CAMPOS DE GOLFE: A FERTILIZAÇÃO E A QUALIDADE DO AMBIENTE * J. Quelhas dos Santos Professor cat. jub. do Instituto Superior de Agronomia RESUMO Após algumas considerações sobre a evolução do uso dos fertilizantes e do conceito de poluição, salientam-se, sobretudo a propósito dos campos de golfe, as razões pelas quais aqueles produtos podem estar envolvidos em certos fenómenos associados à degradação da qualidade do ambiente e referem-se os processos que se afiguram susceptíveis de ser usados para a evitar. Apresentam-se, em breve síntese, os principais aspectos que devem ser considerados para se poder efectuar, nos campos de golfe, uma fertilização que permita conciliar a produção de relva com a defesa do ambiente, sobretudo no que se refere à qualidade das águas superficiais e subterrâneas. Conclui-se com uma chamada de atenção para a necessidade de nos campos de golfe, tal como em diversas outra culturas, as potenciais relações entre a fertilização e a qualidade do ambiente deverem ser encaradas numa perspectiva realista, sem esquecer que o ambiente, pela natureza dos factores que o integram, não pode deixar de estar sujeito a mudanças. 1. INTRODUÇÃO Cremos ser do conhecimento geral que o conceito de poluição foi durante muitos anos identificado, apenas, com a ocorrência de um reduzido número de fenómenos, quase sempre associados a actividades industriais, susceptíveis de conduzir à perturbação do equilíbrio exigido pela defesa da qualidade do ambiente. É também sabido − e disso nos dão conta, com intensidade crescente, os diversos meios de comunicação social − que aquele conceito tem vindo a ser alargado às consequências de outras actividades, nas quais se incluem algumas que, como acontece com a Agronomia e a Silvicultura, até eram, ainda não há muitos anos, consideradas como sendo susceptíveis de contribuírem para a defesa da qualidade do ambiente. Uma tal mudança de atitude aparece normalmente associada ao facto de aquelas formas de exploração da terra, a partir de certa altura, terem passado a usar, com maior intensidade, certos factores de produção. É o caso, de entre vários outros, da utilização dos chamados fertilizantes, produtos que, directa e/ou indirectamente, vão contribuir para que as plantas tenham melhores condições de nutrição e, por isso, se tornem mais aptas para, se não ocorrerem outros factores limitantes, proporcionarem a obtenção de maiores produções. * Este trabalho constitui uma actualização de outros que, sobre o mesmo tema, o autor apresentou no IX Congresso do Algarve (1997) e nos V (1999) e VI (2000) Congressos da Associação Portuguesa de Profissionais de Espaços Verdes. 1 Até há cerca de 150 anos os fertilizantes − que terão começado a ser utilizados há mais de 20 séculos − eram, obviamente, substâncias de origem natural, das quais as primeiras (e, pode dizer-se, quase únicas durante muitos séculos) foram misturas dos dejectos animais e detritos vegetais, produtos a que mais tarde viria a ser dada a actual designação de estrumes. A utilização de estrumes, mesmo quando complementada com a de outros produtos (cinzas, margas, ossos moídos, fosfatos e sais de potássio naturais, etc.), viria, no entanto, a revelar-se manifestamente incapaz de proporcionar a obtenção de alimentos vegetais suficientes para satisfazerem as necessidades das populações, mesmo quando elas ainda não eram nem muito numerosas nem muito exigentes. É que, na verdade, aquelas substâncias, pelas pequenas quantidades em que seriam utilizadas, pelo teor, normalmente baixo, de nutrientes que possuíam, e pela lentidão com que, na grande maioria dos casos, os cediam às plantas, não garantiam que estas tivessem uma alimentação conveniente e, em grande parte por isso, as produções obtidas não permitiam que a agricultura fosse além de uma mera actividade de subsistência. Seria mesmo uma fraca subsistência, a avaliar pelas frequentes e graves crises de fome que atingiam as populações, as quais, entretanto, cresciam a um ritmo acelerado. Quando, cerca de 1840, um químico alemão, Liebig, descobriu o princípio da nutrição mineral das plantas, abriu-se o caminho para o aparecimento de um novo e muito mais eficaz tipo de fertilizantes artificiais, os chamados adubos. Estes produtos, apresentando agora os nutrientes em formas de mais rápida absorção pelas plantas e, sobretudo no que se refere aos macronutrientes principais, em quantidades muito superiores às dos estrumes e às dos outros produtos naturais até então usados, viriam a mostrar-se de mais cómoda aplicação e, sobretudo, de efeitos espectaculares no aumento das produções. Foi, em grande parte, devido ao aparecimento dos adubos que se criaram as condições para a agricultura passar de actividade de subsistência a actividade económica, evolução que se tornou indispensável quando e onde as populações rurais começaram a ter possibilidade de trocar as actividades agrícolas por outras (indústria, comércio e serviços) que, de um modo geral, eram mais atraentes não só em termos económicos mas também sociais. Ora, logo que a agricultura se assumiu como actividade económica, terá havido uma tendência, que aliás é lógica, para maximizar os lucros, tal facto exigindo, a par de outras medidas, a obtenção de produções unitárias cada vez mais elevadas, o que implicava, necessariamente, um mais intensivo uso dos adubos. Estes terão sido, de forma cada vez mais acentuada, os únicos fertilizantes usados, mesmo que as condições aconselhassem, pelo menos em termos de prevenção quanto à futura capacidade produtiva dos solos, o uso de outros fertilizantes, como é o caso dos correctivos minerais e/ou orgânicos. Aliás, mesmo no que se refere aos adubos, terá havido tendência para se utilizarem, sobretudo, os que veiculam o azoto, dado que este elemento, como se sabe, exerce quase sempre os seus efeitos na vegetação de modo mais espectacular. Este facto terá estado na origem dos receios de