desses recursos.
Como resultado dessa discussão, os esforços para resolver as externalidades dos CPRs
passaram das soluções privadas para a regulação estatal13, a já mencionada regulação
conservadora, na qual o governo proíbe os produtores de se engajar em ações especificamente
predatórias. Essa nova fase instituiu normas que fixavam o número de poços perfurados por
concessionário, regras para alocação da infraestrutura de produção, cotas de produção e
mecanismos para resoluções de conflitos. Porém, essas regras foram aplicadas de maneira
uniforme a todos os produtores, fomentando conflitos de interesse entre pequenos e grandes
empresários. A multiplicidade de interesses, em consonância com o ambiente econômico da
época, abriu uma nova agenda para discussão política acerca da problemática dos CPRs.
A experiência mostrou que a regulação não gerava os incentivos necessários que
levassem os produtores a implementar os meios mais eficientes de exploração, de modo a
aumentar a recuperação do poço e aperfeiçoar as práticas utilizadas, nem ao menos respeitava
os direitos dos proprietários e de seus adjacentes, uma vez que atribuíam normas de conduta
iguais aos desiguais. Uma nova visão necessitava ser construída, de modo a contrabalançar os
direitos dos agentes e mitigar as perdas derivadas do processo até então conduzido.
O Poder Legislativo de alguns dos estados produtores de petróleo nos EUA introduziu
na agenda política a discussão por limites à regra da captura. Motivadas pelo fundamento da
conservação dos recursos, instituições mais eficientes deveriam ser implementadas com o
objetivo de maximizar a produção de petróleo e gás natural. As regras de pooling e Unitização
surgiram como soluções para essa discussão.
Surgiram, assim, as primeiras reações ao instituto da regra da captura,
desenvolvendo-se, na indústria do petróleo, como contraponto a esta noção, o
conceito de Unitização, segundo o qual, na hipótese de uma jazida se estender por
13
A solução utilizada nesse período ficou conhecida como Prorationing. O objetivo de regular a produção de
petróleo data o ano de 1909, quando alguns dos Estados americanos autorizaram seus respectivos Órgãos
Reguladores a limitar a produção nos poços desses estados. Todavia, só em 1928 observam-se os primeiros atos
para o rateio individual da produção. Este ordenamento de produção limitada atribuiu uma produção fracionada
proporcionalmente entre os poços produtores.
29
mais de um bloco, as atividades de desenvolvimento e de produção dessa jazida
deverão ser realizadas conjuntamente pelas empresas detentoras dos direitos de
exploração e produção dessas áreas vizinhas.
A prática dos unitization agreements teve início nos Estados Unidos com a edição
do Gás Conservation Act de 1935, aplicável somente para os campos de gás, e,
posteriormente, do Voluntary Unitization Act de 1949, que possibilitou a celebração
desses acordos para as jazidas de petróleo. Esses instrumentos legais visavam a
permitir a celebração de acordos/contratos de produção unificada e a consequente
associação das empresas para a execução do empreendimento comum de produção
de petróleo e gás natural, garantindo às mesmas, imunidade perante a legislação
antitruste.
Similar ao unitization agreement verifica-se, nos Estados Unidos, a prática do
chamado pooling agreement, por meio do qual se efetua o agrupamento de diversos
pequenos blocos exploratórios adjacentes, de modo a se obter uma área
suficientemente extensa para se proceder a um empreendimento único de
exploração, respeitando-se as regras relativas ao espaçamento mínimo que se deve
observar entre os poços (BUCHEB, 2005, p. 206).
Os contratos de pooling e de Unitização passaram então a figurar como instituições
que visavam minimizar os problemas característicos de CPRs na indústria de petróleo e gás
natural. Com a introdução de mecanismos de cooperação entre os agentes, e com regras claras
de alocação de direitos de propriedade, a evolução desses institutos contribuiu para a
construção do referencial teórico que trata da problemática dos CPRs na indústria de petróleo
e gás natural na atualidade.
2.2.4 Questões Políticas e Econômicas – origens do Instituto da Unitização14
Viscusi, Vernon & Harrington (1995) citam que o mercado internacional de petróleo e
gás natural apresenta um histórico volátil como uma característica marcante. A volatilidade
observada neste mercado pode ser atribuída a vários fatores, como:
a) As empresas, os consumidores e, principalmente, os governos figuram como
grandes atores neste mercado;
b) A demanda por esses produtos é positivamente correlacionada com o ciclo de
negócios;
14
Esta seção foi baseada na obra de Nordhauser, N. “Origins of Federal Oil Regulation”. Business History
Review, Vol. XLVII, 1973.
30
c) Do lado da oferta, uma importante fonte de volatilidade foi o reflexo que as
novas descobertas de petróleo causaram ao longo da evolução da indústria no
século passado;
d) A concentração geográfica das reservas traz riscos para a estabilidade do curto
prazo quando há interrupções na produção ou na logística desses produtos;
e) A matriz das reservas – considerando da menor para a de maior custo de
extração, e as muitas fontes possíveis de petróleo – define a curva de oferta da
indústria.
Dois atores são particularmente muito importantes no mercado internacional de
petróleo: do lado da demanda, os Estados Unidos; e do lado da oferta, a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Originalmente, os Estados Unidos figuraram como
um dos principais produtores de petróleo do mundo, chegando a participar com cerca de 88%
da produção mundial de petróleo em 1880, e ainda significativos 20% na década de 60. No
entanto, o país veio perdendo participação ao longo do século XX (Gráfico 1) e,
particularmente, a partir da II Guerra Mundial, quando se passou a ocorrer um papel mais
participativo dos países membros da OPEP no cenário econômico internacional.
EUA - Produção de Petróleo, 1930 - 1990
U.S. Field Production of Crude Oil / World Oil Production (%)
% of World Oil Supply
80%
60%
40%
20%
1984
1975
1966
1957
1948
1939
1930
0%
Gráfico 1: Produção de petróleo nos Estados Unidos, 1930-1990
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Do ponto de vista do consumo, os EUA têm sido e continuam a ser uma potência sem
precedentes. A característica dominante de sua economia está centrada na forma de gestão de
sua matriz energética e nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novas
tecnologias. Atualmente, o petróleo e gás natural ainda figuram como recursos econômicos
estratégicos para o crescimento e desenvolvimento daquela nação.
31
Portanto, os Estados Unidos, com o objetivo de conservar os seus recursos
petrolíferos, tornaram-se uma referência mundial para o Instituto da Unitização. Para se
compreender a constituição desse mecanismo, uma análise acerca dos fundamentos históricos
nos remete a questões políticas e econômicas desse país.
No século passado, o período compreendido entre a década de 1920 e o início da de
1930 representa o começo da regulação da indústria de petróleo e gás natural nos EUA. A
conservação de um recurso natural escasso como o petróleo foi defendida no âmbito da
sociedade americana como uma medida de defesa, que tinha como objetivo garantir um fluxo
constante do insumo estratégico em períodos de guerra. Por outro lado, o controle da
produção de petróleo foi também adotado como uma reação a ameaças de curto prazo aos
lucros e ao capital da indústria via mecanismo de preços.
A mobilização industrial em tempo de guerra refletia-se numa flexibilização das leis
antitruste, na cooperação entre empresas e num aumento da participação governamental para
viabilizar e coordenar os interesses privados. A experiência da indústria do petróleo durante a
Primeira Guerra Mundial seguiu esse padrão da história empresarial americana. Durante esse
período, novas formas de parceria entre o governo e empresas foram implementadas. Como
exemplo, destacamos o Petroleum War Service Committee (PWSC), em que os principais
executivos da indústria se reuniram nos tempos de guerra para aconselhar o governo
americano em questões estratégicas da área de petróleo.
No período pós-guerra foi estabelecida a instituição American Petroleum Institute
(API), e os membros do PWSC foram nomeados como o primeiro corpo diretor do API.
Nesse período, o movimento de cooperação revelou-se frágil. Como em outras indústrias, as
condições de mercado arrefeceram o espírito de cooperação. Um cenário promissor à indústria
foi projetado por muitos executivos, que apontavam para uma aceleração do consumo de
produtos petrolíferos. A escala de produção de automóveis e a utilização industrial de óleo
combustível e lubrificante aceleraram a demanda por petróleo. O preço do petróleo aumentou
consideravelmente, e sob essas condições favoráveis ao lucro dos produtores, o interesse da
indústria para conservação e regulamentação do setor através de esforços cooperativos
enfraqueceu-se.
No final de 1920 a descoberta de reservatórios petrolíferos no sul da Califórnia
coincidiu com um período de depressão. Devido aos altos custos de transporte, os produtores
de petróleo do Texas e Oklahoma foram temporariamente isolados da concorrência que
aflorava no sul da Califórnia. Porém, o transporte ferroviário contribuiu para o escoamento da
32
produção de petróleo da Califórnia para as demais regiões do país. Eram transportadas
quantidades consideráveis de petróleo, e como consequência, contribuiu para a queda
observada nos preços do petróleo no país. Os produtores de Oklahoma e Texas começaram a
protestar veementemente contra a “concorrência desleal” do petróleo das refinarias da
Califórnia.
Histórico da Evolução dos Preços do Petróleo, 1913 - 1930
U.S. Crude Oil Wellhead Acquisition Price by First Purchasers (Dollars per Barrel)
Preços deflacionados pelo CPI, ano base 2010
40
35
Preço
30
25
20
15
1930
1929
1928
1927
1926
1925
1924
1923
1922
1921
1920
1919
1918
1917
1916
1915
1914
1913
10
Gráfico 2: Histórico da evolução dos preços do petróleo, 1913-1930
Fonte: O autor. Energy Information Administration
A ascensão, até 1920, e o posterior declínio do preço do petróleo (Gráfico 2)
contribuíram para reacender o discurso acerca da conservação e controle da produção. Em
1923, o empresário Henry Doherty tornou-se o porta-voz desse movimento. Doherty havia
declarado sua preferência por condições da autorregulação da indústria no período pós-guerra,
porém, após a entrada dos concorrentes californianos, reavaliou sua posição, considerando
medidas de coordenação privadas da produção factíveis à manutenção e estabilidade da
indústria de petróleo e gás natural.
Doherty considerou que o método de produção implementado no sul da Califórnia
poderia motivar uma estratégia de intervenção governamental, com o objetivo de mitigar as
perdas derivadas da aceleração do processo exploratório naquela região. Doherty utilizou o
argumento persuasivo, de uma possível intervenção governamental, para cooptar aliados para
a sua estratégia de coordenação privada, ou seja, cooperação entre os produtores de petróleo.
Baseou suas propostas em consonância com as novas tecnologias de produção, de acordo com
sua experiência como produtor de petróleo e gás natural.
Seu argumento contemplava tanto questões de ordem técnica, que indicavam a perda
de potencial de recuperação dos reservatórios e, também, pensando estrategicamente, de
33
ordem político-social, acerca das injustiças derivadas da exploração competitiva. Referia-se à
regra da captura quando, por exemplo, um produtor ao estar implementando uma técnica mais
lenta e cuidadosa de produção, ou até mesmo, adiando a produção para esperar condições de
preços mais favoráveis para comercialização de seus produtos, estaria exposto ao risco de
expropriação do petróleo, devido às ações implementadas por seus vizinhos competidores no
presente.
Sua visão apontava para o desenvolvimento cooperativo, ou por meio da unidade de
produção dos reservatórios norte-americanos, ou seja, o Instituto da Unitização. Leis estaduais
deveriam incentivar o desenvolvimento unitizado, e esta deveria ser supervisionada por
instituições
coordenadas
pelos
próprios
agentes
produtores
desses
recursos.
O
desenvolvimento unitizado poderia economizar alguns milhões de dólares anualmente, por
não utilizar o excesso da capacidade instalada que estaria sendo usado na exploração
competitiva. A produção excessiva poderia ser evitada pela autorregulação e estaria amparada
em leis estaduais que organizassem os direitos e deveres dos produtores de petróleo.
As ideias sobre a Unitização compulsória da produção, de Doherty, não foram bem
acolhidas no âmbito do API. A instituição apresentou outra proposta formulada por
executivos do setor, na qual o principal objetivo era a criação de comissões públicas, em cada
um dos estados produtores de petróleo, e o fortalecimento das agências regulatórias existentes
para impor certas regras que visavam à conservação e a produção econômica de petróleo e gás
natural. Vários estados norte-americanos já haviam implementado mecanismos de regulação,
com autoridade limitada para influir na produção de petróleo.
A proposta do API orientava que as comissões estaduais deveriam ter o poder de
aprovar acordos voluntários de desenvolvimento partilhado entre empresas de perfuração e/ou
produção de petróleo cuja operação fosse realizada em um mesmo campo. O desenvolvimento
partilhado consistia num processo de negociação privada no qual as partes ratificavam um
acordo, e a apropriação de cada substância disponível num determinado CPR poderia ser
atribuída para um ou para o outro agente, onde cada parte teria como direito o resultado
econômico produzido por sua determinada substância de interesse negociada no âmbito
daquele CPR. Após a aprovação pelas comissões estaduais, esses acordos de coordenação da
produção seriam juridicamente vinculativos para todos os agentes signatários e isentos de
processo antitruste.
Cabe destacar, segundo Nordhauser (1973), que numa situação em que a solução é a
regulação estatal, o Estado atua como um gerente de um cartel, pois quando restringe a
34
produção, o preço do petróleo se mantém acima do nível competitivo, o que caracteriza lucros
de monopólio a serem apropriados por produtores de petróleo. A perda de excedente do
consumidor é distribuída por todo o país, e observa-se apropriação de renda aos estados
produtores de petróleo. Essa solução não satisfaz o interesse do país como um todo, e por isso
traduz-se em uma fonte latente para conflitos de interesses.
O argumento do API contrário à proposta de Doherty – Unitização compulsória – foi
que ela violava o efeito dos contratos e, portanto, o instituto seria inconstitucional. A
interferência em contratos entre proprietários e produtores poderia privar o proprietário da
terra em exercer o seu direito de geração de renda, motivado pela solução de conservação do
petróleo.
Após falhar na obtenção de apoio para suas ideias entre o setor privado, Doherty foi
buscar apoio no governo federal. O executivo escreveu uma carta para o presidente dos
Estados Unidos15 descrevendo o enorme desperdício na indústria de petróleo e pediu a sua
intervenção para a instituição do modelo de Unitização compulsória. A carta alertava que o
sistema de controle de produção trouxe ao país muitas perdas, principalmente pela dificuldade
de se obter uma legislação clara e uniforme entre os estados. Doherty sugeriu ao presidente
convocar um debate entre os governadores, pois a autoridade legal sobre a produção de
petróleo era atribuída aos estados. O consenso em relação ao tema era considerado
fundamental para a organização e a eficiência da produção. Uma justificativa para uma
possível intervenção federal encontrava-se no preâmbulo da Constituição norte-americana,
que versa sobre defesa nacional – O Congresso deve “prover a defesa nacional”. Com um
argumento estratégico, da proteção nacional, Doherty aconselhou o presidente dos EUA de
que o governo federal deveria zelar pela eficiência e controle da indústria petrolífera. A
deficiência de petróleo em tempos de guerra não é apenas uma desvantagem crítica para o
país, mas um convite para que outros países declarem guerra contra os Estados Unidos. Estas
considerações estratégicas se encaixam perfeitamente com o apelo de Doherty para uma ação
federal. Em dezembro de 1924, o presidente americano, Coolidge, estabeleceu o Federal Oil
Conservation Board (FOCB) para estudar e informar sobre as condições da indústria do
petróleo nos EUA.
15
John Calvin Coolidge, Jr. Foi o 30o presidente dos Estados Unidos da América entre 1923 e 1929, após a
morte do anterior, Warren G. Harding.
35
A partir da década de 1930, a Grande Depressão, que assolou os EUA, e a descoberta
de um campo gigante no estado do Texas contribuíram para novas rodadas de discussão em
torno da política de conservação dos recursos petrolíferos. Em tempos de aquecimento da
demanda o problema do regulador era relativamente simples. As agências de regulação
estaduais visavam apenas a uma limitação da instalação de poços com o objetivo de criar
incentivos para adoção de técnicas de recuperação eficientes. Quando, porém, a capacidade
produtiva disponível é tal que a produção excede a demanda do mercado, resultam numa
necessidade extra de armazenagem, e, portanto, o problema da regulação da produção se torna
muito mais complexo.
Williams (1952) relata que historicamente, um dos principais obstáculos para a
conservação de recursos petrolíferos por meio da regulação estatal derivou de uma falha de
cooperação entre os diversos estados na fixação de cotas de produção. Isso resultou em uma
considerável perda de energia primária dos reservatórios de petróleo e gás natural dos estados
produtores. A coordenação da produção de petróleo em alguns estados resultou em uma forte
demanda por armazenamento do produto, gerando desperdícios. Essas perdas com a
recuperação de petróleo serviram como um obstáculo para a implantação de métodos de
recuperação secundária, e, como consequência, foi observado um abandono prematuro de
poços potencialmente produtores.
EUA - Produção de Petróleo, 1900 - 2008
U.S. Field Production of Crude Oil (Billions/Barrels)
4
Produção
3
2
1
2008
1999
1990
1981
1972
1963
1954
1945
1936
1927
1918
1909
1900
0
Gráfico 3: EUA – produção de petróleo, 1900-2008
Fonte: O autor. Energy Information Administration
O aumento da demanda por petróleo durante e após a Segunda Guerra Mundial, e por
conseguinte a produção de petróleo (Gráfico 3), contribuíram para amenizar alguns desses
problemas de armazenamento. Porém, a necessidade de cooperação entre os estados
36
continuou como uma questão latente. O estado do Texas, que tinha uma forte atuação
regulatória no mercado de petróleo e gás natural, carregava um grande peso dos impactos das
flutuações de demanda pelo produto no mercado norte-americano. As fortes pressões
econômicas no interior do estado tornavam politicamente difíceis a manutenção de uma
política regulatória em tempos de arrefecimento da demanda, por exemplo, o fato de que as
receitas do estado eram em grande medida dependentes da produção de petróleo. E mais uma
vez, as ideias de Doherty sobre a Unitização compulsória da produção retomaram fôlego; um
novo espaço no meio político estimulou a discussão por novas soluções para os problemas
derivados dos CPRs. O meio político reconheceu a necessidade de desenvolvimento do CPR
como uma unidade, de modo a usar a energia primária do reservatório conjugado com a
introdução das técnicas de recuperação disponíveis, com o objetivo de atingir um
aproveitamento máximo desses recursos.
Por isso, a Unitização figura como um instituto desejável em um ambiente cujos
direitos de propriedade são bem definidos entre as partes que compartilham de um CPR, com
o objetivo econômico de dirigir eficientemente as operações de recuperação de produção,
possibilitando a manutenção da pressão necessária ao escoamento dos fluidos dos
reservatórios, prolongando a fase de desenvolvimento complementar até o seu arrefecimento e
posterior abandono, que consiste no pleno esgotamento da capacidade de produção.
Nessa linha de argumentação, Williams (1952) indica que os melhores resultados em
termos de recuperação e conservação de recursos foram alcançados por meio do Instituto da
Unitização. Sob tal instituto, o planejamento do melhor método de recuperação do petróleo,
da localização de poços produtores ou de poços injetores, poderia ser implementado em
conformidade com as melhores práticas da engenharia, sem levar em conta as linhas de
direitos de propriedade que impunham restrições ao melhor aproveitamento desses CPRs.
Esta seção destacou os principais fundamentos da indústria com ênfase no processo de
Exploração e Produção dos hidrocarbonetos: as questões técnicas de natureza migratória e do
Ciclo de Vida de um Campo; as questões legais, contratuais e a Unitização, com ênfase na
regra da captura e os direitos de propriedade; as questões políticas e econômicas, destacando
as origens do Instituto da Unitização.
Neste capítulo foram apontados os elementos considerados relevantes para a discussão
sobre o Instituto da Unitização, dividido em duas seções nas quais foram tratados os
fundamentos dos “Common-Pool Resources” – CPRs e as questões motivadoras ao Instituto
da Unitização.
37
No próximo capítulo será apresentado o referencial teórico utilizado na análise dos
capítulos posteriores. Serão destacadas questões referentes ao risco, os incentivos, a questão
da eficiência alocativa, as contribuições da Teoria dos Direitos de Propriedade, Custos de
Transação, Teoria dos Contratos e Desenho de Mecanismos.
38
3. ANÁLISE ECONÔMICA – REFERENCIAL TEÓRICO
Enquanto a obrigatoriedade de se celebrar acordos de Unitização é um dos aspectos
restauradores da eficiência na exploração do CPR, esta não é suficiente para alinhar
os incentivos de desenvolvimento do mesmo entre as empresas vizinhas. Tanto o
processo de negociação pode ser excessivamente oneroso – as negociações podem
durar anos até que um acordo seja assinado –, como sua conclusão não garante que
as partes tenham seus incentivos alinhados num interesse comum (PEREZ, 2009).
Para a autora, a assimetria de informação entre os agentes econômicos sinaliza riscos
para todas as partes engajadas nos processos de desenvolvimento unitizado. O Estado atua
como um agente provedor de incentivos, ditando regras que norteiam as diversas negociações
da indústria petrolífera. Sua função objetivo é orientada a atuar de forma eficiente e eficaz por
meio de seu poder coercitivo, sempre em busca da maximização do bem-estar social, ao
menor custo para a sociedade.
Perez (2009) orienta que para uma análise apropriada do Instituto da Unitização é
exigido que as características do ambiente econômico onde estes institutos são formados
sejam levadas em conta. A autora salienta que as regulações dos Acordos de Unitização
costumam responder ao problema de coordenação da exploração por meio da imposição legal
para ratificação desses acordos.
Esse fato é motivado por um processo de barganha entre diversos atores econômicos,
que, em suas negociações se deparam com um leque amplo de circunstâncias que são
determinantes para a tomada de decisão. As interpretações das empresas quanto às
características de um CPR são diversas e recebem tratamento confidencial por parte delas. A
informação é estratégica para o jogo de barganha num processo em que se discutem soluções
para as problemáticas inerentes aos CPRs. A omissão da informação pode surgir como
potencial aumento do poder de barganha da parte bem orientada. O papel do regulador em
interferir nesse jogo de barganha é de fundamental importância para se alcançar um resultado
que satisfaça o objetivo principal da sociedade, o de maximização do bem-estar social, ou em
termos econômicos mais específicos, para a minimização do peso-morto da sociedade. Esse
processo caracteriza o ambiente econômico onde ocorrem os jogos de barganha.
39
3.1 RISCOS E INCENTIVOS DA INDÚSTRIA
Bindemann (1999) explica que a exploração, o desenvolvimento e a produção de
hidrocarbonetos são caracterizados por grandes investimentos em capital, projetos com longo
tempo de maturação, informação assimétrica, e na maioria dos casos, diferenças significativas
nas habilidades dos agentes econômicos de suportar os riscos inerentes dos empreendimentos
de petróleo e gás natural. Assim, os contratos são potencialmente instáveis e tanto o principal
como os agentes podem querer renegociar seus contratos em algum ponto no tempo. As
incertezas sobre o risco e retorno podem induzir uma ou ambas as partes engajadas no
processo a não ir adiante, desistindo, assim, de suas oportunidades de investimentos.
Tordo (2007) orienta que o perfil de risco dos projetos de exploração e produção de
petróleo e gás natural é suscetível a mudanças ao longo do ciclo de vida dos projetos. Esses
riscos podem ser agrupados em três categorias:
a) Geológico;
b) Financeiro;
c) Político.
A autora orienta que, em termos gerais, enquanto o risco geológico tende a arrefecer
após a descoberta, os riscos políticos e financeiros apresentam comportamento oposto, tendem
a se intensificar e aumentar. Essa afirmação deriva do fato da observação de motivações
estratégicas que geram volatilidade aos mecanismos de exploração, desenvolvimento e
produção. Como exemplo, podemos citar os balanços temporais de alocações do poder de
barganha e a possibilidade de mudanças estratégicas de interação entre os agentes, tanto por
parte dos atores privados, quanto por parte dos atores governamentais, durante o ciclo de vida
dos projetos de petróleo e gás natural.
Para visualizar esse problema, basta observarmos que no início da produção as
empresas assumem decisões de investimentos baseadas em conjunturas econômicas dadas,
cujas previsões de preços do petróleo, da estabilidade das normas legais, da organização dos
mercados e das estruturas tecnológicas são todas variáveis aleatórias que impactam
diretamente no processo de valoração dos projetos de investimentos. Uma vez que uma
decisão é implementada, o investimento realizado nesta oportunidade pode ser considerado
como um investimento em capital em t = 0 e pode ser tratado como um custo afundado para o
40
agente, pois a capacidade instalada em um país estrangeiro representa uma fonte potencial de
vulnerabilidade para o investidor16.
Embora muitas das variáveis que afetam os riscos associados aos projetos de
exploração e produção de petróleo e gás natural estejam além dos controles governamentais,
como por exemplo a descoberta de novos campos petrolíferos, o tipo de substância descoberta
(petróleo ou gás natural), o tamanho do reservatório e a tecnologia apropriada para o
desenvolvimento e produção, dentre outros, os governos podem tomar medidas que
minimizem essas incertezas. Alguns incentivos incluem o provimento de um ambiente
favorável e estável à tomada de decisão dos agentes privados, pela provisão de instrumentos
regulatórios concisos que estabeleçam normas claras, a disponibilidade de acesso às
informações de conteúdos geológicos e geofísicos, o reforço da estabilidade macroeconômica
e fiscal, a melhoria da transparência e “accountability”17 e a promoção da estabilidade dos
contratos.
Os incentivos são, portanto, as principais características que os atores econômicos
observam ao negociarem contratos. Esses atores formam suas expectativas e orientam suas
decisões em relação aos investimentos em exploração e produção de petróleo e gás natural,
considerando em suas análises um balanço adequado ao seu tipo, riscos e incentivos inerentes
aos processos em que atuam. Esses atores estão sempre em busca de uma proposta eficiente
para alocação dos seus recursos.
3.2 O PROBLEMA DA EFICIÊNCIA ALOCATIVA
A questão da eficiência econômica é usualmente discutida no sentido de “eficiência
alocativa”, ou seja, em função da alocação tanto da produção quanto do consumo de bens e
serviços. Admitindo-se, por simplicidade, que se tem por objetivo maximizar a eficiência de
um sistema econômico, teremos uma solução eficiente se conseguirmos uma alocação de
recursos que maximiza o valor das utilidades de todos os agentes desse sistema econômico.
16
Como exemplo, podemos destacar o caso ocorrido na Bolívia, que decidiu nacionalizar a exploração dos
negócios de petróleo e gás no país. O presidente boliviano ordenou a ocupação pelo Exército dos campos de
produção das empresas estrangeiras no país.
17
De acordo com Pinho & Sacramento (2009), “não existe um termo único em português que defina a palavra
accountability, havendo que trabalhar com uma forma composta. Buscando uma síntese, accountability encerra a
responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um cargo em prestar contas segundo os
parâmetros da lei, estando envolvida a possibilidade de ônus, o que seria a pena para o não cumprimento dessa
diretiva.
41
Pelo Primeiro Teorema da Economia do Bem-Estar Social pode-se mostrar que em
uma situação de concorrência perfeita o comportamento dos agentes conduz a uma situação
de equilíbrio competitivo de mercado que maximiza a utilidade global e que é (Pareto)
eficiente. Em síntese, a opção de mercado apresenta ganhos de eficiência, e por meio do seu
postulado pode-se mostrar que o sistema de preços leva a um ponto ótimo alocativo.
Porém, os mercados não são perfeitos e apresentam falhas. Em uma série de situações
reais podemos identificar falhas de mercado, ou seja, em situações que o mercado pode
conduzir a soluções não eficientes.
Pindyck & Rubinfeld (2006) apontam como exemplos de falhas de mercado:
a) Poder de Mercado, situações em que há imperfeições na concorrência, como
exemplo os casos de monopólio e oligopólio;
b) Bens Públicos, que pode ser disponibilizado por um custo menor para muitos
consumidores, mas, uma vez disponibilizado, torna-se difícil evitar que outras
pessoas o consumam;
c) Assimetria de Informação, fenômeno que ocorre quando dois ou mais agentes
econômicos estabelecem entre si uma transação econômica com uma das partes
envolvidas detendo informações qualitativa ou quantitativamente superiores às da
outra parte;
d) Externalidades, que não passam pelo sistema de preços; como exemplo,
podemos citar as externalidades dos CPRs. Na presença de externalidade, o custo
de oportunidade social de um bem ou serviço difere do custo de oportunidade
privado, fazendo com que haja incentivos não eficientes do ponto de vista social.
Portanto, externalidades referem-se ao impacto de uma decisão sobre aqueles que
não participaram dessa decisão.
Os itens acima são muito importantes quando analisados sob a problemática dos
CPRs, e a justificativa tradicional para a existência da regulação econômica é a necessidade
de corrigir essas falhas de mercado.
Libecap & Smith (1999) formularam um modelo teórico com o objetivo de avaliar os
resultados econômicos do Instituto da Unitização18. Os autores apresentaram três soluções
para o desenvolvimento e operação de CPRs de petróleo e gás natural:
18
Modelagem matemática disponível no Anexo I.
42
a) Desenvolvimento Competitivo: representa uma situação em que não há
associação ou sequer algum acordo de cooperação entre os agentes. Estes
assumem o desenvolvimento independente no âmbito de um determinado CPR.
Em um jogo de barganha bilateral o desenvolvimento competitivo é
essencialmente o ponto de desacordo entre as partes.
b) Desenvolvimento Partilhado: representa uma situação em que a produção se dá
nos limites de um mesmo CPR. Existe um processo de negociação privada no
qual as partes ratificam um acordo, em que a apropriação de cada substância
disponível poderá ser atribuída a um ou a outro agente. Em outras palavras,
poderá ser negociada a participação do petróleo para o agente A, e, em
contrapartida, a participação do gás natural para o agente B. Cada parte terá
direito ao resultado econômico produzido por sua determinada substância de
interesse negociada no âmbito daquele CPR.
c) Desenvolvimento Unitizado: representa uma situação na qual existe acordo
para o desenvolvimento de uma unidade independente da produção. A
constituição da unidade parte de um processo negocial entre as partes, por meio
do qual são determinados e fixados os respectivos direitos à apropriação das
substâncias. De acordo com o processo, existe uma coordenação das atividades
de exploração e produção, em que os lucros são distribuídos de acordo com os
respectivos acordos de participação naquele CPR. Portanto, o desenvolvimento
unitizado constitui-se numa solução indivisível, conduzida por um único
operador indicado pelas partes, que detém o objetivo (social) de maximização da
produção de petróleo e gás natural daquele CPR.
O desenvolvimento partilhado constitui-se como uma alternativa entre os opostos,
desenvolvimento competitivo e unitizado. Mesmo que as partes não concordem com uma
negociação por suas dotações iniciais para se estabelecer um objetivo único e indivisível, os
agentes podem implementar uma solução de coordenação limitada, por meio do alcance de
acordos que mitiguem os desperdícios e melhorem a performance de produção daquele CPR.
Por exemplo, as partes podem acordar com a divisão total dos interesses, ou seja, um agente
A, assume sua posição em petróleo e um agente B em gás natural, estabelecendo a repartição
dos lucros da produção do CPR de acordo com os lucros advindos das respectivas substâncias.
