A DIFÍCIL PROTEÇÃO DAS FUTURAS GERAÇÕES:
REFLEXÕES SOBRE A CRISE AMBIENTAL1
MARIANA VICENTE NÍQUEL
Orientadora:
Professora Caroline Vieira Ruschel
RESUMO
Nas últimas décadas, o mundo vem registrando um estado de profunda crise mundial, que é
verdadeiramente complexo. É uma crise que engloba diversas dimensões, afetando todos os
aspectos da vida do homem – a saúde e o modo de vida, a qualidade ambiental, as relações sociais,
a economia, a tecnologia e a política – demonstrando que, pela primeira vez, a humanidade se
defronta com a sua real ameaça de extinção. O presente trabalho visa apresentar um estudo sobre a
dificuldade da proteção das futuras gerações, sujeitos de direito, na construção do Estado de Direito
Ambiental. Para tanto, serão abordadas as noções de transdisciplinaridade e eqüidade
intergeracional, propondo uma perspectiva antropocêntrica alargada.
Palavras-chave: Direito Ambiental 1. Futuras Gerações 2. Crise de paradigma 3. Ética Ambiental 4.
Eqüidade intergeracional 5. Antropocentrismo alargado 6.
ABSTRACT
In the last decades, the world comes registering a state of deep world-wide crisis, that is truily
complex. It is a crisis that involves diverse dimensions, affecting all the aspects of man’s life - the
health and the way of life, the environmental quality, the social relations, the economy, the technology
and the politics - demonstrating that, for the first time, the humanity is come across with its real threat
of extinguishing. The present work aims at to present a study about the difficulty of the future
generations protection, right citizens, in the construction of the Environmental Law State. For in such a
way, the slight knowledge of transdisciplinarity and intergenerational equity will be boarded,
considering a widened anthropocentric perspective.
1
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, perante a Banca
Examinadora composta pela professora Caroline Vieira Ruschel (orientadora), professor Orci Bretanha e
professor Cláudio Prezza, em 07 de dezembro de 2007.
INTRODUÇÃO
A partir da década de 70, o mundo vem registrando um estado de
profunda crise mundial, que é verdadeiramente complexo. É uma crise que engloba
diversas dimensões, afetando todos os aspectos da vida do homem – a saúde e o
modo de vida, a qualidade ambiental, as relações sociais, a economia, a tecnologia
e a política – demonstrando que, pela primeira vez, a humanidade se defronta com a
sua real ameaça de extinção.
A ciência moderna, ao reduzir a natureza à matéria-prima, bem
como o progresso econômico e tecnológico, ao deixar de contabilizar suas
externalidades negativas, promove a ruptura ontológica entre o homem e a natureza,
da qual faz parte. O homem se desnaturaliza e a natureza se desumaniza, sendo
concedido ao primeiro um poder arbitrário sobre a segunda, despido de qualquer
fundamento ético e desinteressado de tutelar o patrimônio comum da humanidade.
O presente trabalho, dentro de suas limitações, utilizando-se de
uma abordagem dialética e de pesquisa, essencialmente, doutrinária, visa ao estudo
da difícil proteção das futuras gerações, uma vez que, o pacto de harmonia do
homem com a natureza tem se tornado cada vez mais distante. O mito do progresso
mal compreendido impede a formação do modelo de Estado de Direito Ambiental,
porquanto os interesses econômicos, tanto no sistema produtivo quanto na
mentalidade da sociedade de consumo, que se complementam, dificultam a
implementação dos ideais de proteção ambiental.
Sendo
o
futuro
desconhecido,
a
formação
de
vínculos
intergeracionais depende da aceitação de incertezas nos processos de tomada de
decisão, características da Sociedade de Risco em que se vive. E o Direito
Ambiental, como um direito portador de uma mensagem, revela a importância da
transdisciplinaridade, bem como de um discurso ecológico em busca do
desenvolvimento sustentável.