que o uso dos fertilizantes, em particular no que se refere aos chamados adubos artificiais (que se identificam, quase sempre, com os adubos minerais), passassem, a partir de certa altura, a ser considerados potenciais indutores de certas formas de poluição do ambiente, em particular naqueles caso em que o carácter intensivo das explorações (culturas mais frequentes e com maiores produções unitárias) exigia a presença, e a consequente necessidade da aplicação de maiores quantidades de nutrientes vegetais. De facto, os fertilizantes (e não só os adubos artificiais mas também os outros adubos e até mesmo correctivos, em especial os orgânicos) são susceptíveis, pelo menos em termos teóricos, de causarem agressões ambientais que, no sentido mais amplo, se podem manifestar na 2 diminuição da fertilidade dos solos e, através destes, na qualidade dos produtos vegetais neles obtidos, na das águas que neles se infiltram ou que sobre eles escorrem e, até, na da atmosfera que os rodeia. Aqui poderá, então, inserir-se o problema de os campos de golfe, pelo facto de, supostamente, se basearem numa forma intensiva de exploração da terra, poderem contribuir para a ocorrência de alguns fenómenos nocivos para a qualidade do ambiente. Mas haverá, efectivamente, justificação para tal receio? Vamos procurar dar uma resposta a esta pergunta através de considerações que, embora com uma base científica, possam ser facilmente entendidas por todos aqueles que, sem quaisquer ideias preconcebidas, tenham de se pronunciar sobre este tema. Para isso, começaremos por apresentar algumas relações que, pelo menos em termos potenciais, são susceptíveis de existir entre a fertilização e certas formas de poluição do ambiente, em particular no que se refere aos campos de golfe; e, em seguida, os principais aspectos que devem ser considerados para uma correcta utilização dos fertilizantes naqueles campos, de modo a conciliar, na maior extensão possível, o conveniente desenvolvimento da relva com a defesa da qualidade do ambiente. 2. POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE A FERTILIZAÇÃO E O AMBIENTE Como já atrás foi referido, o uso dos fertilizantes, sobretudo em culturas intensivas, é susceptível de, pelo menos em termos teóricos, conduzir a fenómenos que, num sentido lato, podem ser considerados como formas de poluição dos solos, das águas, dos produtos vegetais e, até mesmo, da atmosfera. A este respeito convirá, no entanto, ter em atenção, desde logo, que um campo de golfe, em termos globais, não deve ser considerado uma cultura intensiva. Na realidade, trata-se de um tipo de exploração que, quanto a este aspecto, pode ser identificada com um prado permanente, à base de gramíneas, no qual apenas uma pequena fracção, da ordem de 2% (ocupada pelos «tee» e pelos «green»), é de facto intensiva, sendo a parte restante («fairway»), muito mais representativa em termos de área, do tipo extensivo. Sendo assim, também a fertilização pode e deve ter um carácter intensivo só numa reduzida parte da área ocupada pelos campos de golfe. Por outro lado, dadas as características particulares deste tipo de exploração, as potenciais agressões causadas pela aplicação de determinadas quantidades e tipos de fertilizantes nos campos de golfe são praticamente identificadas, apenas, com a qualidade das águas superficiais e subterrâneas. De facto, a biomassa recolhida nos diferentes cortes não é utilizada na alimentação (poderá ser recomendável o seu uso, sobretudo após compostagem, como correctivo orgânico dos solos); a fertilidade dos solos, quanto aos seus diferentes aspectos (físicos, químicos e bióticos), é melhor controlada do que em muitas outras culturas; e a poluição da atmosfera, mais frequentemente associada à desnitrificação (fenómeno que conduz à libertação de certos gases azotados, sobretudo N2 O e NOx ), não pode ter aqui significado apreciável uma vez que ela ocorre praticamente, apenas, em solos com deficiente drenagem interna, situação que não é de esperar que possa ter apreciável representação nos campos de golfe. Aliás, mesmo no que se refere à poluição das águas não deve esquecer-se que, pelo menos em relação às águas superficiais, os campos de golfe, dado o maior revestimento que determinam nos solos, terão tendência para, em igualdade de outros 3 factores (declive dos solos, regime de chuvas e fertilização), contrariarem a erosão, a qual é, sem dúvida, a principal responsável pela poluição daquelas águas. De qualquer modo, não pode negar-se a possibilidade de os fertilizantes, quer sejam adubos ou correctivos, quando aplicados aos solos que suportam os campos de golfe, poderem causar certas formas de poluição susceptíveis de serem transferidas para as águas; mas é fácil demonstrar que tais fenómenos podem ser contrariados, ou mesmo eliminados, desde que a aplicação dos fertilizantes, em termos de quantidade e de qualidade, e de épocas e de técnicas de aplicação, seja correctamente adaptada a este condicionalismo. Vejamos então, em breve síntese, quais as principais formas de poluição que podem associar-se aos fertilizantes usados nos campos de golfe e, simultaneamente, quais os processos susceptíveis de as contrariar. No caso dos adubos, também à semelhança do que acontece na quase totalidade das outras culturas, os principais problemas nos campos de golfe estão associados aos macronutrientes principais: azoto (N), fósforo (P) e potássio (K), já que são estes que se aplicam em maiores quantidades (são mesmo, na grande maioria dos casos, os únicos que, propositadamente, se utilizam, embora os produtos que os veiculam também incluam outros elementos nutritivos, nomeadamente cálcio, enxofre e, com menor frequência, magnésio, certos micronutrientes, etc.) No entanto, a influência de cada um daqueles elementos na poluição das águas é muito diferente. Assim, no caso do potássio, a poluição causada por este nutriente, se ele for