TERRITORIALIDADE CULTURAL DA REGIÃO SUL NO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO Simone Gomes Marques Sheila Castro dos Santos Débora Teixeira Machado RESUMO Neste trabalho analisamos a territorialidade da identidade cultural dos migrantes sulistas que vivem em Porto Velho/RO, utilizamos como metodologia a aplicação de questionários e idas a campo, para compreender e evidenciar a categoria territorialidade. Compreendemos com este recurso que a relação entre espaço, cultura e origem regional está entrelaçada e é constituída por elementos culturais conferindo a esses migrantes a preservação de sua identidade sulista, as peculiaridades e como se deu o processo migratório, quais as causas e consequências para a migração, e quais as mudanças que esse aumento populacional gera no município de Porto Velho. Palavras-chave: Territorialidade; identidade; cultura. INTRODUÇÃO A história das migrações regionais acompanha o desenvolvimento do país e suas mudanças socioeconômicas. Rondônia passou a constituir o destino de migrantes vindos de todo o Brasil, seja por motivos particulares ou através de políticas públicas de desenvolvimento. Analisamos neste artigo a migração interna, que se distingue por ocorrer dentro do país, esses movimentos de pessoas que vão de um estado para outro com anseio de melhorias no seu modo de vida. Estes pontos discutidos dentro desse artigo como uma forma de aprendizado de uma das diferentes culturas que territorializam-se no espaço social do estado de Rondônia. A diversidade de culturas torna o Estado um lugar curioso de se conhecer, podemos entender essa complexidade no ir e vir por meio do escrito de Haesbaert quando evidencia que: O trânsito entre diferentes territórios, ou mesmo a vivência, concomitantemente, de múltiplas territorialidades, e o contornamento de certos limites ou fronteiras territoriais -, nesse caso, conformando de certo limites ou fronteiras multi e/ou transterritorialidade – são processos que cada vez mais parecem compor experiências concretas na sociedade contemporânea. Chegamos a ponto, muitas vezes, de vivenciarmos uma quase completa indistinção de quem/o que está dentro e o que está fora de um território, quais são os limites territoriais de ação de uma ou outra modalidade de poder (HAESBAERT, 2011, p. 16). As particularidades das diversas culturas aqui entrelaçadas, e ao mesmo tempo tão díspares, pois usa-se fortemente a fala como marcador territorial, pois ouvimos falarem as expressões “guri” na área urbana da cidade, e “tchê” na zona rural. E, em ambos espaços a expressão “piseiro” quer dizer festa, a utilização do verbo “caçar”, para indicar ir em busca de uma paquera. Esses marcadores, como afirma Almeida Silva (2010), são as marcas diferenciadoras da cultura pois “as representações, as formas e as presentificações sem sombra de dúvida servem para, no espaço, evidenciar a ação humana como elemento constituinte do modo de vida” (SILVA, 2010, p. 77). A maior diversidade entretanto, está na culinária: peixes amazônicos, pão de queijo mineiro, polenta paranaense e churrasco gaúcho estão entre os pratos típicos de Rondônia. Os migrantes de vários lugares do Brasil permitiram-se mesclar em seu modo de vida um novo que os possibilita a vida neste Estado. Até porque cada indivíduo vive multiplicidades de seres, por viver em sociedade, o homem capta de seus próximos os costumes, idioma, tradições, experiências, ou seja a individualidade é quase nula, mas ainda assim existente, a cultura é experienciada por todos pois: A cultura só existe através dos indivíduos aos quais é transmitida, e que, por sua vez, a utilizam, a enriquecem, a transformam e a difundem. Sem ela, eles estariam desamparados: o instinto não é suficiente para guiá-los. Faz-se necessário dispor de armas para a proteção e para a caça, de utensílios para produzir, habitar e se vestir. A linguagem permite que os homens se comuniquem. Suas relações só se desenvolvem a contento quando inseridas em contextos admitidos por todos. A cultura é indispensável ao indivíduo no