O OCASO DE UMA MÁQUINA INDISPENSÁVEL
Milton Magnabosco
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia – CEFET-PR/PPGTE. Psicólogo.
Avenida Sete de setembro, 3165 – Curitiba - Paraná CEP – 80230-901– [email protected] - 41 3262-5046
Maclovia Corrêa da Silva, Dra.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia – CEFET-PR/PPGTE e doutora pela
FAU-USP – Avenida Sete de setembro, 3165 – Curitiba - Paraná CEP – 80230-901
[email protected] – 41 3310-4659
Resumo
Este trabalho apresenta uma breve história dos avanços tecnológicos da máquina de costura que está saindo aos
poucos dos lares, deixando nostalgia para as velhas gerações. Muitos jovens já não a conhecem mais. A ligação
das famílias com esta máquina era tão forte que, no currículo das mães e filhas, o curso de corte e costura era
obrigatório. Singer, o primeiro inventor de uma máquina viável comercialmente, e construtor da marca que levou
seu nome, fez uso das idéias de inovações nos modelos que existiam na sua época, para criar a sua máquina e
patenteá-la. A eletricidade foi o segundo motor que trouxe inovações revolucionárias aos modelos usados na
Revolução Industrial, e a máquina movida à eletricidade foi apresentada na Exposição Universal de Paris. A
terceira incorporação revolucionária está sendo a informática e a internet. A máquina não faz mais parte do
mobiliário dos lares como adorno, e sim como ferramenta de trabalho, possibilitando a muitas famílias o sustento
através do trabalho caseiro ou ainda um reforço significativo no aumento da renda familiar. As inovações atuais
chegam antes às máquinas industriais computadorizadas, fazendo parte de um segmento que demanda cada vez
mais por novas inovações tecnológicas.
Palavras Chave: tecnologia, evolução tecnológica, máquina de costura, Singer.
Abstract
This text presents a short history of the technological advances of the sewing machine which is going out homes
little by little leaving generations in the blues. Many young people don’t know it anymore. The family
attachment with this machine was so strong that, in the mothers and daughters school boards the cut and sewing
course was compulsory. Singer, the first inventor of a commercial and viable machine, and builder of the mark
that took his name, made use of the innovation ideas in the models that existed at his time, to create his own
machine and to patent it. The electricity was the second engine that brought revolutionary innovations to the
used modes in the Industrial Revolution, and the electric machine was exposed in Paris Universal Exposition.
The third revolutionary incorporation is now the computer and the web. The machine doesn’t belong anymore to
the home furniture as ornament, but is a work tool, making possible to many families an additional money
supply with home works. The actual innovations arrived before to the computer industrial machine, and it is part
of the segment that demands more and more news technological innovations.
Keywords: technology, technology evolution, sewing machine, Singer.
Máquina de costura, um objeto tecnológico
A máquina de costura faz parte da história de nossas famílias. No início do século
passado, este objeto era o presente ideal que as jovens esposas ganhavam dos seus pais
quando se casavam. Era uma máquina marca Singer com acionamento de pedal, um modelo
simples que fazia costuras retas apenas. Por ser um modelo antigo, esta é a única
possibilidade. As inovações, como pregar botões, zíper, costuras curvas, só foram
incorporadas bem mais tarde. Nossas roupas de criança, uniformes escolares e todos os
consertos necessários, especialmente os derivados de traquinagens foram feitos nesta
máquina, isto “costura” nossa própria história afetiva com este objeto que hoje, relegado a um
canto da casa, é um testemunho da evolução da técnica e da tecnologia que nos acompanha e
nos constrói. Muitas de nossas irmãs mais velhas e nossas tias, quando prestes a casar também
ganharam a sua máquina de costura e também fizeram o curso de “Corte e Costura” no SESI,
para a época uma necessidade. Porém mesmo esta tradição se perdeu com o passar do tempo.