considerado isoladamente, não tem significado em termos práticos, já que as águas, de um modo geral, têm elevados teores deste elemento. No entanto, convirá sempre não exagerar, quer por razões económicas, quer mesmo por razões ecológicas, já que um excesso de potássio nas águas poderia aumentar-lhes a salinidade e criar desequilíbrios com outros nutrientes, sobretudo com o magnésio, factos que têm reflexos negativos na fertilidade dos solos e na aptidão das águas para a rega. De notar que o potássio, quando os solos se apresentam bem providos em colóides, é parcialmente retido nos solos por adsorção e/ou fixação, ficando deste modo menos sujeito ao arrastamento pelas águas de infiltração. De qualquer modo, é bom não esquecer que a capacidade de retenção dos solos nunca é infinita e que, sobretudo quando se trate de adsorções, em particular se estas não tiverem um carácter específico, o potássio pode ser facilmente permutado por outros catiões, passando deste modo para a solução do solo, na qual contribuirá para um aumento da salinidade se não houver arrastamento, ou, no caso contrário, para ser transferido para as águas. Pelo facto de se tratar de um catião (K +), o seu arrastamento determinará que sejam também arrastados aniões, tais como cloretos (Cl-) e nitratos (NO3 -), os quais, sobretudo no caso do último, poderão ser muito mais prejudiciais para a qualidade das águas do que o potássio. O fósforo, embora tenha, na grande maioria dos solos, um comportamento muito mais estático do que o potássio (para além de ser adsorvido em superfícies de carga positiva, forma compostos de baixa solubilidade com diversos catiões, nomeadamente com o cálcio em solos calcários e com o ferro e o alumínio em solos ácidos), é muito mais susceptível de poluir as águas. De facto, as águas normais têm geralmente teores de fósforo demasiado baixos para permitirem o crescimento de certas espécies vegetais aquáticas. Ora acontece que quando essas águas se enriquecem naquele nutriente, podem criar-se condições para um fenómeno, conhecido por «eutroficação» das águas, mediante o qual o rápido e intenso crescimento de espécies vegetais aquáticas faz com 4 que as águas, por falta de oxigénio, e pela aquisição de cheiros e sabores desagradáveis, se tornem impróprias não só para beber como também para diversos outros fins. Convirá, entretanto, distinguir entre a possibilidade de o fósforo poluir as águas superficiais e as águas subterrâneas. No primeiro caso, a poluição está associada ao escorrimento superficial e, praticamente, é independente das características físico-químicas dos solos, excepto no que se refere à susceptibilidade de erosão, a qual, como se sabe, está dependente sobretudo do declive, do regime de chuvas e, em igualdade de outros factores, do revestimento proporcionado pela cultura. A este respeito convém notar que, como já se referiu, a elevada densidade de biomassa radicular existente nos campos de golfe terá forte tendência para contrariar o arrastamento do solo e, deste modo, o dos nutrientes que nele se encontrem. De qualquer modo, naqueles casos em que as características topográficas e climáticas do local levem a recear o arrastamento superficial do fósforo a sua aplicação em cobertura deverá ser preferencialmente efectuada em épocas do ano nas quais a elevada intensidade das chuvas seja menos de recear e, mesmo assim, usando menores quantidades de cada vez. Quanto às águas subterrâneas, a poluição só será de recear quando se apliquem grandes quantidades de adubos com o fósforo em combinações químicas solúveis na água em solos com reduzido teor de colóides minerais (solos arenosos) e com uma reacção que não favoreça a precipitação do fósforo sob a forma de compostos pouco solúveis (ortofosfatos secundários e terciários de cálcio, de ferro e de alumínio). Nestes casos, é indispensável proceder a um maior fraccionamento do fósforo, evitando, tanto quanto possível, a sua acumulação na solução do solo. Entretanto, é conveniente notar que o facto de o fósforo formar compostos de baixa solubilidade, por exemplo com o cálcio, faz com que possa ser facilmente retirado das águas através da precipitação seguida da decantação, filtração, etc. O azoto, sendo dos três macronutrientes principais aquele que, devido aos efeitos espectaculares que exerce na vegetação, tende a ser aplicado em excesso, e sendo também, de longe, o que apresenta maior mobilidade nos solos, é, sem dúvida, o que com mais facilidade poderá contribuir para a poluição das águas subterrâneas. De facto, só algumas formas orgânicas de azoto apresentam baixa solubilidade; mas mesmo estas tendem a passar a formas que, como é o caso do azoto amoniacal (NH4 +) e do azoto nítrico (NO3 -) formam sempre combinações químicas solúveis. Quanto a estas duas últimas formas − as quais, juntamente com as formas amídicas, em particular a ureia, são as que quase sempre se utilizam sob a forma de adubos −, deve notar-se que o NH4 + tem retenção física (já que é adsorvido e/ou fixado nos colóides do solo), enquanto que o NO3 -, pelo facto de ter carga negativa, não tem aquele tipo de retenção (mesmo quando as superfícies coloidais possam ter, o que é muito pouco frequente para os valores normais do pH dos solos, um predomínio de cargas positivas, a energia da ligação do NO3 - é de tal modo baixa que leva a não atribuir ao fenómeno de adsorção daquela forma de azoto qualquer significado prático). Não deve esquecer-se, porém, que o NH4 +, em condições normais de «vida» dos solos, tende sempre a converter-se em NO3 -, a menos que se utilizem produtos que, como acontece com os inibidores da nitrificação, possam retardar este último fenómeno e, deste modo, aumentar a retenção física do azoto na forma de NH4 +. Sempre que se utilizem adubos normais, e desde que não se adicionem inibidores da nitrificação, o azoto aplicado na adubação deve ser o mais fraccionado possível, considerando-se