ESTUDOS EM DESENVOLVIMENTO MOTOR DA CRIANÇA (PP. 151-158)
DAVID CATELA & JOÃO BARREIROS (EDS.)
A invariância do género na estrutura
multidimensional do AHEMD (affordances in the home
environment for motor development)
Luís Paulo Rodrigues1, Carl Gabbard2
1
Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Portugal
2
Texas A&M University, EUA
Resumo
O AHEMD, (Affordances in the Home Environment for Motor Development), fruto
da colaboração entre os laboratórios de desenvolvimento motor do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo e da Texas A&M University (EUA), é um
instrumento adequado à idade das crianças e que permite uma avaliação simples,
rápida, e eficaz das oportunidades (affordances) para o desenvolvimento motor na
casa de família. A possibilidade do AHEMD poder ser utilizado indistintamente por
famílias com crianças de ambos os sexos, é uma das preocupações e objectivos
deste projecto. Neste artigo apresentamos um estudo piloto para testar
formalmente se a sensibilidade estrutural do AHEMD e as suas propostas de
classificações, resistem à prova da avaliação de casas habitadas por crianças de
sexo diferente (199 de rapazes e 165 de raparigas).
Os resultados encontrados permitem-nos inferir da invariância do modelo
estrutural e de medida do AHEMD entre estes dois grupos, bem como obter sinais
bastante positivos da sua sensibilidade (quanto ao género da criança) na avaliação
das affordances motoras. Casas de rapazes e raparigas apresentam pequenas
diferenças
nos
perfis
médios
das
affordances
motoras,
provavelmente
influenciadas pela esteoriotipia das decisões famiiares quanto ao género dos
filhos, no entanto mantêm um tipo idêntico de organização dessas mesmas
affordances na casa, o que potencia a utilização do AHEMD, independentemente
do género da criança que nela habita.
Palavras-chave
AHEMD; diferenças sexo; avaliação; affordances; invariância
A estimulação precoce e regular que o ambiente da casa familiar proporciona às
crianças jovens tem provado vezes sem conta a sua importância na modelação do
desenvolvimento motor infantil (e.g., Abbott et al., 2000; Cintas, 1988; Parks &
Bradley, 1991). Neste contexto, a quantidade e qualidade das oportunidades
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A INVARIÂNCIA DO GÉNERO NA ESTRUTURA MULTIDIMENSIONAL DO AHEMD (AFFORDANCES IN THE HOME ENVIRONMENT
FOR MOTOR DEVELOPMENT)
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(affordances) motoras revestem-se da maior importância no espaço-tempo de
desenvolvimento da criança. Embora a interpretação do termo affordances possa ser
algo diversa, aquela a que nos referimos é de uma natureza mais geral. Affordances
são oportunidades que conferem ao indivíduo potenciais desafios para a acção, e
consequentemente para o desenvolvimento de uma habilidade ou de parte do sistema
biológico (Heft, 1997; Stoffregen, 2000), podendo ser potenciadas por objectos,
eventos, ou locais. Espaços, materiais, variedades e práticas de interacções com pares
e familiares, liberdade de movimentos e acção, constituem algumas das características
de oportunidades presentes no dia a dia da criança, e sofrem seguramente alterações
de família para família. Nas decisões (mais ou menos voluntárias) das famílias quanto
às formas de provisão das affordances motoras no seu ambiente familiar, pesam
concerteza questões como o estatuto socio-económico das famílias, o nível de
habilitação académica as práticas culturais do grupo social em que se integram, os
estilos (e as modas de estilos) parentais, e os estereótipos e/ou as práticas sociais
diferenciadas de diversa natureza. Entre elas, a diferenciação entre géneros é
provavelmente uma das mais relevantes. Apesar da interessante discussão travada na
comunidade científica entre as origens mais biológicas e/ou mais sociais que estão na
origem da diferenciação destes comportamentos, certo é que os interesses,
brincadeiras e as práticas motoras das crianças se diferenciam grandemente (e desde
muito cedo) segundo o género a que pertencem. Por exemplo, desde os nove meses de
idade crianças demonstram preferirem brinquedos congruentes com o seu género:
rapazes escolhem carros, bolas, comboios, volantes e cubos, enquanto meninas
preferem boneca, panelas, vassourinhas, ou aparelhos de cozinha (Campbell, Shirley &
Heywood, 2000; Eisenberg, Murray, & Hite, 1982; Iijima, Arisaka, Minamoto, & Arai,
2001). Também relativamente aos níveis de actividade, e numa meta-análise realizada
com 46 estudos que comparam crianças dos dois sexos durante o primeiro ano de
idade, Campbell e Eaton (1999) concluíram que o rapaz médio demonstra um nível
mais elevado de actividade que o das raparigas (tamanho do efeito de 0.12).