Esta solução, entretanto, pode gerar externalidades negativas, pois pode haver um
potencial conflito de interesse entre os agentes, uma vez que a parte que detém direitos sobre
43
o gás natural pode ter incentivos em acelerar a extração do produto, mesmo que a solução
mais rentável, do ponto de vista social, seja à manutenção da pressão no reservatório para
estimular a produção de petróleo. Assim, o desenvolvimento partilhado pode ser considerado
uma solução intermediária em relação à solução ótima, que por hipótese, constitui-se na
Unitização.
A ênfase da análise econômica concentra-se efetivamente na questão da eficiência
alocativa devido à impossibilidade de se comparar adequadamente níveis de utilidade
distintos dos agentes econômicos.
Libecap & Smith (1999) destacam alguns pontos que foram observados em um estudo
empírico conduzido por ambos os pesquisadores. Os autores apontam que o desenvolvimento
partilhado foi verificado com maior frequência em sua amostra de casos. Os autores destacam
um outro aspecto que pode contribuir para a escolha entre a solução do desenvolvimento
unitizado e o desenvolvimento partilhado e está relacionado com questões regulatórias do
país. A modelagem sugerida por Libecap & Smith (1999) trabalha por uma outra perspectiva
observada na literatura americana, que trata das questões que envolvem o Instituto da
Unitização. Os resultados observados pelos autores são significativamente divergentes da
literatura tradicional, pois consideram a introdução de uma segunda substância na análise da
problemática dos CPRs, o gás natural. Essa abordagem abstrai-se de questões inerentes aos
problemas de barganha entre as partes e as questões referentes aos custos de transação, que
dificultam a implementação de acordos entre os agentes. Os autores buscam pontuar
teoricamente as pressuposições de que uma vez ratificado o desenvolvimento unitizado, este
seja (Pareto) superior em relação a outras soluções.
A literatura tradicional que trata dos benefícios do Instituto da Unitização concentra-se
na questão da homogeneidade da substância encontrada no CPR. Uma vez que uma segunda
substância é introduzida no processo, a modelagem conduzida pontua que existem soluções
mais desejadas; no caso em tela, o desenvolvimento partilhado é apontado como mais
favorável do que a Unitização para o desenvolvimento das operações, mesmo com o
relaxamento das hipóteses de barganha e custos de transação.
Libecap & Smith demonstram que a coordenação entre agentes para se alcançar uma
estrutura de desenvolvimento unitizado é muito complexa. Enquanto que a Unitização
compulsória tenha sido vista como uma solução útil, incentivada por mecanismos regulatórios
governamentais, estes podem ser vistos como motivadores de soluções inalcançáveis por parte
dos agentes que se engajam nessas atividades e conduzem as negociações privadas.
44
Finalmente, os resultados da modelagem sugerem que nem todos os resultados podem
ser motivados por questões equitativas. Os autores destacam que é comum se verificar na
indústria de petróleo e gás natural algumas referências de que caso o desenvolvimento
unitizado seja implementado, é essencial que as negociações finalizem o mais breve possível,
com objetivos bem alinhados. Porém, isto não significa que o CPR foi completamente
unitizado.
Questões remanescentes dessa análise ainda ficam em aberto: como e quando um
planejador central deve incentivar a implementação do Instituto da Unitização? Qual o
impacto dos custos de transação para a implementação de tais acordos? Como as instituições
reagem aos incentivos regulatórios? Para os autores, essas respostas estão muito distantes de
serem óbvias, e envolvem claramente um vasto potencial para novas abordagens e
desenvolvimento teórico sobre o assunto.
3.3 A TEORIA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE E OS CUSTOS DE
TRANSAÇÃO
“Os direitos de propriedade são instituições sociais que definem ou delimitam o
intervalo de privilégios concedidos aos indivíduos para se usufruir os benefícios de recursos
específicos” (LIBECAP apud KIM & MAHONEY, 2002). O direito à propriedade privada
pode envolver o direito de excluir os não-proprietários do acesso, o direito de transferência e
apropriação de rendas econômicas do consumo, e o direito de venda a terceiros. Segundo
Coase (1960), é útil analisar a atribuição de propriedade dos recursos como uma combinação
dos direitos tangíveis e intangíveis em vez de considerar somente o direito às propriedades
físicas do recurso. De acordo com esta argumentação, podemos inferir que a estrutura
particular do direito de propriedade em uma economia irá influenciar a alocação e utilização
dos recursos ou bens econômicos.
A literatura que trata da teoria dos direitos de propriedade recebeu novos contornos
com a evolução dos trabalhos de Grossman e Hart (1986) e Hart e Moore (1990). Kim &
Mahoney (2002) referem-se a essa corrente da literatura de pesquisa como “a moderna teoria
dos direitos de propriedade”, distinguindo-a da literatura clássica dos direitos de propriedade
atribuída a Coase (1959, 1960), Alchian (1965, 1969), Demsetz (1964, 1966, 1967), Alchian
& Demsetz (1972, 1973), Furubotn Pejovich (1972), entre outros. Outras contribuições
45
teóricas e empíricas podem ser referenciadas a North (1981, 1990), Cheung (1983), Libecap
(1989), Eggertsson (1990), entre outros.
Os primeiros trabalhos de Coase, Alchian e Demsetz formularam as bases não só para
as duas correntes das teorias dos direitos de propriedade, mas também para a teoria de custos
de transação (WILLIAMSON, 1975, 1985) e a teoria da agência (HOLMSTROM, 1979;
FAMA e JENSEN, 1983). A teoria “clássica” dos direitos de propriedade confere uma maior
atenção ao contexto histórico e institucional, as formas e as mudanças de direitos de
propriedade. Já os trabalhos desenvolvidos por Grossman e Hart (1986) e Hart e Moore
(1990) utilizam-se de técnicas matemáticas avançadas, que modelam direitos de propriedade
estilizados a partir das estruturas de incentivos.
Kim & Mahoney (2002) remetem a obra de Coase (1937, 1960) como o ponto de
partida conceitual para o estudo da teoria dos direitos de propriedade. Os autores observam
que existe uma sinergia nas obras de Coase que relacionam os custos de transação aos
atributos dos direitos de propriedade.
A visão teórica de Coase (1937) em sua obra “The Nature of Firm” trata do paradoxo
da existência da firma, a qual não haveria razão para a sua existência se o mercado, em sua
busca pelo ponto ótimo, funcionasse sem falhas e sem custos. A razão econômica para a
existência da firma como uma alternativa viável ao mecanismo de preços é porque este não
funciona sem falhas e sem custo.
Coase (1937) observou que há uma série de custos de transação ao se acessar os
mercados: custos de pesquisa e informação, de negociação, de proteção dos segredos
comerciais, de fiscalização e monitoramento, que podem aumentar potencialmente o custo de
aquisição de bens e serviços. As firmas surgem como soluções que visam minimizar a
formação dos custos de produtos e serviços, pela internalização desses processos numa
estrutura hierárquica e coordenada. A transação, portanto, é definida como uma troca de
direitos de propriedade entre agentes econômicos, e a firma pode ser visualizada como uma
rede de contratos internos e externos que viabilizam essa transferência de direitos.
Demsetz apud Chaddad (1996, p. 27) apresenta uma interpretação segundo a qual o
direito privado sobre algum recurso, bem ou ativo é identificado quando uma determinada
pessoa possui a autoridade de decidir sobre a utilização deste recurso. Portanto, o que define
um direito de propriedade privado é o direito de exclusão.
46
De acordo com Demsetz apud Chaddad (1996) a questão da eficiência econômica dos
direitos de propriedade também está relacionada aos direitos de propriedade comuns, que
estão sujeitos a grandes externalidades. Segundo Alchian & Demsetz apud Chaddad (1996),
as pessoas que possuem um direito comum tendem a exercer esse direito de forma a ignorar
as consequências dos seus atos. Chega-se à conclusão de que os recursos regidos pela
propriedade comum tendem a apresentar o problema do uso em excesso, o problema da
Tragédia dos Comuns, levando a resultados pouco eficientes para a sociedade como um todo
ou até a extinção do recurso. Quando muitas pessoas possuem o direito de usar um recurso, há
um grande incentivo para seu uso excessivo, como foi apresentado no capítulo anterior.
Assim, a solução do problema para Demsetz apud Chaddad (1996) está na clara
atribuição de direitos de propriedade. Ao se criar um direito de propriedade privado, ocorre o
processo de internalização dos custos e benefícios associados ao direito comunitário. A
concentração destes sobre o detentor do direito privado cria um incentivo para a utilização
mais eficiente do recurso, objetivo principal do Instituto da Unitização. Outra vantagem do
direito privado sobre o comunitário é a redução dos custos de negociação das externalidades
remanescentes. Os custos de transação associados aos direitos comunitários são
excessivamente altos, devido ao problema do carona, dos altos custos de negociação para se
chegar a um acordo e custos de monitoramento de um eventual acordo (ALCHIAN &
DEMSETZ apud CHADDAD, 1996).
As instituições determinam os custos de transação que se adicionam aos custos de
produção. “Quando é custoso transacionar, as instituições importam” (NORTH apud
CHADDAD, 1996 p. 30). Para o autor, o ambiente institucional representa as “Regras do
Jogo”, isto é, as restrições que norteiam as interações humanas, em que se dão todas as
transações. Essas restrições são de ordem formal (leis, regras, constituições, regulamentações
etc.) e também podem ser informais (normas de comportamento, convenções sociais, códigos
de conduta etc.). Historicamente, as instituições foram criadas pelo homem para estabelecer a
ordem e reduzir a incerteza nas transações (NORTH apud CHADDAD, 1996 p. 30). Portanto,
o sistema legal faz parte do ambiente institucional e, segundo Khalil apud Chaddad (1996, p.
30), tem o objetivo de contribuir para a clara atribuição e proteção dos direitos de
propriedade.
Arrow apud Williamson (1985, p. 18) define os custos de transação como os “custos
de funcionamento do sistema econômico”. Estes custos devem ser distinguidos dos custos de
produção, que se traduzem na categoria de custos com que a análise neoclássica tradicional
47
observa. Para Williamson (1985) a teoria dos custos de transação coloca o problema da
organização econômica como um problema de contratação.
Williamson (2002), em seu estudo sobre governança, apresenta sua formulação na qual
todos os contratos complexos são incompletos por natureza. Por esta razão, as partes são
confrontadas com a necessidade de adaptar situações não previstas que surgem em razão de
erros, omissões ou lacunas no contrato original. Caso as partes não consigam adaptar os
imprevistos contratuais (devido à racionalidade limitada19), e considerando-se também o
comportamento estratégico destas (devido ao oportunismo), poderão ocorrer quebras
contratuais que serão onerosas para ambas as partes.
O autor identifica dois tipos de custos de transação que afetam diretamente o
desempenho dos agentes econômicos participantes: (1) os custos ex ante de negociar e fixar as
contrapartidas e salvaguardas do contrato, e, principalmente; (2) os custos ex post de
monitoramento, renegociação e adaptação dos termos contratuais às novas circunstâncias.
Estes custos estão presentes, com diferentes intensidades, segundo as características das
transações, tanto quanto essas são mediadas pelo mercado, quanto são realizadas no interior
de uma firma (WILLIAMSON apud FAGUNDES, 1997). As principais implicações das
hipóteses comportamentais acima apresentadas são:
a) Contratos complexos mostram-se necessariamente incompletos;
b) Não se pode estabelecer uma relação de confiança entre agentes econômicos
pelo simples fato da existência de um contrato entre as partes, portanto, os
riscos são inerentes à relação contratual;
c) É possível agregar valor às firmas por meio de organizações que objetivam
salvaguardar transações que evitem o comportamento oportunista dos agentes.
Neste caso, estruturas de governança que mitigam estes impasses contratuais possuem
mérito. Quando está em jogo a racionalidade limitada, o comportamento oportunista e a
assimetria de informação, as disputas litigiosas por uma solução passam a ser custosas e
incertas. O ordenamento privado, isto é, os esforços para constituição de estruturas de
governança que suportem as relações negociais durante a implementação do contrato são
vistos como necessários. Neste contexto Williamson (1979) identifica três dimensões que
caracterizam as transações:
19
O conceito de racionalidade foi usado por Williamson (1985). Segundo esse conceito, o agente é
intencionalmente racional, mas apresenta limites de obtenção e processamento das informações.
48
a) O nível de incerteza;
b) A frequência que as transações ocorrem;
c) A especificidade dos ativos.
De acordo com Williamson apud Fagundes (1997), a incerteza é um atributo das
transações que exerce influência sobre as características das instituições na medida em que a
maior ou menor capacidade dos agentes em prever os acontecimentos futuros pode estimular a
criação de formas contratuais mais flexíveis que regulem o relacionamento entre as partes
envolvidas na transação. Tal flexibilidade é fundamental num contexto de incerteza, em que o
surgimento de eventos não antecipados implica a necessidade de mecanismos que viabilizem
a adaptação da relação entre os agentes econômicos. A atividade de Exploração e Produção de
hidrocarbonetos pode ser vista como uma atividade de alto grau de incertezas associadas.
A frequência de ocorrência de certo tipo de transação, por sua vez, é importante na
medida em que pode determinar o surgimento de instituições especificamente desenhadas
para sua coordenação e gestão. Quanto maior for a frequência de realização da transação,
maiores serão os incentivos para o desenvolvimento de instituições estruturadas com o intuito
de promoção de uma gestão eficaz.
A especificidade de ativos geralmente é definida como a relação em que os
investimentos são realizados para apoiar uma determinada operação. Estes agregam mais
valor a essa operação específica do que teriam em circunstâncias de realocação desses
recursos para outros fins econômicos. Em relação à especificidade dos ativos, Williamson
(1979) destaca quatro tipos:
a) A localização específica: refere-se à proximidade entre os agentes
econômicos. Um exemplo no contexto da Unitização pode ser associado ao
caso no qual os atores econômicos estabelecem suas estratégias de
desenvolvimento da produção, e a localização ótima dos poços produtores e
injetores é um fator determinante para a eficiência do processo de Exploração e
Produção;
b) Os ativos exclusivos (dedicados): envolvem a capacidade produtiva dos
agentes pela qual existe uma demanda insuficiente fora da relação contratual.
A produção de um determinado componente tecnológico pode exigir
investimentos em equipamentos especializados. Os ativos dedicados são
largamente utilizados ao longo do processo de Exploração e Produção de
49
petróleo, soluções tecnológicas específicas são normalmente desenvolvidas e
implementadas caso a caso;
c) A especificidade física: relacionada a uma situação em que as partes fazem
investimentos em ativos físicos especializados. A distribuição de um
determinado produto poderá exigir a utilização de instalações físicas
específicas. Um bom exemplo pode ser atribuído ao caso da utilização de
ativos específicos para condução dos processos de recuperação de petróleo;
d) A especificidade humana: relações de troca de experiência e conhecimentos
que geram sinergias para ambas as partes da relação contratual. A entrega de
um determinado serviço pode ser baseada na existência de um conjunto raro de
conhecimento e habilidades.
Quando existe um alto grau de especificidade o problema do comportamento
oportunista tende a ser mais acentuado e leva ao surgimento do clássico problema de “hold
up”20. A presença da especificidade dos ativos resulta na observação de excedentes (quasirents) ex post, os quais derivam do fato de que ativos são mais valiosos dentro da transação do
que fora dela. Quando um contrato é renegociado, cada agente – dada a sua natureza
oportunista – tenta extrair da outra parte o máximo que puder desse excedente ex post. A
integração, portanto, é uma solução factível a ser implementada por uma parte, que tem o
objetivo de mitigar o problema de hold up.
Grossman & Hart (1986) e Hart & More (1990) contribuem para a teoria dos contratos
incompletos (teoria dos direitos de propriedade e teoria dos custos de transação), ilustrando o
significado da integração (propriedade comum do ativo) e demonstrando porque problemas
contratuais (custos de transação) existem na ausência de uma propriedade comum.
Uma das principais contribuições para a abordagem dos direitos de propriedade
conduzidas por Grossman & Hart (1986) refere-se aos custos e benefícios da integração
vertical. Como inferência da abordagem, os autores definem que as empresas constituem-se
num arranjo de bens sob propriedade privada. Se existem, no mínimo, dois diferentes ativos
que compõem os direitos de um único proprietário, estes estarão diante de uma única
empresa, e os autores a definem como uma empresa integrada. No caso em que se observam
20
O problema de hold up aparece em situações de contratos incompletos e investimentos específicos em que
uma parte de uma relação contratual pode não estar disposta a investir no ativo específico por temer
comportamentos oportunistas da outra parte e incorrer em prejuízos.
50
proprietários distintos, podemos dizer que as relações entre estes proprietários serão
realizadas por meio dos mecanismos de mercado.
As decisões sobre a propriedade de ativos e, portanto, os limites das firmas, são
importantes no contexto da relação de barganha entre os agentes econômicos quando
relacionamentos duradouros estão em pauta e estes são ratificados pela formalização de
contratos de longo prazo.
Grossman & Hart (1986) e Hart & Moore (1990) definiram a empresa como um
conjunto de direitos de propriedades, focalizando o papel dos ativos físicos numa relação
contratual. Esta abordagem distingue a propriedade em termos de direitos residuais e direitos
de controle dos ativos.
Nesse sentido, os autores citados desenvolveram uma teoria em que o poder está
diretamente relacionado com a propriedade de ativos físicos. O poder é exercido diretamente
pelos proprietários dos ativos, em que a autoridade se consolida por meio dos incentivos e da
manutenção dos investimentos que são específicos à empresa. Para os autores, esses
investimentos revelam-se exclusivos e relevantes somente para a própria empresa, e o seu
valor de transação no mercado é praticamente nulo. Em suma, a autoridade advém da posse
dos fatores de produção e ela se torna mais importante quanto mais frequentes forem as
situações imprevisíveis que necessitam ser arbitradas internamente à empresa.
No entanto, Grossman & Hart (1986) argumentam que não é factível assumir que
todos os conflitos envolvidos em uma relação contratual entre duas empresas não integradas
serão solucionados após a integração delas. Os autores salientam que é possível observar
comportamentos oportunistas dos agentes endogenamente às empresas, e concluem que não
se pode afirmar que a integração irá alterar a especificidade dos ativos.
Dessa forma, o modelo de Grossman & Hart (1986) enfatiza que as falhas de mercado,
oriundas de contratos incompletos, podem impedir que uma parte obtenha o retorno ex post
necessário para compensar o seu investimento realizado ex ante. A integração pode ser
favorável na medida em que uma decisão de investimento de uma empresa é particularmente
importante em relação à outra empresa, ao passo que a separação é desejável quando as
decisões de investimento são irrelevantes.
3.4 A TEORIA DOS CONTRATOS E DESENHO DE MECANISMOS
51
O desenvolvimento das formulações acerca da assimetria de informação na teoria
econômica contribuiu com novos insights de como as falhas de mercado podem ser tratadas
por meio das técnicas formuladas no âmbito da Teoria dos Contratos e Desenho de
Mecanismos.
Salanié (2005) explica que as transações econômicas quase sempre ocorrem sob
informação assimétrica, ou seja, pelo menos uma das partes envolvidas na transação tem mais
informação do que a outra. Podemos citar muitos exemplos reais de situações em que
observamos assimetria de informação: o tomador de empréstimo sabe mais sobre a sua
capacidade de pagamento do que o banco, o vendedor normalmente sabe mais sobre o produto
do que o comprador, o funcionário sabe mais sobre o seu empenho do que o empregador e
quando as empresas sabem mais sobre seus custos de produção do que as agências
reguladoras – este último pode ser associado ao caso específico da Unitização. Portanto,
podemos esperar que, de posse de informação privada, o ator econômico pode apresentar um
comportamento manipulador, explorando as suas oportunidades por dominar melhor a
informação disponível.
Uma das consequências mais relevantes da existência de informação assimétrica numa
relação contratual é a presença de comportamentos oportunistas entre os agentes. Exemplos
clássicos desses comportamentos oportunistas são conhecidos como os problemas da seleção
adversa e do risco moral.
Seleção adversa é um problema de informação assimétrica que ocorre antes de uma
transação ocorrer, ou seja, o comportamento oportunista de um agente econômico pode ser
observado ex ante em uma relação contratual. Um exemplo clássico do problema de seleção
adversa pode ser atribuído a Akerlof (1970), em seu artigo “The Market for ‘Lemons’:
Quality Uncertainty and the Market Mechanism”. O trabalho investiga relações entre
qualidade e informação e quais as suas implicações no funcionamento dos mercados. Akerlof
procura demonstrar que a existência de diferentes qualidades de bens, associada à falta de
informação dos compradores no mercado pode levar a uma redução da qualidade ou mesmo
extinção deste. Para concretizar as suas ideias Akerlof usa como exemplo o mercado de carros
usados nos Estados Unidos.
Um outro exemplo clássico pode ser atribuído a Spence (1973), que destaca que as
contratações no mercado de trabalho se dão basicamente sobre a presença do problema de
seleção adversa já que o empregador, na maioria das vezes, não tem certeza sobre as
habilidades dos candidatos ao emprego antes de contratá-lo, e geralmente continua sem saber
52
por algum período depois da contratação. Contratar empregados, para Spence, nada mais é do
que investir sob incerteza.
Na Unitização as restrições das informações por parte das empresas tornam-se
relevantes em termos de estratégia de negócios, de forma que suas concorrentes não se
beneficiam dessas informações. Por esta razão, cada empresa tenta preservar informações que
dizem respeito à sua estrutura de custos, capacidade financeira, pesquisa e desenvolvimento e
outros aspectos que possam influenciar as estratégias de suas concorrentes.
A teoria do principal-agente vem sendo desenvolvida na tentativa de explorar a
questão dos incentivos nas organizações e nos contratos. Na visão de Hart (1995) esta
abordagem está relacionada com as questões relativas tanto à assimetria de informações
quanto àquelas relacionadas aos direitos de propriedade, uma vez que estes últimos possuem
efeitos em termos de incentivos.
Na década de 1970, vários economistas engajaram-se em uma nova maneira de estudar
as relações econômicas. A chamada teoria dos contratos evoluiu a partir de lacunas advindas
da teoria do equilíbrio geral. A teoria do equilíbrio geral foi capaz de produzir generalizações
poderosas e capazes de lidar com os problemas da incerteza e das externalidades. No entanto,
as obras produzidas por Akerlof (1970), Spence (1973) e Rothschild e Stiglitz (1976)
mostraram que algumas questões em torno da informação assimétrica representavam um
grande desafio teórico, e estes problemas não podiam ser satisfatoriamente tratados por meio
de uma generalização da teoria de Arrow-Debreu (LAFFONT & MARTIMORT, 2001, p. 3).
Quando os economistas começaram a analisar mais atentamente os problemas das
firmas, os incentivos se tornaram o foco central das suas inferências. O proprietário da firma,
o “principal”, deve delegar várias tarefas aos membros da empresa, os “agentes”. Esta
interação entre principal-agente representa o problema da gestão dos fluxos de informação.
Laffont & Martimort (2001) destacam que a teoria dos incentivos surge com a divisão
do trabalho, dada à necessidade de delegação de atividades. Historicamente, os primeiros
contratos puderam ser estudados em relações agrícolas, quando os latifundiários contratavam
mão de obra para suas lavouras. Adam Smith apud Laffont & Martimort (2001) destaca o
conflito de interesses entre dois agentes econômicos e reconhece que o poder de negociação
não é uniformemente distribuído entre eles, os latifundiários geralmente tinham todo o poder
de barganha. Na linguagem da teoria dos contratos, o latifundiário seria o principal e os
trabalhadores, os seus agentes.
53
Laffont & Martimort (2001) também identificam na obra de Adam Smith uma das
restrições do modelo do principal-agente, que se constitui na restrição de participação dos
agentes, a qual baliza os limites de negociação entre principal e agente em suas relações
comerciais. Smith apud Laffont & Martimort (2001) “um homem deve sempre viver do seu
trabalho, e o seu salário deve ser pelo menos suficiente para mantê-lo”. Para os autores, Adam
Smith não teria uma visão dos agentes econômicos como maximizadores de utilidade no
longo prazo; em sua visão, preocupava-se com as consequências dos incentivos de alta
potência para maximizadores no curto prazo.
No entanto, os autores apontam Barnard (1938) como o pensador a quem
provavelmente possa ser creditada a primeira tentativa de definir uma teoria geral dos
incentivos à gestão. Barnard tinha uma visão ampla de incentivos, envolvendo tanto o que
poderíamos, atualmente, chamar de incentivos monetários e não monetários. Barnard
reconheceu que os contratos de incentivo não excluem todas as atividades dentro de uma
organização. A distribuição da autoridade ao longo de canais de comunicação também é
necessária para realizar a coordenação e promover a cooperação entre os agentes econômicos.
Numa linguagem mais atual, Barnard enfatiza que a incompletude dos contratos e a
racionalidade limitada dos membros da organização exigem que alguns líderes tenham
autoridade para tomar decisões em circunstâncias não previstas pelos contratos.
Laffont & Martimort (2001) destacam que o trabalho de Barnard enfatizou a
necessidade de induzir níveis de esforço mais apropriados aos membros da organização, e
modelar relações de autoridade dentro da instituição, que tinham como objetivo conferir um
tratamento adequado à imperfeição dos contratos e prover incentivos necessários à gestão da
organização.
Laffont & Martimort (2001) citam, também, a contribuição de Leonid Hurwicz, que
ilustra os princípios da teoria do desenho de mecanismos. Quando os teóricos do equilíbrio
geral buscaram estender os mecanismos de alocação de recursos para ambientes convexos,
eles perceberam que novas questões de comunicação e incentivos surgiram:
Em uma perspectiva mais ampla, esses resultados sugerem a possibilidade de um
estudo mais sistemático dos mecanismos de alocação de recursos. Nesse contexto,
ao contrário da abordagem mais tradicional, o mecanismo passa a ser o componente
desconhecido do problema ao invés de um elemento de referência. [...] Os membros
de um tal domínio (de mecanismos) pode então ser avaliados em termos das suas
várias “características de desempenho” e, em particular, das suas propriedades
54
(estáticas e dinâmicas) de otimização, a sua eficiência informacional e a
compatibilidade do seu comportamento postulados com o autointeresse (ou outras
variáveis motivacionais) (HURWICZ, 1960, apud LAFFONT & MARTIMORT,
2001, p. 25).
Hurwicz (1973) atribui grande impulso à teoria econômica por formulações
desenvolvidas na década de 1940, as quais o autor denomina de mecanismos. Os três
principais mecanismos destacados pelo autor em sua obra são:
a) Programação linear e
otimização, estudos conduzidos por Dantzig,
Kantorovitch, Koopmans;
b) Teoria dos Jogos, incluindo os procedimentos de soluções interadas; o autor
cita os trabalhos de Von Neumann & Morgenstern, George Brown e Julia
Robinson como referências;
c) Descobertas sobre as relações informacionais de conexão para a programação
(linear ou não linear), jogos bilaterais de soma zero, e os multiplicadores de
Lagrange, como os principais pensadores Gale, Kuhn e Tucker.
Hurwicz (1973) orienta que questões informacionais apresentam-se como um
problema potencial, pois existe uma grande dificuldade de se obter todas as informações
relevantes para a tomada de decisão do “principal”, isto porque a informação está dispersa por
toda a economia. A suposição natural é que, inicialmente, cada unidade econômica possui
somente informação própria: os consumidores, sobre as suas respectivas preferências; os
produtores, sobre as suas tecnologias; e os proprietários de recursos, sobre os recursos. Uma
tentativa de transferir toda a informação a um único centro para cálculo e quantificação de
objetivos é considerada como impossível (no sentido de que muita informação seria perdida)
ou demasiadamente onerosa. As unidades econômicas também são capazes de realizar
cálculos, e esses procedimentos são considerados como informacionalmente descentralizados.
O mecanismo pode ser visto como um diálogo entre as unidades de produção (que
conhecem as suas tecnologias e as suas contribuições para a função objetivo) e um “principal”
que sabe o total de recursos disponíveis. Um aspecto do diálogo é que o principal propõe
preços experimentais para os recursos enquanto as unidades de produção desenvolvem
programas que visam à maximização do lucro (com preços tratados parametricamente). À luz
destes programas, o principal revê os preços propostos.
55
Hurwicz (1973) salienta que um mecanismo de alocação de recursos é uma função que
orienta os agentes econômicos (órgãos governamentais, produtores, consumidores, banqueiros
dentre outros) nas decisões que determinam o fluxo de recursos da economia. Simplificando o
processo, cada agente tem diante de si uma decisão com um ou mais parâmetros para
definição, e a seleção das decisões dos agentes determina um único fluxo de bens e serviços
(vetor comércio) entre cada par de agentes e também a produção de cada agente (vetor inputoutput). Nem todas as seleções são possíveis, e algumas só são possíveis em conjunto com
outras seleções. Assim, a viabilidade de um complexo de decisões (uma combinação
específica de seleções dos agentes para toda a economia) pode ser dividida em restrições
individuais de participação e a compatibilidade de incentivos destes.
Outro destaque para a técnica, de acordo com o autor, trata do critério utilizado para
otimização, que pressupõe que um mecanismo particular não pode servir como um critério
legítimo para efeitos de comparação com outros mecanismos. Especificamente, um
mecanismo para ser melhor do que outro dependerá de sua viabilidade sobre as preferências,
das dotações iniciais e da tecnologia utilizada pelos indivíduos. As dotações iniciais, a
tecnologia e as preferências, tomadas em conjunto, são referidas como o ambiente do jogo. O
ambiente é definido como o conjunto de circunstâncias que não pode ser alterado pelo
designer (principal) do mecanismo ou pelos agentes (participantes).
O diálogo é uma troca de mensagens entre os jogadores. A natureza é o conteúdo das
mensagens que variam de mecanismo para mecanismo. Podem ser propostas de ações, ofertas
de planos de fluxo de recursos para toda a economia, ou podem conter informações sobre o
ambiente (preferências, tecnologias, dotações de recursos). A totalidade das mensagens
admissível no âmbito de um determinado mecanismo constitui o seu idioma.
O início do diálogo acontece quando há um envio de mensagens por parte dos agentes
periféricos para o principal, descrevendo seus respectivos componentes do ambiente (por
exemplo, suas dotações iniciais e suas funções de produção), ficando o principal responsável,
após o processamento de dados e cálculos apropriados, a encaminhar aos agentes periféricos
as orientações para a execução da ação. Esse processo é conhecido como mecanismo de
ajustamento.
56
Θ
f (θ )
θ
X
ξ ( M , g ,θ )
M,g
Figura 7: O diagrama de Stanley Reiter – ilustração de um jogo de desenho de mecanismos
Fonte: Site da internet, http://en.wikipedia.org/wiki/Mechanism_design
A Figura 7 apresenta a representação do diagrama de Stanley Reiter, que ilustra um
jogo de desenho de mecanismos. O retângulo superior esquerdo representa o espaço dos tipos
de agentes ( Θ ) , enquanto que o retângulo superior direito representa os espaços de “payoffs”
( X ) . A função de escolha social
f (θ ) representa o resultado do jogo de um determinado
tipo de agente. Nos jogos de desenho de mecanismo, os agentes enviam mensagens M num
sistema de jogo g . O equilíbrio do jogo ξ ( M , g ,θ ) pode ser desenhado para implementar
uma escolha social específica f (θ ) .