ideal que só fosse lançado na solução do solo à medida que a planta o absorvesse (situação que pode verificar-se numa fertirrigação em que a quantidade de água e o seu teor de azoto sejam facilmente controláveis). Naquelas fases 5 em que a relva, dadas as condições climáticas mais desfavoráveis, tem tendência para menor crescimento, as aplicações de azoto devem também ser mais reduzidas, até porque em Portugal essa época coincide, normalmente, com a maior intensidade das chuvas. Para além do uso de inibidores de nitrificação (de que são exemplos o «N-serve» e produtos derivados da dicianamida) e do fraccionamento do azoto em várias aplicações, poderá ainda recorrer-se a adubos que, ou por se apresentarem revestidos (como é o caso dos adubos do tipo «osmocote»), ou por terem o azoto em formas mais insolúveis (caso, por exemplo, da ureia-formaldeído), libertam o azoto de forma mais gradual, isto é, mais à medida que as plantas o vão absorver. No caso das águas superficiais, tal com já se disse a propósito do fósforo, todas as formas químicas do azoto podem ser arrastadas, sendo conveniente, também através de modificações na quantidade e na época de aplicação, tentar reduzir a extensão daquele fenómeno, o qual, repete-se, já tende a ser contrariado pelo revestimento do solo existente num bom campo de golfe, o qual vai actuar como uma espécie de «filtro biológico». Ainda a propósito da poluição das águas pelo azoto, em particular pela forma nítrica (na qual, como se sabe, todas os outras formas tendem a converter-se), deve recordar-se que aquele fenómeno tem sido associado ao facto de se admitir que o NO3 torna as águas impróprias, ou mesmo perigosas, para a saúde dos homens e dos animais, uma vez que os nitratos, por si próprios ou após conversão em nitritos (NO2 -), são tóxicos, podendo causar, para além de outros possíveis malefícios, uma doença dos bebés, conhecida por «cianose» ou «doença azul», e o cancro gástrico. De notar, entretanto, que a teoria segundo a qual os nitratos são prejudiciais para a saúde começa a ser contestada uma vez que, de acordo com o resultado de alguns estudos já efectuados, parece não haver correlação entre a ingestão de nitratos através das águas (e dos alimentos) e a ocorrência daquelas doenças. Este facto, a confirmar-se, fará certamente com que o actual limite quanto ao teor máximo de azoto nítrico nas águas destinadas a consumo (50 mg de NO3 - L-1 ) possa ser mais elevado; mas, de qualquer modo, um excessivo enriquecimento das águas em azoto, seja na forma nítrica seja noutras formas, deve sempre ser evitado, pelo menos para que não venha a ser favorecido o já referido fenómeno da eutroficação. Por outro lado, é conveniente não esquecer que um excesso de nitratos nas águas é muito mais difícil de eliminar do que um excesso de fósforo, uma vez que, como se disse, o NO3 -, ao contrário do fósforo, não forma compostos de reduzida solubilidade e, como tal, não pode ser retirado através de processos químicos, sendo normalmente necessário recorrer a processos biológicos, como acontece com a já referida desnitrificação, e com a instalação, devidamente controlada, de plantas dotadas de elevada capacidade para o absorverem. Ainda em relação à poluição das águas pelo azoto, convém lembrar que nos adubos compostos, mesmo que se trate de adubos tradicionais, a solubilidade e o subsequente arrastamento tendem, em igualdade de outros factores, a ser menores. Efectivamente, nos adubos compostos há uma certa «protecção» quanto à solubilidade, a qual será devida, na maior parte dos casos, a aditivos usados na fase de granulação. Salienta-se, por fim, o facto de nos campos de golfe terem largo predomínio as gramíneas, e de estas serem dotadas de elevada aptidão para absorverem o azoto, permitindo deste modo que, em igualdade de outros factores, aquele nutriente se acumule menos nos solos (que, para além disso, estão, neste caso, em cultura permanente) e, por tal motivo, seja menos provável que vá poluir as águas. No caso dos correctivos − os quais, ao contrário dos adubos, podem não ser exigidos na fertilização dos campos de golfe, ou pelo menos na maior parte da sua área 6 («fairway») − haverá que distinguir entre os correctivos minerais, os correctivos orgânicos e os condicionadores. Os correctivos minerais (calcário, enxofre, etc.), destinados a modificar a reacção dos solos, poderão ter alguma influência na poluição das águas apenas na medida em que, ao proporcionarem a possibilidade de a reacção do solo vir a apresentar valores do pH vizinhos da neutralidade, aumentam a mobilidade do fósforo, aceleram a nitrificação do azoto, etc. Os correctivos orgânicos são usados com o objectivo de aumentar, ou pelo menos manter, o teor de matéria orgânica dos solos, a qual apresenta primordial interesse para a fertilidade física, em particular no que se refere à obtenção e manutenção de condições que permitam a retenção da água necessária para as plantas e a drenagem da que estiver em excesso, isto é, evitando o alagamento dos solos. No que se refere à poluição que aqueles fertilizantes são susceptíveis de causar, deve ter-se em atenção, desde logo, que se a matéria orgânica for transferida para as águas (o que, praticamente, só acontece se houver erosão) vai contribuir para a sua poluição uma vez que vai retirar oxigénio. Quanto a outras influências na poluição das águas (superficiais ou mesmo subterrâneas), haverá que atender às características dos produtos usados, em particular ao facto de se tratar de estrumes tradicionais ou de produtos reciclados, como por exemplo os lixos urbanos compostados (RSU), as lamas obtidas no tratamento de esgotos de aglomerados populacionais (lamas de ETAR), e os efluentes de explorações pecuárias, de fábricas de industrias agrícolas e florestais. No primeiro caso pode dizer-se que, para as quantidades que, de um modo geral, podem e devem aplicar-se, não são de