A máquina de costura e a própria costura manual são elementos românticos de
muitas obras literárias e artísticas onde as jovens são retratadas nos seus momentos de
aprendizagem de costura e bordado considerando ser esta uma atividade inerente à mulher, ao
ser feminino. As moças deveriam aprender a costurar, isto garantiria um bom casamento, era
como um pré-requisito tanto quanto saber cozinhar. Em nossas lembranças de infância,
recordamos de nossas mães costurando na máquina enquanto brincávamos ou fazíamos nossas
atividades escolares. A rotina de costurar e experimentar para ver como ficou também visita
nossas lembranças, e a recordação de uma roupa nova ou um conserto necessário traz hoje a
nostalgia de um tempo não tão distante em que a máquina fazia parte da própria família como
um bem muito caro, em ambos os sentidos. Caro afetivamente e financeiramente porém a sua
utilidade sempre foi frisada como absolutamente essencial.
A máquina de costura na indústria
“Um antigo provérbio latino diz que "A necessidade é a mãe da invenção", mas a
invenção da máquina de costura foi uma exceção à regra, pois não surgiu para preencher um
desejo reconhecido. A máquina de costura nasceu do espírito inventivo de sua época e criou
um desejo que preencheu. Nem demanda popular, nem qualquer necessidade premente,
mesmo que limitada, encontra-se registrada como solicitação de uma máquina de costura. As
pálpebras pesavam com a costura até a meia-noite, mas nunca uma mulher pediu chorando:
"Dê-me uma máquina de costura". (Singer Erechim)1
A idéia de uma máquina de costura que produzisse roupas em maior quantidade
para o comércio nascente proporcionado pela Revolução Industrial começa a surgir em 1760 e
os primeiros modelos patenteados por inventores datam desta época. No caminho de
“substituição da habilidade e esforços humanos pelas máquinas – rápidas, constantes, precisas
e incansáveis”. (Landes, 1994)2 Todos os modelos que foram registrados não tiveram sucesso
pois não eram práticos.
Os teares e a fabricação de tecidos foram os motores da Revolução Industrial e a idéia
da costura automatizada nasce no seu rastro. Um mecânico chamado Isaac Merrit Singer
(1811-1875) que também era ator e inventor, em visita a oficina do Sr. Orson Phelps
conheceu um modelo de máquina de costura lá construída e funcionando. O Sr. Singer
interessou-se pelo modelo e estudou seu funcionamento cuidadosamente. Suas observações
renderam modificações substanciais no modelo existente e em onze dias estava construída
uma máquina muito mais eficiente do que aquela que antes ali estava.
Singer solicitou a patente da sua máquina de costura em 1851. E até aos 63 anos de
idade, quando morreu (1875), tratou de melhorar o seu invento. A invenção libertou a mulher
em todos os pontos do globo de uma atividade custosa em termos de tempo, custos, desgaste
físico e possibilitou o avanço da indústria da confecção. A máquina de costura passou a ser o
objeto de desejo de toda a mulher.
Jonh Merrit Singer nasceu em Pittstown , Nova York em 27 de outubro de 1811.
Com a separação de seus pais em 1821, Singer foi morar com o irmão em Oswego, NY, onde
aprendeu o ofício de aprendiz de maquinista. Criou e patenteou uma máquina de furar rochas
vendidas a U$ 2000,00 cada. Encantou-se pelo teatro e vagou pelos Estados Unidos como ator
por 9 anos fundando uma companhia com o dinheiro da venda das máquinas perfuradoras.
Com a falência da sua companhia de teatro voltou a trabalhar em consertos de máquinas. Lá,
uma máquina de costura de Lerow & Blodget chegou para conserto e Singer foi convidado a
1
2
Singer Erechim, disponível no endereço http://singererechim.tripod.com/id9.html sem indicação de autor.
LANDES, D. Prometeu Desacorrentado, pág. 49.
melhora-la. Foi assim que construiu a sua primeira máquina de costura em 11 dias, inovando
ao tornar sua máquina capaz de fazer o ponto contínuo. Obteve a patente desta máquina e
fundou a I. M. Singer & Company. Por usar uma agulha simples com olho na ponta e o
interruptor de fechamento desenvolvidos por Howe, o único fabricante de máquinas de
costura patenteada de então, “foi processado e foi condenado a pagar U$ 15000,00 e mais
algum dinheiro por cada máquina vendida a Huwe” e liberar a patente da sua máquina para
produção em série. Morreu em 1875, na Inglaterra. (Encyclopédie Britannica)3
No Brasil a história da Singer começa em 1858 com a abertura do primeiro ponto
de venda de máquinas na Rua do Ouvidor, número 117. A autorização formal para a Singer
funcionar no Brasil veio trinta anos depois com a Princesa Isabel através do decreto 9.996. O
escritório central continuou no Rio de Janeiro e foram abertas várias filiais em Niterói,
Campos, São Paulo, Salvador, Recife e Pelotas, no Rio Grande do Sul. Também veio junto
com a Singer a venda a crédito, com pagamentos semanais de um mil réis e foi assim também
que se firmou no Brasil.