O projecto AHEMD (Affordances in the Home Environment for Motor
Development) foi desenvolvido a partir da colaboração entre os laboratórios de
desenvolvimento motor do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e da Texas A&M
University (EUA), com vista à elaboração de um instrumento adequado à idade das
crianças e que permite uma avaliação simples, rápida, e eficaz das oportunidades
(affordances) para o desenvolvimento motor na casa de família. Elaborado sob a forma
de questionário a responder pelos pais ou familiares, a versão inicialmente testada (18
aos 42 meses) é constituída por uma parte inicial sobre a identificação da criança e
família, e por 67 questões específicas sobre as affordances presentes na casa
(Rodrigues, Saraiva & Gabbard, 2005; Rodrigues, 2005).
Os resultados encontrados no estudo de validação do instrumento permitiramnos identificar uma estrutura bem marcada da organização das oportunidades de
estimulação motora na casa de família em cinco grandes grupos de affordances
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motoras: Espaço Exterior, Espaço Interior, Variedade de Estimulação, Materiais de
Motricidade Fina, e Materiais de Motricidade Grosseira (figura 1). Estes grupos
característicos das oportunidades de estimulação motora proporcionadas à criança
foram utilizados como identificadores das sub-escalas do instrumento. Para cada uma
destas sub-escalas, bem como para o valor total do AHEMD, foram utilizados os
respectivos resultados para a construção de uma tabela de classificação (ver
Rodrigues, 2005).
Figura 1. Diagrama da validação estrutural do AHEMD.
Uma das principais preocupações na construção deste instrumento, teve a ver
com a possibilidade de ser utilizado indistintamente por famílias com crianças de
ambos os sexos, dada a possibilidade real de este poder influenciar as decisões da
família e os comportamentos das crianças. Este desiderato reveste-se ainda de maior
importância visto que o fornecimento de informaçao relevante no domínio das boas
práticas é também um dos objectivos fundamentais do projecto AHEMD.
De forma a poder responder a estas preocupações, procurou-se aquando dos
passos iniciais de construção do instrumento (revisão bibliográfica, consultas ao painel
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de especialistas, e testagem piloto) (Rodrigues, 2005) e que os conjuntos de
affordances e os items, questões e exemplos fornecidos no texto do questionário
fossem equilibrados e completos do ponto de vista da especificidade de género (por
exemplo, são apresentadas figuras e equipamentos de bonecas típicas para meninas,
bem como de figuras de acção usualmente mais destinadas a rapazes).
É precisamente a testagem formal desta particularidade que nos propomos levar
a cabo nesta ocasião, verificando se a sensibilidade estrutural do AHEMD e as suas
propostas de classificações, resistem à prova da avaliação de casas habitadas por
crianças de sexo diferente.
Metodologia
Com a finalidade de verificar a independência formal do AHEMD quanto ao
efeito do género recorremos à testagem da invariância da estrutura factorial do
instrumento (Byrne, 1994) entre casas com rapazes e casas com raparigas. Comprovada
nas suas diversas componentes (modelo de medida e estrutural) procedemos à
comparação entre sexos quanto aos valores obtidos no AHEMD, o que nos forneceu
informação sobre a hipótese de diferenciação da provisão de affordances segundo o
género da criança.