recear quaisquer fenómenos de poluição das águas. O mesmo já não poderá dizer-se de alguns dos produtos reciclados que foram mencionados, já que, para além de conterem, por vezes, elevadas quantidades de azoto e de fósforo (caso, por exemplo, das lamas de ETAR, da fracção sólida dos efluentes de suiniculturas e dos «estrumes» de aviário) podem ter metais pesados (o que pode acontecer, sobretudo, nos RSU e nas lamas de ETAR), tais com o chumbo, o cádmio, o mercúrio, etc. os quais, sendo tóxicos, podem tornar as águas impróprias para consumo. De qualquer modo, aqueles resíduos, desde que satisfaçam as normas de qualidade exigidas, podem ser usados como fertilizantes (até porque esta utilização pode constituir uma forma de efectuar ou de completar o seu tratamento), mas as quantidades a aplicar terão de ser necessariamente menores do que no caso dos estrumes «vulgares», e tendo sempre bem presentes as características dos solos, em particular no que se refere à quantidade e à natureza dos colóides minerais, e à reacção. As turfas, frequentemente utilizadas nos «tee» e nos «green», apresentam muito boas características para poderem ser usadas como correctivos orgânicos. No entanto, pelo facto de constituírem um bem finito, de serem importadas e de a sua extracção estar já a ser contestada, em termos ambientais, nos países de origem, poderão ter de vir a ser substituídas, pelo menos em parte, por outros resíduos orgânicos disponíveis no país, nomeadamente as cascas de pinheiro e de eucalipto, desde que previamente compostadas. Por outro lado, tem-se verificado que nas turfas podem ser incorporados RSU até uma representação da ordem de 20%. Neste último caso, o valor nutritivo do substrato vai aumentar, mas devem também aumentar os cuidados em relação à quantidade a aplicar, para a defesa da qualidade das águas, já que irão, agora, ser incorporados produtos com maior salinidade, com mais azoto e fósforo, e com metais pesados. Não é de esperar que tanto as turfas como as cascas compostadas contribuam para a poluição das águas subterrâneas, mas já no caso das águas superficiais, se houver arrastamento, aqueles correctivos, pelo simples facto de apresentarem elevado teor de matéria orgânica, poderão contribuir, como se disse, para aquela poluição. 7 Saliente-se ainda, a propósito dos correctivos orgânicos, que o relvado dos campos de golfe, sendo constituído por gramíneas, contribui para manter, ou elevar mesmo, o teor de matéria orgânica do solo, já que, por um lado, protege mais a sua destruição e o seu arrastamento, e, por outro lado, porque vai restituindo ao solo uma elevada quantidade de biomassa radicular. No que se refere aos condicionadores, cuja influência benéfica se vai manifestar, essencialmente, nas propriedades físicas do solo, em particular na estrutura, não são ainda conhecidos os possíveis efeitos poluentes de produtos como o Krilium, o Agrosil, o Higromull, etc. Admite-se, no entanto, que qualquer influência negativa em termos de poluição será sobretudo indirecta, até porque as quantidades usadas serão sempre muito reduzidas. De notar que se trata de produtos muito caros e, por isso, a sua aplicação em culturas vulgares, é muito pouco frequente. Porém, no caso concreto dos campos de golfe o seu uso poderá justificar-se nos «tee» e nos «green», desde que com a sua aplicação se possam resolver problemas que, como é o caso de uma deficiente drenagem, podem impedir uma correcta implantação dos campos. Entretanto, convém não esquecer que os correctivos minerais e, sobretudo, os orgânicos, também contribuem, ainda que de uma forma menos específica, para uma melhoria das propriedades físicas dos solos. 3. SUGESTÕES PARA A FERTILIZAÇÃO DOS CAMPOS DE GOLFE Na sequência das considerações atrás apresentadas − com as quais pensamos ter ficado minimamente demonstrado que os fertilizantes podem poluir mas que a poluição pode ser evitada −, vejamos agora, em termos gerais, os principais aspectos que devem ser considerados por forma a que a fertilização seja eficiente em termos de produção e segura em termos de poluição. Ao falar-se na fertilização de um campo de golfe haverá que distinguir, desde logo, entre a fertilização a efectuar à instalação e a fertilização necessária para a manutenção e, num e noutro caso, entre as zonas de exploração intensiva («tee» e «green») e a parte restante («fairway»). Torna-se evidente que nos «tee» e nos «green» a fertilização, tanto no caso dos adubos como no dos correctivos, terá de ser mais intensiva e, por isso, merecedora de maiores cuidados. No caso da instalação, podem ainda ter de se considerar, separadamente, as fertilizações a efectuar na preparação do terreno e na formação do relvado, desde que aquelas duas operações, por razões de ordem prática e/ou técnica, sejam relativamente distanciadas no tempo. 3.1. FERTILIZAÇÃO A EFECTUAR NA PREPARAÇÃO DO TERRENO Nesta operação − que será sempre ser antecedida de uma correcta avaliação das características do solo, não só em termos físicos (profundidade, textura, estrutura, declive, etc.) mas também químicos (reacção, teor de matéria orgânica e de fósforo e potássio «assimiláveis», complexo de troca, etc.) − deverão ser incorporados os correctivos (se necessários, como é óbvio) e o fósforo (ou o fósforo e o potássio) que se considere suficiente para o arranque e manutenção do relvado pelo menos durante os primeiros anos. 8 Os correctivos minerais alcalinizantes, identificados hoje em dia com os calcários calcíticos ou magnesianos (estes últimos terão vantagem, em relação aos primeiros, quando sejam de recear deficiências de magnésio, as quais, aliás, poderão ser induzidas pela aplicação de potássio em grandes quantidades), serão necessários sempre que os solos, por serem excessivamente ácidos, possam levar a admitir um deficiente crescimento da relva (de notar que as gramíneas são, em muitos casos, resistentes à acidez moderada). A