TEMOS QUE APRENDER Se eu fosse sua mãe, te dava umas palmadas quando você entrou no primeiro Kart, ainda menino, e te prometia tudo, tudo para você não voltar às pistas. Um pirulito de chocolate, uma caixa deles, um boneco daqueles que vencem inimigos no espaço. Te prometia um passeio na Disney, um domingo no parque, uma tarde no circo, uma bicicleta com suspensão para você passear na fazenda. Ia te prometer qualquer coisa, como fazem as mães quando pressentem o interesse do filho por uma profissão perigosa, e como deve ter feito a sua, com certeza. Ah, as mães!... Se eu fosse sua mãe, ia brigar com você quando, já moço, insistisse em entrar nos carros de Fórmula Ford. Não ia preparar seu prato predileto, não ia te levar na cama, nem ia te chamar de campeão, de jeito nenhum. Ia te prometer uma viagem à Europa, um carro de passeio, implicar com seu chefe de equipe, dizer que não valia a pena correr, correr, correr... Ia ficar de cama para te impressionar, inventar dor de cabeça todo domingo de corrida pra ver se você não ia, se desistia, se encontrava outro prazer na vida. Se eu fosse sua mãe, ia te mostrar que a vida é pequena, breve, passageira, que passa tão depressa como uma corrida de Fórmula Um. Ia tentar fazer sua cabeça contra os fabricantes de máquinas possantes, contra os pilotos que acreditam na capacidade de voar. Ia chorar escondido e escancaradamente, te pressionando a largar, a voltar para casa, para o nosso aconchego, que mania é essa de perseguir a velocidade e de vencer, vencer, vencer... Se eu fosse sua mãe, um dia teria que descobrir que por mais que o amor de mãe seja imenso, nós não podemos traçar os caminhos dos filhos e assim teria que aprender tanta coisa, tanta... Aprender a respeitar, embora sofrendo, sua vocação para o perigo, e aprender a rezar, mesmo dormindo, e também a gostar das corridas de F - 1, o que eu poderia fazer, né, se este era mesmo seu sonho? Com o coração nas mãos, finalmente, ia acompanhar suas vitórias, a primeira no mundo, o bi, o tri e a luta pelo tetra. Por que não? Ah, Ayrton, se eu fosse sua mãe, ia ter um orgulho tão grande de você, tão grande, que acho até que ia pensar como a mãe do Spielberg, pedindo perdão pela falta de modéstia: “Se eu soubesse que meu filho seria tão famoso, teria um útero dourado”. Mãe do melhor piloto do mundo, ídolo em vários países, já pensou? Você sempre impetuoso, perseguindo a perfeição, devolvendo aos brasileiros a alegria de ser patriota. Tive que me apaixonar por sua paixão. Acostumado a vencer a mais de 240 Km por hora, imagina se seria difícil, para você, vencer apenas um mãe preocupada, hein? Se eu fosse sua mãe, ainda ia ter que aprender a dividi-lo com estes milhões de fãs, entusiasmados por você ter devolvido a autoestima a um país sofrido e derrotado. Quando você corria, a gente tinha a impressão que era o Brasil ali na pista agitando os punhos fechados, carregando a bandeira verde-amarela a conquistar o mundo inteiro. Você era o nosso lado vitorioso, e eu, mais do que ninguém, saberia compreender isso. Se eu fosse sua mãe, ia ser sua fã número um. E quando acontecesse um acidente em Ímola, um carro arrebentado na pista, pessoas chorando desde o Japão (quem resistia ao seu talento?) ate às nossas pequenas cidades do interior, eu iria me lembrar que pelos meus planos de mãe nada disso teria acontecido, mas você também não teria sido tão feliz como foi. Se eu fosse sua mãe, ia tentar descobrir porque nossos meninos, quando crescem, ficam desobedientes, insistindo em traçar seu próprio destino. E agradeceria a Deus esta desobediência que fez de você um vencedor e de milhões de brasileiros um povo orgulhoso do seu país. Se eu fosse sua mãe, ia sentir um cheiro de champanhe neste primeiro Dia das Mães sem você. Em que pódio você está, Senna, que a gente ainda o vê a comemorar vitórias?