plano de sua existência material. Ela permite sua inserção no tecido social. Dá uma significação à sua existência e à dos seres que o circundam e formam a sociedade da qual se sente membro. Ela não desempenha o mesmo papel nos diversos momentos da vida (CLAVAL, 2001, p. 89). Nessa perspectiva há os migrantes que transitam de um lugar para outro temporariamente e outros que procuram estadia fixa, vemos bem esta concepção em Martins (1988) ao evidenciar que alguns casos tornam-se busca incessante por melhores perspectiva de vida Migrar temporariamente é mais que ir e vir- é viver, em espaços geográficos diferentes, temporalidades dilaceradas pelas contradições sociais. Ser migrante temporário é viver tais contradições como duplicidade; é ser duas pessoas ao mesmo tempo, cada uma constituída por específicas relações sociais, historicamente definidas; é viver como presente e sonhar como ausente. È ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando, voltar quando está indo. É necessitar quando está saciado. É estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em nenhum. É até mesmo, partir e não chegar nunca (MARTINS, 1988, p. 45). Os migrantes que vieram em busca de uma vida melhor nestas ‘paragens1’ permaneceram. Há os que vieram com a intenção de ficar um determinado tempo e logo voltar para sua terra de origem, seja em busca de emprego, de terras, de uma melhor qualidade de vida ou até mesmo por causa da família. Contudo quando o tempo de permanência é longo as sua práticas culturais que os caracterizavam são reproduzidas já no novo espaço geográfico. Viver em outro lugar, reestruturar relações espaciais e temporais é uma tarefa complexa. A convivência do migrante com os da terra é exercida numa via de mão dupla, na qual o movimento de (des)territorializar e (re)territorializar é constante, variando de acordo com muitas situações específicas. No processo migratório para Rondônia, muitos sulistas se deslocaram para cá por motivos particulares e com eles vieram a cultura e vários hábitos. Ser sulista 1 Lugar em que se para; parada; lugar onde algo ou alguém pode ser encontrado (HOUAISS-3 Dicionário Eletrônico, 2013), este termo também está presente no hino do Estado evidenciando as explorações migratórias que foram colonizadoras de Rondônia. em outro lugar implica em atos, falas e hábitos muito peculiares que evocam uma origem referenciada em um passado, consolidado de domínio coletivo e individual, validando assim a identidade reivindicada, Haesbaert retrata bem essa busca do domínio O jogo territorial desenhado por grande parte desses migrante – embora, obviamente, de modo amplamente diferenciado conforme as classes sociais envolvidas – constitui um emaranhado de redes de múltiplas dimensões que, podemos caracterizar como: redes econômicas, […] redes politico-social […] redes ideológico-culturais (HAESBAERT, 2011, p. 22). Nesta diferenciação observamos a rede-ideológico-cultural, onde evidenciamos que a identidade regional sulista adquiriu prestígio e reconhecimento, pois demarcou um espaço definido como diferente e particular no todo nacional. A discussão acerca do regionalismo é rica e intrincada e também está ligada ao aspecto político. Aqui a noção de regionalismo2 é ampliada, tendo como princípio o fato de que todo ser humano estabelece vínculos com o seu lugar de origem, no qual ele tem suas referências. Existe um certo ‘enraizamento’ territorial, original que impregna o ser dos indivíduos e suas relações, ainda que situações de mobilidade social e deslocamento geográfico ampliem o seu raio de visão e de atuação. A identidade regional do sulista é bem definida, o perfil autoconstruído desse migrante implica ousadia; ele sai para tentar a vida, com sua vontade e recursos próprios. Por mais integrados e permanentes que esses migrantes já se considerem ou afirmem, deixam claro que sua base formadora é que orienta a sua vivência, está radicalmente alicerçada na sua origem, evidenciando-se a associação entre espaço/cultura, pois a identidade sulista é bem característica, desde