aplicação do calcário (que constitui a prática vulgarmente designada por calagem) deverá fazer-se com produtos que tenham uma granulometria suficientemente fina para ter alguma acção rápida, mas apresentar também uma fracção mais grosseira para que o efeito residual seja mais prolongado. A quantidade, calculada sempre com base na análise das terras, não deverá exceder cerca de 5t ha -1 (se for necessária uma quantidade maior, o que só acontecerá em solos muito ácidos e com elevado poder tampão, poderão fazer-se, mais tarde, novas aplicações em cobertura, já que o calcário não apresenta causticidade e, como tal, não vai «queimar» a relva). Se os solos, pelo contrário, forem muito alcalinos, poderá ser necessário usar correctivos minerais acidificantes, nomeadamente o enxofre se a alcalinidade for devida ao calcário, ou o gesso quando os solos tiverem teores de sódio demasiado elevados (>15%) no complexo de troca. O enxofre deverá ser usado em quantidades que, mais frequentemente, se situam entre 0,5 e 1,5 t ha -1 ; no caso do gesso, os cálculos das quantidades terão de basear-se no conhecimento do teor de sódio existente no complexo de troca, estimando-se que, para uma profundidade da ordem de 30 cm, deverão ser aplicados, por hectare, cerca de 4 t de gesso por cada miliequivalente (0,023g) de ião sódio (Na+) a substituir. De notar entretanto que, em qualquer dos casos, a actuação dos correctivos acidificantes é mais lenta e muito menos eficiente do que a dos correctivos alcalinizantes, uma vez que terá de ocorrer através da prática de processos subtractivos, os quais exigem abundância de água de boa qualidade e uma conveniente rede de drenagem. A aplicação de correctivos orgânicos seria, no país, muito conveniente na grande maioria dos solos em que se instalam campos de golfe. No entanto, dadas as elevadas áreas envolvidas, quase nunca será possível, com excepção dos «tee» e dos «green», proceder à aplicação daqueles fertilizantes, sobretudo quando estes se identificam com os estrumes tradicionais. No caso de se utilizarem alguns dos «novos» correctivos orgânicos anteriormente referidos, haverá que ter em atenção as suas características, em particular no que se refere ao teor de azoto total (uma vez que pode contribuir para a poluição das águas por nitratos), de azoto amoniacal, NH4 +, (tendo em atenção que se converte em NO3 - e que, em concentrações elevadas, pode ser fitotóxico), de fósforo (o fósforo presente em formas orgânicas é, normalmente, mais móvel e, por isso, mais susceptível de ser transferido para as águas, mesmo que se trate das subterrâneas), de metais pesados, etc. Por outro lado, é indispensável conhecer a textura e a reacção dos solos, já que elas condicionam, em elevado grau, a mobilidade do fósforo e dos metais pesados. A título de orientação, aconselha-se que não sejam ultrapassadas 10 a 15 t ha -1 no caso dos lixos compostados e 3 a 5 t ha -1 no caso das lamas de ETAR, fracção sólida de chorumes e «estrumes» de aviário. Quando se utilizem turfas ou cascas compostadas os factores limitantes das quantidades a aplicar residem, sobretudo, em aspectos económicos (as turfas, com se disse, são produtos importados e têm preços elevados) ou práticos (dificuldade em incorporar, de forma correcta, quantidades muito elevadas). De notar entretanto que, sobretudo no caso das turfas, os elevados valores da capacidade de troca catiónica que apresentam podem dificultar a absorção de certos elementos pelas plantas. Trata-se, porém, de um aspecto que, embora negativo em termos de contributo para a nutrição das 9 plantas, apresenta algumas vantagens em termos ecológicos, já que diminui a possibilidade de tais elementos serem transferidos para as águas. No que se refere ao fósforo, trata-se, como se sabe, de um elemento que é bem retido em quase todos os solos, e que os adubos através dos quais normalmente é veiculado não são salinos nem alteram a reacção do solo. Por tais motivos, pode admitir-se a possibilidade de incorporar aquele nutriente, logo na preparação do terreno, em quantidades que permitam cobrir as necessidades do relvado durante vários anos. Em muitos casos, porém, este procedimento não é recomendável, nem em termos físicos e económicos, nem em termos ecológicos. Assim, se os solos forem muito calcários e se, como é muito provável, não tiver sido possível efectuar a sua correcção (destruição do calcário activo) o fósforo terá tendência para se insolubilizar, perdendo mobilidade (o que seria bom em termos ecológicos) mas perdendo também biodisponibilidade, isto é, deixando de ser absorvido pelas plantas. Em solos muito arenosos, a aplicação na altura da preparação do terreno (sobretudo se esta ocorrer, como é mais provável, antes da época das chuvas) de grandes quantidades de fósforo poderia contribuir para um maior arrastamento pelas águas, quer sejam superficiais (ainda não existe relvado para contrariar a erosão) quer sejam, mesmo, as subterrâneas (o poder de retenção do solo para o fósforo será agora bastante baixo), provocando a sua poluição. Se o solo não for calcário, não tiver uma textura muito arenosa e a sua reacção não levar a crer que possa haver formação (ou manutenção) de formas relativamente solúveis, então as aplicações de fósforo, logo à preparação do terreno, poderão ser mais elevadas, de modo a garantir a nutrição fosfatada da planta durante alguns anos. Deve notar-se, também, que se as condições edafoclimáticas favorecerem a erosão haverá que admitir maior probabilidade de poluição das águas superficiais, já que o «tapete» de relva não se encontra ainda formado. Admite-se que, na grande maioria dos casos, a quantidade de fósforo a aplicar na preparação do terreno, expresso em P2 O5 , se situe entre 100 e 300 kg ha -1 . O adubo a aplicar poderá ser um adubo elementar (superfosfatos, fosfatos parcialmente atacados, fosfatos naturais, etc.) quando se pretenda apenas