A amostra foi constituída por dois grupos de famílias com crianças entre os 18 e
os 42 meses de idade (199 de rapazes e 165 de raparigas), a cujos pais foi solicitado o
preenchimento do questionário AHEMD.
De acordo com os procedimentos sugeridos por Jöreskog (1993) e Byrne (1994),
os resultados de cada grupo foi testado de acordo com o modelo anteriormente
proposto aquando da validação do AHEMD e que estabelecia uma relação específica de
cada item para cada um dos cinco factores, e a existência de correlações entre eles
(modelo de baseline). De seguida, a invariância relativa ao modelo de medida foi
testada conjuntamente nos dois grupos (stack model), de acordo com as relações itemfactor atribuídas no modelo inicial do AHEMD. Por último, os parâmetros estruturais
estabelecidos para o grupo dos rapazes (loadings e correlações entre factores) foi
imposto ao das raparigas, de forma a verificar se existem diferenças entre estes
elementos (invariância de estrutura). A adequação dos resultados foi testada pelos
indicadores de ajustamento global dos modelos [non normed fit index (NNFI),
comparative fit index (CFI), e root mean square error of aproximation (RMSEA)], e
pela expressão das diferenças entre os coeficientes (loadings e correlações) segundo o
χ2 do LMTEST (lagrange multiplier test) para cada par de coeficiente que foi
constrangido à igualdade. Todos os testes foram realizados no software estatístico EQS
6.1.
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A comparação entre os valores obtidos no AHEMD foi realizada utilizando os
valores estandardizados (escalas e total) através do teste t de student para amostras
independentes, no software SPSS 12.0.
Resultados
Avaliação da invariância dos modelos.
Quando sujeitamos cada um dos dois grupos de forma separada ao mesmo
modelo factorial que foi originalmente estabelecido para o AHEMD, verificamos que o
ajustamento de cada um deles (valores de baseline na tabela 1) era bastante bom.
Para além disso, todos os coeficientes de correlação entre os factores latentes foram
significativos, e os coeficientes item-factor revelaram valores altos (acima de 0,44) e
significativos. Estes resultados são comprovados quando testamos os dois grupos em
conjunto (invâriancia de medida) e encontramos valores que indicam um bom
ajustamento conjunto ao modelo especificado.
No passo seguinte foi testada a invariância da estrutura, constrangendo todos os
coeficientes (item-factor e factor-factor) do grupo das raparigas ao valor do grupo de
rapazes. Os resultados do ajustamento global conservaram-se bons (ver tabela 1) e a
examinação dos valores de χ2 LM para cada par de coeficientes estandardizados de
carregamento (loadings), resultou na confirmação da hipótese da igualdade dos seus
valores entre os dois grupos.
Tabela 1. Valores de ajustamento globais dos modelos testados.
χ2
p
NNFI
CFI
RMSEA
Rapazes
268,37 (163 gl)
0,000
0,90
0,91
0,057
Raparigas
242,92 (163 gl)
0,000
0,90
0,92
0,055
Invariância medida
511,30 (326 gl)
0,000
0,90
0,91
-
Invariância estrutura
539,55 (353 gl)
0,000
0,91
0,91
-
Baseline
Classificações do AHEMD.
Quando comparamos (tabela 2) as classificações obtidas nas cinco escalas e no
valor total do AHEMD verificamos que existe (apesar de não significativa
estatísticamente) uma ligeiríssima vantagem média na provisão de affordances
motoras nas casas com rapazes, relativamente às das raparigas.
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Tabela 2. Média (M) e desvio-padrão (DP) dos resultados nas cinco escalas de
classificação e no AHEMD total, segundo o género da criança.