Hurwicz (1973) considera uma situação em que os participantes não são inclinados a
seguir as regras do jogo e acabam por adotar comportamentos oportunistas. Como exemplo,
vamos supor uma agência governamental que não possui o conhecimento das características
dos participantes do jogo (suas preferências, tecnologias, ou dotações iniciais). Um
participante pode tentar “burlar” as regras, omitindo suas características reais; ele pode
“fingir” ser inferior do que realmente é, ou menos eficiente, ou menos interessado em
determinada mercadoria. Este jogador não estaria fazendo isso diretamente por proferir
declarações falsas, mas de forma indireta, comportando-se inadequadamente de acordo com
as regras do jogo e as suas reais características.
Laffont & Martimort (2001) apontam que a grande conquista dessa teoria foi a
formulação e compreensão do Princípio da Revelação. Esse princípio mostra que, sob seleção
adversa e risco moral, qualquer mecanismo de organização da sociedade é equivalente a um
mecanismo de compatibilidade de incentivos, por meio do qual todos os agentes informados
revelam a sua informação privada para um planejador que recomenda ações. O Princípio da
Revelação proporcionou o instrumental teórico para a análise normativa das economias com
57
informação assimétrica e contratos que podem ser escritos com todas as variáveis observáveis.
O mecanismo traduz-se numa metodologia para estudar a teoria pura de incentivo.
Por fim, outro mecanismo destacado por Hurwicz faz referência à Teoria dos Jogos.
Essa teoria reúne um conjunto de técnicas e métodos matemáticos desenvolvidos em modelos
de situações de conflitos de interesses. Dias (2009) orienta que uma ferramenta neoclássica
para análise de competição imperfeita é a teoria dos jogos não-cooperativos, e esta também
permite analisar interações estratégicas de cooperação entre agentes. Segundo Dias, a
cooperação pode emergir como um equilíbrio do jogo, se for ótimo cooperar.
Nos próximos capítulos serão apresentados os atributos básicos dos processos de
negociação de acordos de Unitização. Este capítulo procurou sintetizar as formulações da
Teoria Econômica que são úteis para o desenvolvimento da análise econômica do Instituto da
Unitização. Questões como o acesso à informação, o timing das negociações e os processos de
resolução de conflitos são muito importantes para o sucesso desse processo de barganha entre
os agentes econômicos.
A Tabela 1 foi elaborada com o objetivo de comparar os assuntos supracitados de
forma simples e resumida.
Comparação das Teorias - Organização e Contratos
Teoria dos Contratos e
Desenho de Mecanismos
Teoria dos Direitos de
Propriedade
Teoria de Custo da Transação
Unidade de análise
Dimensão focal
Interesse de custo focal
Agente
Incentivos
Perda Residual
Instituição
Direitos de propriedade
Externalidades
Transação
Vários tipos de ativos específicos
Problemas de hold up
Foco contratual
Ex ante : Alinhamento de
incentivos e mecanismos de
revelação
Ex ante: Atribuição de direitos
de propriedade
Ex post: resolução de conflitos
Ex post : Escolha do mecanismo
de governança
Orientação teórica
Otimização com restrições de
compatibilidade de incentivos e
restrições de participação dos
Agentes
Avaliação comparativa
Avaliação comparativa
Objetivo estratégico
Visão do Principal
Visão do Principal
Visão do Principal
Fontes de fricção no mercado
Racionalidade limitada,
Externalidades claramente
Informação assimétrica, aversão
incerteza, informação
observáveis e difícil atribuição de
a risco (Agentes)
assimétrica, oportunismo, e
direito de propriedade
especificidade de ativos
Tabela 1: Comparação entre teorias selecionadas
Fonte: O autor, adaptado de Kim & Mahoney (2002)
58
4. O INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO
Neste capítulo, dividido em duas seções, são caracterizados as questões que motivam
negociações em prol da Unitização e os tipos de acordos a ela relacionados: a primeira, que
trata dos problemas a serem resolvidos; e a segunda, que apresenta os tipos de acordos
associados às principais fases.
4.1 A QUESTÃO DA UNITIZAÇÃO
A discussão acerca da Unitização surge quando uma jazida de petróleo ou gás
natural se estende por dois ou mais blocos contíguos, cujos direitos de exploração e
produção pertencem a concessionários diferentes [...] Devido à característica
migratória do petróleo e do gás natural, os hidrocarbonetos inicialmente situados
num bloco fluirão e serão produzidos através de um poço perfurado num bloco
contíguo (BUCHEB, 2005, p. 204).
Pedroso & Abdounur (2008) ressaltam que os aspectos práticos da negociação de um
Acordo de Unitização podem ser tão ou mais complexos que os aspectos teóricos de tal
instituto, uma vez que as partes têm que chegar ao acordo, num ambiente de incertezas acerca
dos valores e parâmetros aceitáveis para ambas as partes, dentro de um conceito de
cooperação induzida, que visa à preservação de valor para cada agente e a exploração não
predatória da(s) jazida(s) de petróleo e gás natural, que é o objetivo do principal.
Os autores salientam que um processo de Unitização não conduz a uma parceria de
livre iniciativa entre dois ou mais concessionários, mas sim a uma parceria mandatória e
incentivada pelo poder regulatório de um país, ao contrário dos processos tradicionais de joint
ventures21 entre companhias de petróleo.
Esse fato resulta em escolhas extremamente complexas por parte dos agentes, cujas
contingências são negociadas e acordadas entre as partes por meio de um documento formal,
denominado Contrato, que institui as regras do jogo para todas as partes envolvidas no
processo de Unitização.
21
Conforme definido na Wikipédia, a enciclopédia livre, “Joint venture é uma associação de empresas, que pode
ser definitiva ou não, com fins lucrativos, para explorar determinado(s) negócio(s), sem que nenhuma delas
perca sua personalidade jurídica. Difere da sociedade comercial (partnership) porque se relaciona a um único
projeto
cuja
associação
é
dissolvida
automaticamente
após
o
seu
término”.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Joint_venture
59
A Figura 8 apresenta esquematicamente a motivação para Unitização.
Visão em Perfil
Bloco 1
Bloco 2
Concessionário A
Concessionário B
Campo
Jazida de Petróleo
Figura 8: Jazida se estendendo por blocos vizinhos onde atuam concessionários distintos
Fonte: David apud Bucheb (2009)
A principal característica do Instituto da Unitização constitui-se em atribuir a um
operador os direitos de exploração e/ou produção de um campo de petróleo e gás natural.
Todos os custos e receitas advindos das operações são distribuídos entre os atores, que de
acordo com as suas respectivas prerrogativas de participação naquela unidade negociam seus
direitos e obrigações, ratificando os seus objetivos por meio da assinatura de um instrumento
contratual. Cada parte será motivada individualmente a implementar um plano comum para o
desenvolvimento eficiente do campo, e somente se essa condição for satisfeita podemos
considerar que os objetivos foram alcançados e que o problema inerente ao CPR foi
equacionado.
Asmus & Weaver (2006) destacam que o Instituto da Unitização geralmente é
reconhecido como a solução mais eficiente e justa para a produção de petróleo e gás natural,
pelas seguintes razões:
a) Incentiva o desenvolvimento cooperativo, diminuindo, assim, os custos de
produção por meio de economias de escala e eficiências operacionais;
b) Evita perfurações desnecessárias e otimiza a infraestrutura para operação de
um campo petrolífero;
c) Maximiza a recuperação final de petróleo de um campo de acordo com as
melhores práticas de engenharia, quer durante as operações de produção
primária ou de operações de recuperação avançada;
60
d) Minimiza danos desnecessários à estrutura física dos poços;
e) Proporciona mecanismos para a proteção dos direitos correlatos.
A divisão da receita líquida é considerada uma questão sensível nas negociações dos
contratos de Unitização, pois determina o mecanismo de partilha dos resultados ao longo da
relação contratual. Constitui-se num mecanismo determinante para a instituição da unidade e
extremamente sensível a conflitos de interesse.
A dinâmica dos reservatórios e o potencial de produção são fundamentalmente
alterados de acordo com o plano de desenvolvimento e administração da unidade. Nenhuma
produção concorrente ocorre a partir dessas alocações, e o petróleo oriundo dos reservatórios
é extraído de acordo com a melhor estratégia de produção. Devido a estas alterações técnicas
na dinâmica de produção, as ações desenvolvidas em unidade devem ser baseadas em
estimativas comuns, que são desenhadas e acordadas previamente, por meio de negociações
específicas que delimitam o instrumento contratual global.
Perez (2009) destaca que não há um único Acordo de Unitização que seja ótimo e
independente das características políticas e geológicas do país. Nesse sentido, a autora aponta
algumas características do ambiente econômico que afetam o processo de negociação,
justificando as regras que regem a celebração dos Acordos de Unitização.
a) Assimetria de informação: as interpretações das empresas quanto às
estimativas de petróleo e gás natural recuperáveis, pressão, dentre outras
características, são variáveis estratégicas e determinantes ao processo de
negociação. Essas informações são tratadas confidencialmente pelos agentes e
podem ser utilizadas de forma a implementar estratégias oportunistas que
objetivam maximizar as utilidades individuais desses agentes. A possibilidade
de observação de tal comportamento estratégico conduz a um processo de
negociação longo e oneroso, podendo reduzir consideravelmente os ganhos do
desenvolvimento unitizado.
b) Timing da Operação: no Capítulo 2 foi abordado que uma solução para o
problema do CPR de petróleo e gás natural, segundo Perez (2009), “passa pela
necessidade de unitizar o reservatório antes do início da produção, por motivos
de eficiência alocativa na exploração do reservatório, e mesmo antes de seu
desenvolvimento, por motivos de eficiência produtiva na sua extração”. O
timing para a formalização do Acordo de Unitização é fundamental por
questões informacionais. Perez (2009) salienta que uma forma de mitigar os
61
efeitos da assimetria de informação entre as partes é permitir e incentivar que a
unitização ocorra tão logo seja identificado um reservatório se estendendo por
blocos vizinhos onde atuam concessionários distintos.
c) Hold up de investimentos: a possibilidade de observação de comportamentos
oportunistas das partes também pode ser identificada no caso de negociações
de Acordos de Unitização. Uma ameaça crível de saída pode desestabilizar o
balanço de poder entre as partes, apresentando riscos potenciais para as outras
partes que participam do Acordo. Um mecanismo que mitiga esse problema
pode ser atribuído às cláusulas contratuais que definem penalidades e são
negociadas ex ante a relação.
d) Número e heterogeneidade entre empresas: o número de empresas pode
dificultar a negociação de um Acordo de Unitização. Quanto mais
heterogêneas as empresas, maior a probabilidade de um impasse nas
negociações.
O estabelecimento das regras do jogo por parte do principal torna-se uma questãochave para mitigar tais problemas. No capítulo referente às experiências internacionais serão
destacados os mecanismos adotados por países selecionados para minimização de problemas
relacionados ao processo de barganha entre os agentes. A próxima seção tem como objetivo
apresentar os instrumentos típicos que são utilizados nos processos de negociação de Acordos
de Unitização.
4.2 TIPOS DE ACORDOS DE UNITIZAÇÃO
Genericamente, Asmus & Weaver (2006) apontam três fases para o Processo de
Unitização e três tipos correspondentes de acordos:
a) Acordo Pré-Unitização, é assinado geralmente antes de a comercialidade ser
declarada. Os agentes firmam esse acordo para regular a condução das
operações conjuntas de avaliação da descoberta em que, eventualmente, a
jazida pode se estender por blocos vizinhos onde atuem atores distintos. A
necessidade de avaliação da descoberta deriva das incertezas inerentes ao
processo de Exploração e Produção;
b) O Acordo de Unitização, contendo um plano de desenvolvimento comum e
um único agente operador para as áreas de produção. O acordo estabelece
62
ainda as participações das partes que assinam o documento no início da fase de
Desenvolvimento e Operação;
c) Redeterminação, que se constitui num mecanismo de revisão das
participações de cada agente, que consideram novas informações obtidas a
partir das operações efetuadas até a data da redeterminação. Esse mecanismo
pode ser observado ao longo da Fase de Desenvolvimento e Operação até o
abandono.
No caso de uma unitização entre blocos cujos concessionários são consórcios de
empresas, em cada bloco haverá um documento específico regulando as relações
entre as partes – o Joint Operating Agreement (JOA). Um novo documento
conhecido como Unit Operating Agreement (UOA) deverá ser assinado entre as
companhias integrantes das operações de desenvolvimento na área unitizada. Apesar
de o JOA ser um documento padrão bastante conhecido na indústria do petróleo,
vários dos seus termos, como as regras para contratação de bens e serviços pelo
operador, os procedimentos contábeis, os procedimentos de voto entre os
consorciados para aprovação das operações, entre outros, podem diferir
significativamente entre JOAs de consórcios diferentes. Deste modo, ao se negociar
um UOA pode ser necessário contemplar interesses de companhias que
eventualmente detinham um poder de veto em seu consórcio original, mas na área
unitizada terão uma participação diminuta; por outro lado, uma companhia que
atuava sozinha, sem necessidade de prestação de contas a qualquer parceiro, se verá
subitamente em uma parceria obrigatória em função do processo de unitização
(PEDROSO & ABDOUNUR, 2008, p. 5).
Considerando o quadro apresentado no final do Capítulo 3, podem ser observadas
questões complexas no âmbito do Foco Contratual. Todas as partes atuam de acordo com
interesses próprios e potencialmente divergentes em relação aos seus investimentos. Um
processo de negociação num ambiente que envolve muitas empresas poderá emergir conflitos
de interesses que poderão inviabilizar um potencial acordo para o desenvolvimento das
atividades conjuntas.
O alinhamento de incentivos e os mecanismos de revelação devem ser cuidadosamente
desenhados pelo principal, com o objetivo de minimizar os problemas das restrições de
participação dos agentes e estabelecer um mecanismo de compatibilidade de incentivos que
viabilize as operações da unidade. A atribuição de direitos de propriedade configura-se em
outra questão latente. As determinações das participações e a convergência de objetivos
firmados oriundos de outros contratos vigentes poderão instaurar um longo processo de
63
negociação entre as partes. A escolha de um novo mecanismo de governança poderá trazer
discussões acerca das obrigações de cada parte para o desenvolvimento unitizado, e deverão
ser negociados, no âmbito da nova relação contratual, os mecanismos para a resolução de
conflitos no interior da unidade.
Apesar de não existir um contrato ótimo, a literatura apresenta questões básicas que
são tratadas, negociadas e contratadas de acordo com a fase do ciclo de vida de um CPR de
petróleo e gás natural. Passaremos agora para uma análise dessa literatura.
4.2.1 ACORDO PRÉ-UNITIZAÇÃO
Devido à complexidade técnica, as incertezas inerentes ao processo de Exploração e
Produção e o tempo necessário para a conclusão das negociações para se chegar ao Acordo de
Unitização, firmou-se como uma prática usual a assinatura de Acordos Pré-Unitização. As
partes que assinam o Acordo Pré-Unitização estabelecem o método pelo qual serão
conduzidos os trabalhos de avaliação das descobertas, que ocorrem, fundamentalmente, nas
fases iniciais do ciclo de vida de um campo. Este trabalho preliminar consiste em um conjunto
de estudos técnicos destinados a determinar a extensão do campo a ser unitizado e o
levantamento de estimativas de quantidades de petróleo e gás natural recuperáveis. Os
Acordos Pré-Unitização podem designar um operador para atuar, inicialmente com a função
de realizar estes estudos preliminares e centralizar e contabilizar os custos para o
desenvolvimento do campo. Esses custos serão devidamente rateados entre as partes
envolvidas nas negociações do Acordo de Unitização. A abrangência e o escopo do Acordo
Pré-Unitização variam muito. Asmus & Weaver (2006) orientam que não existe um modelo
padrão para redação desse instrumento contratual, porém destacam que, de acordo com as
melhores práticas da indústria, alguns temas podem ser apontados como usuais em tais
instrumentos:
a) Os princípios da determinação das respectivas participações das partes;
b) Os princípios para se alcançar o Acordo de Unitização;
c) Os princípios que regem as atividades exploratórias;
d) A formação de uma Comissão de Unitização para a definição de políticas,
aprovação de orçamentos, coordenação e acompanhamento da operação;
e) Nomeação de um operador;
f) Programas de Trabalho e orçamentos;
64
g) O tratamento a ser dado à previsão de reembolso dos custos de aquisição de
dados e informações geológicas do campo;
h) A perfuração de poços para determinação da extensão do campo e pagamento
das despesas de alocação de recursos exploratórios;
i) O intercâmbio de dados e informações, conforme a evolução dos trabalhos de
avaliação do campo;
j) A confidencialidade, propriedade intelectual e mecanismos para a resolução de
conflitos.
Dadas estas características, pode ser observada uma situação em que existe potencial
para que os participantes sejam inclinados a adotar comportamentos oportunistas ao longo das
negociações para se estabelecer o Acordo de Unitização. Supondo um principal que não
possui o conhecimento das preferências, tecnologias ou a credibilidade dos participantes,
existirá uma preocupação adicional em mitigar tais tipos de comportamento estratégico.
Considerando que um agente pode tentar “burlar” as regras do jogo, “fingindo” ser menos
eficiente, ou menos interessado em determinada substância, esse principal terá que estabelecer
mecanismos que induzam a revelação dos respectivos tipos por parte dos participantes.
Entretanto, a assinatura de tal instrumento tem como objetivo mitigar os problemas de
assimetria de informação entre os participantes, uma vez que as reais características do CPR
ainda não foram reveladas.
Por outro lado, caso o principal seja bem informado e conheça, em parte, algumas das
características físicas do CPR e considerando, ainda, que este detenha algum conhecimento
acerca da credibilidade dos agentes que participam do certame, poderá ser observada uma
situação que contribuirá para a minimização do timing das negociações, uma vez que poderão
ser estabelecidos os mecanismos necessários para se chegar a um acordo que seja vantajoso
para todas as partes.
4.2.2 O ACORDO DE UNITIZAÇÃO
Após a execução desse plano de avaliação, as partes decidirão acerca da
comercialidade ou não da área avaliada. A declaração de comercialidade poderá ser efetuada a
qualquer momento até o final da fase de exploração. Porém, para se passar para a fase de
Desenvolvimento e Operação unitizada, as partes deverão estar com o Acordo de Unitização
definido e com a devida aprovação do órgão governamental competente. Asmus & Weaver
(2006) orientam que embora haja uma vasta experiência internacional no desenvolvimento e
65
implantação desse instituto, os Acordos Unitização não apresentam um modelo que possa ser
considerado como geral, um modelo padrão. Os autores realizaram uma pesquisa em vinte
países e concluíram que apesar de não se poder contar com um modelo contratual padrão, as
boas práticas da indústria remetem para uma lista de cláusulas comuns que foram observadas
durante essa pesquisa:
a) A definição da unidade, incluindo, entre outras questões: (1) a delimitação da
área unitizada, profundidades e os produtos unitizados; (2) a repartição dos
custos de produção e as respectivas participações das partes; (3) o
planejamento dos custos operacionais dos ativos e a especificação do meio de
troca de dados e compartilhamento da informação.
b) A forma de governança, incluindo, entre outras questões: (1) os mecanismos
para a redeterminação; (2) o compromisso de se sustentar o desenvolvimento
unitizado (3) o tratamento de possíveis acordos privados que afetem as
disposições do Instituto da Unitização formado entre as partes; (4) conduta das
partes; (5) delegação para a tomada de decisão; (6) as responsabilidades
financeiras do empreendimento.
c) O operador, incluindo, entre outras questões: (1) os direitos e deveres; (2) a
entrega das informações; (3) a divulgação de sinistros e fatos relevantes; (4) a
representação das partes perante o governo.
d) A formação de um comitê operacional, incluindo, entre outras questões: (1)
função; (2) subcomissões, e (3) organização para tomada de decisão.
e) Planos de desenvolvimento, orçamentos anuais de exploração e prestação de
contas ao governo hospedeiro.
f) As contrapartidas financeiras, a contabilidade e auditoria da Unitização.
g) O plano para comercialização e venda da produção.
h) A orientação para a declaração de abandono.
i) Cláusula de confidencialidade e propriedade intelectual.
j) Cláusula de previsão para casos de força maior.
k) O foro e a forma de resolução de litígios.
l) Cláusula de default.
O contrato de Unitização atribui a um operador a responsabilidade para o
desenvolvimento da produção, com regras claras de recompensa previamente
especificadas. O instituto da Unitização inclui mecanismos de governança, tais como
66
regras para tomada de decisão, procedimentos de arbitragem para conflitos de
interesse entre as partes, as formas de compensação para a utilização de bens de
capital, tipicamente poços, oleodutos e, eventualmente, plantas de injeções utilizadas
no desenvolvimento da unidade. Esses contratos apresentam características de
contratos de longo prazo, tipicamente com duração entre dez e vinte anos (KIM &
MAHONEY, 2002, p. 230).
A problemática atribuída ao risco moral torna-se uma variável muito importante. Os
Acordos de Unitização devem ser desenhados com o objetivo de induzir níveis de esforço aos
operadores compatíveis com as boas práticas da indústria. As relações de autoridade devem
ser bem especificadas, com o objetivo de conferir um tratamento adequado à questão da
imperfeição dos contratos e prover os incentivos necessários à gestão eficiente desses
recursos. Os Acordos de Unitização são por natureza complexos, e por essa característica, a
assinatura de tal instrumento pode ser onerosa para as partes. O principal deverá estar sempre
atento para o estabelecimento de regras claras que buscam minimizar os custos de transação
inerentes ao processo. A racionalidade limitada dos agentes exige que alguns líderes tenham
autoridade para tomar decisões em circunstâncias não previstas pelos contratos.
Libecap & Smith (1999) salientam que, além desses riscos e incertezas, a magnitude
exata para o aumento esperado na produtividade da extração do petróleo sob produção
unitizada é muito incerta. As estimativas da produção de petróleo no caso de Unitização de
operações não são uma questão trivial e envolvem muitas variáveis técnicas. Na prática, os
Acordos de Unitização não são completos, deixando um potencial enorme para a observação
de um comportamento competitivo entre as partes, e que acabam por levar a um resultado
inferior ao desejado.
4.2.3 REDETERMINAÇÃO
Asmus & Weaver (2006) esclarecem que qualquer ajuste subsequente ao Acordo de
Unitização é denominado Redeterminação. A previsão para a operacionalização da
Redeterminação deriva exatamente do fato da observância do alto grau de incerteza desses
contratos. A Redeterminação pode ajudar a balancear os interesses ao Acordo original, uma
vez que dados e informações foram obtidos ao longo do processo de produção.
O acordo de Unitização poderá prever que as participações de cada concessionário
serão revistas periodicamente por meio de redeterminação. A redeterminação é o
mecanismo pelo qual, em intervalos regulares, por exemplo, a cada cinco anos, as
participações de cada concessionário serão revistas, de acordo com o critério
67
previamente ajustado entre as partes (volume de hidrocarbonetos in place, volume
recuperável etc.), levando-se em conta os dados e as informações acerca da jazida
acumulados nesse período (BUCHEB, 2005, p. 331).
O objetivo da Redeterminação, basicamente, trata do reequilíbrio dos interesses das
partes, e normalmente não faz muito sentido em se estabelecer o mecanismo da
Redeterminação até que informações mais acuradas das operações sejam incorporadas. A
Redeterminação poderá ser prevista após um período adicional de produção de um histórico
da produção, ou como resultado da aquisição de novos dados geológicos do campo.
O operador da unidade normalmente coordena o processo de Redeterminação,
conforme orientam Asmus & Weaver. O operador apresenta uma proposta de
Redeterminação, juntamente com dados que suportam tal orientação. Se alguma das partes
discorda da proposta apresentada pelo operador, essas devem submeter propostas
concorrentes e a fundamentação técnica do requerimento. Um prazo para a negociação dos
termos é estabelecido e acompanhado pelo operador, e caso as partes não cheguem a um
acordo no prazo determinado, a Redeterminação é normalmente mediada por terceiros. O
terceiro pode ser um perito, um árbitro ou árbitros, ou um tribunal. Asmus & Weaver (2006)
relatam que, em termos práticos, a arbitragem é a solução preferível por ser menos custosa.
Devido à complexidade do negócio e aos custos que envolvem os processos de
Redeterminação, alguns Acordos de Unitização são negociados sem cláusulas de
Redeterminação. Essa decisão pode ser razoável quando se tem acesso a estudos sísmicos de
qualidade no momento em que o Acordo de Unitização é negociado. A não observância de
cláusula de Redeterminação apresenta riscos significativos para as partes numa situação em
que existem poucos dados no momento da negociação do Acordo de Unitização, que se
configura num caso clássico da assimetria de informação.
A negociação e a implementação de um Acordo de Unitização podem se tornar muito
difíceis. Questões complexas como a perspectiva de revisão dos interesses econômicos, a
coordenação das partes durante a vigência do contrato e a ausência de diretrizes regulatórias
são questões não triviais que podem criar situações que desviem do objetivo principal do
Instituto da Unitização, a maximização do valor econômico da unidade (WIGGINS &
LIBECAP, 1985).
68
A Tabela 2 foi elaborada com o objetivo de comparar questões relevantes do processo
de negociação de Acordos de Unitização e suas correlações em relação às principais Teorias
das Organizações e Contratos.
Unitização, comparação das Teorias – Organização e Contratos
Unidade de análise
Dimensão focal
Interesse de custo focal
Foco contratual
Orientação teórica
Intenção estratégica
Fontes de fricção no mercado
Teoria dos Contratos e
Desenho de Mecanismos
- País (Principal) x Empresas
(Agentes)
- Empresas (P) x Operador (A)
- Incentivo do Operador (Agente)
pode divergir dos objetivos do
Principal
- Custo de monitoramento da
unidade operadora
- Perda residual
- Alinhamento de incentivos
- Alinhamento de incentivos
- Mecanismos de controle
Teoria dos Direitos de
Propriedade
- Unitização como Instituição
- Direitos de propriedade sobre
petróleo não são bem
especificados
- Externalidades negativas
(extração competitiva)
- Rent-seeking (influência das
políticas públicas)
Teoria de Custo da Transação
- Operações da unidade
- Transações contratuais
- Especificidade dos ativos
- Especificidade física
- Ativos dedicados
- Especificidade humana
- Escolha do modo de
- Maximizar o Bem-Estar Social
gorvenança eficiente
- Problema de recursos comuns:
- Hierarquia como mecanismo de
Tragédia dos Comuns
coordenação
- Teoria do contrato “Second
Best”
- Avaliação comparativa
- Avaliação comparativa
- Assimetria de informação
- Escolha entre formas de
- Mudança nas Instituições
- Problemas de Seleção Adversa
governança
e Risco Moral
- Visão do acionista (controle dos Visão do acionista (minimizar os
- Visão do acionista (maximizar
vários grupos de interesse,
custos de transação, a fim de
payoffs do principal)
comportamentos oportunistas)
criar valor para os acionistas)
- Informação assimétrica na
- Regra de Captura
- Problemas de Seleção Adversa - Externalidades
avaliação da produtividade
e Risco Moral
- Informação assimétrica
- Especificidade dos ativos
- Comportamento oportunista
- Problemas de Hold Up
Tabela 2: Unitização, comparação entre teorias selecionadas
Fonte: O autor, adaptado de Kim & Mahoney (2002)
Uma contribuição importante para o entendimento e implementação de acordos que
governam os interesses de agentes econômicos que se defrontam com a problemática dos
CPRs tem sido estudada por Elinor Ostrom. Ostrom (2005) em sua obra “Understanding
Institucional Diversity” ressalta a importância do conhecimento dos fundamentos das
instituições, como e por que elas se sustentam no longo prazo e suas consequências em termos
de resultados, após a interação dos diversos agentes engajados nas negociações das relações
num CPR.
Para Ostrom, as instituições são mecanismos pelos quais os agentes econômicos se
utilizam para organizar suas formas de interação, que são dinâmicas e complexas. Em
determinadas circunstâncias, a autora observa que os agentes interagem em situações
cooperativas, com regras bem definidas. O objetivo principal é o de maximizar o resultado
final do grupo por meio de escolhas estratégicas e ações coordenadas em um determinado
CPR, visando alcançar resultados justos para todas as partes que participam desse jogo.
69
As oportunidades, as restrições de participação, a compatibilidade de incentivos, a
informação que os agentes detêm, os benefícios por direito ou a subtração de resultados,
afetam diretamente as regras do jogo caso os agentes não interajam de forma coordenada. As
regras do jogo, ou seja, as normas legais são construídas de forma dinâmica, e a não
observação das suas diversas combinações por parte dos agentes também poderá afetar os
resultados desse jogo. Os Acordos de Unitização são exemplos clássicos de implementação
desse instituto no contexto do segmento de Exploração e Produção de petróleo.
Neste capítulo, foram destacados os três tipos de acordos associados às principais
fases do processo de Unitização. Nos próximos capítulos abordaremos a experiência da
estruturação dessas interações, e como o problema se apresenta e é abordado no âmbito de
países produtores de petróleo e gás natural.
70
5. A INDÚSTRIA PETROLÍFERA E AS NAÇÕES PRODUTORAS
Nas últimas décadas, muitas fontes de hidrocarbonetos, como as do Mar do Norte,
América do Sul, África e Oceania, emergiram como oportunidades a serem exploradas e
desenvolvidas em territórios multinacionais, demandando formas distintas de normatizar sua
exploração e de promover incentivos à entrada de empresas nessas áreas.
Este capítulo trata dos arranjos institucionais da Indústria Petrolífera Mundial e da
racionalidade dos governos em relação ao tratamento legal a essa riqueza.
5.1 ARRANJOS
MUNDIAL
INSTITUCIONAIS
DA
INDÚSTRIA
PETROLÍFERA
Países competem entre si para atrair investimentos estrangeiros e assim ampliar o seu
poder de viabilizar o desenvolvimento de seus recursos naturais. Tordo (2007) salienta que
para atingir este objetivo, torna-se necessário uma avaliação completa dos seus riscos e
oportunidades, da posição do país no mercado global, das condições de contorno do ambiente
econômico nacional e internacional, de questões internas ambientais, sociais, da infraestrutura
necessária para o desenvolvimento das atividades produtivas e comerciais, dentre muitas
outras. Na avaliação de opções para incentivar a exploração e produção de petróleo, os
governos dos países produtores devem centrar-se sobre medidas que:
a) Estimulem um ambiente favorável ao investimento;
b) Minimizem os custos de administração e operação;
c) Contribuam para o desenvolvimento de mercados financeiros bem estruturados
para o devido suporte às atividades econômicas;
d) Sejam coerentes com a política macrofiscal do país e com os objetivos locais
de desenvolvimento.
Embora nem todos os países compartilhem das mesmas escolhas legais e regulatórias,
quase todos elaboraram legislações e regulações específicas em consonância com sua
Constituição e em harmonia com o arcabouço jurídico e econômico do país. Tordo (2007)
indica como uma vantagem dessa abordagem a sua transparência e objetividade, pois
estabelece as condições para a atribuição de normas que sustentam as atividades de
Exploração e Produção de petróleo e gás natural, definindo a autoridade e os procedimentos
de regulação do sistema, reduzindo os graus de liberdade para comportamentos
discricionários dos governos e melhorando o ambiente para a atração de investimentos. Os
71
incentivos fundamentais para a atração de atores econômicos incluem, entre outros, a clareza
e a simplicidade das normas e a estabilidade e a neutralidade fiscal.