aplicar o fósforo, ou um composto do tipo P-K no caso de ser possível, com este último adubo, veicular também a quantidade de potássio considerada necessária e suficiente. Em relação ao potássio, mais uma vez será necessário conhecer o solo, em particular no que respeita ao seu teor de colóides (poderá ter-se uma ideia aproximada com base no conhecimento da textura e da matéria orgânica) e de potássio «assimilável». As quantidades de potássio a aplicar na preparação do terreno também não devem ser muito elevadas, sobretudo em solos arenosos não porque, como se disse, haja grande receio da poluição das águas, mas sobretudo porque, em termos físicoeconómicos, o arrastamento do potássio pelas águas não será conveniente. Por outro lado, se ocorrer no solo a acumulação de um excesso de potássio a salinidade pode atingir níveis que, mesmo para as gramíneas, serão prejudiciais. Em média, poderá admitir-se que as quantidades de potássio, expressas, como também ainda é costume, em K2 O, sejam da mesma ordem das que foram indicadas para o fósforo. A aplicação poderá ser feita, como já se disse, sob a forma de um adubo composto do tipo P-K, mas pode também usar-se um adubo elementar, mais provavelmente o cloreto de potássio já que tem um preço da unidade fertilizante bastante inferior ao do sulfato de potássio. De notar, entretanto, que o sulfato de potássio, sendo menos solúvel, é menos salino para o solo. Por outro lado, se atendermos à qualidade das águas para a rega, os cloretos serão também, em termos de 10 salinidade, mais prejudiciais do que os sulfatos. Crê-se, no entanto, que para as quantidades que se indicaram, não é provável que um tal aspecto tenha qualquer interesse prático. No caso dos adubos compostos, mesmo que o potássio tenha sido introduzido na forma de cloretos (o que, aliás, é muito mais frequente) a solubilidade terá tendência para diminuir, uma vez que, como já se disse a propósito do azoto, nos adubos compostos há uma certa protecção contra a solubilidade. Será ainda conveniente salientar o facto de os cloretos presentes nos solos poderem contribuir para uma maior mobilidade de alguns metais pesados, aspecto que haverá interesse em considerar naqueles casos em que se apliquem fertilizantes que, como acontece com alguns dos «novos» correctivos orgânicos anteriormente referidos, veiculem aqueles elementos. 3.2. FERTILIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DO RELVADO Se esta fase ocorrer na ocasião, ou numa época muito próxima, da preparação do terreno, a fertilização a efectuar, no caso dos correctivos e de adubação fosfo- potássica, será a mesma que atrás foi indicada. No entanto, atendendo a que agora já se encontra presente a cultura, será necessário incluir logo algum azoto, uma vez que se trata de plantas muito exigentes quanto àquele nutriente. De qualquer modo, atendendo a que, como se referiu, o azoto está muito mais sujeito a ser arrastado pelas águas de escorrimento e de infiltração (e, deste modo, a contribuir para a sua poluição), este nutriente deve ser aplicado, naquela altura, em quantidades muito menores do que as que foram indicadas para o fósforo e o potássio. Aliás, se o solo se apresentar muito bem provido de matéria orgânica, ou se tiverem sido utilizados correctivos orgânicos que, pelo seu teor em azoto, e/ou pelas elevadas quantidades aplicadas, garantam as exigências (de início bastante reduzidas, como é óbvio) das plantas, poderá mesmo dispensar-se, nesta fase, a adubação azotada. De qualquer modo, o mais provável é ser necessário aplicar algum azoto, podendo admitir-se que, na grande maioria dos casos, o problema poderá ser globalmente bem resolvido com a aplicação de um adubo composto, por exemplo do tipo 7:21:21, em quantidades que satisfaçam as necessidades em fósforo e potássio (vai ser necessário, obviamente, aplicar mais azoto, este deverá, agora, ser aplicado em cobertura). Se pretender usar-se um adubo elementar normal, poderá recorrer-se, por exemplo, ao sulfato de amónio, em quantidades que não devem ultrapassar cerca de 50 kg de N ha -1 em cada aplicação, repetindo-se com intervalos que, embora variáveis com a época do ano, serão da ordem de 3 a 4 semanas. No caso de o início da formação do relvado não coincidir com a preparação do terreno, é evidente que o azoto será o único nutriente a aplicar e, como tal, usar-se-á sempre um adubo elementar, possivelmente o já referido sulfato de amónio. Este adubo tem o inconveniente de ser muito acidificante, mas este aspecto não terá neste caso grande interesse, por um lado porque, como se disse, as espécies vegetais que constituem o relvado são moderadamente resistentes à acidez, por outro lado porque, se os solos forem muito ácidos deverá ter-se efectuado a calagem durante a preparação do terreno. Em solos alcalinos aquela característica do sulfato de amónio, como é óbvio, será benéfica. Em relação a outros adubos azotados, em particular a ureia e os nitricoamoniacais, o sulfato de amónio tem a vantagem de ser mais resistente à lavagem. De facto, a ureia ao dissolver-se com manutenção da estrutura molecular, está 11 muito sujeita ao arrastamento no período (3 a 4 dias) posterior à aplicação, isto é, antes de se converter em carbonato de amónio; os adubos nitricomoniacais, devido à fracção nítrica que contêm, estarão, na quase totalidade dos solos (só fazem excepção os que não tenham colóides, já que neste caso a forma amoniacal também não será retida) mais sujeitos ao arrastamento pelas águas e serão mais prejudiciais para a sua qualidade. 