Temos que instituir o espírito
de colaboração civilizatória na
escola, diz a a diretora do
Departamento de Logística do
SEDUC
Afirmando que a educação “é como se
fosse a medula central da sociedade no seu
desenvolvimento em relação às alterações
de modelo econômico“, a diretora do
Departamento de Logística e Suprimentos
da SEDUC (Secretaria Estadual de
Educação), Ana Cláudia Figueiroa,
palestrou na 4ª edição do Seminário “Força
do Pensamento”, no painel Educação Base para o Futuro, promovido pela Força
Sindical-RS, dia 18/10, em Porto Alegre.
REPORTAGEM: Qual o desafio do mestre
diante das mudanças tecnológicas, culturais
e, por conseqüência, sócio econômicas?
Ana Cláudia Figueiroa - De fato, os
professores da rede estadual de educação e
da rede pública de educação em geral
vivem um desafio muito grande, em três
situações concretas.A primeira delas é que
a educação funciona sempre no cenário do
contexto histórico do educando. Então,
quando o país, há 20 anos, começou um
esforço expressivo de universalizar o
acesso a educação para toda a população
brasileira, um contingente muito grande de
pessoas acessou a escola, mas encontrou
um modelo de educação que não
contemplava essa complexidade
sócio-histórica da tessitura social brasileira.
Na realidade, o professor de hoje tem que
ser um intérprete dessa tessitura e
programar o exercício pedagógico nesse
cenário.O segundo desafio para o professor
está associado ao fato de estarmos vivendo
uma alteração no modelo de produção
econômica que centra as principais
economias no mundo e no País, por causa
da revolução tecnológica. A revolução
tecnológica começou no cenário das mídias
e das telecomunicações mas hoje está em
todas as áreas de conhecimento, tais como
a micromedicina, microbiologia, a
nanotecnologia. Está em curso uma
revolução tecnológica do porte da
Revolução Industrial. Como estamos ainda
no incipiente processo de alteração dos
modelos de produção, ainda não temos
noção, mas as próximas gerações
estudarão a nossa época nesse contexto.E
o terceiro e mais difícil dos desafios dos
professores hoje, na minha opinião, é que
houve uma diminuição expressiva de
recursos e investimentos para a qualificação
da educação nos últimos 30 anos, não só
no Rio Grande do Sul, mas também no
Brasil. Isso se alterou um pouco quando da
criação do FUNDEB, que alterou o sistema
de distribuição de recursos da União para os
estados e municípios, que não conseguem
fôlego financeiro para investimentos
expressivos na rede estadual ou em
qualquer direito social constituído. O cenário
da escola e as constituições materiais
concretas do trabalho dos professores não
são propícios para o labor pedagógico,
precisa de uma alteração de investimentos
urgente e também as condições materiais
concretas de garantia de remuneração
salarial adequada aos tempos em que
estamos vivendo. Houve uma perda salarial
muito grande no quadro dos professores
nos últimos 30 anos. O professor tinha um
salário de classe média alta, era uma
profissão disputada como eram as principais
profissões liberais. Essa quebra de status
na profissão não se deu apenas com o
professor, mas todas as principais
profissões liberais sofreram uma guinada
porque nós estamos vivendo uma alteração
no modelo econômico. Toda a revolução
reorganiza as relações de trabalho e as
profissões de status e também as de menos
status vão sofrendo. A educação é como se
fosse uma medula central de uma
sociedade no seu desenvolvimento em
relação às alterações de modelo econômico.
Acreditamos que temos que cuidar da
educação com esse olhar prospectivo para
a nossa e as próximas gerações serem
beneficiadas com o sucesso da alteração de
qualidade. Esses são os desafios do
professor hoje.REPORTAGEM: Em
determinado momento a senhora falou que
o professor tem de motivar, provocar mais o
aluno, justamente em função desse
distanciamento entre o que esta
acontecendo e a formação dele
propriamente dita. O professor deverá ser
hoje um motivador?Ana Cláudia Figueiroa Na realidade, quando eu falo de motivador
estou falando diretamente da relação de
aprendizagem da criança, isso não é hoje,
isso foi sempre. A criança que aprende é a
que tem desejo de aprender. Então como o
professor - que é responsável pela trajetória
de aprendizagem das crianças - provoca o
desejo dessas crianças? Esse é um desafio
do professor independentemente dos
tempos, porque o conhecimento está aí mas
precisa ser manuseado, reinventado. A
escola é como se fosse um laboratório de
conhecimento, onde se aprende o que já
está acumulado pela humanidade e aprende
como inovar, como criar novos
conhecimentos na vida futura. A escola é
um grande laboratório, que só produz novas
ciências se há um afã de produção da nova
ciência. O grande provocador do conhecer
no espaço da escola é o professor. Não é
que isso seja novo, pois sempre foi a tarefa.
Só que como os cenários postos são novos,
o labor didático-pedagógico do professor
precisa agregar esse cenário e conseguir
fazer essa motivação na aprendizagem dos
alunos.REPORTAGEM: Como a senhora vê
- na condição de educadora, técnica e
gestora da educação - esses conflitos
crescentes que ocorrem nas escolas,
sobretudo nas de periferia, onde os alunos
estão agredindo os professores?Ana
Cláudia Figueiroa - O conflito no ambiente
escolar não pode ser visto isolado da
comunidade à qual ele pertence, pois
resolvemos nossos problemas com
agressividade por não aprendermos a
resolvê-los civilizatoriamente. O ambiente
escolar é o ambiente de aprender a fazer
isso civilizadamente, então não só para
dentro da escola, mas também para o
ambiente externo. Só que isso é uma
aprendizagem. Eu posso ser uma criança
que hoje use de agressividade para resolver
um problema, mas se essa questão for
lidada de uma maneira educativa, eu vou
aprender que o melhor jeito de resolver isso
é na lógica de conhecer e resolver o conflito
e consensuar uma solução. Os conflitos que
levam à violência física foram mal resolvidos
na sua origem. A secretaria de educação
está convencida de que prospectar ciclos de
resolução de conflitos na origem dos
problemas pode diminuir substancialmente a
violência no ambiente escolar e contribuir
para que a comunidade aprenda a resolver
seus conflitos a partir de consensuamento
civilizatório. Não podemos estigmatizar a
violência como se ela tivesse entrado escola
à dentro, se a violência é a realidade da
comunidade onde a escola está inserida, ela
também vai estar presente na escola, ela
não está protegida destas situações porque
ela está dentro de uma comunidade que
tem os seus códigos de resolução de
conflitos. Nós precisamos desistigmatizar
isso. Quer dizer: o fato de haver violência é
grave e nós temos que nos debruçar sobre
isso, mas criando um outro jeito de as
crianças se resolverem entre si, consigo
mesmas e com seus professores.Não
podemos instituir um espírito de guerra
dentro da escola, temos que instituir o
espírito de colaboração civilizatória.Fonte:
Ilha da Notícia
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