Um dos problemas centrais para o estudo do Instituto da Unitização decorre do fato de
que as leis nos diversos países produtores de petróleo e gás natural, que regem as atividades
de Exploração e Produção, diferem em substância. Desse modo, o Instituto da Unitização será
regido por leis, regulamentos ou disposições contratuais do país em que se observa a
ocorrência da problemática dos CPRs.
Tordo (2007) instrui que a base legal para a exploração, desenvolvimento e produção
de hidrocarbonetos pode ser estabelecida na Constituição de um país, ou mesmo em normas
infraconstitucionais. Na maioria dos casos, a lei estabelece os princípios gerais de direitos de
propriedade. Os governos viabilizam a exploração, o desenvolvimento e a produção em
determinadas áreas ou blocos por meio de Regimes de Concessão ou por Regimes
Contratuais. Em alguns países, podemos não observar uma norma legal derivada de sua
Constituição ou normas infraconstitucionais, porém, os acordos contratuais entre os governos
e os investidores, ou mesmo apenas entre investidores, orientam a operacionalização dessas
atividades. A Figura 9 apresenta os Regimes Jurídicos utilizados na indústria petrolífera
mundial.
Regimes Jurídicos da Indústria Petrolífera
Regime de Concessão
Regime Contratual
Contratos de Serviços
Serviços Operacionais
Contratos de Partilha de Produção
Contratos de Risco
Figura 9: Regimes jurídicos da indústria petrolífera
Fonte: O autor, adaptado de Tordo (2007)
Asmus & Weaver (2006) apontam que ao longo das últimas três décadas foi observado
um aumento nos interesses acerca do Instituto da Unitização. Como principais motivos, os
autores citam:
a) O efeito das duas grandes crises do petróleo, em que a OPEP impôs restrições
na oferta do produto e levou muitos países industrializados, importadores de
72
petróleo, a diversificar as suas fontes de aquisição do produto. O fato
contribuiu para o investimento em novas fontes exploratórias, como o Mar do
Norte, América do Sul, África e Oceania, gerando incentivos à entrada de
novas empresas na arena internacional;
b) Muitos monopólios estatais sob a exploração e produção em países hospedeiros
foram derrubados no período entre 1980 e 2000, possibilitando a entrada de
novos players nesses mercados, que passaram a competir pela exploração e
produção de petróleo e gás natural;
c) Ao longo dos anos, os blocos de exploração ofertados por governos tornaramse cada vez menores, motivados pela oportunidade de maximizar receitas e
para o desenvolvimento mais rápido desses reservatórios.
O Gráfico 4 mostra que, como resultado de todos esses fatores, um número crescente
de reservatórios foi agregado à oferta mundial e, portanto, observar-se um aumento no
número de áreas com diferentes atores que exploram esses recursos petrolíferos.
Produção Mundial de Petróleo, 1980 - 2009
Participação percentual (%)
América do Norte
Europa
Oriente Médio
Ásia e Oceania
45%
Participação (%)
40%
América Central e do Sul
Eurásia
África
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
2008
2001
1994
1987
1980
0%
Gráfico 4: Produção mundial de petróleo, 1980-2009
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Além disso, com o desenvolvimento tecnológico incorporado em atividades de
exploração e desenvolvimento de áreas offshore, estas regiões se destacam como uma
importante fonte de recursos para o futuro, com vasto potencial para grandes descobertas.
Essas novas fronteiras podem extrapolar por áreas com limites ainda indefinidos, e que
podem, até mesmo, estar expostos a litígios entre países. A Figura 10 representa
73
esquematicamente uma jazida de hidrocarbonetos se estendendo por uma zona em conflito de
interesses para determinação dos direitos territoriais.
Visão em Planta
País A
Conflito
País B
Fronteira
Jazida de Petróleo
Figura 10: Jazida se estendendo por uma zona em conflito de interesses
Fonte: O autor, adaptado de Bucheb (2005)
De acordo com a Parte V, artigos 55 a 58 da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM), os países costeiros têm direito a declarar uma zona econômica
exclusiva (ZEE) de espaço marítimo para além das suas águas territoriais, na qual possuem
prerrogativas para a utilização dos recursos e responsabilidades por sua gestão. A ZEE é
delimitada por uma linha imaginária situada a 200 milhas marítimas da costa e separa as
águas nacionais das águas internacionais ou comuns.
A prática internacional contempla, ainda, o estabelecimento de Zonas de
Desenvolvimento Conjunto (Joint Development Zones – JDZ), que constituem
acordos bilaterais ou multilaterais para o estabelecimento de regras aplicáveis às
atividades de exploração e produção em áreas cujos direitos de exploração
econômica são reivindicados por mais de um país (BUCHEB, 2005, p. 306).
A CNUDM estabelece ainda na Parte XI as definições para a “Área”. Nenhum Estado
pode reivindicar ou exercer soberania ou direitos de soberania sobre qualquer parte da Área
ou seus recursos, nenhuma reclamação de direitos de soberania será reconhecida. Todos os
direitos sobre os recursos da área pertencem à humanidade, e esses recursos são inalienáveis.
No entanto, os recursos minerais extraídos da Área podem ser alienados, mas sempre de
acordo com os termos da CNUDM.
74
Os fundos oceânicos e seu subsolo fora dos limites da jurisdição nacional recebem
na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – CNUDM a designação
de Área. A Área e seus recursos são patrimônio comum da humanidade. No intuito
de controlar as atividades na Área, a convenção previu a criação da organização
internacional denominada Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, com sede
na Jamaica. No tocante ao aproveitamento dos recursos minerais, a convenção
estabelece em seu art. 143 que as atividades na Área relativas aos depósitos de
recursos que se estendem além dos limites da mesma devem ser realizadas tendo em
devida conta os direitos e interesses legítimos do Estado costeiro sob cuja jurisdição
se encontrem tais extensões daqueles depósitos (BUCHEB, 2005, p. 309).
As empresas e os Estados membros podem solicitar à Autoridade22 a aprovação de
planos de trabalho para atividades na Área (Figura 11). Os instrumentos jurídicos que apoiam
essa empreitada podem ser os Acordos de Cooperação entre o contratante e a Autoridade,
joint ventures ou contratos de partilha de produção, bem como qualquer outra forma de
ajustes conjuntos, que devem orientar os mecanismos de revisão, suspensão ou rescisão de
contratos com a Autoridade.
Assim, para que sejam desenvolvidas atividades de exploração e produção de
petróleo ou gás natural na situação esquematizada abaixo, deverá haver acordo entre
o Estado costeiro (País A) e a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos
(BUCHEB, 2005, p. 309).
Visão em Planta
Limite externo da
Plataforma
Continental
Jurídica do País
A
Área
País A
Jazida de Petróleo
Figura 11: Jazida se estendendo além do limite externo da plataforma continental jurídica
Fonte: O autor, adaptado de Bucheb (2005)
22
Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.
75
Outro potencial desdobramento que podemos observar para instituir a Unitização pode
ser representado conforme o esquema apresentado na Figura 12, quando observamos um CPR
no território definido entre dois países soberanos. Em alguns países a Unitização pode não ser
tão predominante, ou simplesmente porque não seja considerada como um elemento
necessário para o desenvolvimento eficiente dos recursos petrolíferos. Mesmo nesses países, a
Unitização poderá ser considerada como um mecanismo contratual indicado para resolver
problemas potenciais de CPRs.
Na visão de Taverne apud Bucheb (2005), “o desenvolvimento conjunto de jazidas
que se estendem por dois países soberanos só é possível mediante um acordo entre os Estados
envolvidos; na ausência destes acordos internacionais (interstate unitization agreements) não
há nada que impeça as empresas detentoras dos direitos num dos países de produzir petróleo,
independentemente de acordo com as detentoras dos direitos no país vizinho”.
A ausência de acordo poderá, consequentemente, acarretar os efeitos indesejáveis da
regra da captura, dentre os quais se destaca a produção predatória, podendo, ainda,
dar origem a situações de litígio entre os países envolvidos (BUCHEB, 2005, p.
23
309) .
Visão em Planta
País A
País B
Fronteira
Jazida de Petróleo
Figura 12: Jazida se estendendo por mais de um país
Fonte: O autor, adaptado de Bucheb (2005)
Na maioria dos países os hidrocarbonetos são de propriedade do país e não de
indivíduos ou entidades privadas. Como detentor dos direitos de propriedade, um país pode
23
Pode-se citar como exemplo o conflito que originou a Guerra do Golfo, quando o Iraque invade o Kuwait em
1990, motivado pelo discurso de que o país estaria drenando as reservas petrolíferas iraquianas.
76
celebrar contratos de concessão, partilha de produção ou contratos de serviços com empresas
para desenvolver estes recursos. Além disso, as agências governamentais podem possuir
informações geológicas que orientem suas estratégias econômicas por meio de levantamentos
sísmicos do seu território24 com o objetivo de definir e mapear áreas a serem contratadas,
mitigando a problemática dos CPRs e limitando, assim, a possibilidade de perfuração
competitiva por parte dos concessionários e/ou contratados.
Como vimos, as leis dos hidrocarbonetos de quase todos os países atribuem ao Estado
o domínio desses recursos encontrados em seu território. O exercício desse direito, associado
em menor ou maior grau a políticas de conservação e às estratégias de segurança nacional e
desenvolvimento econômico, tem incentivado governos a controlar e regular as operações de
exploração e produção desses hidrocarbonetos. Para uma análise acerca da experiência
internacional em implementar Acordos de Unitização é preciso conhecer os elementos que
ajudam a ilustrar os diferentes arranjos da Indústria Petrolífera Mundial, os seus principais
atores, os incentivos e as fontes de potenciais conflitos de interesses inerentes ao processo de
Exploração e Produção desses hidrocarbonetos.
5.2 A RACIONALIDADE DOS GOVERNOS
A combinação mais comum entre agentes para o desenvolvimento da indústria de
petróleo e gás num determinado país pode ser composta por uma relação de um governo, que
representa os objetivos da sociedade, e de uma ou mais empresas, estatal, nacional ou
multinacional. Bindemann (1999) orienta que, dados os objetivos das empresas e dos
governos, e que estes não são necessariamente coincidentes e podem divergir
substancialmente, torna-se ainda mais importante identificar as prováveis fontes de conflitos.
Em um ambiente político-econômico volátil, em que se observam mudanças súbitas nas
legislações e nas aplicações das regras para os contratos celebrados sob a égide de um regime,
estas podem contribuir para o arrefecimento das expectativas das empresas em relação à
implementação de futuros investimentos. Questões controversas como a tributação das
24
No contexto político, o termo território refere-se à superfície terrestre de um Estado, seja ele soberano ou não.
É definido como o espaço físico sobre o qual o Estado exerce seu poder soberano, ou em outras palavras, é o
âmbito de validade da ordem jurídica estatal. De acordo com as teorias gerais de Estado, diplomacia, relações
internacionais e nacionalidade, o território é uma das condições para a existência e o reconhecimento de um país
(sendo os outros dois a nação e o Estado). Por isso, existem determinados casos de entidades soberanas que não
são consideradas países, como Estados sem território (Autoridade Nacional Palestina e a Ordem Soberana dos
Cavaleiros de Malta) ou nações sem território (os ciganos). Compreende o território: as terras emersas, o espaço
aéreo,
os
rios,
os
lagos
e
as
águas
territoriais.
Internet,
site
da
Wikipédia,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Territ%C3%B3rio.
77
empresas, os direitos de propriedade e a divisão das receitas entre as empresas e os governos
são questões críticas que merecem especial atenção.
A elaboração de contratos que proporcionem mecanismos de incentivos claros nas
formas para a resolução de conflitos e estáveis no longo prazo é questão fundamental que se
apresenta para se estabelecer um ambiente favorável aos investimentos25.
Um tempo considerável pode decorrer entre o investimento inicial em campos
petrolíferos e a realização dos lucros empresariais. O investimento nesse segmento, portanto,
é um componente de longo prazo que incorpora posições relativas à negociação entre as
partes envolvidas acerca de mudanças estruturais ao longo das etapas deste jogo estratégico.
O regime fiscal26 e especialmente a implementação de reformas no sistema legal são
instrumentos utilizados por muitos países para transparecer a política do governo, servindo
como sinais econômicos ao mercado e, assim, influenciando as decisões de investimento de
atores econômicos que se engajam nessas atividades.
Os sistemas jurídicos abordam os direitos e obrigações do governo anfitrião com
investidores privados. Como destacado anteriormente, estes podem ser agrupados em duas
famílias, os sistemas contratuais e os sistemas concessionários. Nesses sistemas existem dois
métodos de contratação:
a) A negociação bilateral;
b) E a licitação.
Quando um contrato é negociado bilateralmente, a empresa, geralmente uma
multinacional, atua junto ao governo de um país, a fim de obter uma concessão para
exploração,
desenvolvimento
e
exportação
de
um
depósito
mineral.
Tradicionalmente, o contrato será concedido em troca de um pagamento de royalties
da empresa para o governo. Estes acordos são geralmente considerados favoráveis
ao contratante privado, que por um lado obtém os direitos de operação e controle
sobre as reservas de hidrocarbonetos, bem como sobre os níveis de produção
(assumindo que os hidrocarbonetos foram descobertos). Este modelo pode, por
exemplo, ser motivado em face da falha na informação por representantes do
governo e da dificuldade de conseguir meios alternativos para financiar a
exploração. A implementação do processo de negociação reflete-se num modelo de
contrato que define os termos básicos do acordo. Um modelo de contrato pode
25
Cabe destacar que os contratos nunca serão completos, pois os eventos futuros não são previsíveis. Essas
implicações serão abordadas ao longo dos próximos capítulos.
26
Um estudo mais detalhado sobre regimes fiscais pode ser encontrado no trabalho de Tordo (2007).
78
especificar, por exemplo, que a empresa deve pagar royalties, mas o alcance dos
royalties são negociados caso a caso (BINDEMANN, 1999, p. 7).
Em um processo de licitação os candidatos geralmente são obrigados a cumprir
determinadas normas de participação. A adjudicação do contrato é invariavelmente
atribuída a um vencedor, com base nas propostas seladas apresentadas por seus
concorrentes. A licitação pode ser baseada em royalties, bônus de assinatura, dentre
outros. A maior oferta recebe um contrato previsto pela legislação do país. Essa
legislação, normalmente, oferece pouca ou nenhuma orientação para as disposições
que devem estar contidas em uma licença de exploração e produção, mas para cada
modelo de licenciamento cláusulas específicas são implementadas pelo Poder
Regulador. A base para a concessão de uma licença não se dá apenas pelo processo
de loteria, mas também pela avaliação da capacidade dos candidatos para cumprir
esses contratos. A lógica por trás desse mecanismo é a seleção dos agentes que
detêm a competência necessária e/ou do equipamento necessário para realizar o
trabalho de exploração e produção de hidrocarbonetos (BINDEMANN, 1999, p. 8).
Em muitos países, o Instituto da Unitização poderá ser regulamentado e incentivado
por meio desses instrumentos jurídicos. O Contrato de Partilha de Produção ou de Concessão
poderá conter as diretrizes para o estabelecimento de tal instituto, prescrevendo os processos a
serem implementados, caso a caso.
Bindemann observa que existe ainda outro arranjo institucional de interação entre os
agentes econômicos. Esse arranjo consiste na implementação de contratos que são negociados
entre uma empresa estrangeira e uma empresa nacional de petróleo, em vez do governo. A
Companhia Nacional de Petróleo (NOC)27 tem o poder de negociar contratos, quer devido à
legislação e à regulação do país, quer porque ela é a detentora dos direitos de propriedade sob
as reservas de hidrocarbonetos do país.
Pode-se pensar imediatamente qual a razão que leva a NOC a substituir o governo nas
negociações com um agente privado. Primeiro, as NOCs são suscetíveis a possuir melhores
informações sobre os depósitos de hidrocarbonetos do país, a tecnologia mais adequada para a
exploração e desenvolvimento, bem como a capacidade de a empresa estrangeira realizar o
trabalho necessário, que podem ser derivadas de uma experiência técnica adquirida por meio
de atividades exploratórias e de produção ou por estudos acerca das condições geológicas do
país. Por outro lado, as NOCs podem ser percebidas como instituições com uma menor
influência política do que o governo.
27
Do inglês, “National Oil Company”.
79
Para o desenvolvimento das atividades petrolíferas os governos buscam viabilizar a
implementação desses contratos, e assim dar autorização para o início do Ciclo de
Vida de um Campo. Os tipos de contratos existentes podem ser amplamente
classificados em contratos de risco e acordos livres de risco, com maior frequência
observada para os da na primeira categoria. O tipo de acordo ofertado e os termos
aplicados a ele podem ser derivados de uma legislação específica ou mesmo através
da livre negociação. Um grande número de parâmetros determina a natureza do
contrato. Entre eles a maturidade do setor de petróleo, o regime fiscal, a dependência
por importações ou relativos à exportação dos produtos, aspectos geológicos, custos
e o quadro regulamentar (BINDEMANN, 1999, p. 8).
O estudo da governança desses sistemas configura-se num trabalho interdisciplinar,
em que o Direito, a Economia, a Engenharia, a Geologia e a Administração encontram-se
presentes. Atualmente, os governos trabalham em torno de mecanismos de indução aos
investimentos que atendam aos interesses públicos para o melhor aproveitamento dos recursos
naturais. Estes, nem sempre conseguem conciliar os objetivos e interesses dos atores que
participam do processo.
O Instituto da Unitização configura-se num mecanismo desenvolvido e implementado
por vários países no âmbito mundial, que busca o alinhamento dos interesses públicos e
privados nos ambientes onde atuam os mais diversos atores econômicos. Como vimos
anteriormente, a origem desse instituto remonta a história do desenvolvimento norteamericano da indústria do petróleo e gás natural. O trasbordamento dessa experiência pode ser
observado no âmbito mundial, de acordo com objetivos distintos da política econômica dos
Estados Soberanos. Após conhecer os elementos que ajudam a ilustrar os diferentes arranjos
da Indústria Petrolífera Mundial, serão apresentadas experiências internacionais selecionadas
de aplicação do Instituto da Unitização.
80
6. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
Neste capítulo são apresentadas e analisadas experiências internacionais em países
selecionados. No primeiro caso destaca-se a experiência dos Estados Unidos da América, país
pioneiro na implementação do Instituto da Unitização, por sua tradição em relação à Política
de Conservação de recursos petrolíferos. Outro caso trata a experiência da Noruega, que se
destaca por ser um caso de sucesso em relação à regulação econômica da exploração e
produção de petróleo e gás natural. O terceiro caso refere-se ao relacionamento histórico entre
o Reino Unido e a Noruega na atividade de exploração e produção de hidrocarbonetos. Esse
terceiro caso merece destaque por se tratar de um caso de sucesso da Indústria Petrolífera
Mundial na condução de atividades cooperativas de exploração e produção de
hidrocarbonetos.
Para uma melhor visualização da dinâmica da indústria petrolífera nesses países, serão
apresentados alguns resultados históricos da produção de petróleo. Será considerada uma
perspectiva histórica de três décadas e um período que engloba muitos conflitos, como os dois
choques do petróleo, as guerras do Oriente Médio, as Crises Econômicas Mundiais, os
atentados terroristas nos EUA; e no período mais atual, a escalada dos preços do petróleo e a
Crise Financeira Mundial. Uma breve visão histórica corrobora com o desenvolvimento das
análises subsequentes e com a conclusão do presente trabalho.
O Gráfico 5 apresenta a evolução da produção histórica de petróleo nos países
selecionados. A história da exploração e produção de petróleo e gás natural na Noruega e no
Reino Unido ganhou força com as descobertas realizadas na Província petrolífera offshore do
Mar do Norte. Porém, observa-se um declínio em ambas as curvas de produção dos dois
países a partir do final da década passada. Já em relação ao caso brasileiro, nota-se uma
tendência altista na produção de petróleo, motivada principalmente, pela iniciativa da
exploração e produção de províncias offshore.
81
Produção de Petróleo, Países Selecionados, 1980-2009
Volume de Produção (Bilhões de barris)
Produção (Bilhões de
barris)
EUA
Noruega
Reino Unido
Brasil
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
1980
2001
1994
1987
2008
Gráfico 5: Produção de petróleo, países selecionados, 1980-2009
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Observa-se um incremento da ordem de 236% no volume de produção brasileiro no
período de 1980 a 1990; na década seguinte, um incremento da ordem de 88% (1990 a 2000);
e de 2000 a 2009, houve um incremento no volume da ordem de 80% (Tabela 3).
Período
EUA
Noruega
Reino
Unido
Brasil
1980-1990
-10%
226%
18%
236%
1990-2000
-6%
95%
30%
88%
2000-2009
1%
-25%
-50%
80%
Tabela 3: Produção de petróleo, países selecionados, 1980-2009
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Nota-se uma tendência de queda na produção de petróleo nos EUA ao longo das três
últimas décadas, revertendo essa tendência a partir de 2006, ano em que os preços
internacionais do petróleo avançam significativamente, até atingir patamares recordes da
história econômica mundial ao longo de 2008 (Gráfico 6).
82
Histórico da Evolução dos Preços do Petróleo, 1970 - 2009
U.S. Crude Oil Wellhead Acquisition Price by First Purchasers (US$/ por Barril)
Preços deflacionados pelo CPI, ano base 2010
120
Preço (US$/Barril)
100
80
60
40
20
2009
2006
2003
2000
1997
1994
1991
1988
1985
1982
1979
1976
1973
1970
0
Gráfico 6: Histórico da evolução dos preços do petróleo, 1970-2009
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Seguindo por uma análise da métrica das reservas provadas28 em relação aos países
selecionados, comprova-se um incremento substancial no nível de reservas do Brasil ao longo
das últimas três décadas (Tabela 4). Observa-se um decréscimo histórico em termos de
reservas provadas de petróleo nos países selecionados do primeiro mundo, há uma tendência
incremental significativa no Brasil.
Período
EUA
Noruega
Reino
Unido
Brasil
1980-1990
-11%
101%
-72%
131%
1990-2000
-18%
-7%
21%
161%
2000-2009
-2%
-38%
-34%
72%
Tabela 4: Reservas provadas de petróleo, 1980-2009
Fonte: O autor. Energy Information Administration
Após uma análise da evolução histórica dos indicadores da indústria petrolífera dos
países selecionados e do Brasil, serão tratadas as experiências normativas internacionais
selecionadas e a experiência nacional para a abordagem do Instituto da Unitização.
28
Quantidades de petróleo, que por análises da geologia e dados da engenharia, podem ser estimadas com uma
razoável certeza de ser comercialmente recuperadas, sob condições econômicas atuais, métodos operacionais e
regulamentações governamentais. As reservas provadas podem ser classificadas em “desenvolvidas” e “não
desenvolvidas”.
83
6.1 A EXPERIÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Uma das poucas exceções ao conceito de que os recursos petrolíferos são de
propriedade do país pode ser encontrada nos EUA. A lei que regulamenta a propriedade do
petróleo e gás natural difere significativamente das leis de outros países produtores, pois o
petróleo e o gás natural são atribuídos a proprietários privados, ao contrário de ser
propriedade do governo nacional. O país, entretanto, detém reservas em virtude de seus
direitos nas plataformas continentais e em terras federais do seu território, e a atividade de
exploração e produção é geralmente regulada por cada um dos estados membros produtores,
cada qual com os seus respectivos estatutos.
A experiência norte-americana apresenta os fundamentos do Instituto da Unitização.
Esse país, por sua história e tradição da indústria de petróleo e gás natural, pode ser visto
como uma referência ao estudo desse Instituto por suas características, pela forma de
governança desses institutos e por sua colaboração acadêmica. Grande parte da bibliografia
mundial que disserta sobre o Instituto da Unitização provém de sua Academia.
Nesta seção serão apresentadas normas que orientam as atividades de petróleo e gás
natural no âmbito federal e estadual dos EUA, bem como apresentados os mecanismos
utilizados para o seu desenvolvimento e os estudos que avaliaram a execução dessas
atividades.
6.1.1 Instrumentos Normativos do Sistema Norte-Americano
Nos Estados Unidos, os direitos de propriedade do petróleo e do gás natural podem ser
atribuídos a indivíduos, empresas, tribos indígenas, aos governos estaduais ou ao governo
federal. MacDonald (2000) instrui que a doutrina dos direitos de propriedade que prevalecia
na época da perfuração do primeiro poço petrolífero nos EUA era orientada pelo princípio de
que “a quem a terra pertence por direito, possui também o direito ao céu e às profundezas da
terra”29. Este princípio, que ficou conhecido como a doutrina “do céu ao inferno”30, foi
relativamente bem-sucedido em relação à atribuição dos direitos de propriedade e apropriação
sobre bens minerais sólidos. Entretanto, como visto no Capítulo 2, devido às características
migratórias do petróleo e do gás natural, essa doutrina não foi bem-sucedida ao determinar os
direitos de propriedade conferidos aos hidrocarbonetos.
29
Do latim, “cujus est solum, eisjus est usque ad coelum et ad inferos”. Do inglês, “to whom so ever the soil
belongs he owns also the sky and the dephts”.
30
Do inglês, “heaven to hell”.
84
O processo histórico de desenvolvimento americano motivou o fortalecimento das
diretrizes para a otimização dos recursos naturais. Uma visão simplificada dos elementoschave para o desenvolvimento desses recursos e o estabelecimento de questões práticas
fundamentais para a implementação dos vários tipos de projeto da indústria são questões que
estão sempre em destaque no processo de aprendizado da sociedade. A ênfase tem sido
colocada em explicar o papel dos licenciados e dos operadores e sua relação com as entidades
reguladoras. As referências a regulamentos, como o Instituto da Unitização, são observadas
tanto na doutrina federal quanto na estadual.
6.1.1.1 Regulação Federal
Nos EUA há uma série de leis federais que estabelecem normas para exploração e
produção de petróleo e gás natural:
a) Mineral Leasing Act, de 1920, estabelece a autoridade do U.S. Department of
the Interior (DOI) de regular as operações de exploração e produção de
petróleo e gás natural em terras federais;
b) Indian Mineral Leasing Act, de 1938, prevê a possibilidade de arrendamento
dos recursos minerais em terras indígenas;
c) Mineral Leasing Act de terras adquiridas, de 1947, estende a autoridade do
DOI sobre operações de petróleo e gás natural para “terras federais recémadquiridas”;
d) Mining and Minerals Policy Act, de 1970, estabelece uma política moderna em
relação ao desenvolvimento dos recursos minerais nos Estados Unidos, e
incentiva e orienta normas que visam mitigar os impactos ambientais adversos
das operações;
e) Federal Land Policy and Management Act, de 1976, define o Bureau of Land
Management (BLM) como responsável por acompanhar as atividades de
exploração e produção de petróleo e gás natural no âmbito federal;
f) Indian Mineral Development Act, de 1982, que prevê a possibilidade de
celebração de acordos entre tribos indígenas e atores privados, que estão
sujeitos à aprovação do DOI.
85
O BLM é o responsável, no âmbito federal, por aprovar os compromissos das terras
federais para um Acordo de Unitização, sempre visando ao interesse da conservação dos
recursos petrolíferos. Numa consulta no âmbito da legislação federal dos EUA, destacamos as
principais normas que orientam o Instituto da Unitização naquele país. A seguir
apresentaremos um resumo dessas normas federais.
Os depósitos de hidrocarbonetos de domínio dos Estados Unidos, inclusive em
florestas nacionais, terras adquiridas, vilas e aldeias, parques nacionais e nas terras da marinha
devem ser objeto de alienação aos cidadãos dos Estados Unidos, ou às associações de
cidadãos, ou a qualquer corporação organizada sob as leis dos Estados Unidos, ou de qualquer
Estado ou Território.
Qualquer Estado pode autorizar a operação ou o desenvolvimento de atividades
petrolíferas, realizadas em conjunto ou separadamente com os arrendatários ou
permissionários de terras ou depósitos minerais dos Estados Unidos. Com a finalidade de
conservar e incentivar a recuperação adequada dos recursos petrolíferos do Estado, esses
acordos podem prever a operação cooperativa, ou de uma unidade, ou o desenvolvimento de
todo ou parte de qualquer CPR, para a distribuição da produção e a partilha das receitas
provenientes do todo ou da parte determinada do mesmo. Cada Estado deverá estabelecer os
termos para modificação e disposições dos arrendamentos de terras estaduais exploradas e
desenvolvidas no seu território, incluindo o prazo de concessão.
É atribuição do Secretário do Interior dos EUA estabelecer as regras e os regulamentos
para se fixarem e determinarem as fronteiras de qualquer estrutura de hidrocarbonetos. São
resguardados os direitos dos Estados ou outras autoridades locais para o exercício de
quaisquer direitos que possam ter, inclusive o direito de cobrar e coletar impostos sobre a
produção de hidrocarbonetos.
Todas as terras licitadas serão leiloadas e adjudicadas para a melhor proposta até o
limite por unidade de não mais do que 246.080 hectares, exceto no estado do Alasca, onde as
unidades não deverão ser superiores a 300.000 hectares nos distritos Norte e Sul. O leilão de
vendas será realizado por lances orais, e acontecerão em cada estado onde essas terras sejam
alienáveis. A licença deve ser condicionada mediante pagamento de um royalty, a uma taxa
não inferior a 12,5% em quantidade ou em valor da produção.
Os concessionários de todos os contratos de concessão para a exploração e produção
de hidrocarbonetos, desde que respeitem as leis dos Estados Unidos, terão o direito exclusivo
86
de posse e usufruto de toda a superfície incluída dentro das linhas de suas concessões, e de
toda sua profundidade do que está dentro das linhas de superfície, estendida verticalmente
para o subsolo.
O Secretário da Agricultura regulamentará todas as atividades na superfície realizadas
nos termos de qualquer contrato de concessão e determinará a recuperação e outras ações,
como exigidas para o interesse da conservação dos recursos. Nenhuma licença para a
perfuração de poço de petróleo e gás natural será emitida sem a prévia análise e aprovação
pelo Secretário da Agricultura.
Para os efeitos da conservação dos recursos petrolíferos de qualquer CPR, os
concessionários poderão unir-se uns com os outros, em ação coletiva, para a adoção de
mecanismos eficientes de recuperação desses hidrocarbonetos, bem como para a operação no
âmbito de um plano de desenvolvimento unitizado para a utilização de unidades de
desenvolvimento ou funcionamento das infraestruturas de produção, sempre determinados e
certificados pela Secretaria do Interior, atendendo ao interesse público.
O Secretário do Interior, para evitar o desperdício ou promover a conservação dos
recursos naturais, pode autorizar o armazenamento subterrâneo de petróleo ou gás, produzidos
ou não nas terras de propriedade federal, em terras arrendadas ou sujeitas à concessão.
O Secretário do Interior é autorizado a estabelecer, modificar, alterar ou revogar tais
contratos. Uma vez instituída uma unidade, esta não poderá ser desenvolvida de forma
independente, e deverá operar em conformidade com estabelecido no plano de
desenvolvimento do CPR. Qualquer concessão, ou parte dela poderá ser combinada com
outras terras, de propriedade ou não dos Estados Unidos, sob um acordo que prevê a partilha
dos lucros e os royalties entre os distintos concessionários. O plano de desenvolvimento será
aprovado pelo Secretário do Interior e continuará em vigor até o final de sua execução.