seu modo de falar, hábito alimentar e arquitetura diferenciada. O lugar de origem e o de adoção são duas coisas distintas. O novo é associado à frente da expansão, à fronteira onde a realidade é mais dinâmica, 2 Regionalismo traduz peculiaridades locais, variações linguísticas e hábitos decorrentes da cultura em uma determinada região. onde tudo está em formação quando da sua vinda pra cá, aqui é o outro, o lugar onde tudo é, e pode ser diferente. O humano fraturado humaniza o mundo por meio da práxis significativa e se mundaniza ao inserir-se na alteridade irredutível do mundo. O imaginário emerge, impregnando, de modo simbológico, o mundo que o rodeia. Por isso, todo símbolo necessita ser decifrado de modo lógico, a fim de entender os sentidos nele implicados, embora nunca se consiga explicar logicamente as potencialidades que ele incorpora (RUIZ, 2003, p. 177). As práxis criadas e constituídas a partir da imigração são apontadas de forma recorrente como um importante diferencial humano e cultural de onde foram primeiramente apreendidas, nesse caso especificamente no Sul do país, particularmente do Rio Grande do Sul onde funcionam como elemento explicador e justificador da migração, os gaúchos têm a descendência alemã ou italiana na maioria. Portanto filhos e descendentes de imigrantes. Na pesquisa realizada com migrantes vindos do Sul para o município de Porto Velho observamos que a naturalidade predominante foi a do Rio Grande do Sul, estando bem equilibrada com os migrantes do estado do Paraná. Já os do estado de Santa Catarina foram poucos. Nota-se que em Santa Catarina não há tantos fatores repulsivos3 como nos outros estados. A importante contribuição que trouxeram por meio de seus conhecimentos e de seu modo de vida, pois beneficiaram os lugares por onde passaram. Em Porto Velho notamos na questão de diferença de gênero por meio dos entrevistados que há uma pequena diferença, pois foram 54% do sexo masculino e 46% do sexo feminino, isso demonstra um certo equilíbrio entre o número de mulheres e homens que aqui residem, podemos constatar com isso que a migração foi familiar, ou seja o homem vinha ou com a família ou mandava buscar depois que já estavam estabelecidos no lugar. Os fatores que fizeram com que os migrantes do Sul saíssem da sua terra de origem foram identificados como: motivos econômicos, aumento 3 Fatores repulsivos são os motivos que levam uma pessoa a sair de sua terra natal em busca de melhores condições de vida. populacional (em alguns lugares não tinham como expandir a área cultivada) e particulares como falta de emprego, falta de terra, entre outros. A desigualdade na distribuição de renda por haver, ainda grande parte da população com técnicas agrícolas e pecuárias primitivas, obtendo um rendimento abaixo do ideal, e com a mecanização das lavouras, leva ao desemprego de muitos sulistas e causando as migrações dos mesmos para outros estados brasileiros, ocasionando também o surgimento dos bóias-frias. Muitos habitantes da Região Sul são estimulados a deixar sua região de origem em busca de melhores oportunidades em outras regiões do país, entre os fatores da saída podem ser destacadas: o fim de terras disponível para ocupação, reconcentração fundiária e introdução de novas técnicas. E como há empregos e mão-de-obra disponível e existência de terras passíveis de ocupação e compra, devido aos baixos preços. As migrações são fatores determinantes para o crescimento territorial, não importa se essa migração é temporária ou permanente ela modifica o lugar em que ocorreu. Nesse processo dinâmico que o indivíduo sofre com a desterritorialização, e ao chegar ao lugar onde residirá ocorre a territorialização, pois há uma parcela de sacrifício e aventura que requer muita garra e coragem de sua parte, pois não é nada fácil deixar seu grupo social, sua família, seus costumes para residir em outro lugar onde as pessoas são desconhecidas e possuem diferentes costumes e crenças. A população do estado de Rondônia é diversificada por ser composta de migrantes oriundos