Em 22 de agosto de 1905 a empresa obteve o registro definitivo para operar no
Brasil e em 1913 comemorou o recorde de ter comercializado em todo o mundo três milhões
de máquinas de costura. A expansão no Brasil prosseguia a passos largos e em 1950 a
empresa adquiriu no Rio de Janeiro uma tradicional fazenda, a Fazenda Palmeiras, com 300
alqueires localizados no bairro de Viracopos, no município de Campinas para a instalação de
sua primeira fábrica na América Latina.
Em 1951, a comemoração dos 100 anos de existência da fábrica fundada pelo
pioneiro Isaac Merrit Singer, foi coroada com a construção da primeira fábrica da América
Latina, no Brasil, inaugurada a 14 de maio de 1955. O crescimento da indústria foi muito
rápido e em 1958, três anos após a sua inauguração, exportava o primeiro lote de 200
máquinas de costura Singer para o Chile. O desenvolvimento de novos produtos e a
incorporação de novas tecnologias nas antigas máquinas exigiam novas instalações. Em 1968,
em Indaiatuba foi criada a fábrica de agulhas e a Singer do Nordeste, em Juazeiro do Norte,
no Ceará, inaugurada em 1997, na esteira dos programas governamentais de incentivo a
implantação de indústrias fora dos pólos do centro do país.
O desenvolvimento tecnológico
“A máquina de costura tirou dos ombros de incontáveis milhões o trabalho
enfadonho de costurar a mão e tornou disponíveis, a outros incontáveis milhões, mais e
melhores roupas por apenas uma fração daquilo que custava antes de ter sido inventada. Dia e
noite, homens e mulheres em toda a parte do mundo vestem e usam artigos feitos com a
máquina de costura, seja doméstica ou industrial. A máquina de costura aumentou os guardaroupas, tornou possível a produção em massa de inúmeros produtos e emancipou mulheres de
todos os países, como nada mais o fez na história.” (Singer Erechim)4
Esta história mostra que a invenção desta máquina foi um processo de
incorporação de técnicas e desenvolvimento do produto pois esta história começa nos dizendo
que ninguém foi dono da primeira máquina construída mas que ela foi o produto de uma série
de pequenos passos e incorporações. “A nenhuma pessoa isolada poderá, de pleno direito, ser
dado o crédito total pela invenção da máquina de costura”. (Singer Erechim)5
3
Encyclopédie Britannica, em http://www.geocities.com/takomacan/pionniers/singerfr.html.
Singer Erechim, disponível em http://singererechim.tripod.com/id9.html.
5
Idem.
4
A primeira máquina de costura desenvolvida por Singer.
A Inovação Tecnológica
A Revolução Industrial que acontecia na Inglaterra demandava a automação do
trabalho. Aliado a esta demanda, a rica sociedade inglesa era consumista. “Os ingleses tinham
a reputação de usar calçados de couro. Vestiam-se de lã enquanto os camponeses franceses ou
alemães amiúde tremiam de frio em trajes de linho” e “os pobres podiam usar e de fato
usavam o mesmo tipo de casaco que os ricos” (Landes, 1994)6
O ponto máximo da máquina de costura Singer foi a apresentação da máquina
elétrica na exposição universal de Paris. A exposição universal de Paris de 1855 trouxe a
grande novidade das máquinas em movimento, ao contrário da pioneira exposição de Londres
“onde as máquinas se encontravam dispersas, a exposição de Paris as apresentava
concentradas e - o que se convertia em atração sem par – em funcionamento” (Pesavento, S.J.