Os pedidos de autorização para os Acordos de Unitização deverão ser apresentados
pelas partes ao escritório do BLM no Estado. O pedido deve ser acompanhado de um mapa ou
esquema, definindo a área a ser unitizada. O governo federal, estadual, terra indígena e
terrenos de propriedade privada deverão ser indicados por símbolos ou cores distintas. É
exigida a apresentação das informações geológicas, incluindo os resultados dos levantamentos
geofísicos, bem como quaisquer outras informações disponíveis mostrando a necessidade de
Unitização. Esses dados serão considerados pelo gestor autorizado e o candidato será
informado da decisão.
87
Onde a área a ser unitizada for de propriedade estadual e federal, é exigida uma
aprovação formal do órgão estadual competente antes da sua apresentação ao BLM. Quanto
às terras indígenas, é exigida a aprovação formal pela Secretaria de Assuntos Indígenas.
Nos EUA a experiência regulatória federal gera incentivos para que os acordos de
alocação de recursos sejam definidos na fase preliminar do ciclo de vida de um campo.
Durante a fase de exploração sabe-se muito pouco acerca das condições e características dos
reservatórios, pois eles se encontram em uma situação relativamente homogênea. Esta é uma
característica fundamental que difere em substância da política de regulamentação federal das
práticas regulatórias adotadas em alguns dos estados produtores de hidrocarbonetos nos EUA.
6.1.1.2 Regulação Estadual
A decisão da Suprema Corte dos EUA para o caso de Ohio Oil Company vs Indiana
conferiu aos Estados a autoridade legal para regular a indústria do petróleo e
estabelecer regras para o seu desenvolvimento, desde que tenham a intenção de fazêlo. A legislação típica para a indústria de petróleo e gás nos Estados americanos
tende a seguir o mesmo padrão. Como destaque, a política de conservação dos
recursos é citada na maioria dos casos de regulação estadual (MACDONALD, 2000,
p. 42).
Os estudos de MacDonald (2000) indicam que a questão de se conferir os direitos de
propriedade dos recursos subterrâneos foi tratada de forma diferente entre os estados
produtores de petróleo nos EUA. O Gráfico 7 apresenta a distribuição histórica da produção
de petróleo por estado norte-americano.
Ranking
Total Produção de Petróleo (Milhares de Barris)
Estado
1
Texas
33.015,00
2
Wyoming
20.400,74
3
Louisiana
17.365,50
4
West Virginia
7.411,09
5
Kentucky
5.937,20
6
California
5.503,12
7
Pennsylvania
5.236,36
8
New Mexico
4.287,43
9
Oklahoma
3.193,42
10
Colorado
2.219,65
11
Alaska
1.999,02
12
Illinois
1.908,28
13
Alabama
1.512,84
14
15
Montana
781,12
552,92
Virginia
Gráfico 7: EUA, principais estados produtores de petróleo
Fonte: O autor, Energy Information Administration – EIA
88
Nos EUA, a maioria dos estados produtores de hidrocarbonetos tende a regulamentar
as atividades de exploração e produção por meio de regras destinadas a coordenar as
operações, tais como: espaçamento entre poços, a taxa de extração petróleo/gás natural, a
queima de gás, as restrições de produção, as práticas de compra e instalação de gasodutos,
armazenagem subterrânea de gás, sistema de licenças e Regras de Unitização.
Como foi visto, a política de conservação dos recursos petrolíferos foi uma das
grandes motivadoras para a implementação do Instituto da Unitização. Ante o incentivo do
poder regulatório dos EUA em melhorar a recuperação dos campos petrolíferos, o Instituto da
Unitização passou a ser disciplinado e organizado pelos órgãos reguladores dos diversos
estados norte-americanos.
Atualmente, o sistema jurídico norte-americano encontra-se inserto no Instituto da
Unitização compulsória, com exceção do Estado do Texas, onde as partes celebram
acordo de Unitização baseado unicamente na autonomia da vontade, embora a
legislação texana contenha os mesmos requisitos e procedimentos exigidos pelas leis
de outros Estados (WEAVER, apud CUNHA, apud SIMIONI, 2006, p. 39).
Mesmo nos Estados onde a Unitização é compulsória, a comissão de conservação
ordena a adesão aos proprietários que não estão dispostos a efetivá-la, quando os
demais já se prontificaram a fazê-la voluntariamente, de acordo com a decisão da
maioria dos interessados, haja vista que são estes que recorrem ao processo
compulsório, a fim de ver seus direitos assegurados (SIMIONI, 2006, p. 40).
A análise de toda legislação estadual dos EUA traduz-se numa tarefa desafiadora, a
qual o presente trabalho não tem como objetivo apresentá-la. Para ilustrar a experiência que
envolve questões legais e regulatórias nos estados norte-americanos, destacam-se os casos dos
estados do Texas e Louisiana, que juntos correspondem, aproximadamente, a 45% da
produção histórica petrolífera dos EUA.
Segundo May (1996), podemos dizer que os estados do Texas e Louisiana instituíram
práticas regulatórias distintas em relação aos problemas advindos dos CPRs de petróleo e gás
natural. Os órgãos reguladores de cada estado convergiram em suas práticas regulatórias num
período inicial da regulação estadual, porém, com a experiência acumulada e segundo
orientações políticas, a evolução das instituições divergiram com o desenvolvimento
tecnológico, e várias questões relacionadas à regulação das atividades petrolíferas foram
reformuladas. Louisiana desenvolveu e implementou o estatuto da Unitização compulsória, o
qual determinava a Unitização mediante a identificação de um determinado CPR, enquanto o
89
estado do Texas não. O órgão regulador do Texas31, The Texas Railroad Commission (TRC),
promulgou em 1949, a lei de “Unitização voluntária”32, que confere imunidade antitruste para
os operadores que participam nos Acordos de Unitização voluntária. Este ato permitiu o
estabelecimento de acordos voluntários a fim de realizar operações de recuperação secundária
e conservação de gás natural.
Claramente, o Poder Legislativo do Texas optou por apoiar os produtores
independentes do estado em sua batalha contra as grandes “majors”33 sobre a
Unitização compulsória, talvez em resposta à força política dos independentes ou
simplesmente porque a obrigatoriedade da Unitização seria uma prática antitexana.
Mas na ausência da ação legislativa em relação à Unitização compulsória, o TRC
teria agido de forma a promover a Unitização voluntária de petróleo e gás natural no
estado, uma vez reconhecendo os desperdícios econômicos decorrentes da inércia
legislativa. É evidente a partir de uma análise superficial das regras instituídas pela
Comissão, que a agência teria utilizado mecanismos de incentivos que visavam
afetar o comportamento dos produtores e favorecer a implementação das práticas de
Unitização (WEAVER apud MAY, 1996, p. 31).
O principal instrumento utilizado pela TRC como incentivo à Unitização foi uma
orientação para que no caso de observação de práticas predatórias, toda a produção daquele
concessionário oportunista seria interrompida até que as boas práticas para a conservação dos
recursos fossem implementadas. Essas práticas foram fortalecidas ao longo dos anos, e
resultaram num mecanismo de pressão em relação aos operadores para a Unitização
voluntária.
O estado da Louisiana apresenta uma longa experiência de implementação da
regulação que favorece a Unitização compulsória dos CPRs de petróleo e gás natural. Em
1940, foi promulgada a Lei de Conservação da Louisiana, que permitiu que o Comissário para
Conservação exigisse operações unitizadas para fins de recuperação secundária. Este ato
também previa obrigatoriedade do agrupamento em unidades de perfuração em todos os
campos do estado. Em 1960, um estatuto mais amplo foi promulgado, permitindo a formação
de operações unitizadas de todos os campos de gás ou petróleo, seja em fases de recuperação
primária ou secundária. Esta lei instituía, entre outras coisas, que para a Unitização ser
31
“The Texas Railroad Commission” (TRC) foi instituído em 1891 com o objetivo de controlar o tráfego
ferroviário e o comércio no estado. Em 1931, quando a lei “Anti-Market Demand Prorationing Act” que afetou o
curso da produção de hidrocarbonetos no estado foi promulgada, a TRC foi indicada para regular a produção de
petróleo e gás natural.
32
Do inglês, “Voluntary Unitization Act”.
33
Grandes companhias privadas de exploração e produção de petróleo e gás natural.
90
efetivada, pelo menos 75% de todos os proprietários deveriam estar de acordo com os termos
do Acordo de Unitização.
Dadas as diferenças nas abordagens dos dois estados para a conservação dos
recursos e a implementação do Instituto da Unitização, podemos ser capazes de
inferir algumas diferenças marcantes na história de exploração e produção de
hidrocarbonetos no Texas e Louisiana ao longo do tempo. A teoria econômica
tradicional indica que o estado da Louisiana, com o Instituto da Unitização
compulsória, apresentará taxas mais lentas de recuperação em relação ao estado do
Texas. Mas se considerarmos a hipótese de que a Unitização voluntária ocorreu no
Texas como uma resposta ao potencial de dissipação de renda, essa diferença não
deve ser tão significativa. Alternativamente, se os custos relativos de Unitização
compulsória são inferiores aos da Unitização voluntária, uma vez que no caso da
Unitização voluntária poderão ser observados elevados custos de transação e
negociação, infere-se que as atividades de exploração e produção de hidrocarbonetos
deverão ocorrer mais rapidamente no estado da Louisiana do que em o volume
observado no estado do Texas ( MAY, 1996, p. 50).
Veremos numa próxima seção as implicações desses argumentos apontados por May.
6.1.2 Fundamentos Contratuais
Como observado no item 6.1.1.1, o Bureau of Land Management (BLM) atua como o
órgão responsável por acompanhar as atividades de exploração e produção de petróleo e gás
natural no âmbito federal dos EUA, o qual orienta que o objetivo da Unitização é avançar com
um programa exploratório de forma adequada e oportuna para o desenvolvimento das
atividades petrolíferas de um CPR sem precisar considerar os limites das propriedades nele
instituídos. As unidades exploratórias normalmente abrangem uma área de prospecção que foi
delineada com base geológica e/ou inferência geofísica. Os acordos para a unidade
exploratória normalmente abrangem todos os interesses em petróleo e gás natural, e neles são
previstos os mecanismos de repartição da produção unitizada em função do direito de
propriedade de cada um dos participantes daquele CPR. Ao eliminar efetivamente as
fronteiras internas da propriedade dentro da área da unitizada, esse mecanismo permite o meio
mais eficiente e rentável de recuperação do petróleo e gás natural.
O Bureau of Land Management (BLM) desenvolveu um modelo de referência para ser
aplicado, como regra geral, a todos os acordos que envolvam concessões federais
91
supervisionados pelo órgão. Essas orientações, especificamente, abordam os procedimentos a
serem seguidos na gestão dos recursos petrolíferos que determinam os Acordos de Unitização.
Conforme essas orientações do BLM, há alguns procedimentos formais nos quais as
partes interessadas em instituir um Acordo de Unitização devem observar. Os procedimentos
para a designação de uma Unidade devem abranger todas as informações necessárias para a
tomada de decisão do órgão governamental.
O pedido de designação de unidade deve consistir de uma carta de intenções a ser
encaminhada ao BLM, acompanhada de um relatório geológico e mapa de propriedade das
terras; o candidato deve definir com precisão a área a ser unitizada, incluindo uma descrição
de todas as terras que compõem a área proposta. Na descrição devem constar uma listagem de
todas as concessões federais e pedidos pendentes de concessão e as respectivas datas de
vencimento de cada contrato de concessão. Caso os dados geológicos e geofísicos sejam
tratados como informações confidenciais, o requerente deve marcar em cada página do
documento a indicação “Informação Confidencial”. O relatório geológico deve ser destacado
e independente. O pedido de designação deve citar a formação mais profunda que o
proponente pretende alcançar para testar adequadamente a formação e o número de poços
que, inicialmente, serão instalados. O relatório geológico deve incluir, dentre outras questões
inerentemente técnicas, um mapeamento sobre o levantamento de terras públicas mostrando
os limites da proposta de Unitização.
O mapeamento detalhado da área deverá contemplar o contorno da área proposta com
base em levantamento público disponível pelo BLM, incluindo o número oficial de cada lote e
a área total da unidade. Na medida do possível, as terras devem ser identificadas pelo uso de
cores ou símbolos distintivos, diferenciando os tipos de terrenos, tais como terras federais,
reservas indígenas, terras estaduais, via férrea, dentre outras.
A forma proposta para o Acordo de Unitização será avaliada com o objetivo de
determinar se os termos do acordo satisfazem as necessidades do caso concreto. A
responsabilidade de apresentação desses documentos é atribuída ao operador indicado para
conduzir as atividades de exploração e produção na unidade. A orientação do BLM para
aprovação da proposta considera que a Unitização deverá abranger apenas as terras que são
consideradas necessárias para o desenvolvimento adequado dos recursos do CPR.
Para se garantir um controle efetivo sobre as operações sob desenvolvimento
unitizado, o BLM indica que pelo menos 85% dos terrenos dentro da área a ser unitizada
92
devem estar totalmente comprometidos com o Acordo de Unitização. Se algum detentor de
direitos de propriedade daquele CPR não se interessar e recusar a participar do
empreendimento, uma prova de esforço para se obter um acordo com aquela parte deverá ser
apresentada pelo operador, juntamente com uma cópia de cada recusa, fundamentando a
exclusão. A segregação horizontal é desencorajada e deve ser evitada sempre que possível.
Em todos os casos, o Estado ou a Agência responsável pela gestão das terras indígenas
(BIA)34 deverá ser notificado(a) no caso em que a proposta de Unitização englobe terras sob
os seus domínios administrativos. Acordos de Unitização que contemplem apenas as terras
indígenas serão especificamente negociados com o BIA, com a interveniência do BLM. Para
essas unidades, será encaminhado ao BIA um memorando com recomendações expedidas
pelo BLM, junto com os documentos supracitados, para a orientação de uma aprovação em
conjunto.
A área inicial sugerida para Unitização é estabelecida após a conclusão das primeiras
atividades exploratórias. Uma vez confirmada a descoberta, a continuação do processo
exploratório ou de desenvolvimento unitizado deverá acontecer no âmbito de um plano
aprovado e especificamente definido para o encaminhamento dessas atividades.
Todas as questões inerentes ao Instituto da Unitização, uma vez aprovadas pela
autoridade competente, estarão previstas no Acordo celebrado por todas as partes interessadas
na exploração e produção daquele CPR, ou seja, cada proprietário de um CPR terá acordado
com a sua respectiva fração a oportunidade de recuperar o seu investimento no
empreendimento. O BLM, com o objetivo de padronização do processo, sugere um modelo de
minuta contratual, que passamos a analisar.
A minuta padrão estabelece o processo de Redeterminação quando a Área Unitizada35
deverá ser revista pelo Operador sempre que houver mudanças na área da unidade ou na
participação dos agentes signatários do Acordo. Essa Redeterminação deverá ser submetida
ao respectivo escritório do BLM para análise e aprovação. A área Unitizada deverá, quando
possível, ser expandida ou suprimida para incluir ou excluir naquele CPR qualquer terra que
tal expansão ou contração seja considerada necessária ou conveniente para se fazer cumprir os
efeitos do acordo e a adequada conservação dos recursos.
34
35
Do inglês, “Bureau of Indian Affairs”.
Do inglês, “Unit Area”.
93
Num prazo de seis meses após a conclusão da Fase de Avaliação do CPR, uma vez
determinada a comercialidade da unidade, o Operador deverá submeter para aprovação da
autoridade competente um plano detalhado para o desenvolvimento e operação do CPR. Uma
vez aprovado, constituirá como uma declaração das obrigações do Operador da Unidade, de
acordo com o período indicado no plano. Posteriormente, o Operador poderá submeter à
aprovação planos subsequentes. Há previsão de que qualquer plano deverá fornecer o tempo
útil estimado para a exploração da área unitizada. A autoridade competente poderá determinar
instruções para a adequada conservação dos recursos petrolíferos, e deverá solicitar a:
a) Especificação do número e localização dos poços a serem perfurados e da
ordem e o tempo proposto para a perfuração, e ainda;
b) O fornecimento de informações das operações e da produção do período.
Quanto à divisão dos resultados, todas as substâncias unitizadas produzidas a partir de
uma área unitizada, exceto qualquer parte dos mesmos produtos utilizados em conformidade
com as boas práticas operacionais da indústria, serão divididas de acordo com as respectivas
participações negociadas e acordadas entre as partes.
Em relação aos royalties, qualquer estado norte-americano ou qualquer detentor de
direitos de propriedade tem por direito a ter a sua quota em espécie das substâncias unitizadas,
e o Operador da Unidade deverá realizar a distribuição dos direitos das partes em
conformidade com os contratos, leis e regulamentos estabelecidos. A liquidação dos royalties
deverá ser feita por um responsável designado nos termos dos contratos existentes, das leis e
regulamentos, ou mesmo, pelo Operador no último dia de cada mês, para as substâncias
produzidas durante o mês anterior.
A atribuição da participação das partes em relação à infraestrutura de produção para
fins de rateio dos custos incorridos deverá ser fixada conforme estabelecido no Acordo
Operacional de Unitização. Esses acordos são assinados para estabelecer a governança dos
Acordos de Unitização e podem ser comparados aos conhecidos “Joint Operating
Agreements” (JOA). O Instituto Americano do Petróleo (API)36 disponibiliza um modelo para
tais acordos, e estes vêm sendo utilizados pela indústria como um mecanismo de base para
várias outras formas contratuais observadas na Indústria Petrolífera Mundial. Esses acordos
são flexíveis e conferem à negociação a oportunidade de as partes contemplarem situações
36
Do inglês, “American Petroleum Institute”.
94
específicas de cada operação. Esses instrumentos particulares também deverão ser
apresentados ao BLM para análise e aprovação.
Outra questão em relação à atividade petrolífera norte-americana merece destaque: as
operações offshore. As atividades offshore são comumente desenvolvidas e operadas por joint
ventures de empresas petrolíferas, pois são consideradas atividades de alto custo operacional e
de alto risco associado aos projetos. Nos EUA, essas operações podem ser conduzidas tanto
em águas de domínio federal quanto estadual. Para obter uma licença, as companhias
petrolíferas devem se engajar em processos licitatórios tanto estaduais quanto federais, e
seguem um processo similar ao supracitado. As licitações offshore são implementadas por
leilões selados, geralmente com um lance independente para cada bloco.
Tipos diferenciados de custos são incorridos nas operações offshore em relação às
operações onshore. Estes incluem os custos de utilização de plataformas fixas, plataformas
semissubmersíveis, os custos de transporte aéreo (helicópteros), custos de transporte marítimo
e equipamentos de segurança que são especialmente desenhados para uso offshore.
O Operador da unidade, na maioria dos casos, é o responsável por todos os custos de
exploração, desenvolvimento e operação do empreendimento e encaminha para os partícipes
do Acordo de Unitização um balanço de todos os custos incorridos em determinado período.
Estes custos são rateados e apropriados conforme a determinação dos Acordos.
Durante a operação, há também um fluxo de entrada e saída de recursos entre o
Operador e os partícipes. Geralmente, o Operador da unidade encaminha uma estimativa das
necessidades de caixa para condução e manutenção da operação mensal aos partícipes,
requerendo um aporte do montante necessário para a implementação das estratégias
operacionais daquele período; em contrapartida, os partícipes realizam estes aportes.
O Operador poderá ser também o responsável pela comercialização dos produtos,
embora os partícipes tenham autonomia para solicitar a sua contrapartida no empreendimento
e realizar a comercialização dos produtos por conta própria. Quando o Operador realiza a
comercialização dos produtos e aufere a receita total de comercialização, ele realiza o
pagamento das obrigações tributárias e contabiliza o lucro líquido das operações da unidade.
O Lucro Líquido da unidade, normalmente, é distribuído no final do mês de competência aos
partícipes de acordo com as respectivas participações.
Foram destacadas até aqui as principais questões jurídicas e contratuais que norteiam
as práticas inerentes ao Instituto da Unitização nos EUA. O conhecimento dessas questões
95
jurídicas e contratuais é fundamental para apresentação da experiência acadêmica de análise
econômica do Instituto da Unitização nesse país. Como destacado, os EUA foram os pioneiros
para o desenvolvimento e discussão desse Instituto, e sua experiência serve como fonte de
informação e ideias para a aplicação desse instrumento ao redor do mundo. Alguns
pesquisadores da academia norte-americana debruçaram-se sobre o tema e apresentaram
análises sobre as implicações técnicas, políticas, econômicas e jurídicas sobre a Unitização.
Na próxima seção, apresentaremos alguns dos resultados econômicos produzidos por
pesquisadores americanos sobre a problemática dos CPRs e o Instituto da Unitização nos
EUA.
6.1.3 Principais Resultados
Os trabalhos teóricos em economia que analisam o Instituto da Unitização nos EUA
discutem problemas relacionados com o grau de heterogeneidade das firmas, os problemas de
agência, o problema da assimetria de informação, a dificuldade de atribuição dos direitos de
propriedade e a relação de ajuste dinâmico dos agentes econômicos motivados em resposta às
mudanças nas condições econômicas.
Libecap (2005) relata que o Instituto da Unitização se fortaleceu como uma resposta
viável à problemática dos CPRs petrolíferos. Porém, apesar de oferecer uma solução crível
para as externalidades advindas das atividades de exploração e produção, os seus progressos
foram limitados. Os conflitos de interesse em relação às determinações dos direitos dos
agentes e a fórmula de divisão das receitas líquidas da unidade de produção entre as partes
constituem-se em questões latentes aos negociadores desses acordos. O autor relata que
muitas dessas tentativas para a implementação do Instituto da Unitização falharam, não se
chegando a um consenso até o encerramento das atividades naquele CPR.
Libecap & Wiggins (1984) analisaram o processo de negociação entre empresas
petrolíferas nos EUA para minimizar as perdas associadas em suas atividades, num período
que compreendeu os anos de 1926 a 1935. Os autores identificaram que muitas negociações
privadas entre partes com a problemática dos CPRs não foram bem-sucedidas, indicando o
motivo dos custos de transação como o principal fator que induziu a este resultado.
Os autores destacam que a Unitização foi preterida em relação ao Desenvolvimento
Partilhado, isso porque os agentes observavam que os custos associados à Unitização
96
poderiam ser proibitivos, no caso de um impasse na negociação, ou até mesmo inviáveis, no
caso em que não haveria chances para uma rodada de negociação.
Libecap & Wiggins (1984) realizaram um estudo do processo negocial em sete
campos nos EUA em vias de assinatura de Acordos de Unitização dos seus respectivos CPRs.
Os autores destacam que, em média, essas negociações duraram seis anos para se chegar a um
consenso entre as partes. Durante o processo, muitos agentes econômicos desistiram do
processo adotando outros mecanismos para o desenvolvimento de suas atividades.
De acordo com as estatísticas levantadas, mesmo 40 anos depois, o problema da
barganha continuava a ser impeditivo para o alcance dos objetivos da Unitização. No leste do
Texas, com centenas de pequenas empresas, a probabilidade da efetivação de um Acordo de
Unitização era praticamente nula. De fato, uma constatação importante da pesquisa foi o alto
grau de concentração necessário para se alcançar uma coordenação bem-sucedida. A
heterogeneidade das empresas foi apontada como o principal fator que afetava as negociações
voluntárias.
Os casos estudados pelos autores podem ser representados pelo esquema apresentado
na Figura 12, que representa uma distribuição dos direitos de propriedade, onde a produção de
hidrocarbonetos é desenvolvida e operada onshore. Podem-se observar diversos atores
econômicos como detentores dos direitos de propriedade e sujeitos à problemática dos CPRs.
Já a Figura 13 apresenta alguns desdobramentos que também podem ser observados nos EUA.
Visão em Planta
Território Estadual
Jazida de Petróleo
Propriedades Privadas
Figura 13: Regulação estadual, jazida se estendendo por mais de uma propriedade
Fonte: O autor. Adaptado de Bucheb (2005)
97
Visão em Planta
Território Estadual
Território Indígena
Território Federal
Jazida de Petróleo
Propriedades Privadas
Figura 14: Regulação estadual/federal, jazida se estendendo por mais de uma propriedade
Fonte: O autor. Adaptado de Bucheb (2005)
No caso específico, podemos observar um grande número de agentes econômicos
envolvidos numa problemática de CPR. Por outro lado, podemos verificar também a
participação de terras indígenas e terras federais. Esses agentes são heterogêneos, e
considerando essa característica, Libecap & Wiggins identificam um alto potencial para haver
conflitos de interesses e, portanto, não se chegar a um Acordo de Unitização.
Wiggins & Libecap (1985) argumentam que os contratos não são perfeitos e a
assimetria de informação entre os agentes distorce as bases de negociação e impede um
acordo em relação ao desenvolvimento unitizado.
Wiggins & Libecap (1985) estudaram os problemas de contratação ex ante observados
ao longo de investigações empíricas de Contratos de Unitização. Os autores apontam o
problema das negociações acerca das estimativas de valor para a alocação das participações
entre os agentes e concentram-se no estabelecimento de um mecanismo de governança, com
ações coordenadas no âmbito da unidade, que minimizem custos de transação. As diferenças
nas estimativas surgem devido à incerteza geral sobre a dinâmica do reservatório. Outra
questão que deve ser considerada é em relação ao problema da seleção adversa. A seleção
adversa representa os custos para se equilibrar uma relação entre as partes que negociam um
contrato, antes da elaboração desse contrato; no caso da Unitização são não triviais e muito
relevantes.
Coase, Goldberg, Williamson apud Wiggins & Libecap (1985) argumentam que os
custos de transações podem onerar gravemente o processo de contratação privada. Goldberg e
98
Williamson, por exemplo, exploraram os casos em que as assimetrias de informação ex post
levaram a falhas nos contratos, pois nem todas as reivindicações de contingências das partes
podem ser expressas nos contratos. Por esse motivo, é usual que sejam negociadas cláusulas
de Redeterminação, porém, a partir deste ponto cabe destacar que comportamentos
oportunistas poderão ser levados em conta, tanto no ambiente externo quanto interno ao
Operador, e o problema do risco moral surge como uma variável potencial que pode afetar
significativamente o resultado das operações da unidade.
Wiggins, Hackett & Battalio (1991) demonstram por meio de resultados observados
em análise experimental que a informação é uma variável significativa nas negociações num
ambiente com agentes heterogêneos. A experiência de laboratório contou com a participação
de seis grupos de negociadores. Os resultados mostram que quando a informação é plena para
todas as partes, existe uma tendência para a partilha dos resultados. Já na situação em que
observamos uma incerteza parcial em relação aos resultados, os agentes tendem a não chegar
a acordos. Quando as recompensas são completamente incertas, essa situação afeta todos os
agentes de forma simétrica. Nesse último caso, as partes têm um incentivo para insistir nas
negociações e chegarem a um acordo.
Libecap (2005) mostra que na ausência de restrições, tais como as previstas pelas
normas informais de interação entre os agentes numa comunidade, direitos de propriedade
bem especificados, ou outros tipos de regulação governamental, os agentes que desenvolvem
atividades econômicas exploratórias em CPRs tendem a ser indivíduos competitivos que
exploram os recursos de forma rápida e predatória.
Apesar dos resultados, todos os estudos citados apresentam o desenvolvimento
unitizado como uma solução teórica capaz de mitigar a problemática dos CPRs.
Asmus & Weaver (2006) destacam que o Instituto da Unitização geralmente é
reconhecido como a solução mais eficiente e justa para a produção de petróleo e gás natural,
porque minimiza os custos de produção pela economia de escala e eficiência operacional, e
por outro lado maximiza a recuperação final de petróleo de um CPR. Por meio de soluções
coordenadas de produção são implementadas e conduzidas atividades de exploração e
produção por uma única empresa, que será capaz de planejar e administrar o desenvolvimento
das melhores práticas de engenharia para a recuperação desses hidrocarbonetos.
Como vimos, os Estados Unidos da América constituem-se numa referência mundial
para o Instituto da Unitização. A evolução desse instituto motivou a sua implementação ao
99
redor do mundo, logo podemos observar a utilidade dessa experiência tanto para países
desenvolvidos quanto para países em desenvolvimento. No próximo bloco, serão apresentadas
algumas experiências de destaque.
6.2 A EXPERIÊNCIA DA NORUEGA
A Noruega estabeleceu um sistema de gestão dos recursos petrolíferos que ganhou
destaque internacionalmente. Empresas estrangeiras e nacionais operam atividades de
Exploração e Produção de petróleo e gás natural na plataforma continental norueguesa, no
Mar do Norte. A produção de hidrocarbonetos no país é realizada integralmente offshore. A
participação do governo norueguês nas atividades petrolíferas foi reforçada por meio da
participação da Norsk Hydro, e pela criação de uma empresa petrolífera estatal, a Statoil, em
1972. Em 2007, houve a fusão da empresa Norsk Hydro com a Statoil, e a nova empresa
passou a se chamar StatoilHydro ASA.
A cooperação e a competição entre as várias empresas na plataforma continental
norueguesa foram cruciais para o fortalecimento das atividades no Mar do Norte. A política
cooperativa tem contribuído para garantir a conservação dos recursos petrolíferos, e o país
desenvolveu um sistema pelo qual as companhias petrolíferas atuam em parceria com o
Estado, por meio de debates e fóruns de comunicação instituídos para discutir os avanços
tecnológicos e as melhores práticas para se explorar e produzir petróleo e gás natural em
ambientes de fronteira. Segundo o governo norueguês, embora a concorrência seja desejável,
a cooperação entre os intervenientes na indústria do petróleo agregou valor ao processo de
Exploração e Produção de petróleo por meio de sinergias das empresas que atuam no país.
A Figura 15 apresenta um detalhamento dos Blocos Exploratórios de petróleo e gás
natural da Região Sul do país, bem como a respectiva fronteira de produção com o Reino
Unido. Nota-se que muitas jazidas de petróleo e gás natural extrapolam fronteiras de Blocos
Exploratórios, inclusive, fronteiras nacionais.
100
Figura 15: Noruega, blocos exploratórios e campos petrolíferos
Fonte: Norwegian Petroleum Directorate
O Estado norueguês exerce o direito de propriedade das jazidas de petróleo,
estabelecendo o regime de direito exclusivo para o gerenciamento desses recursos. A
sociedade norueguesa é orientada por uma perspectiva de longo prazo em relação à gestão dos
recursos petrolíferos. Nesse contexto, a gestão dos recursos deve gerar receitas para o país e
contribuir para assegurar o Bem-Estar Social por meio da geração de renda, do fortalecimento
do comércio e indústria, do desenvolvimento industrial, e ao mesmo tempo preservar o meio
ambiente.
A autorização das licenças para a exploração de petróleo e gás natural é ministerial. O
rei da Noruega institui regulamentos que orientam a concessão das licenças e os mecanismos
101
tributários que asseguram a participação do Estado. A licença de produção pode abranger um
ou vários blocos ou partes desses blocos, e é concedida a uma entidade empresarial
estabelecida em conformidade com a legislação norueguesa e reconhecida no Registro
Norueguês de Empresas.