vindo de todas as regiões do país. Como do Nordeste, Sul, Sudeste e outras. Rondônia possui um milhão, quinhentos e três mil, novecentos e vinte oito habitantes (IBGE, 2009), desses a maioria são migrantes, os nativos do Estado são poucos. Através do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), um projeto de colonização desenvolvido pelo governo, o estado recebeu na década de 1970 uma corrente migratória vinda de todas as partes do Brasil, com esperança de melhoria financeira da parte migratória. Com a construção da BR 364, a população cresceu muito devido à facilidade do acesso para outros estados, Rondônia passou a progredir e o crescimento demográfico continuou, os migrantes se expandiram ano após ano povoando a região, formando povoados que hoje são municípios. Construindo uma população rondoniense diversificada. No entanto a busca por terras não é o principal motivo dos migrantes sulistas que se deslocaram para o município de Porto velho. Os migrantes da Região Sul trouxeram muitas influências e destaque no crescimento demográfico, e também influência cultural, seus conhecimentos de técnicas em agricultura, proporcionou para a produção agrícola e pecuária do Estado destaque nacional, constatamos isso ao ver Rondônia entre os maiores produtores da soja. Notamos que entre as pessoas entrevistadas 86% se declararam permanentes no Estado, compartilhando as mesmas culturas e não sentem desejo de voltar para onde nasceram e que suas vidas financeiras melhoraram e estão satisfeitos em escolher Rondônia para fixar moradia. Das pessoas entrevistadas só 14% declararam-se temporárias, residem há pouco mais de 7 meses e 1 ano e meio e desejam voltar para suas localidades de origem. Os que residem há mais de 2 anos já se assumem como permanentes. O que influenciou a vinda esses migrantes do Sul, foram vários fatores, os quais evidenciamos a seguir: dos vinte e oito entrevistados, três indicaram terem vindo ainda crianças junto com a família, por isso não sabem ou ouviram de seus pais motivos variados e quatorze indicaram falta de emprego, um indicou falta de terras, e quinze falaram de outros motivos. Entre os migrantes que responderam por outros motivos, estão os que indicaram transferência militar, motivos religiosos, por terem passado em concurso público vindo assumir o cargo, por motivos particulares uma migrante que não quis se identificar disse: -“Minha mãe veio pra cá fugindo de meu pai, ela queria separar dele e não tinha outro jeito”. São histórias interessantes e emocionantes que cada um quer contar ao ser entrevistado na realização do questionário. Os motivos que levaram a escolher Rondônia e o município de Porto Velho para morar foram, principalmente, as oportunidades que sempre ocorreram no Estado com a disponibilidade de muitos empregos, e melhorias na condição financeira, indicando serem permanentes não pretendendo voltar para o lugar de origem por já terem uma vida financeiramente estabilizada em Rondônia. Notam-se diversas formas de migrações que ocorreram neste Estado, e os principais fatores que levaram os migrantes a saírem do seu lugar de origem foram econômicos, a falta de emprego na sua região tem uma repercussão direta nos movimentos migratórios dos migrantes da Região Sul para o município de Porto Velho. Dentre as mais variadas profissões que os migrantes sulistas exercem aqui na região temos; vários comerciantes, alguns professores, sapateiro profissional, funcionário público, estudante, manicure, nutricionista, auxiliar administrativo, analista de redes de comunicação, soldador, vendedora, médico veterinário, construtor, autônomo, músico e dona de casa, todos esses migrantes entrevistados, na faixa etária entre 20 e 65, anos afirmaram com ênfase que sua condição financeira melhorou em muito após sua vinda para Rondônia. Falam com paixão da sua origem e lembram com saudosismo das ‘coisas’ de sua terra, alegam sentirem falta do clima, comidas, festas e principalmente de seus familiares. Entre os outros elementos que sentem falta deram um destaque para as