3.3. FERTILIZAÇÃO NO RELVADO JÁ INSTALADO Após a consolidação do relvado, é normalmente necessário aplicar no Outono, para além do azoto, também fósforo e potássio, sobretudo naqueles casos em que a adubação fosfo-potássica usada na preparação do terreno tiver sido menor e/ou as perdas, devido ao arrastamento provocado pelas condições climáticas, tenham sido maiores. Aconselha-se naquela aplicação um adubo composto ternário do tipo 1:1:1, como por exemplo o 10:10:10, em quantidades da ordem de 500 kg ha -1 . Quando o declive leve a recear grandes perdas por arrastamento superficial, é preferível aplicar aquele adubo no início da Primavera. Esta alternativa pressupõe, no entanto, que o relvado não esteja com deficiência de fósforo e/ou de potássio. Caso contrário, o adubo, embora em menor quantidade, deverá aplicar-se no Outono, uma vez que será conveniente que o relvado, para ter maior resistência ao frio e às geadas, não apresente carências daqueles nutrientes. Ao longo do ano, e sobretudo na Primavera/Verão (altura em que o crescimento será maior), far-se-ão, pelo menos nos «tee» e nos «green», frequentes aplicações de azoto (de acordo com as necessidades evidenciadas pela relva), não convindo ultrapassar, de cada vez, 20 a 50 kg de N ha -1 , ou seja, se for usado o sulfato de amónio, 100 a 250 kg ha -1 . O azoto, devido à elevada solubilidade em água de quase todos os adubos azotados, é um elemento nutritivo que se presta muito bem a ser aplicado através da fertirrigação. Quanto a esta última prática, é conveniente salientar a possibilidade de, se estiverem salvaguardados os aspectos sanitários, poder ser efectuada com águas residuais provenientes do tratamento de esgotos, e de efluentes de suiniculturas e de indústrias agrícolas e florestais. Poderá também recorrer-se, em muitos casos, à irrigação com águas recolhidas nos próprios campos de golfe. Tanto no primeiro como no segundo caso, haverá a vantagem de se poupar água normal (o elevado consumo de água nos campos de golfe será, quase sempre, muito mais prejudicial para o ambiente do que a fertilização), de se fazer uma reciclagem de nutrientes pela relva e, o que poderá ser muito mais importante em termos ecológicos, de criar condições para que as águas adquiram uma melhor qualidade para serem lançadas noutros meios receptores. Apesar de a fertilização ter sido associada, apenas, aos correctivos e aos macronutrientes principais, tal facto não significa que, em situações particulares, não seja necessário aplicar, sobretudo nos «tee» e nos «green», diferentes quantidades e, até mesmo, diferentes substâncias (adubos normais, adubos especiais e correctivos, sobretudo condicionadores) que: i) veiculem outros elementos nutritivos que se saiba, ou se receie, poderem encontrar-se em deficiência; ii) reduzam as perdas por arrastamento e, como consequência, a poluição das águas; iii) resolvam problemas de falta de drenagem ou de excessiva permeabilidade; etc. 12 COMENTÁRIO FINAL Com as considerações que foram apresentadas procurámos demonstrar, mediante uma análise que consideramos correcta em termos científicos e técnicos, que a fertilização dos campos de golfe, desde que seja devidamente efectuada, não é de esperar que provoque quaisquer agressões em relação ao ambiente. Mesmo assim, poderia ainda ficar a dúvida sobre se, pelo menos no que se refere aos adubos artificiais, não seria melhor evitar a sua utilização, substituindo-os pelos chamados fertilizantes «naturais», nomeadamente pelos estrumes. Em nosso entender, nunca será possível (a não ser em solos muito férteis, os quais, sejamos realistas, praticamente não existem no País) instalar campos de golfe sem recorrer aos adubos minerais, nomeadamente os azotados. Aliás, se por hipótese, graças à possibilidade de aplicar azoto suficiente para o relvado através de produtos naturais, se dispensassem os adubos artificiais, nada garante que a poluição causada por aqueles produtos não fosse ainda maior. De facto, as transformações de tais produtos em formas minerais (as únicas que as plantas, através da raiz, são capazes de absorver) podem ter maior expressão em épocas nas quais as plantas os absorvam em menores quantidades e, como tal, ficarem mais disponíveis para serem transferidos para as águas. Por outro lado, atendendo à crescente tendência para as disponibilidades de estrumes naturais serem cada vez menores, teria de se recorrer à utilização de produtos reciclados, alguns dos quais, como se disse, poderão conduzir, se não forem de forma correcta, a mais graves formas de poluição. Convirá, obviamente, não exagerar o uso de fertilizantes, sejam eles adubos de qualquer origem ou correctivos, e ter presente que o interesse económico e social dos campos de golfe permite, com certeza, pelo menos nas zonas mais «nobres» («tee» e «green») aumentos de encargos, tais como um maior fraccionamento do azoto e a utilização de produtos especiais (adubos menos solúveis, adubos revestidos, inibidores da nitrificação, condicionadores, etc.) que não poderiam ser suportados pela grande maioria das outras culturas. Será muito salutar, diremos mesmo que será vital, tomarmos as maiores precauções quanto à defesa do ambiente, mas é bom também não esquecer que o ambiente, integrando seres vivos, terá necessariamente um carácter dinâmico, isto é, não pode ser encarado numa perspectiva estática. Aliás, já há mais de 2000 anos alguém dizia que «no mundo nada é constante senão a mudança»! Consideramos óptimo que todos sejam ambientalistas, mas cremos que seria péssimo que entre os ambientalistas tivessem apreciável representação os «fundamentalistas». No caso concreto que temos vindo a apresentar, supomos que ninguém terá dúvidas de que os campos de golfe, pelas suas implicações sócio-económicas, são importantes para Portugal, tanto mais que, é bom não esquecer, são necessários para o TURISMO (contribuindo, até, para que este tenha uma menor sazonalidade)), o qual, como é bem sabido, constitui uma das principais vocações do país. Quanto aos potenciais efeitos nefastos da sua fertilização na qualidade do ambiente, nunca serão de temer desde que, não só em relação a estes como a todos os outros factores de produção utilizados, não nos limitemos ao «fazer» mas a procurar, antes, o «saber fazer». 13