A licença de produção implica o direito exclusivo de exploração e produção das
jazidas de petróleo em áreas cobertas pela licença. O titular desse instrumento passa a ser o
proprietário do petróleo produzido. E a legislação norueguesa prevê que o rei poderá estipular
condições para que os licenciados se engajem em acordos específicos com outras entidades
empresariais. Esses acordos de cooperação devem ser apresentados ao ministério responsável,
que poderá exigir alterações em tais acordos.
A pedido de um licenciado, o ministério pode, ainda, aprovar a separação de parte da
área abrangida pela licença de produção, emitindo uma nova licença, e que será independente
para esta área que foi destacada. O rei pode emitir regulamentos específicos relativos à
delimitação da área separada. O ministério pode, em casos específicos, conceder direitos a um
agente que não seja o titular de uma determinada licença para exercer a exploração e produção
de uma área abrangida por outra licença de produção. O ministério deve determinar o tipo de
exploração que poderá ser realizada e a duração dessa atividade.
A concessionária não poderá opor-se à colocação de tubulações, cabos ou fios de
vários tipos, ou a colocação de outras instalações, dentro ou acima da área abrangida por sua
licença de produção. Estas instalações não devem causar transtornos razoáveis ao licenciado.
O licenciado tem o dever de assegurar que a produção de hidrocarbonetos seja
realizada em conformidade com técnicas prudentes e princípios econômicos sólidos, de tal
modo que não haja desperdícios de recursos ou que não haja prejuízo físico ao reservatório,
devendo observar o melhor aproveitamento da energia primária e as melhores práticas de
recuperação do petróleo. O titular da licença deve proceder a uma avaliação contínua da
estratégia de produção e das soluções técnicas implementadas, tomando as medidas
necessárias a fim de alcançar os objetivos do país.
Se um licenciado decide desenvolver um depósito de petróleo, o titular deve apresentar
ao ministério competente um plano para aprovação da estratégia de desenvolvimento e
operação do depósito de petróleo.
Se um depósito de petróleo se estende por mais de um bloco com licenças diferentes,
ou na plataforma continental de outro país, devem ser feitos esforços para alcançar um acordo
102
sobre o método mais eficiente para a coordenação das atividades petrolíferas, bem como sobre
o rateio da produção de hidrocarbonetos. Isto se aplica da mesma forma quando, no caso de
vários depósitos de petróleo num mesmo bloco, o desenvolvimento de atividades conjuntas de
petróleo seja indicado como ações mais eficientes.
Os acordos sobre a exploração conjunta são apresentados ao ministério competente
para aprovação. Se não for atingido um consenso sobre determinado acordo, o ministério
poderá determinar como essas atividades conjuntas serão conduzidas, incluindo a repartição
dos recursos.
Atualmente, várias empresas compartilham os resultados da extração cooperativa
incentivada pelo governo norueguês. Um total de 115 empresas detém direitos de participação
dos lucros das operações unitizadas. A Tabela 5 apresenta uma lista de campos unitizados, os
seus respectivos operadores e as empresas com as suas respectivas participações. Cabe
destacar que foi identificada a participação estatal em praticamente todos os campos
unitizados, ou pela participação da PETORO, ou a partir da participação da empresa
STATOIL, e esta última figura como operador predominante em diversas Áreas de Negócio37.
37
Do inglês, “Business Area”. Área de Negócio é a denominação conferida pelo órgão governamental norueguês
aos campos petrolíferos unitizados naquele país.
103
UNIDADE
PARTICIPAÇÕES
ENI NORGE (14,82%); EXXON (7,24%); PETORO (35,69%); STATOIL PETROLEUM
ÅSGARD UNIT
AS (34,57%) e TOTAL E&P NORGE (7,68%)
BOW VALLEY UK (12,5%); ENI UK LIMITED (13,89%); ENI ULX LIMITED (4,10%);
BLANE UNIT
NIPPON OIL (13,99%); ROC OIL (GB) LIMITED (12,5%); TALISMAN ENERGY (18%) e
TALISMAN NORTH SEA 25%)
ALTINEX OIL NORWAY (12,25%); PETORO (14,25%); SPRING ENERGY NORWAY
BRAGE UNIT
AS (2,5%); STATOIL PETROLEUM AS (32,7); TALISMAN ENERGY (33,84%) e VNG
NORGE AS (4,44%)
ALTINEX OIL NORWAY (4,36%); BOW VALLEY UK (12%); DANA (8,8%); DET
NORSKE (2%); DONG E&P NORGE (1,86%); DYAS (14%); ENDEAVOUR ENERGY UK
ENOCH UNIT
(8%); ROC OIL (GB) LIMITED (12%); STATOIL PETROLEUM AS (11,78%); TALISMAN
LNS (1,2%) e TALISMAN NORTH SEA (24%)
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (5,78%); PETORO (24,18); STATOIL PETROLEUM
GIMLE UNIT
AS (65,13%) e TOTAL E&P NORGE (4,89%)
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (6,17%); EXXON (28,22%); PETORO (28,94%) e
GRANE UNIT
STATOIL PETROLEUM AS (36,66%)
HALTENBANKEN VEST ENI NORGE (8,24%); EXXON (10,87%); PETORO (19,57%); STATOIL PETROLEUM
AS (55,29%) e TOTAL E&P NORGE (6%)
UNIT
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (24,31%); ENI NORGE (5,11%); PETORO (58,16%)
HEIDRUN UNIT
e STATOIL PETROLEUM AS (12,40%)
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (23,33%); PETORO (31,95%); STATOIL
HULDRA UNIT
PETROLEUM AS (19,87%); TOTAL E&P NORGE (24,33%) e TALISMAN RESOURCES
(0,49%)
Status
Descoberta Primeiro Óleo
Operador
Em Produção
1981
19/5/1999
Statoil
Petroleum AS
Em Produção
1989
12/9/2007
Talisman North
Sea Limited
Em Produção
1980
23/9/1993
Statoil
Petroleum AS
Em Produção
2005
31/5/2007
Talisman North
Sea Limited
Em Produção
2004
19/5/2006
Em Produção
1991
23/9/2003
Em Produção
1997
3/11/2005
Em Produção
1985
18/10/1995
Em Produção
1982
21/11/2001
Statoil
Petroleum AS
ExxonMobil
E&PNorway AS
Statoil
Petroleum AS
Statoil
Petroleum AS
Statoil
Petroleum AS
Statoil
Petroleum AS
JOTUN UNIT
DANA PETROLEUM NORWAY (45%); DET NORSKE (7%); EXXON (45%) e PETORO
(3%)
Em Produção
1984
25/10/1999
MIKKEL UNIT
ENI NORGE (14,9%); EXXON (33,48%); STATOIL PETROLEUM AS (43,97%) e TOTAL
Em Produção
E&P NORGE (7,65%)
1987
1/8/2003
MURCHISON UNIT*
CNR (77,80%) e WINTERSHALL NORGE ASA (22,20%)
Em Produção
1976
28/9/1980
NJORD UNIT
Em Produção
1986
30/9/1997
ORMEN LANGE UNIT
E.ON RUHRGAS NO (30%); EXXON (20%); GDF SUEZ E&P NORGE (20%); PETORO
(7,5%); STATOIL PETROLEUM AS (20%) e VNG NORGE AS (2,5%)
DONG E&P NORGE (10,34%); EXXON (7,22%); PETORO (36,47%); SHELL NORGE
(17,03%) e STATOIL PETROLEUM AS (28,91%)
Em Produção
1997
13/9/1997
OSEBERG SØR UNIT
HYDRO PRODUKSJON (34%); MOBIL N (4,7%); NORSKE CONOCOPHILLIPS (2,4%);
Em Produção
PETORO (33,6%); STATOIL ASA (OLD) (15,3%) e TOTAL E&P NORGE (10%)
1984
5/2/2000
Statoil
Petroleum AS
OSEBERG UNIT
HYDRO PRODUKSJON (34%); MOBIL N (4,7%); NORSKE CONOCOPHILLIPS (2,4%);
Em Produção
PETORO (33,6%); STATOIL ASA (OLD) (15,3%) e TOTAL E&P NORGE (10%)
1979
1/12/1988
Statoil
Petroleum AS
Em Produção
2003
19/3/2006
ExxonMobil
E&PNorway AS
RINGHORNE ØST UNIT EXXON (77,38%); PETORO (7,8%) e STATOIL PETROLEUM AS (14,82%)
Statoil
Petroleum AS
CNR
International
(UK) Limited
Statoil
Petroleum AS
A/S Norske
Shell
SKARV UNIT
BP NORGE 23,83%); E.ON RUHRGAS NO (28,08%); PGNIG NORWAY (11,91%) e
STATOIL PETROLEUM AS (36,16%)
Unitização
Autorizada
1998
-
BP Norge AS
SLEIPNER ØST UNIT
EXXON (30,4%); STATOIL PETROLEUM AS (59,6%) e TOTAL E&P NORGE (10%)
Em Produção
1981
24/8/1993
Statoil
Petroleum AS
SLEIPNER VEST UNIT
EXXON MO (32,23%); STATOIL PETROLEUM AS (58,34%) e TOTAL E&P NORGE
(9,4%)
Em Produção
1974
29/8/1996
Statoil
Petroleum AS
SNØHVIT UNIT
GDF SUEZ E&P NORGE (12%); HESS NORGE AS (3,2%); PETORO (30%); RWE-DEA
Em Produção
NORGE (2,81%); STATOIL PETROLEUM AS (33,53%) e TOTAL E&P NORGE (18,4%)
1984
21/8/2007
Statoil
Petroleum AS
SNORRE UNIT
EXXON (11,58%); HESS NORGE AS (1,03%); IDEMITSU (9,6%; PETORO (30%); RWEDEA NORGE (8,28%); STATOIL PETROLEUM AS (33,31%) e TOTAL E&P NORGE
Em Produção
(6,18%)
1979
3/8/1992
Statoil
Petroleum AS
Em Produção
1976
24/9/1994
Statoil
Petroleum AS
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (6,04%); ENTERPRISE NORGE (0,52%); EXXON
STATFJORD ØST UNIT MO (17,75%); IDEMITSU (4,8%); PETORO (30%); RWE-DEA NORGE (1,4%); SHELL
NORGE (5%); STATOIL PETROLEUM AS (31,68%) e TOTAL E&P NORGE (2,8%)
STATFJORD UNIT
CENTRICA RESOURCES (9,68%); CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (10,3%);
CONOCOPHILLIPS UK (4,84%); ENTERPRISE NORGE (0,89%); EXXON (21,36%);
SHELL NORGE (8,54%); STATOIL PETROLEUM AS (44,33%)
Em Produção
1974
24/11/1979
Statoil
Petroleum AS
SYGNA UNIT
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (6,64%), ENTERPRISE NORGE (0,57%); EXXON
(18,47%); IDEMITSU (4,32%); PETORO (30%); RWE-DEA NORGE (1,26%); SHELL
NORGE (5,5%); STATOIL PETROLEUM AS (30,70%) e TOTAL E&P NORGE (2,52%)
Em Produção
1996
1/8/2000
Statoil
Petroleum AS
TAMBAR ØST UNIT
AEDC (0,8%); BP NORGE (46,2%); DONG E&P NORGE (43,24%); TALISMAN
ENERGY (9,76%)
Em Produção
2007
2/10/2007
TOR UNIT
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (30,65%); ENI NORGE (10,81%); PETORO
(3,68%); STATOIL PETROLEUM AS (6,63%) e TOTAL E&P NORGE (48,19%)
TROLL UNIT
CONOCOPHILLIPS SKANDINAVIA (1,62%); PETORO (56%); SHELL NORGE (8,10%);
Em Produção
STATOIL PETROLEUM AS (30,58%) e TOTAL E&P NORGE (3,69%)
ENI NORGE (6,22%); EXXON MO (11,75%); STATOIL PETROLEUM AS (58,83%) e
Em Produção
TOTAL E&P NORGE (23,18%)
BP NORGE (28,09%); ENTERPRISE NORGE (28,09%); HESS NORGE AS (28,09%) e
Em Produção
TOTAL E&P NORGE (15,71%)
TYRIHANS UNIT
VALHALL UNIT
Em Produção
1970
28/6/1978
1979
19/9/1995
1983
8/7/2009
1975
2/10/1982
BP Norge AS
ConocoPhillips
Skandinavia
AS
Statoil
Petroleum AS
Statoil
Petroleum AS
BP Norge AS
Tabela 5: Campos petrolíferos unitizados, participações empresariais e operador da unidade
Fonte: Elaborado pelo autor, The Norwegian Petroleum Directorate
A Figura 16 apresenta a disposição de alguns desses campos unitizados, como segue:
104
Figura 16: Noruega, blocos exploratórios, campos petrolíferos e infraestrutura
Fonte: Norwegian Petroleum Directorate
O ministro competente pode conceder a uma pessoa jurídica uma licença de três anos
para exploração de hidrocarbonetos em áreas delimitadas pelo governo, porém, a licença de
produção pode ser concedida a outros, nos termos da lei norueguesa.
A licença autoriza atividades de exploração geológicas, geofísicas, geoquímicas e
geotécnicas. Em princípio, antes da abertura de novas Áreas, com vista à concessão de novas
licenças de produção, uma avaliação deve ser realizada sobre os diversos interesses
envolvidos na respectiva Área. Nesta avaliação, devem ser considerados os impactos das
105
atividades petrolíferas sobre o comércio, a indústria, o meio ambiente, e os possíveis riscos de
poluição, bem como os efeitos econômicos e sociais que podem ser resultados das atividades
petrolíferas.
As novas Áreas são anunciadas publicamente de acordo com o planejamento das
atividades petrolíferas, bem como a natureza e a extensão das atividades em tela. Os
interessados devem dispor de um período de tempo não inferior a três meses para apresentar
as suas avaliações. Após o recebimento dos documentos referentes à avaliação, o ministro
decide sobre qual procedimento administrativo deverá ser seguido, caso a caso.
O Norwegian Petroleum Directorate pode exigir que informações devam ser
apresentadas acerca dos resultados de exploração, e pode impor condições para a execução
das atividades de exploração, segundo regulação própria. E de acordo com essa orientação
legal, o órgão regulador norueguês estabelece normas para apresentação das informações
relacionadas com a exploração de hidrocarbonetos, como passaremos a analisar:
a) Uma licença de exploração deverá recolher anualmente uma taxa no valor de
kr$ 60.000 (sessenta mil coroas norueguesas), ao Norwegian Petroleum
Directorate, e este repassará ao Estado por direito;
b) Deverá ser recolhida uma taxa de kr$ 30.000 (trinta mil coroas norueguesas)
para cada levantamento sísmico;
c) O concessionário, em uma base semanal, deve enviar informações para a
Norwegian Petroleum Directorate no que diz respeito ao tempo, o lugar e a
natureza das atividades, os movimentos do navio de exploração etc.;
d) Após a conclusão da atividade de exploração, o titular da licença deve
apresentar os dados, registros e resultados das atividades ao Norwegian
Petroleum Directorate, em até três meses. O licenciado deverá indicar, além
disso, se os resultados das atividades de exploração são considerados
comercialmente viáveis.
Se um licenciado decide desenvolver um depósito de petróleo, o titular deve submeter
ao ministério um plano de desenvolvimento e operação do depósito de petróleo para
aprovação. O plano deve considerar os aspectos econômicos, os recursos técnicos necessários,
os aspectos comerciais, ambientais e informações relacionados com a segurança, bem como
orientações para o encerramento das atividades.
106
As documentações associadas ao desenvolvimento e às operações devem ser
comunicadas à medida que forem sendo reformuladas. O Norwegian Petroleum Directorate
estabelece que a documentação necessária para apresentação do plano deve conter:
a) A
descrição
da
estratégia
de
desenvolvimento
e
o
conceito
de
desenvolvimento, bem como os critérios para as escolhas que foram feitas, a
descrição dos estágios de desenvolvimento, a possível relação com outros
campos e os procedimentos da coordenação das atividades de operação;
b) Descrição dos aspectos geológicos e de engenharia de reservatório, e
programação de produção;
c) Descrição de soluções técnicas, incluindo as soluções destinadas a prevenir e
minimizar eventos prejudiciais ao meio ambiente;
d) Informações sobre os sistemas de gestão, incluindo dados sobre o
planejamento, organização e execução do desenvolvimento, dentre outros.
Em termos gerais, a regulação instruída e conduzida pelo Norwegian Petroleum
Directorate trata de garantir a plena organização da indústria petrolífera do país, por meio de
regulamentos específicos que buscam maximizar os recursos físicos e minerais, minimizar o
problema da assimetria de informação e monitorar os modelos de governança adotados por
empresas Operadoras.
Os regulamentos orientam o processo em torno de acordos para a utilização das
instalações de propriedade de terceiros (TPA) para fins de produção, transporte ou utilização
de petróleo, nos termos do artigo 08/04 da Lei do Petróleo da Noruega. O objetivo é alcançar
o uso eficiente dos recursos e garantir que os licenciados tenham bons incentivos para realizar
atividades de exploração e produção com base em experiências da boa gestão dos recursos da
indústria do petróleo.
A Figura 15 mostra claramente um reservatório de hidrocarbonetos extrapolando as
fronteiras jurídicas da Noruega, em direção ao domínio das águas sob domínio do Reino
Unido. O relacionamento de cooperação entre os dois países é longo, e remonta à década de
1970. Nesta seção, foi apresentada uma breve abordagem acerca da experiência da Noruega
em relação à gestão de seus recursos petrolíferos. Na próxima seção serão apresentadas
questões relevantes que promoveram esse relacionamento sustentável de longo prazo entre os
dois países.
107
6.3 A EXPERIÊNCIA CONJUNTA DO REINO UNIDO38 E DA NORUEGA
Uma referência internacional de Acordos de Cooperação entre países para a
exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural pode ser representada pela
experiência cooperativa entre o Reino Unido e a Noruega39.
A Noruega e o Reino Unido assinaram um Acordo Bilateral em 1965 que orientava
que ambos os países tinham como objetivo cooperar em relação à descoberta de
hidrocarbonetos na fronteira marítima entre os dois países. A primeira descoberta que
precisou utilizar efetivamente o conteúdo deste Acordo foi a descoberta do campo de Frigg,
em 1971. Frigg, quando descoberto, representava a maior e mais profunda descoberta offshore
de gás natural do mundo. O campo localizava-se a 190 quilômetros da Noruega e a 360
quilômetros da Escócia, na Plataforma Continental entre os dois países.
O Tratado de Frigg foi assinado em 10 de maio de 1976, entrando em vigor nesse
mesmo ano. Seu título completo é “Acordo entre o Governo do Reino Unido da Grã-Bretanha
e Irlanda do Norte e o Governo do Reino da Noruega relativo à exploração do campo Frigg e
transmissão de gás natural”.
Frigg foi o primeiro campo offshore onde foi constatada a extrapolação de uma
fronteira internacional. Sua localização remota em águas profundas constituía-se num
empreendimento desafiador e ambicioso. As avaliações iniciais indicam que 60% das reservas
estavam no setor norueguês, e sobre esta base foi decidido acatar a recomendação de
consultores independentes dividindo-se as participações de cada país em 60,82% para a
Noruega e 39,18% para a Grã-Bretanha. Estudos posteriores confirmaram as estimativas
iniciais. No Reino Unido, as partes originais foram Total Oil Marine Ltd. e Elf Aquitaine
Group; na Noruega, a Elf Aquitaine Norge A/S, Norsk Hydro A/S, Statoil e Total Marine
Norsk A/S. Todas as instalações foram construídas, operadas e financiadas como uma
unidade. A Figura 16 mostra a disposição da operação em Frigg.
38
Compreende Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), Irlanda do Norte, Ilhas Man, Ilhas do Canal,
Ilha de Orkney e Ilhas Shetland.
39
Esta parte se baseia em informações obtidas no site do governo do Reino Unido: PILOT - joint programme
involving the Government and the UK oil & gas Industry, e no site do governo norueguês: The NPD's Factpages The NPD's Fact-pages.
108
Figura 17: Jazida se estendendo por mais de um país, Reino Unido e Noruega
Fonte: Total E&P Norge AS
O trabalho de cooperação exigido para se desenvolver e produzir na jazida levou a
uma convergência de objetivos. Normas de construção foram mutuamente acordadas, foram
negociadas normas comuns de Saúde e Segurança no Trabalho para todas as unidades de
produção. Isto exigiu um movimento de pessoal e materiais entre os países, que eram tratados
como uma única unidade para fins aduaneiros e de imigração entre os países. Os empregados
pagavam impostos sobre os seus rendimentos tanto na Inglaterra quanto na Noruega. Ambos
os países tributavam os seus licenciados nos lucros e os impostos referentes ao capital
(instalações/equipamentos), independentemente de a operação estar sendo realizada de um
lado ou de outro da fronteira dos dois países.
Dado o declínio na produção de Frigg, o Tratado foi revisado em 1998 para permitir
que a produção de gás natural de outros campos pudesse ser transportada através do gasoduto
escoador de Frigg para o Reino Unido. Os procedimentos foram simplificados para a eventual
utilização dos gasodutos por terceiros. O Acordo sobre gasodutos eliminou a necessidade de
tratados adicionais, uma vez que um novo gasoduto fosse ligado à infraestrutura existente,
quer no Reino Unido ou no lado norueguês. O principal objetivo foi a maximização da
infraestrutura, incentivando uma aproveitamento eficiente do CPR.
Frigg chegou a fornecer um terço das necessidades de gás natural do Reino Unido ao
longo dos anos 1970 e 1980. Como um campo gigante de gás natural, constituiu-se num
109
processo de desenvolvimento unitizado por um longo período de tempo40, e teve um papel
importante para o fortalecimento do processo de cooperação entre Reino Unido e Noruega.
Noruega
Frigg
Reino Unido
Figura 18: Mapa dos blocos exploratórios da Noruega – zoom out
Fonte: Google Earth. Norwegian Petroleum Directorate, The NPD’s Fact-pages
A Figura 18 apresenta um “zoom out” das fronteiras marinhas que delimitam os
domínios do Reino Unido e da Noruega. Já a Figura 19 apresenta um “zoom in” da Jazida de
Frigg, que representa o círculo vermelho da Figura 18. A área em azul representa o domínio
do Reino Unido, e a área colorida as delimitações dos Blocos Exploratórios da Noruega. O
Campo de Frigg é representado pela delimitação de cor vinho, ou seja, nota-se a existência de
um CPR aos dois países.
Figura 19: Mapa dos blocos e da Noruega – zoom in
Fonte: Google Earth. Norwegian Petroleum Directorate, The NPD’s Fact-pages
40
Frigg começou a produzir oficialmente em 8 de maio de 1978, encerrando a sua operação em 26 de outubro de
2004.
110
Em abril de 2005, os ministros da Energia do Reino Unido e da Noruega assinaram o
Tratado de Cooperação Reino Unido e Noruega para a exploração, desenvolvimento e
produção de petróleo e gás natural. Esse Tratado eliminou a necessidade de negociação, caso
a caso, de projetos específicos de descobertas de hidrocarbonetos no Mar do Norte e confere
agilidade ao processo de formação da unidade para o desenvolvimento dos projetos
petrolíferos que se estendem através da fronteira marítima dos dois países.
Noruega e Reino Unido desenvolveram conjuntamente um manual de procedimentos
operacionais que orientam os atores privados engajados nas atividades de Exploração e
Produção. O objetivo é fornecer uma visão simplificada do Acordo e das medidas práticas
para a implementação de vários tipos de projeto. A ênfase tem sido colocada em explicar o
papel dos licenciados e dos operadores e sua relação com as entidades reguladoras do Reino
Unido e Noruega41.
Ambos os países buscam implementar mecanismos que facilitem a transferência de
ativos para garantir uma alocação eficiente dos recursos. Esses mecanismos são vistos como
potenciais ao comércio e ao desenvolvimento incremental da produção de petróleo e gás
natural. Para esses governos novas oportunidades precisam ser planejadas e implementadas de
forma rápida e eficiente. Há evidências de que as parcerias industriais e os novos modelos de
negócios estão contribuindo para agregar valor à produção. Novas tecnologias e eficácia da
cadeia de suprimentos desempenham papéis importantes para promoção dessas iniciativas. A
colaboração entre empresas tem sido identificada como um meio para proporcionar melhorias
significativas nos resultados, e a indústria precisa de novos incentivos para o desenho de uma
linha de aprendizagem cooperativa.
6.3.1 Tratado de Cooperação Reino Unido-Noruega: princípios gerais
O escopo do Acordo aplica-se a uma cooperação entre fronteiras dos governos do
Reino Unido e da Noruega no que diz respeito às atividades de exploração, desenvolvimento e
produção de hidrocarbonetos.
O Acordo não afeta os interesses, os direitos soberanos e a jurisdição que cada Estado
tem sobre a sua respectiva plataforma continental, conforme Acordos, Tratados Internacionais
41
UK – NORWAY. TRANS-BOUNDARY OIL & GAS FIELDS: Guidelines For Development Of TransBoundary Oil And Gas Fields.
111
e a CNUDM. Toda instalação de produção no âmbito da plataforma continental do Reino
Unido estará sob a jurisdição do Reino Unido e toda a instalação de produção no âmbito da
plataforma continental do Reino da Noruega estará sob a jurisdição do Reino da Noruega.
Os dois governos devem usar os seus melhores esforços para facilitar e viabilizar
projetos petrolíferos entre as suas fronteiras marítimas. Suas ações devem ser coordenadas, e
os procedimentos para a autorização das atividades devem ser administrados simultaneamente
e ser compatíveis uns com os outros. Um governo não deve alterar ou modificar qualquer
autorização de atividades, nem conceder direitos, sem antes existir uma consulta prévia ao
outro governo.
Para facilitar os projetos, Reino Unido e Noruega devem encorajar, sempre que
possível, a adoção de normas comuns de saúde, segurança e exigências ambientais. Em
qualquer caso, os dois governos devem procurar assegurar que as suas respectivas normas e
exigências sejam compatíveis.
Ambos os governos devem garantir o intercâmbio de informações relacionadas às
operações das unidades; estas estão sujeitas a restrições legais quanto à divulgação e uso das
informações por cada parte.
Sempre que solicitada uma informação acerca da operação de um oleoduto ou
terminal, informações sobre a operação do sistema, ou até mesmo para o estabelecimento de
acordos voluntários para a prestação dessas informações, o outro governo não colocará
obstáculos para a prestação de tais serviços. Ambos os governos deverão incentivar a troca de
informações para atender plenamente aos objetivos da Cooperação.
Os lucros por utilização das infraestruturas relacionadas com projetos petrolíferos e os
ganhos de capital decorrentes da alienação de direitos de tais infraestruturas serão tributados
de acordo com as leis do Reino Unido e do Reino da Noruega. Os países deverão envidar
esforços para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, de acordo com a Convenção
assinada entre ambos os países.
Os dois governos estabelecem um Fórum comum para facilitar a cooperação entre
ambos. Este Fórum poderá ser composto tanto por membros governamentais, quanto outros
membros das sociedades quando convidados. O Fórum deve proporcionar mecanismos para
assegurar consultas, troca de informações e, principalmente, um meio para a resolução de
conflitos sem a necessidade de recorrer a procedimentos judiciais.
112
6.3.2 Tratado de Cooperação Reino Unido-Noruega: exploração conjunta dos
reservatórios como uma unidade
Sempre que os dois governos, após consulta com seus respectivos licenciados,
concordam que um reservatório de petróleo é um CPR, este deve ser explorado como uma
única unidade e os dois governos acordarão os procedimentos mais adequados para explorar o
CPR.
Cada governo deve exigir que os seus licenciados entrem em processo de negociação
para assinatura de Acordo de Unitização entre as partes. Este Acordo deverá ser encaminhado
para a autorização prévia de ambos os governos. O Acordo deverá contemplar cláusula que
considere que, em caso de conflito entre as partes, as normas vigentes para a unidade serão as
que dispõem do Tratado entre Reino Unido e Noruega.
O Acordo de Unitização deverá contemplar a determinação do CPR a ser explorado,
indicando:
a) As características geográficas e geológicas do CPR;
b) O montante total estimado para as reservas e a metodologia de cálculo
utilizada;
c) A repartição das reservas entre os licenciados de cada governo.
Deverá considerar, ainda, um Plano de Trabalho que contemple um cronograma de
atividades relacionadas com a exploração do CPR, e os procedimentos, incluindo uma agenda,
para qualquer redeterminação solicitada por licenciados ou pelas partes governamentais. A
redeterminação será conduzida pelo operador da unidade.
Caso uma das partes governamentais não esteja de acordo com a proposta de
determinação ou redeterminação, deverá notificar o outro governo e o operador da unidade
num prazo de até sessenta dias. Os dois governos, tendo em conta o desejo de chegar a uma
rápida resolução, devem usar seus melhores esforços para resolver o assunto, e o operador do
CPR poderá apresentar propostas alternativas para essa finalidade.
Se no prazo de 60 dias, a contar da notificação referida no parágrafo anterior ou
qualquer outro período inferior, as partes não chegarem a um acordo, será nomeado um único
perito para chegar a uma oportuna e independente determinação da questão em desacordo.
O perito deverá ser escolhido por acordo entre os dois governos. O perito deve ser
escolhido entre pessoas ou organizações reconhecidas como especialistas no domínio do
113
assunto a ser considerado em relação a qualquer conflito de interesses. O perito e qualquer
contratante assim empregado será obrigado a salvaguardar a confidencialidade de qualquer
informação fornecida a ele.
Se não se chegar a um acordo sobre a escolha do perito dentro de seis semanas, a partir
da data em que inicia o processo, os dois governos devem solicitar ao Presidente do Institut
Français du Pétrole, ou outra pessoa ou organização se assim for acordado pelos dois
governos, a escolha de um perito dentre dois candidatos, um nomeado por cada governo.
Uma vez realizada a escolha do profissional, cada governo se compromete em
disponibilizar todas as informações necessárias para tomada de decisão do perito. O
profissional só poderá reunir-se com um governo em conjunto com outro governo. Todas as
comunicações entre um governo e os peritos externos deverão ser realizadas por escrito e tal
comunicação deve ser copiada para a outra parte.
Após doze semanas da nomeação do perito, este deve apresentar uma decisão
preliminar para ambos os governos, juntamente com uma explicação detalhada de como essa
decisão foi alcançada. Posteriormente, haverá um período de oito semanas a partir da data em
que a decisão preliminar foi comunicada para que as partes possam obter esclarecimentos
sobre esta decisão e/ou fazer observações para o perito para sua consideração. Uma decisão
final do perito, juntamente com uma explicação detalhada, deve ser comunicada por escrito
aos dois governos dentro de quatro semanas. Salvo no caso de fraude ou erro manifesto, a
decisão do perito deve ser final e vinculativa para os dois governos, que devem garantir que a
decisão seja aplicada pelo operador da unidade em nome dos licenciados em questão.
6.3.3 Tratado de Cooperação Reino Unido-Noruega: inclusão ou exclusão de
licenças
Se após a assinatura do Acordo de Unitização, os governos identificarem que os
limites do CPR estendem-se para uma área da plataforma continental a qual outra parte
possua uma licença de produção, os dois governos exigirão que todos os seus respectivos
licenciados cheguem a outro acordo que indique os mecanismos para a exploração eficaz do
CPR. Tais disposições deverão ser feitas dentro do prazo estipulado pelos dois governos.