corridas de cavalos, que é uma manifestação cultural sulista. Em geral se adaptaram aqui introduzindo e adequando ao novo espaço formas de reproduzirem sua cultura. Os migrantes mantém seus laços familiares com os que ficaram no Sul e através de viagens esporádicas amenizam a saudade de sua família e do lugar de onde vieram. Como a letra da música ‘Encontros e Despedidas’ interpretada por Maria Rita, que fala exatamente do sentimento de deixar seu lugar de origem, das angústias que ele sente ao partir e das alegrias do reencontro, fala dessa vida do migrante que não tem um lugar certo. Dessa saudade quando vai visitar suas origens e dessa necessidade de voltar pra ‘nova terra’ que agora é seu lar. O migrante descreve seus sentimentos quando pede notícias, quando fala da visita à família, quando recorda do abraço nos que lá ficaram e da vontade de ir e nunca mais voltar. Um trecho da letra de uma música ilustra com perfeição o saudosismo do migrante. Mande notícias do mundo de lá Diz quem fica Me dê um abraço Venha me apertar Tô chegando [...] Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar[...] (Encontros e Despedidas - Maria Rita, Composição: Milton Nascimento) A vontade de saber como está o lugar que foi deixado, as pessoas que lá ficaram, o sentimento de que mesmo distante há o apego ao que foi deixado, essas pulsões em alguns casos são minimizadas quando colocam em prática o modo como viviam no lugar de origem. Segundo Geertz, “a cultura é um sistema de símbolos e significados, e o homem é um animal que vive preso a essa teia de significados criados por ele mesmo”. Os sulistas, e em particular os gaúchos, possuem hábitos alimentares, costumes, danças, vestimentas e relações sociais que procuram permanentemente expressar, esta atitude é vista nos lares com o modo de alimentação a exemplo do churrasco, da cuca, da bolacha caseira, entre outros, a maneira de compartilhar o chimarrão colocando os assuntos em dia (não é apenas a conversa, perpassa para uni-los como companheiros, amigos conterrâneos que possuem o mesmo hábito), o vanerão, um tipo de dança realizada com entusiasmo em suas festas, a maneira de falar que os identificam onde quer que vão, e outras ações que estão repletas de significados e refletem o comportamento e a maneira peculiar de se expressar e viver. Os hábitos e costumes regionais dos sulistas em geral sejam eles do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se diferem um pouco uns dos outros. Nos três estados destaca-se a culinária feita com pratos do pinhão que é um fruto retirado na semente da Araucária4, cozido ou assado o fruto é uma iguaria que está na mesa dos sulistas, a árvore é de destacada importância cultural, econômica e ambiental da Região Sul. Existem várias “Festas do Pinhão”, realizadas em locais onde há ocorrência da Araucária, principalmente no Paraná e em Santa Catarina. Há também a grande festa inspirada na Oktoberfest de Munique, a sua versão em Blumenau-SC nasceu da vontade do povo em expressar seu amor 4 A araucária (Araucaria angustifolia Kuntze 1898) é a espécie arbórea dominante da floresta ombrófila mista, ocorrendo majoritariamente na Região Sul do Brasil. pela vida e pelas tradições germânicas, todas as tradições alemãs afloram na sua máxima expressão, através da música, da dança, dos belos trajes, da refinada culinária típica e do chope. O que mais se destaca culturalmente no Rio Grande do Sul é o hábito do chimarrão e principalmente o churrasco que já é difundido por todo o Brasil. O churrasco é um prato feito à base de carne temperada somente com sal e assada com a utilização de espetos ou grelhas. Não se tem uma referência exata sobre a verdadeira origem do churrasco, mas presume-se que a partir do domínio do fogo na pré-história, o homem passou a assar carne de caça quando descobriu que o processo a deixava mais macia. Na América do Sul a primeira grande área de criação de gado foi o pampa, extensa região de pastagem natural que compreende parte do território do estado do Rio Grande do Sul no Brasil. Quando os