1997)7. E também foi a exposição universal de Paris que apresentou a eletricidade como a
nova e revolucionária fonte de energia.
Na esteira das máquinas de costura surgiram as máquinas de bordado e máquinas
especiais para patchwork. Também os overloques, máquinas de costura diferenciadas que
trabalham com duas agulhas e que cortam o tecido junto. Basicamente de uso industrial, os
overloques hoje equipam milhares de oficinas caseiras de roupas e malharias. De grande
aceitação popular no Brasil foram os cursos de corte e costura, propiciados especialmente
pelos SESI e SENAC, criados no país no governo populista de Getúlio Vargas. Criados pelos
órgãos classistas comerciais e industriais com auxílio do governo, voltados a fornecer cursos
profissionalizantes para os a especilaização da mão de obra também se destinou a propiciar
cursos de corte e costura para donas de casa.
As inovações significativas na máquina de costura voltam a acontecer com o
advento da automação e da informática. A tecnologia embarcada, dotação de componentes
eletrônicos à máquinas de usos específicos, começa a partir de 1970. A tecnologia LSI (Larg
Scale Integration) dos computadores, que concentra milhares de transistores em uma pastilha
de silício permitindo a miniaturização e alocação desta tecnologia nos eletrodomésticos.
6
7
Idem, pág 56 e 59.
PESAVENTO, S.J. Exposições Universais pág. 88.
Apesar de toda a nova tecnologia que está sendo incorporada, um fato permanece
constante: o design da máquina não mudou desde o seu nascimento. Parece que os primeiros
construtores de onde Singer retirou o seu modelo, acertaram desde o primeiro modelo na
estruturação da forma física que hoje chamamos design.
Porém, uma nova revolução pode estar a caminho com máquinas que não mais
utilizam linhas e agulhas, mas cola. A indústria da confecção apresentou em 2003, para a
coleção de roupas de verão, roupas produzidas sem costura, vendendo como benefício o
conforto que a ausência de dobras e costuras no tecido fornece ao usuário. Esta pode ser a
tecnologia do futuro e talvez nossas mães e avós terão que aposentar definitivamente as suas
máquinas de costura Singer.
Moderníssima máquina que utiliza colagem de tecidos ao invés de costura com
linhas e agulhas. A máquina corta e cola as junções não deixando marcas de costura na roupa.
Considerações finais
Independentemente do que nos reserva o futuro, a máquina de costura teve o seu
percurso e tem seu lugar muito bem marcado nas nossas histórias afetivas e em especial nas
artes. "Depois do arado, esta máquina de costura é talvez o instrumento mais abençoado da
humanidade", escreveu Lois Antoine Godey, em 1856. Mahatma Gandhi, o líder hindu,
enquanto estava na prisão, aprendeu a costurar em uma máquina SINGER e mais tarde
isentou-a em sua interdição sobre o maquinário ocidental. "Ela é uma das poucas coisas úteis
já inventadas", disse ele. (Singer Erechim)8
8
Singer Erechim. Disponível em http://singererechim.tripod.com/id9.html.
Bibliografia
FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira,
Rio de Janeiro, RJ, 1986. Verbete Tecnologia.
GAMA, R. A Tecnologia e o Trabalho na História. Editora Nobel, São Paulo, SP, 1987.
LANDES, D. Prometeu Desacorrentado. Editora Nova Fronteira, São Paulo, SP, 1994.
PESAVENTO, S. J. Exposições Universais – Espetáculos da Modernidade do Século XIX.
Editora Hucitec, São Paulo, SP, 1997.
Internet
Singer Erechim. Sem indicação de autor e sem citação de data, disponível no endereço :
http://singererechim.tripod.com/id9.html, acesso em 03/09/2004.
CATELANI, R. M. Moda Ilustrada de A a Z. Citação sem indicação de data, disponível no
endereço http://www.fashionteen.hpg.ig.com.br/xvii.html acesso em 04/09/2004.
Encyclopédie Britannica. Verbete Singer, biografias. Disponível em francês no site
http://www.geocities.com/takomacan/pionniers/singerfr.html sem indicação de autor e data,
acesso em 04/09/2004.
Download

o caso de uma máquina indispensável publicado em 2005