Se após a assinatura do Acordo de Unitização, os governos identificarem que os
limites do CPR estendem-se em uma área da plataforma continental que não é coberta por
uma licença de produção, o respectivo governo deverá, sem demora, procurar resolver a
situação, oferecendo esse Bloco Exploratório para a licença.
114
Se uma licença de produção não é concedida ou se uma licença de produção é
concedida, mas não há acordo dentro do prazo estipulado, qualquer medida a ser tomada deve
ser decidida em conjunto pelos governos do Reino Unido e da Noruega.
6.3.4 Tratado de Cooperação Reino Unido-Noruega: outras disposições
Um operador para a unidade deverá ser designado por acordo entre os licenciados dos
dois países como agente comum para fins de exploração de um CPR. Este deverá apresentar
um plano de desenvolvimento e produção do CPR e o plano de escoamento dos
hidrocarbonetos, sujeito à aprovação de ambos os países.
6.3.5 Tratado de Cooperação Reino Unido-Noruega: Câmara de Conciliação
No caso de os governos da Noruega e do Reino Unido não chegarem a um acordo
sobre a interpretação ou aplicação dos termos orientados pelo Tratado, as partes poderão
resolver seus litígios no âmbito de uma Câmara de Conciliação, previsto no referido
instrumento, observando as seguintes proposições:
a) Os governos podem solicitar que determinado conflito seja submetido a uma
Câmara de Conciliação;
b) A Câmara de Conciliação será composta por cinco membros. Cada governo
designará dois membros, e os quatro membros assim designados devem
designar o quinto (que deverá ser estrangeiro e não resida nem no Reino Unido
ou na Noruega), que atuará como presidente da Câmara de Conciliação;
c) Se um dos governos, ou ambos, não designar um ou mais membros da Câmara
de Conciliação no prazo de um mês, contados a partir do pedido formal, um ou
outro governo poderá solicitar ao Presidente do Tribunal Internacional de
Justiça para designar o número necessário de membros;
d) A Câmara de Conciliação terá direito de obter todas as informações relevantes
e efetuar todas as consultas necessárias;
e) A Câmara de Conciliação será obrigada a tomar uma decisão num prazo
determinado pelas partes;
f) As decisões da Câmara de Conciliação serão tomadas por maioria simples e
será mandatória para os dois governos;
g) Novas regras processuais relativas às decisões da Câmara de Conciliação
poderão ser negociadas a qualquer tempo por ambos os governos.
115
A soberania, o território e as fronteiras são conceitos-chave do direito internacional
público; a experiência internacional do Tratado entre Reino Unido e Noruega nos fornece
exemplos de boas práticas internacionais em relação à política de conservação dos recursos
petrolíferos de ambos os países.
O Reino Unido e o Reino da Noruega engendraram esforços para promover uma
política de maximização dos recursos econômicos provenientes dos CPRs petrolíferos. A
política de conservação orientou essas ações cooperativas que fomentaram o desenvolvimento
tecnológico por experiências desafiadoras de exploração e produção em ambientes remotos,
tanto do ponto de vista governamental, quanto industrial, as quais contribuíram para mitigar
perdas econômicas advindas da problemática de exploração dos CPRs.
Identificamos os mecanismos de coordenação, comunicação e transparência como os
principais vetores de sucesso para a exploração, desenvolvimento e produção desses
hidrocarbonetos. O Reino Unido e o Reino da Noruega continuam incentivando essas práticas
cooperativas, estabelecendo diretrizes, normas e mecanismos, que foram motivadas ao longo
dessa experiência compartilhada. O objetivo principal de ambos os países visa à conservação
desses recursos petrolíferos, o aproveitamento eficiente da infraestrutura de exploração e
produção e a maximização do Bem-Estar Social de ambas as sociedades.
116
7. O INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO NO BRASIL
Neste capítulo abordaremos o caso brasileiro, considerando a evolução histórica da
atividade de Exploração e Produção de hidrocarbonetos no país. Na primeira seção serão
apresentados fatos de destaque da evolução da Indústria Petrolífera Nacional. Um segundo
tópico abordará o atual modelo regulatório do Instituto da Unitização no Brasil, e por fim,
serão apresentadas e discutidas as perspectivas de desenvolvimento da Indústria de Petróleo e
Gás Natural no Brasil.
7.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O desenvolvimento das instituições aplicáveis às atividades de exploração e produção
de petróleo e gás natural no Brasil pode ser dividido em cinco fases distintas, conforme
apresentaremos a seguir:
a) Sistema regaliano (até 1891), definido como o direito de propriedade do subsolo,
exercido pelo príncipe, como atributo da soberania. A Constituição garantia o direito
de propriedade em toda a sua plenitude, ressalvadas as hipóteses de direito público,
sob indenização.
b) Regime da livre iniciativa (1891 a 1934), estabelecia que as riquezas do subsolo
pertenciam ao proprietário do solo.
c) Regime da autorização ou concessão (1934 a 1953), derivado da separação entre a
propriedade do solo e as riquezas do subsolo. Os regimes de aproveitamento dos
recursos minerais dependiam de autorização ou concessão federal. A Constituição
estabelecia a competência privativa da União para legislar sobre os bens do domínio
federal. Duas inovações foram introduzidas ao ordenamento, a primeira veio permitir
que empresas estrangeiras explorassem e produzissem petróleo no Brasil, exigindo-se
apenas que estas fossem organizadas no país. A segunda determinava que a União
poderia monopolizar determinada indústria ou atividade.
d) Regime do monopólio estatal (1953 a 1995), o art. 1o da Lei no 2.004/53 definiu
como monopólio da União, as atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, o
refino, o transporte marítimo, bem como por meio de dutos. O art. 2o estabelecia que
o monopólio da União seria exercido pelo Conselho Nacional do Petróleo, como
órgão de orientação e fiscalização, e da PETROBRAS e suas subsidiárias, como
órgãos de execução. O monopólio estatal passou a integrar o texto constitucional a
partir de 1967. Em 1976, por força da determinação presidencial, foram adotados no
117
Brasil os contratos de prestação de serviços para a exploração de petróleo, com
cláusula de risco, que ficarão conhecidos como “contratos de risco”. Esses contratos
constituíam-se em contratos de adesão, mediante os quais empresas ou consórcios
brasileiros ou estrangeiros prestavam serviços de exploração de petróleo à
PETROBRAS. Os contratos previam que, na fase de produção, a operação ficaria a
cargo da PETROBRAS e que as empresas teriam participação nos resultados. A
Constituição de 1988 proibiu a celebração de novos contratos de risco.
e) Flexibilização do monopólio estatal do petróleo (1995 à atual), o processo de
abertura do setor do petróleo se deu com a aprovação da Emenda Constitucional no 9,
de 9 de novembro de 1995 e a promulgação da Lei do Petróleo, em 6 de agosto de
1997 (BUCHEB, 2005, p. 25).
Lucchesi (1998) orienta que o período inicial do esforço brasileiro para o
desenvolvimento das atividades de Exploração e Produção de petróleo e gás natural pode ser
destacado em duas etapas: a primeira (1858/1938), a da livre iniciativa doméstica, do Serviço
Geológico e Mineralógico Brasileiro (SGMB) e do Departamento Nacional da Produção
Mineral (DNPM); e a segunda, iniciada a partir da descoberta da primeira acumulação de
petróleo em 1939 (campo de Lobato, BA), e da criação do Conselho Nacional do Petróleo
(CNP), encerrando-se em 1953. O autor destaca a participação privada durante esse período.
O primeiro período de exploração de petróleo no Brasil teve como participantes
alguns empreendedores privados, embora em grande parte financiados por recursos
públicos e utilizando equipamentos do governo federal, de governos estaduais,
SGMB, DNPM e, posteriormente, do CNP. Caracterizou-se, principalmente no
início, pelo amadorismo e pela falta de equipamentos e recursos, situação que
melhorou sensivelmente com a entrada em cena do SGMB, do DNPM e, em
especial, do CNP (LUCCHESI, 1998, p. 21).
Segundo Simioni (2006), a Lei no 2.004, de 1953, definiu o monopólio da União sobre
todas as atividades relativas à indústria petrolífera nacional. A lei sancionada pelo presidente
Getulio Vargas dispôs sobre a política nacional do petróleo e instituiu a empresa estatal
Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, executora com exclusividade das operações de
exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil.
Nesta primeira fase de monopólio da PETROBRAS foram conhecidas praticamente
todas as bacias terrestres brasileiras, inclusive a do Pantanal e as porções terrestres
das bacias ao sul da Bahia, Pelotas e Campos. Foram perfurados 1.120 poços em
118
terra e dois no mar [...] Os resultados alcançados até então reforçavam a ideia de que
as bacias terrestres brasileiras não conteriam acumulações significativas de petróleo.
A dependência externa continuava. Com a descoberta de Guaricema, na plataforma
continental de Sergipe-Alagoas, renovaram-se as perspectivas de autossuficiência,
deslocadas agora para o mar (LUCCHESI, 1998, p. 23).
Em 1968, a plataforma PETROBRAS 1 (P-1) é construída pela Companhia de
Comércio e Navegação no Estaleiro Mauá, em Niterói (RJ), com o projeto da The Offshore
Co. e Petroleum Consultants, de Houston (EUA). A P-1 deu início às atividades de perfuração
no estado de Sergipe e foi a primeira plataforma de perfuração flutuante construída no Brasil,
equipada com uma sonda capaz de perfurar poços de até quatro mil metros42. O Gráfico 8
representa a evolução da exploração e produção de petróleo no Brasil.
Gráfico 8: Períodos exploratórios – 1858-2000 – evolução das reservas
Fonte: LUCCHESI, Celso Fernando. Petróleo. Estudos Avançados 12 (33); RJ; 1998
A segunda fase (1969-1974) caracterizou-se pelas primeiras descobertas na porção
terrestre da Bacia do Espírito Santo, pelo decisivo avanço para o mar, pela
ocorrência do primeiro choque do petróleo, pela criação de um braço internacional
da PETROBRAS e, finalmente, pela primeira descoberta realmente importante no
mar, a Bacia de Campos. É conferida ênfase especial ao treinamento dos técnicos
brasileiros e à contratação sistemática de consultores estrangeiros alinhados com as
mais recentes metodologias e tecnologias de exploração e produção (LUCCHESI,
1998, p. 27).
Em 1974, é descoberto petróleo na Bacia de Campos (RJ), no Campo de Garoupa. Em
1975, o governo federal autoriza a assinatura de contratos de serviços com cláusula de risco, o
que permitiu a participação de empresas privadas na exploração. Por meio desse tipo de
contrato, as empresas investiam em exploração e, caso tivessem sucesso, receberiam os
42
http://blog.planalto.gov.br/o-petroleo-no-brasil/ .
119
investimentos realizados e um prêmio em petróleo ou em dinheiro, mas a produção seria
operada pela PETROBRAS43.
A terceira fase (1975-1984) iniciou-se com as bacias terrestres em declínio e a Bacia
de Campos como nova esperança [...] Em 1975, foi descoberto o Campo de
Namorado na Bacia de Campos, o primeiro gigante da plataforma continental
brasileira. Assinados os primeiros contratos de risco em 1976, as empresas
estrangeiras Shell, Exxon, Texaco, BP, ELF, Total, Marathon, Conoco, Hispanoil,
Pecten, Pennzoil, além de companhias brasileiras como a Paulipetro, Azevedo
Travassos, Camargo Corrêa, entre outras, e mais a PETROBRAS, participaram do
cenário exploratório. Descobertos, em 1978, o campo de gás do Juruá, na Bacia do
Solimões, e, em 1979, a primeira acumulação terrestre da Bacia Potiguar. No mar
aconteceu a primeira descoberta por uma empresa sob contrato de risco, a Pecten, o
campo de gás de Merluza, na Bacia de Santos. Em terra, a Azevedo Travassos
encontrou modestas acumulações no Rio Grande do Norte. Em 1984 foram
descobertos, na Bacia de Campos, o Campo de Marimbá e o gigante Albacora,
ambos já indicando o irreversível caminho das águas profundas. A meta dos 500 mil
barris por dia foi atingida ao final de 1984, com a antecipação de quase um ano
(LUCCHESI, 1998, p. 28).
A quarta fase (1985-1997) do período teve como características a confirmação do
potencial das águas profundas da Bacia de Campos; a afirmação da sísmica 3D
como ferramenta exploratória das mais importantes; a descoberta de óleo e
condensado na bacia do Solimões; a ida para águas ultraprofundas; as descobertas de
Barracuda e Roncador, em Campos, e do gás de Barra Bonita no Paraná; a
promulgação da Lei 9.478/97; e o cumprimento da meta do um milhão de barris
diários de produção (LUCCHESI, 1998, p. 28).
A Emenda Constitucional (EC) nº 9/1995 alterou o §1º do artigo 177 da Constituição
brasileira. Segundo Simioni (2006), a EC permitiu que a União pudesse contratar empresas
estatais ou privadas para a realização das atividades de Exploração e Produção de petróleo e
gás natural. Essa alteração encerrou a exclusividade da PETROBRAS na execução do
monopólio das atividades petrolíferas.
7.2 O MODELO ATUAL
A Lei no 2.004 foi revogada em 1997 pela promulgação da Lei no 9.478/97, que ficou
conhecida como Lei do Petróleo. A Lei do Petróleo instituiu a Agência Nacional do Petróleo
43
http://blog.planalto.gov.br/o-petroleo-no-brasil/ .
120
(ANP), responsável pela regulação, fiscalização e contratação das atividades do setor e o
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão encarregado de formular a política
pública de energia, ordenamento que continua vigente nos dias de hoje.
As diretrizes da Lei do Petróleo orientam a Política Energética nacional para o
aproveitamento racional das fontes de energia. Como principais objetivos da Política
destacam-se para a presente análise:
a) Preservar o interesse nacional;
b) Promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os
recursos energéticos;
c) Proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia;
d) Incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural;
e) Promover a livre concorrência;
f) Atrair investimentos na produção de energia;
g) Ampliar a competitividade do país no mercado internacional.
Nota-se a atenção do legislador para o conceito de conservação dos recursos, por meio
do aproveitamento eficiente da exploração e produção energética, e estabelece, com isso, o
compromisso de maximizar o Bem-Estar Social da sociedade brasileira.
A titularidade dos hidrocarbonetos existentes no território nacional é da União, e
compreende a parte terrestre, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica
exclusiva. E nessa mesma linha de raciocínio, os direitos de exploração e produção de
hidrocarbonetos em território nacional pertencem à União, cabendo sua administração à ANP.
A Lei do Petróleo, em seu art. 23 estabelece que “as atividades de exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos
de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta Lei”.
E de acordo com o art. 26, “A concessão implica, para o concessionário, a obrigação
de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em
determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos, com os
encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou
contratuais correspondentes”.
No modelo anterior, não havia motivação para a instituição de mecanismos que
viabilizassem o desenvolvimento unitizado, pois, como visto na seção anterior, as atividades
121
de Exploração e Produção de hidrocarbonetos estavam sob monopólio estatal. O novo modelo
instituiu o Desenvolvimento Competitivo, porém, por seus objetivos de conservação e
aproveitamento eficiente dos recursos energéticos, o desenvolvimento unitizado passou então
a ser observado no ordenamento jurídico nacional.
A individualização da produção (unitization) passou a integrar o ordenamento
jurídico brasileiro com a promulgação da Lei do Petróleo. Este tema é tratado no art.
o
27 da Lei n 9.478 de 6 de agosto de 1997, que determina que “quando se tratar de
campos que se estendam por blocos vizinhos, onde atuem concessionários distintos,
deverão eles celebrar acordo para a individualização da produção”. O parágrafo
único desse mesmo artigo estabelece, ainda, que “não chegando as partes a acordo,
em prazo máximo fixado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis – ANP, caberá a esta determinar, com base em laudo arbitral, como
serão equitativamente apropriados os direitos e obrigações sobre os blocos, com
base nos princípios gerais de Direito aplicáveis” (BUCHEB, 2005, p. 210).
Cabe destacar uma observação importante de Bucheb (2005): o legislador brasileiro
conferiu nomenclaturas distintas para regular os Acordos de Unitização no Brasil.
Inicialmente, Ribeiro (1997) optou pela tradução do termo unitization, recorrendo ao
neologismo unitização, em sintonia com a prática já consagrada naquele momento
na indústria [...] Quando analisou a primeira versão do projeto de lei do petróleo do
Ministério de Minas e Energia, Martins (1997) propôs o uso do termo unificação sob
o argumento de que caso haja mais de uma empresa com direitos sobre um campo de
petróleo, as reservas devem ser desenvolvidas de comum acordo, e não segundo
critérios individuais, no que foi seguido por Appi e Andrade (2000) [...] No art. 27
da Lei do Petróleo, entretanto, o legislador brasileiro houve por bem utilizar a
expressão individualização da produção, para destacar o fato de que a produção de
petróleo e gás natural advinda de campos que se estendem por blocos vizinhos, onde
atuem concessionários distintos, deve ser individualizada em relação à dos demais
campos de cada um desses blocos [...] O Contrato de Concessão para a Exploração,
Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, por seu turno, cuida desta
matéria na Cláusula de Produção Unificada, fazendo referência em seu texto, no
entanto, ao acordo para individualização da produção [...] Têm-se, dessa forma, três
expressões em uso corrente designando o mesmo fenômeno jurídico: a legal,
“individualização da produção”; a consagrada no jargão da indústria, “unitização”; e
aquela referida no contrato de concessão, “unificação” (da produção). Embora as
três expressões sejam aceitáveis, serão adotadas ao longo deste estudo aquelas
122
utilizadas na Lei do Petróleo e nos contratos de concessão, para efeito de
consistência (BUCHEB, 2005, p. 211).
Portanto, conforme orientação inicial, o presente trabalho utiliza-se da nomenclatura
utilizada por Ribeiro (1997) para fins de análise.
No Brasil, os Acordos de Unitização são regulados pela ANP por meio dos Contratos
de Concessão e, como bem orienta Perez (2009), a evolução destes acordos é cadenciada
quando novos Contratos de Concessão são editados pelas rodadas anuais de licitação de
blocos exploratórios de petróleo e gás natural.
Desde a abertura do Setor, já foram realizadas 10 Rodadas de Licitações de Blocos
Exploratórios de petróleo e gás natural. A obra de Bucheb (2005) contempla uma análise dos
Contratos de Concessão instituídos até a 5ª Rodada de Licitações. O autor destaca a evolução
das normas pertinentes aos Acordos de Unitização, nas quais questiona, orienta e sugere
alterações nas cláusulas específicas que conferem os fundamentos para a instituição dos
Acordos de Unitização no país. Vale destacar que:
Com a promulgação da Lei do petróleo [...] teve início o debate em torno do teor das
cláusulas
que
comporiam
o
Contrato
de
Concessão
para
Exploração,
Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, doravante denominado
Contrato de Concessão, previsto no art. 6o, inciso IV e no Capítulo V, artigos 21 a
44, da Lei do Petróleo, a ser celebrado entre a ANP e os concessionários das
atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. Nesse contexto,
algumas das principais empresas internacionais de petróleo, reunidas no Instituto
Brasileiro de Petróleo e Gás – IBP, houveram por bem, em janeiro de 1998, formular
uma proposta de contrato de concessão, que a seu juízo representaria o melhor
projeto para o desenvolvimento da indústria no Brasil, naquele momento. Em linhas
gerais, essa minuta, doravante denominada Proposta do IBP para o Contrato de
Concessão, traduzia o desejo das empresas de atuar num ambiente de controle
mínimo por parte da administração pública [...] Como contraponto à Proposta do
IBP para o Contrato de Concessão, a ANP publicou, em março de 1998, uma
minuta, doravante denominada Minuta da ANP para o Contrato de Concessão, em
sentido diametralmente oposto, cuja filosofia dominante era a de submeter as
atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural a um rígido controle
por parte dessa agência regulatória [...] Essas duas minutas continham imprecisões
técnico-jurídicas, o que se justifica, em parte, pela premência de tempo que foram
produzidas. Tiveram, não obstante, o mérito de suscitar a discussão que culminou
com a formulação, pela ANP, do texto dos Contratos de concessão assinados com a
123
PETROBRAS, por força dos artigos 32 e 33 da Lei do Petróleo, em 6 de agosto de
1998 (BUCHEB, 2005, p. 220).
A Tabela 6 apresenta a cronologia da divulgação pública e entrada em vigor dos
Contratos de Concessão formalizados pela ANP.
Contrato de Concessão
Divulgação
Entrada em Vigor
Proposta do IBP
Janeiro de 1998
-
Minuta da ANP
Março de 1998
-
Rodada Zero
Julho de 1998
Agosto de 1998 (*)
Rodada 1
Abril de 1999
Setembro de 1999
Rodada Zero Aditado
Junho de 1999
Junho de 1999 (*)
Rodada 2
Abril de 2000
Setembro de 2000
Rodada 3
Maio de 2001
Setembro de 2001
Rodada 4
Maio de 2002
Setembro de 2002
Rodada 5
Julho de 2003
Novembro de 2003
Rodada 6
Junho de 2004
Dezembro de 2004
Rodada 7-A
Agosto de 2005
Janeiro de 2006
Rodada 7-B
Agosto de 2005
Janeiro de 2006
Rodada 8
Outubro de 2006
Março de 2007
Rodada 9
Setembro de 2007
Março de 2008
Rodada 10
Outubro de 2008
Junho de 2009
Tabela 6: Brasil, contratos de concessão
Fonte: o autor, adaptado de Bucheb (2005)
Em todos esses instrumentos contratuais observa-se Cláusula específica que
regulamenta os procedimentos necessários para se instituir o desenvolvimento unitizado no
Brasil. Historicamente, a Cláusula Décima Segunda trata da Unitização das Operações em
todos os instrumentos contratuais vigentes, porém, esta vem sofrendo alterações de forma e
conteúdo ao longo das Rodadas de Licitação.
124
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - REGULAÇÃO DO INSTITUTO DA UNITIZAÇÃO
CONTRATO DE CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
5º Rodada
6º Rodada
7º Rodada A
7º Rodada B
8º Rodada
9º Rodada
10º Rodada
Regulação - Item
Inclusão
Subitem
Inclusão
Subitem
Acordo de Unitização
X
12.1/
12.1.112.1.2
X
12.1/
12.1.112.1.6
Inclusão
X
Áreas Adjacentes sem
Concessão
-
-
X
12.2/
12.2.1
Direitos e Obrigações
dos Concessionários
X
12.2/12.2.
1-12.2.2
X
Modificações do
acordo pela ANP
X
12.3
Aprovação do Acordo
e Prosseguimento das
Atividades
-
Suspensão das
Operações
Subitem
Inclusão
Subitem
Inclusão
Subitem
Inclusão
Subitem
Inclusão
Subitem
12.1/ 12.7
X
12.1/
12.1.112.1.6
X
12.1/ 12.7
X
12.1/ 12.7
X
12.1/ 12.7
X
12.8/ 12.9
X
12.2/
12.2.1
X
12.8/ 12.9
X
12.8/ 12.9
X
12.8/ 12.9
12.3/ 12.4
X
12.10/
12.11
X
12.3/ 12.4
X
12.10/
12.11
X
12.10/
12.11
X
12.10/
12.11
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
X
12.5/
12.5.112.5.2
X
12.12/
12.15
X
12.5/
12.5.112.5.3
X
12.12/
12.15
X
12.12/
12.15
X
12.12/
12.15
X
12.4
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Continuidade das
Operações de
Produção
-
-
X
12.6/
12.6.1
X
12.16/
12.17
X
12.6/
12.6.1
X
12.16
X
12.16
X
12.16
Rescisão
X
12.5
X
12.7/
12.7.1
X
12.18/
12.19
X
12.7/
12.7.1
X
12.17/
12.18
X
12.17/
12.18
X
12.17/
12.18
Tabela 7: Brasil, contratos de concessão
Fonte: o autor
A Tabela 7 mostra os itens que compõem a Cláusula Décima Segunda e a evolução
dos subitens ao longo das Rodadas de Licitação de Blocos Exploratórios de petróleo e gás
natural. A partir da 8ª Rodada, em termos de forma, observa-se estabilização da Cláusula.
O presente trabalho não tem como objetivo esgotar a discussão de conteúdo em torno
da evolução dessa Cláusula44. Porém, uma questão muito importante para a evolução da
análise considera que as obrigações atribuídas a cada Concessionário poderão divergir
substancialmente de acordo com a Rodada de Licitação na qual o Concessionário tenha
participado e obtido êxito. Em outras palavras, as obrigações contratuais poderão ser
diferentes de uma Rodada para outra.
Nesse sentido, vale ressaltar que a execução das operações na área unificada será
regida pelos termos dos Contratos de Concessão de cada bloco pelos quais se
estenda a jazida, ou seja, não se verifica a celebração de um novo Contrato de
Concessão para a área unificada. A assinatura de um Contrato de Concessão
específico para a área unificada, se exigida, poderia se mostrar inviável, por
exemplo, na situação em que a mesma se estendesse por dois blocos licitados em
rodadas distintas, já que o conteúdo e as regras do Contrato de Concessão são
alterados a cada rodada e, assim, não há como impor aos concessionários
envolvidos, um ou outro texto (BUCHEB, 2005, p. 236).
44
Bucheb (2005) apresenta em sua obra uma análise detalhada da Cláusula Décima Segunda e sua evolução até a
5ª Rodada de Licitações da ANP.
125
A Tabela 8 apresenta um resumo da regulação referente à Cláusula Décima Segunda,
do Contrato de Concessão da 10ª Rodada de Licitações de Blocos exploratórios de petróleo e
gás natural da ANP.
ANP - REGULAÇÃO do INSTITUTO da UNITIZAÇÃO
CONTRATO de CONCESSÃO para EXPLORAÇÃO, DESENVOLVIMENTO e PRODUÇÃO de PETRÓLEO e GÁS NATURAL
10º RODADA de LICITAÇÃO - CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
Normas
Regulação
Dispositivos
Acordo de
Unitização
- Constatação de CPR, Concessionário informará formalmente o fato à ANP em até 10 (dez) dias úteis;
- Áreas adjacentes sob concessão, a ANP notificará as partes para Acordo de Unitização;
- Antes da aprovação do Acordo deverá ser realizada Avaliação;
- Os Concessionários Notificarão à ANP o cronograma de negociações. A ANP poderá solicitar presença nas negociações;
- Após Avaliação, a ANP estabelecerá os termos do Acordo relacionados aos Contratos de Concessão e das Participações num
prazo de até 60 dias após a entrega do Relatório de Avaliação;
- A ANP utilizará, na determinação dos termos contratuais, as informações técnicas da Jazida, ponderando os termos
contratuais, de acordo com o princípio da proporcionalidade e segundo as Melhores Práticas da Indústria do Petróleo.
Áreas Adjacentes
sem Concessão
- Caso a área adjacente não esteja sob concessão, a ANP deverá negociar o Acordo com a finalidade de definir e constituir as
bases contratuais do Acordo de Unitização;
- A ANP poderá licitar o bloco correspondente à área adjacente, sendo que o futuro Concessionário assumirá as obrigações
previstas e cumprirá o Acordo de Unitização.
Direitos e
Obrigações dos
Concessionários
- Caso sejam diferentes os prazos das Fases de Exploração ou Produção das áreas para os quais a Jazida se estende, a ANP
poderá, a seu exclusivo critério, estender a Fase de Exploração ou Produção na área a ser unitizada;
- A ANP poderá atuar na mediação das negociações, buscando a conciliação dos interesses dos Concessionários, fixando prazos
para a celebração do Acordo.
Modificações do
acordo pela ANP
-
- A ANP terá o prazo de 60 dias, contados do recebimento do acordo, para aprová-lo ou solicitar modificações. Caso a ANP
solicite modificações, o Concessionário terá 60 dias para discuti-las e apresentá-las à ANP;
Aprovação do
- Antes do término da Fase de Exploração, os Concessionários poderão efetuar a Declaração de Comercialidade da área
Unitizada;
Acordo e
Prosseguimento das - Se o prosseguimento das Operações na área unitizada proporcionar melhor conhecimento da extensão das Jazidas, a ANP
poderá, por iniciativa própria ou por solicitação fundamentada dos Concessionários, determinar a revisão dos termos
Atividades
contratuais;
Qualquer mudança no Acordo que implique na alteração de obrigações dependerá de prévia e expressa aprovação pela ANP.
Suspensão das
Operações
Continuidade das
Operações de
Produção
Rescisão
- Enquanto não aprovado pela ANP o Acordo, ficarão suspensos o Desenvolvimento e a Produção da Jazida, a menos que uma
das áreas envolvidas já esteja em Fase de Produção, ou se de outro modo a continuidade seja autorizada pela ANP, a seu
exclusivo critério. A referida interrupção poderá não ser aplicável no caso das áreas em bacias maduras, sempre a critério da
ANP.
- Não chegando as partes a acordo, em prazo máximo fixado pela ANP, caberá a esta determinar, com base em laudo arbitral,
como serão apropriados os direitos e obrigações de cada Concessionário, com base nos princípios gerais de Direito aplicáveis;
- A recusa de qualquer das partes em firmar o Acordo Unitização implicará a rescisão do Contrato.
Tabela 8: Brasil, contratos de concessão - Cláusula Décima Segunda
Fonte: O autor. Agência Nacional de Petróleo – ANP
Assim como nos países selecionados, o Brasil apresenta um arcabouço legal a ser
observado no caso da presença de CPRs de hidrocarbonetos. De forma geral, o país enfrenta
os mesmos desafios que são postos aos outros países. Problemas de assimetria de informação,
custos de transação, seleção adversa, risco moral, riscos inerentes às atividades de exploração
e produção, especificidade dos ativos etc.
Os países desenvolvidos, principalmente os EUA, carregam uma longa experiência da
regulação de sua indústria petrolífera, e mesmo assim deparam-se com grandes desafios para
126
a manutenção e preservação dos seus recursos naturais. O Brasil vive um processo de
aprendizado, e essa questão pode ser bem observada na Tabela 6, pois nota-se o esforço da
ANP em promover um ambiente favorável ao investimento privado. Porém, esse processo de
aprendizado apresenta os seus custos, pois como foi dito em capítulo anterior, países
competem por recursos e os investidores estão sempre avaliando os riscos técnicos, políticos e
financeiros para a tomada de decisão de investimentos.
No Brasil, a obrigatoriedade de se celebrar Acordos de Unitização é um dos
mecanismos que garantem a aplicabilidade da norma jurídica para a conservação e
aproveitamento eficiente dos recursos energéticos do país. No caso brasileiro, poderão ser
observados custos bem como benefícios sociais com a execução de tal instrumento.
Em termos de custos, como foi observado nas experiências anteriores, o processo de
negociação pode ser longo e oneroso, e não garante que os agentes tenham seus incentivos
alinhados num interesse comum. Como exemplo, o processo de negociação relatado por
Pedroso & Abdounur:
O crescimento do número de concessionários de atividades de E&P no Brasil,
associado à tendência de oferta de blocos exploratórios de menores dimensões, a
partir da 5ª Rodada de Licitações (2003), ocasionou um crescimento significativo da
possibilidade da extensão de reservatórios para mais de uma concessão [...] Alguns
itens a serem negociados em um processo de unitização destacam-se pelo potencial
de ocasionar conflitos entre as companhias envolvidas. Estes tópicos não são
necessariamente partes integrantes do Acordo para Individualização da Produção a
ser apresentado à ANP e envolvem também aspectos comerciais a serem acordados
entre as partes (PEDROSO & ABDOUNUR, 2008, p. 2).