vaqueiros passavam dias nas estradas tocando as boiadas, percebiam que a carne assada era uma refeição de fácil preparo e com o fogo da fogueira eles se aqueciam do frio e foi assim que essa tradição se expandiu, tornando-se um prato nacional e multiplicando as formas de prepará-lo. Cada região do Brasil desenvolveu um tipo diferente de carne assada. No município de Porto Velho/RO existem vários espaços para a prática dessa tradição, um dos modos de evidenciar esta, para os gaúchos ou sulistas foi a instalação de churrascarias, que no inicio foram gerenciadas e tiveram a mão-de-obra exclusivamente dos que vieram daquela região, no entanto em nosso cotidiano houve crescimento econômico possibilitando sua expansão e a contratação de mão-de-obra local, observamos desse modo a geração de empregos na cidade, movimentando a economia e trazendo oportunidades. A primeira imagem associada ao gaúcho são os trajes típicos, paramentados com a bombacha e o lenço. Mas não é a toa, pois onde se juntam três ou mais gaúchos já querem fundar um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) - como se fosse uma decorrência natural, um impulso de reproduzir e perpetuar o regionalismo através das práticas e manifestações culturais do ‘ser’ gaúcho. Como o chimarrão que se toma em ‘rodinhas’, a aglutinação em torno do CTG também é justificada como uma carência que a comunidade tem de participar das coisas do Sul, como uma necessidade natural. Esses momentos de carência e saudade são vivenciados no CTG, que cumpre as suas funções básicas, propiciando e promovendo várias manifestações regionalistas e principalmente a Semana Farroupilha, coisas que no dizer desses migrantes só pode ser apreciadas ali. O vínculo com o CTG torna-se importante a partir da migração, pois é onde eles reforçam suas identidades. Hoje, a associação não é voltada só para os gaúchos, mas também para a sociedade como um todo. Há projetos que envolvem a comunidade onde está sendo realizado também com crianças que não são filhos de gaúchos, nas atividades de dança e festejos em geral, como uma maneira de preservar a cultura e ao mesmo tempo promover a sua expansão. CONSIDERAÇÕES A partir das leituras e do trabalho de campo verificamos que nas migrações sulistas para o espaço rondoniense, esses migrantes não se desligaram completamente da sua cultura e do seu modo de vida, foram muito além da simples preservação dos seus costumes, incorporando todos ou boa parte dos seus hábitos aos modos de vida das pessoas de Porto Velho, enriquecendo a cultura local. Observa-se também uma diferenciação nas migrações ocorridas para Porto Velho, nos outros municípios do Estado a migração teve seu ponto alto com a colonização e distribuição de terras pelo Instituto Nacional de Colonização Agrária - INCRA, sendo este um fator atrativo para as migrações, porém os que para aqui vieram não foram exatamente em busca de terras, afirmaram categoricamente que vieram em busca de melhores condições de vida, em busca de emprego e outros. De modo geral, os migrantes só permanecem num determinado lugar quando conseguem reproduzir os diversos tipos de manifestações culturais nesse novo território ao qual estão tentando se adaptar e se reconhecer como parte integrante desse meio. Quando não ocorre essa identificação aumentam as chances de que esses migrantes retornem ao seu estado de origem ou procurem um novo lugar em outro estado. Os migrantes de vários lugares do Sul do Brasil permitiram-se mesclar em seu modo de vida um novo que os possibilita a viver em Rondônia. REFERÊNCIAS ALMEIDA SILVA, Adnilson de. Territorialidades e Identidade do Coletivo Kawahib da Terra Indígena Uru-eu-Wau-Wau em Rondônia: “Orevaki Are” (Reencontro) dos “Marcadores Territoriais”. Tese de Doutorado: Curitiba/UFPR, 2010. BARBIERI, Alisson Flávio. Mobilidade populacional, meio ambiente e uso da terra em áreas de fronteira: uma abordagem multiescalar. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 24, n. 2, p. 225-246, jul./dez. 2007. 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