Masculino
Escalas
Feminino
M ± DP
M ± DP
Espaço Exterior
2,2 ± 2
2,0 ± 1,9
Espaço Interior
8,1 ± 1,6
8,0 ± 1,7
Variedade de Estimulação
12,3 ± 1,9
12,2 ± 1,9
Brinquedos Motricidade Fina
52,5 ± 21,3
49,7 ± 18,9
Brinquedos Motricidade Grosseira
22,3 ± 10,4
20,5 ± 10,5
12,5 ± 3,6
11,7 ± 3,4
AHEMD total
Na perscrutação das hipotéticas diferenças relativamente às vinte variáveis que
são avaliadas nas casas familiares, e dada as diferentes amplitudes das suas escalas,
transformamos todas elas em Zscores. Na figura 2 podemos visualizar as diferenças
entre os resultados médios das casas dos rapazes e raparigas (ordenados de forma
ascendente para os resultados dos rapazes). Detectam-se assim, de forma mais
evidente, algumas das diferenças [embora só se tenha obtido evidência significativa
em três das variáveis: e.g. liberdade de movimentos (p=0.040), puzzles (p=0.026), e
materiais manipulativos grosseiros (p=0.004)] entre as provisões de affordances
motoras nas casas.
0,2
Masc
0,15
Fem
0,1
Zscore
0,05
0
-0,05
-0,1
-0,15
Puzzles
Manipulativos
Act. Diárias
Construção
Musicais
Locomotores
Materiais IN
Espaço IN
Materiais EX
Faz-de-conta
Superfícies EX
Jogos
Estimulação
Outros
Educativos
Exploração
Espaço Jogo
Incentivo
Superfície IN
Liberdade
-0,2
Figura 2. Perfil médio em Zscores das variáveis do AHEMD em casas de rapazes e
raparigas.
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Conclusões
O AHEMD revelou invariância de medida e estrutural na organização das
affordances motoras independentemente de elas pertencerem a crianças do sexo
masculino ou feminino. Esta é uma conclusão importante do ponto de vista da
utilidade e validação do instrumento, já que permite concluir pela não existência de
qualquer enviezamento do instrumento derivado da diferenciação de género.
Relembre-se que as propriedades testadas neste ponto se referem à forma como estão
estruturadas, e portanto se correlacionam, os diferentes atributos (grupos de
affordances) na casa, dando assim indicação das decisões dos pais e da sua
consistência aquando das escolhas da organização da sua casa e na provisão de
materiais, não fornecendo contudo qualquer indicação quanto à quantidade das
affordances.
Por outro lado, a possibilidade de se encontrarem perfis diferenciados nos
valores das affordances (número e tipologia) entre as casas dos rapazes e das
raparigas, leva-nos ainda a concluir da sensibilidade do instrumento na detecção das
diferenças (esperadas) derivadas da especificidade associada ao género. Apesar de
manterem uma estrutura relacional idêntica das oportunidades motoras (o que
possibilita utilizar o mesmo instrumento para a sua avaliação), casas de rapazes e
raparigas apresentam pequenas diferenças nos perfis médios das affordances,
provavelmente influenciadas pela esteoriotipia das decisões familiares quanto ao
género dos filhos.
As conclusões deste estudo piloto precisam de ser mais detalhadas e
circunstanciadas no futuro. Amostras mais robustas no seu tamanho e mais
heterogéneas na constituição (abrangendo maior amplitude nos valores extremos)
necessitam ser analisadas para que se possa concluir acerca das facetas do AHEMD
como instrumento útil à investigação e às boas práticas.
Referências
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A INVARIÂNCIA DO GÉNERO NA ESTRUTURA MULTIDIMENSIONAL DO AHEMD (AFFORDANCES IN THE HOME ENVIRONMENT
FOR MOTOR DEVELOPMENT)
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Texas A&M University, USA.
Rodrigues, L., Saraiva, L. & Gabbard, C. (2005). Development and structural validation of an
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Research Quarterly for Exercise and Sport, 76, 140-148.
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