Os autores elaboraram uma tabela (Tabela 9) que apresenta questões de entendimento
técnico e os Termos contratuais e comerciais que são exaustivamente discutidos num processo
de negociação de Acordo de Unitização.
127
Tabela 9: Brasil, negociação de termos contratuais e comerciais
Fonte: Elaborado por Pedroso & Abdounur (2008, p. 2)
Em termos de benefícios, a norma minimiza a problemática apresentada no Capítulo 2
– os problemas dos CPRs são resolvidos –, uma vez que não há possibilidade legal para a
observância da Regra da Captura e por consequência da Tragédia dos Comuns. Analisando a
Tabela 7, identificam-se benefícios quando as negociações dos Acordos de Unitização são
instituídas e finalizadas no Timing do negócio.
O desenvolvimento unitizado irá trazer benefícios ao se minimizar os custos de
produção por meio de economias de escala, evitando perfurações desnecessárias e otimizando
a infraestrutura para operação de um CPR. Do ponto de vista social irá maximizar a
recuperação final de petróleo no Brasil, de acordo com as melhores práticas de engenharia. E
um destaque muito importante para a atualidade do país tem por orientação técnica o
benefício de minimizar danos desnecessários à estrutura física dos poços, como veremos
numa seção subsequente.
Atualmente, verifica-se no país o processo de formalização de três Acordos de
Unitização, como apresentado na Tabela 10.
128
Jazida Unitizada
ALBACORAALBACORA LESTE
(CARATINGA)
CAMARUPIMCAMARUPIN
NORTE
MANGANGÁNAUTILUS
Campo/Bloco
ALBACORA
Participação Operadora
13,0000%
Empresas
100% PETROBRAS
PETROBRAS
28/12/2007
ALBACORALESTE
87,0000%
90% PETROBRAS; 10%
REPSOL
CAMARUPIM
(BES-100)
30,5065%
100% PETROBRAS
PETROBRAS
CAMARUPIM
NORTE
(BM-ES-5)
69,4935%
MANGANGÁ
(BC-60)
50,0000%
NAUTILUS
(BC-10)
Início
El Paso Óleo e Gás do Brasil
Ltd (35%), PETROBRAS
(65%).
2/6/2009
100% PETROBRAS
SHELL Brasil
Ltda.
50,0000%
7/10/2008
ONGC (30%); PETROBRAS
(35%) E SHELL (35%)
Tabela 10: Brasil, processos para formalização de Acordos de Unitização
Fonte: PETROBRAS, ANP
No ano de 2007, a PETROBRAS divulgou uma grande descoberta de acumulação de
hidrocarbonetos no Brasil, conhecida como “pré-sal” e localizada entre os estados de Santa
Catarina e Espírito Santo (Figura19). Na Bacia de Santos, por exemplo, o petróleo já
identificado no pré-sal tem uma densidade de 28,5º API, baixa acidez e baixo teor de enxofre,
características de um produto de alta qualidade e maior valor de mercado. A próxima seção
tem por objetivo apresentar esse novo marco da indústria de petróleo e gás natural no Brasil.
Figura 20: Brasil, Pré-Sal – extensão da província petrolífera
Fonte: PETROBRAS
129
7.3 DESAFIOS DO PRÉ-SAL E REFORMA
Conforme informações da PETROBRAS, os primeiros resultados do pré-sal apontam
para volumes muito expressivos de acumulação de hidrocarbonetos. A estimativa da
companhia para a acumulação de Tupi em termos de volumes recuperáveis, na Bacia de
Santos, gira em torno de 5 a 8 bilhões de barris de óleo equivalente. Já o poço de Guará,
também na Bacia de Santos, tem volumes de 1,1 a 2 bilhões de barris de petróleo leve e gás
natural, com densidade em torno de 30º API, conforme Tabela 11.
Áreas -Pré-Sal
Menor Estimativa
(bilhões de barris)
Maior Estimativa
(bilhões de barris)
5
4,5
3
1,1
1,5
8
4,5
4
2
2
15,1
20,5
Tupi (BM-S-11)
Franco (2-ANP-1-RJS)
Iara (BM-S-9)
Guará (BM-S-9)
Parque das Baleias (ES)
Total em bilhões de barris
Tabela 11: Brasil, reservas potenciais do Pré-Sal
Fonte: O autor, ANP
Há uma expectativa nacional de forte crescimento previsto para as atividades
petrolíferas nacionais para os próximos anos. Especificamente, a PETROBRAS aumentou
substancialmente os recursos programados em seu Plano de Negócios. Serão investimentos
robustos em máquinas, equipamentos, novas plataformas de produção, embarcações de apoio,
sondas de perfuração e capital humano.
De fato, as descobertas no pré-sal deixam a PETROBRAS em situação semelhante à
vivida na década de 80, quando foram descobertos os campos de Albacora e Marlim,
em águas profundas da Bacia de Campos. Com aqueles campos, a Companhia
identificava um modelo exploratório de rochas que inauguraria um novo ciclo de
importantes descobertas. Foi a era dos turbiditos, rochas-reservatórios que abriram
novas perspectivas à produção de petróleo no Brasil. Com o pré-sal da Bacia de
Santos, inaugura-se, agora, novo modelo, assentado na descoberta de óleo e gás em
reservatórios carbonáticos, com características geológicas diferentes. É o início de
um
novo
e
promissor
horizonte
exploratório
(Site
da
PETROBRAS,
www2.PETROBRAS.com.br/presal/perguntas-respostas/.)
130
Nesse contexto, emerge-se a discussão acerca de um novo modelo regulatório que
estimule investimentos no Setor de Petróleo e Gás Natural brasileiro.
Conforme o entendimento do Ministério das Minas e Energia do Brasil (MME), o
modelo atual é adequado e reconhecido mundialmente pelos seus resultados em áreas com
elevado risco exploratório. Este possibilitou ao país a atração de investimentos e a evolução
destacada do setor na última década. Mas, segundo o MME, esse modelo de concessões,
definido na Lei no 9.478, não se mostra o mais adequado para alcançar os objetivos
pretendidos no aproveitamento das riquezas do Pré-Sal.
Figura 21: Brasil, Pré-Sal – blocos exploratórios
Fonte: PETROBRAS
A Figura 21 apresenta a disposição dos Blocos Exploratórios do pré-sal. Atualmente,
não há como afirmar que sejam observadas jazidas se estendendo ao Bloco de outro distinto
concessionário, porém, segundo estimativas de analistas, há probabilidade de observação de
CPRs de petróleo e gás natural nesta nova província petrolífera.
Motivado por um discurso que gira em torno da conservação de recursos e
maximização do valor para a sociedade, o governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional
quatro projetos de lei que alteram o Regime Jurídico de Exploração e Produção de petróleo e
gás natural na área de ocorrência da camada Pré-Sal e em áreas que venham a ser
consideradas estratégicas.
Os projetos de lei definem o sistema de partilha de produção para a exploração e a
produção nas áreas ainda não licitadas do Pré-Sal; a criação de uma nova estatal
131
(Pré-Sal Petróleo S.A - PPSA45); a formação de um Fundo Social; e a cessão onerosa
à PETROBRAS do direito de exercer atividades de exploração e produção (E&P) de
petróleo e gás natural em determinadas áreas do Pré-Sal, até o limite de 5 bilhões de
barris, além de uma capitalização da Companhia. Se a proposta do governo for
aprovada, o país passará a ter três sistemas para as atividades de E&P de petróleo e
gás natural: concessão partilha de produção e cessão onerosa (Site da PETROBRAS
na Internet, www2.PETROBRAS.com.br/presal/perguntas-respostas/.)
O MME esclarece que o modelo adotado pela Noruega foi estudado como ponto de
partida para a elaboração dessa proposta, assim como foram estudados os modelos de outros
países importantes para o setor. Desses estudos foram aproveitadas ideias que coincidem com
os interesses do setor petrolífero nacional, como a criação de uma empresa pública específica
para a gestão das áreas contratadas.
O modelo proposto para a área do Pré-Sal no Brasil é diferente daquele de
concessões adotado pela Noruega, país cujas reservas petrolíferas são decrescentes.
Ademais, na Noruega não ocorre licitação para escolha dos investidores, o Estado
investe como sócio [...] O novo modelo brasileiro foi desenvolvido de maneira a
refletir as peculiaridades nacionais do setor e sua perspectiva de aumento de reservas
e produção, aproveitando as experiências bem-sucedidas de outros países (Site do
MME, na Internet, Cartilha pré-sal,
www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/noticias/2009/10_outubro/Cartilha_prxsal.pdf.)
O Brasil não alterará os contratos de concessão vigentes e não modificará o modelo de
concessão para áreas fora do Pré-Sal. O novo modelo será aplicado somente para a exploração
e produção de novas áreas, ainda não concedidas, na região do Pré-Sal ou outras consideradas
estratégicas, devendo os dois modelos conviver com as regras e para os fins a que foram
estabelecidos.
Segundo o novo modelo, o regime proposto para a área do Pré-Sal é o Regime de
Partilha de Produção, e o processo de seleção das empresas petrolíferas considerará como
vencedor o licitante que ofertar a maior parcela em participação de petróleo à União. Os
limites do Pré-Sal serão estabelecidos por lei e eventuais ampliações desses limites,
resultantes de novas informações técnicas, poderão ser propostas pelo Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE) para aprovação pelo Presidente da República. Novas áreas, que
45
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 03 de agosto de 2010 a lei que cria a estatal que será
responsável pela administração dos contratos de exploração de petróleo da camada pré-sal, com uma única
modificação feita no projeto, que foi a mudança do nome da empresa de Petro Sal para Pré-Sal Petróleo S.A
(PPSA)
132
apresentem baixo risco exploratório e alto potencial para a produção de hidrocarbonetos,
poderão ser denominadas como estratégicas e ficarão submetidas ao Regime de Partilha da
Produção. Áreas com essas características podem ocorrer em qualquer bacia sedimentar do
Brasil, sendo menos prováveis, no entanto, em bacias maduras e já muito exploradas. Nesse
sentido, o MME orienta que as áreas classificadas como estratégicas, que ainda não estejam
concedidas, serão exploradas por meio do modelo de Partilha de Produção, porém, existem
blocos já concedidos nessas áreas estratégicas, e estes terão seus contratos respeitados,
conforme orientação governamental.
A principal característica do regime de partilha de produção é a repartição, entre a
União e o contratado, do petróleo e gás natural extraídos de uma determinada área.
Segundo este modelo, durante a fase exploratória, o contratado assume sozinho os
riscos de não descoberta, porém, em caso de sucesso exploratório, os seus custos
serão ressarcidos em petróleo/gás (custo em óleo) pela União, de acordo com os
critérios previamente estabelecidos no contrato. Uma vez descontados os
investimentos e custos de extração, de acordo com a forma pactuada no contrato, a
parcela restante do óleo produzido na partilha (excedente em óleo) é dividida entre a
União e o contratado [...] No caso da concessão, o concessionário também assume
sozinho o risco exploratório, porém adquire a propriedade de todo o petróleo e gás
produzido.
Em compensação,
paga
royalties e
as
demais participações
governamentais previstas pela Lei no 9.478 (bônus de assinatura, participação
especial, pagamento pela ocupação ou retenção de área) (Site do Ministério de
Minas
e
Energia
[MME],
na
Internet,
Cartilha
pré-sal,
www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/noticias/2009/10_outubro/Cartilha_prxsal.pdf.)
O MME orienta que o vencedor da licitação deverá associar-se à PETROBRAS,
operadora do consórcio com participação de no mínimo 30%, e com a Empresa Pré-Sal
Petróleo S.A, que representará os interesses da União. Os custos e os investimentos
necessários à execução do contrato de Partilha de Produção serão integralmente assumidos
pelo contratado, incluídos os relacionados à aquisição, locação e ao arrendamento de
equipamentos e bens. Ao final do contrato haverá a reversão de equipamentos e bens em favor
da União, nas condições previamente estabelecidas no contrato. No que toca aos bens que não
sejam objeto de reversão, deverá o contratado fazer a sua remoção.
Outra questão apontada pelo MME indica que todas as descobertas, acima ou abaixo
da camada de sal, em áreas contratadas após a promulgação da lei relativa ao modelo de
partilha, localizadas no polígono do Pré-Sal, serão regidas pelas regras constantes do
133
respectivo contrato. Tal afirmativa vale inclusive para as situações em que somente sejam
encontradas jazidas nos sedimentos acima da camada de sal (Pós-Sal).
O processo licitatório será realizado de acordo com o planejamento setorial, elaborado
pelo MME e aprovado pelo Presidente da República por proposta do CNPE, contemplando,
inclusive, o ritmo de oferta das áreas neste modelo. Os leilões de Partilha serão realizados
pela ANP, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo MME, e o ritmo de exploração,
tanto para o Regime de Concessão quanto para o de Partilha da Produção será ditado pela
oferta de blocos exploratórios, de acordo com o planejamento energético governamental e a
capacidade de fornecimento de bens e serviços da indústria.
A ANP continuará a ser o órgão governamental responsável pela função reguladora e
fiscalizadora do setor e terá a responsabilidade de coordenar a observância das melhores
práticas da indústria do petróleo pelas companhias contratadas, garantindo ao país o melhor
aproveitamento dos seus recursos naturais.
A Agência terá competência para promover estudos geológicos e geofísicos
necessários para a identificação do potencial petrolífero das bacias sedimentares brasileiras.
Nesse sentido, a ANP terá como atribuição avaliar também as áreas do Pré-Sal passíveis de
Acordos de Unitização. O Ministério das Minas e Energia ressalta que a PETROBRAS, como
concessionária na maioria dos blocos com jazidas que aparentemente se estendem para áreas
adjacentes em posse da União, a Companhia terá o incentivo governamental de celebrar os
Acordos de Unitização, necessários para não atrasar o desenvolvimento dos projetos nestes
blocos.
O novo modelo prevê a criação de uma nova empresa estatal, a Pré-Sal Petróleo S.A,
que terá como atribuição gerir os contratos de Partilha para exploração e produção em áreas
do Pré-Sal e nas áreas estratégicas. As atribuições básicas da Pré-Sal Petróleo S.A constarão
em lei e representarão os interesses da União nas atividades de exploração e produção de
petróleo e gás natural em áreas estratégicas, sob a ótica empresarial, enfatizando em sua
atuação os aspectos técnicos e econômicos, participando da gestão dos contratos de Partilha
de Produção e de comercialização de petróleo e gás natural da União. Também deverá
representar a União nos acordos de individualização da produção. De acordo com o novo
modelo,
[...] o processo de individualização da produção inicia-se com a informação,
obrigatória, do operador de que há indícios da extensão de uma acumulação para
além do bloco a ele outorgado. Em seguida a ANP determina o prazo para que os
134
interessados celebrem o acordo da individualização da produção, observadas as
diretrizes do CNPE [...] A Agência tem a responsabilidade de regular os
procedimentos para elaboração do referido acordo, arbitrando na impossibilidade do
consenso [...] No caso de blocos não outorgados do Pré-Sal que sejam passíveis de
acordo de individualização da produção, a União será representada pela Pré-Sal
Petróleo S.A. A implementação desses acordos depende de prévia autorização da
ANP (Site do Ministério das Minas e Energia, na Internet, Cartilha pré-sal,
www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/noticias/2009/10_outubro/Cartilha_prxsal.pdf. )
O processo de individualização da produção independe do tipo de contrato,
concessão ou partilha. Em ambos os casos devem ser respeitadas as características
específicas de cada um dos contratos envolvidos. O acordo de individualização da
produção estipulará a participação de cada uma das empresas na jazida total, o plano
de desenvolvimento conjunto da jazida, os mecanismos de solução de controvérsias,
definindo ainda o operador da jazida (Site do Ministério das Minas e Energia, na
Internet,
Cartilha
pré-sal,
www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/noticias/2009/10_outubro/Cartilha_prxsal.pdf.)
A experiência brasileira revela muitos desafios a serem superados pelo governo,
empresas e sociedade. Essa nova fase da indústria brasileira de petróleo e gás natural
apresenta um enorme potencial para a observação de questões inerentes aos CPRs. O processo
competitivo de exploração e produção de hidrocarbonetos passará a considerar o processo de
cooperação, ou seja, o processo de negociação e implementação de Acordos para o
desenvolvimento unitizado.
O Brasil precisará fazer um esforço de aprendizado, conhecimento e coordenação para
estabelecer mecanismos que viabilizem os objetivos estratégicos nacionais, ou seja, a
exploração racional dos recursos petrolíferos e garantir às futuras gerações os benefícios da
renda petrolífera do país.
Neste capítulo foram apresentados a evolução da indústria brasileira de petróleo e gás
natural, o Regime que vigora atualmente no país e os desafios impostos por uma nova fase da
indústria, com a descoberta de uma nova fronteira, denominada Pré-Sal. No próximo capítulo
serão formuladas as conclusões do presente trabalho, por meio de uma síntese das questões
desenvolvidas ao longo dos capítulos estruturados dessa Dissertação de Mestrado.
135
8. CONCLUSÃO
De acordo com a problemática dos bens classificados como Common-Pool Resources
a extração competitiva em campos de petróleo e gás natural onde dois ou mais atores
econômicos possuem direitos correlatos para a exploração desses recursos, pode vir a gerar
perdas econômicas substanciais para toda a sociedade. A literatura sobre o tema aponta que a
solução mais adequada para a exploração desses recursos vem sendo atribuída ao Instituto da
Unitização.
O Instituto da Unitização apresenta-se como um mecanismo desenvolvido e
implementado por vários países no âmbito mundial e busca o alinhamento dos interesses
públicos e privados nos ambientes onde atuam os mais diversos atores econômicos.
Sob tal Instituto, o planejamento do melhor método de recuperação do petróleo, da
localização de poços produtores ou de poços injetores, pode ser implementado em
conformidade com as melhores práticas da indústria, sem levar em conta as linhas de direitos
de propriedade que impunham restrições ao melhor aproveitamento desses CPRs. Como foi
visto nos capítulos anteriores, a introdução de mecanismos de cooperação entre os agentes e
de regras claras de alocação de direitos de propriedade contribuiu para a construção de
mecanismos que minimizam a problemática dos CPRs na indústria de petróleo e gás natural.
Contudo, o potencial para a observação de situações em que há conflito de interesses
ainda é visto como uma questão não trivial. A negociação em torno da divisão da receita
líquida é considerada uma estratégia determinante para se alcançar um Acordo de Unitização,
pois determina o mecanismo de partilha dos resultados ao longo da relação contratual e,
portanto, constitui-se num mecanismo determinante para a instituição da unidade. Os
objetivos principais para se incentivar que a unitização ocorra tão logo seja identificado um
reservatório se estendendo por blocos vizinhos onde atuam concessionários distintos são: a)
mitigar potenciais conflitos de interesses; b) minimizar efeitos da assimetria de informação
entre as partes.
Nos Acordos de Unitização a informação é tratada como uma variável estratégica para
o jogo de barganha entre as partes. As restrições das informações por parte das empresas
tornam-se relevantes em termos de estratégia de negócios. Por esta razão, cada empresa tenta
preservar informações acerca das estruturas de custos, capacidade financeira, pesquisa e
136
desenvolvimento, e outros aspectos que possam influenciar as estratégias de suas
concorrentes.
A teoria do principal-agente desenvolveu-se numa tentativa de explorar a questão dos
incentivos nas organizações e nos contratos. Esta abordagem está relacionada com questões
relativas tanto à assimetria de informações quanto àquelas relacionadas aos direitos de
propriedade, uma vez que estes últimos possuem efeitos em termos de incentivos.
Nos Capítulos 6 e 7 foram apresentadas as experiências internacional e brasileira
acerca dos diferentes aspectos da regulação de Acordos de Unitização da indústria de petróleo
e gás natural. A Tabela 12 apresenta uma análise comparativa das características observadas
entre os países selecionados e a experiência brasileira.
Características
EUA
Noruega
Tratado de Cooperação
Noruega-Reino Unido
Brasil
Número de empresas
> 10
< 10
< 10
< 10
Heterogeneidade das
empresas
Alta
Baixa
Baixa
Baixa
Timing da Operação
Indefinido
Definido
Definido
Indefinido
Alta
Baixa
Baixa
Alta
Alto
Baixo
Baixo
Alto
Assimetria da
Informação
Hold up de
investimentos
Tabela 12: Análise comparativa, países selecionados e experiência brasileira
Fonte: Elaboração própria
Nos EUA, o número de empresas que podem estar envolvidas em negociações de
Acordos de Unitização é potencialmente alto. No caso dos estados, podem ser observados
algumas dezenas de pequenos proprietários de terras com direitos correlatos sobre recursos
petrolíferos. Já nos outros três casos (Noruega, Reino Unido/Noruega e Brasil), por se
observar uma peculiaridade da concentração em operações offshore, o número de empresas
reduz-se substancialmente por motivos associados aos custos excessivamente elevados de
exploração e produção.
O grau de heterogeneidade entre as empresas acentua diretamente questões
relacionadas à assimetria de informação e, como consequência, aumentam as incertezas em
relação à duração das negociações de Acordos de Unitização. Como foi abordado
anteriormente, o grau de heterogeneidade entre os agentes pode dificultar e onerar
significativamente o processo de negociação dos Acordos de Unitização. Essa afirmação
137
corrobora com a experiência dos estados americanos, onde muitas negociações para Acordos
de Unitização falharam ou, até mesmo, muitos processos se quer foram iniciados.
As experiências da Noruega e do Reino Unido fornecem bons exemplos de
mecanismos regulatórios que buscam reduzir e controlar o timing das negociações,
minimizando, assim, problemas de assimetria de informação entre as partes. Outra questão
relevante relaciona-se ao fato da construção de mecanismos duradouros de cooperação entre
países e empresas que buscam mitigar os problemas de hold up dos investimentos, pela
construção da reputação e credibilidade entre as partes num ambiente cooperativo e onde são
bem especificados os mecanismos de punição e recompensas dos esforços dos agentes.
Ostrom (1994) destaca que pequenas mudanças nas regras do jogo podem contribuir
significativamente para a coordenação de estratégias futuras num jogo interativo. Porém, a
autora destaca que as regras não são o fim, mas o meio pelo qual os agentes atuam de forma
autônoma em busca dos seus objetivos individuais. As regras devem ser trabalhadas como
ferramentas capazes de reduzir a complexidade do ambiente do jogo, mitigando incertezas
associadas ao processo do desenvolvimento cooperativo.
Ao longo da pesquisa foram identificados mecanismos de regulação governamentais
instituídos para organizar e orientar os processos de Unitização nos países selecionados, com
ressalva para o caso brasileiro, no qual não se observou tal mecanismo. Por meio de
regulamentos técnicos e manuais de procedimentos, os países desenvolveram normas
específicas e mandatórias para questões de coordenação das atividades e resolução de
conflitos. A Tabela 13 apresenta uma análise comparativa do processo de regulação nos casos
selecionados.
138
Regulação
Princípio
Direito de
Propriedade
Outorga dos Direitos
Unitização
Desenvolvimento
Sistema de
Informação
Grau de
Coordenação
Graus de Liberdade
para Determinação
da Unidade
Arbitragem
EUA
Noruega
Tratado de Cooperação
Noruega-Reino Unido
Brasil
Conservação
Conservação
Conservação
Conservação
Descentralizado
Centralizado
Centralizado
Centralizado
Leilão
Licenciamento
Leilão/Licenciamento
Leilão
Compulsória/Voluntária
Compulsória
Compulsória
Compulsória
Unitizado/Partilhado
Unitizado
Unitizado
Unitizado
Orientado
Orientado
Orientado
Não Orientado
Médio
Alto
Alto
Baixo
Médio
Alto
Alto
Baixo
Médio
Alto
Alto
Baixo
Tabela 13: Análise comparativa, países selecionados e experiência brasileira
Fonte: Elaboração própria
Em todos os países, os princípios que norteiam a regulação governamental foram
identificados com o objetivo da conservação dos recursos minerais. A experiência secular dos
Estados Unidos da América contribuiu fortemente para a discussão, formalização e
implementação do Instituto da Unitização naquele país e no mundo. As boas práticas da
engenharia comprovam que o desenvolvimento competitivo em situações de CPRs de petróleo
e gás natural podem trazer prejuízos à estrutura dos reservatórios de hidrocarbonetos e
indicam o desenvolvimento unitizado como uma solução planejada, coordenada e eficiente
para a exploração e explotação desses recursos. Contudo, no caso americano em que a
distribuição dos direitos de propriedade pode ser classificada como descentralizada,
observaram-se situações ineficientes, por dificuldade de se alcançar acordos nas negociações
do Instituto da Unitização. Nos EUA, no âmbito federal a Unitização é mandatória, ou seja,
compulsória; uma vez identificado um CPR, as partes devem negociar a implementação do
Instituto da Unitização. Os agentes são orientados por normas de participação e são
determinados por um sistema de divulgação de informações bem definido. Observa-se um
mecanismo de coordenação no qual são bem especificadas as normas de conduta, por meio de
mecanismos de resolução de conflitos e recompensa, que são determinados nos instrumentos
regulatórios. Porém, no âmbito estadual, a legislação varia caso a caso, e podem-se observar
instrumentos regulatórios mandatários e outros mais flexíveis. Com isso, os processos de
negociação dos Acordos de Unitização irão diferenciar-se caso a caso, aumentando os riscos
139
associados a esses processos e a probabilidade de se implementar soluções ineficientes do
ponto de vista social.
A experiência europeia reflete a necessidade dos países em explorar e explotar um
recurso não-renovável, estratégico, e que apresenta taxas de desempenho descendentes ao
longo dos últimos anos. A busca dos governos por soluções que incentivem a exploração e
explotação eficiente dos hidrocarbonetos é uma realidade. Os princípios regulatórios vigentes
nos dois países selecionados do continente europeu tratam da plena conservação desses
recursos. A regulação é mandatória, com direitos de propriedade centralizados ao governo.
Apesar das formas de outorga divergirem entre os dois países, mecanismos de coordenação
são bem especificados e comunicados. Observa-se uma preocupação por uma ampliação das
normas, por meio da assinatura de Tratados, Acordos de Cooperação e estabelecimento de
fóruns de debates de assuntos políticos, técnicos e econômicos. Porém, a ampliação dessas
regras visa facilitar e estreitar as práticas cooperativas tanto governamentais, quanto
empresariais. Tais mecanismos de orientação também podem emergir por manuais de práticas
operacionais e o estabelecimento de mecanismos de resolução de conflitos muito bem
definidos e determinados, com obrigações, prazos e transparência de informações. Todos
esses mecanismos contribuem para minimizar o timing das negociações, para reduzir a
assimetria de informação e mitigar a observação de comportamentos oportunistas entre os
agentes.
E finalmente, uma análise do caso brasileiro mostra o bom desempenho do país no
segmento de exploração e produção de petróleo e gás natural. Os indicadores de reservas do
país apresentam uma forte evolução ao longo dos últimos 30 anos de atividades petrolíferas.
Avanços significativos nas práticas regulatórias podem ser observados no país, e, portanto,
segundo Bucheb:
Uma vez consolidado o processo de abertura do setor do petróleo, coloca-se desde
já, para os pesquisadores que se dedicam a esta área do conhecimento, a
oportunidade e a conveniência de se iniciar um processo de análise dos eventuais
sucessos e insucessos do modelo vigente, na consecução dos objetivos da política
energética nacional, no que concerne ao segmento de exploração e produção [...]
Nesse sentido, o art. 1o da Lei do Petróleo lista, dentre outros objetivos da política
energética, a preservação do mercado de trabalho e da valorização dos recursos
energéticos, a proteção ao meio ambiente e a promoção da conservação de energia, o
incremento, em bases econômicas, da utilização do gás natural, a promoção da livre
concorrência, a atração de investimentos na produção, e a ampliação da
competitividade do país no mercado internacional [...] O desafio, portanto, consiste
140
em se avaliar em que medida o modelo brasileiro de concessões para a exploração e
produção de petróleo, em comparação com os praticados nos principais países
produtores, está em sintonia com esses objetivos, dado o potencial geológico e as
condições políticas e econômicas do país (BUCHEB, 2005, p. 220).
O caso brasileiro quando comparado aos países selecionados na presente dissertação
pode ser classificado como evolucionário, enquanto os outros podem ser classificados como
maduros. A cooperação entre entidades governamentais, empresas e instituições de ensino e
pesquisa torna-se uma questão fundamental para se conquistar o desafio de explorar e
produzir numa nova fronteira petrolífera, conhecida como Pré-Sal. Entre os principais
desafios destacam-se a distância da costa, a profundidade da jazida e a camada de sal. As
dificuldades para o desenvolvimento da produção nessa área estão associadas pela
determinação do melhor modelo geológico, pela geometria de poço mais econômica e
adequada ao reservatório e pela garantia de escoamento do petróleo pelos dutos. Como foi
visto, cada reservatório de petróleo e gás natural possui características próprias, que variam
caso a caso, que o diferenciam em relação aos demais e demandam soluções específicas para
a sua operação.
No Brasil a regulação do Instituto da Unitização também é compulsória, como no caso
federal americano e nos casos da Noruega e do Reino Unido. A política de conservação dos
recursos minerais pode ser identificada na Lei Federal do país e em suas normas regulatórias
(Contratos de Concessão). Assim como nos países selecionados da Europa, os direitos de
propriedade são centralizados no âmbito do Governo Federal. Porém, o país carece de normas
e manuais técnicos que governem e incentivem o Instituto da Unitização.
A ausência desses mecanismos expõe o país à questões do timing das negociações, à
assimetria de informações e à observação de comportamentos oportunistas ex ante e ex post
nas relações contratuais. Um ponto que merece destaque refere-se à atual negociação
legislativa de um novo marco regulatório para o setor no país. A instauração de um novo
Regime Regulatório, no qual poderão ser observados contratos com naturezas distintas, no
caso de Contratos de Concessão e de Partilha de Produção, poderá trazer riscos e incertezas
aos agentes econômicos e, portanto, carece ainda mais de normas e orientações claras e bem
definidas, transparentes em termos informacionais e que valorizem a minimização do timing
das negociações.
A presente dissertação apresentou o referencial técnico, econômico e institucional que
contribui para mitigar os problemas inerentes à exploração e produção em CPRs de
141
hidrocarbonetos nos países. Ressalta-se que o presente assunto encontra-se na fronteira do
conhecimento econômico, proporcionando um vasto referencial de opções de pesquisa e
desenvolvimento. O Brasil precisará investir em conhecimentos técnicos, econômicos,
jurídicos e organizacionais para superar os desafios da nova realidade da indústria petrolífera
nacional.
142
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALCHIAN, Armen A. Some Economics of Property Rights. Paper, II Politico, Vol. 30, pp.
816–829, 1965.
ALCHIAN, Armen A. Corporate Management and Property Rights. In Economic Policy and
the Regulation of Corporate Securities, Manne,H.G., American Economic Institute of Political
Research, 1969.
ALCHIAN, Armen A e DEMSETZ, Harold. Production, Information Costs and Economic
Organization. Paper, American Economic Review, Vol. 62, pp. 777-795, 1972.
ALCHIAN, Armen A e DEMSETZ, Harold. The Property Right Paradigm. Paper, Journal of
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