Na primeira parte do trabalho, “A CIÊNCIA JURÍDICA E O BEM
AMBIENTAL”, será feita uma síntese sobre a crise da ciência, por fragmentar cada
vez mais o conhecimento, bem como uma análise das transições do Estado
Absolutista para o Estado Liberal, e deste para o Estado Social, buscando
esclarecer que a civilização tem seus interesses definidos pela época em que se
insere,
conforme
as
práticas
que
lhes
são
apresentadas.
Ou
seja,
no
desenvolvimento do Direito, há uma constante adaptação das regras de proteção,
bem como do nível de importância de cada bem jurídico em relação aos demais.
Dessa forma, restará claro que os ideais da Revolução Francesa –
liberdade, igualdade e fraternidade – foram enunciados inclusive em sua seqüência
histórica de gradativa institucionalização. Na evolução dos valores juridicamente
tutelados, os direitos de primeira dimensão (como a vida, a segurança pessoal e o
direito de expressão) possuem caráter eminentemente de cunho individualista,
podendo, inclusive, ser caracterizados como direitos de resistência do indivíduo
perante o Poder constituído, provenientes das primeiras reivindicações burguesas.
Já os direitos de segunda dimensão (como o direito de greve, férias, repouso
semanal remunerado e garantia de salário mínimo) possuem cunho de
institucionalização dos direitos fundamentais, em face de reclamações da classe
operária, principalmente. Por fim, os mais importantes na pesquisa elaborada, os
direitos de terceira dimensão (em se enquadra o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado) têm por destinação primordial a proteção do gênero
humano, de forma a serem universalmente efetivados, distinguindo-se dos demais
em razão de possuírem titularidade coletiva, ou seja, constituem interesses
transindividuais.
Ainda na primeira parte do trabalho, explicar-se-á o surgimento do
Direito Ambiental, por meio de sua forma administrativa, verificando-se que o direito
positivo geralmente afigurou-se baseado nos conflitos de direito individual, o que,
principalmente, durante a revolução tecnológica pela qual passamos, demonstrou-se
insuficiente, porquanto constatado que os grandes temas de conflitos de interesses,
especialmente quando envolvido o bem ambiental, estão adaptados ao contexto
coletivo. Ademais, restará demonstrado que a cultura de consumo dificulta a
conscientização da população com relação à escolha pela proteção do meio
ambiente em detrimento de confortos e valores burgueses, fazendo-se necessária,
ao final do capítulo I, uma breve observação quanto aos princípios norteadores do
Direito Ambiental, que almejam a compatibilização de interesses em busca da
sustentabilidade, tanto pelo Poder Público como pela coletividade.
Na segunda parte do trabalho, “O ANTROPOCENTRISMO
ALARGADO NA SOCIEDADE DE RISCO”, retomar-se-á a questão da transição do
estado mínimo para o estado intervencionista, em face dos abusos que viessem a
degradar a qualidade ambiental, tendo em vista a concepção extremamente
individualista gerada pelo capitalismo, mediante uma análise dos obstáculos e das
crises do modelo do wellfare state, principalmente. Será apresentada, ainda, a
dificuldade de instauração de um efetivo Estado Democrático de Direito, em face das
desigualdades sociais e da ausência de participação e informação.
É evidente que o estabelecimento de vínculos com as gerações que
nos sucederão impende na limitação da nossa vontade atual de poder e de usufruto,
por meio da ecologização do Direito, sem, no entanto, prender-se à radicalização da
deep ecology (ecologia profunda). Alargando-se a concepção antropocêntrica,
conforme os ditames constitucionais de 1988, a tutela do bem ambiental deve se dar
independentemente de sua utilidade direta, por meio de ideais éticos de interação
que representem a solidariedade de interesses entre o homem e a natureza. Mas,
afinal, quem são as futuras gerações?
Ao final do capítulo II, após a exposição de teorias explicativas da
questão acima proposta, serão sintetizadas as características da atual Sociedade de
Risco, a qual identifica que o desenvolvimento tecnológico foi acompanhado de um
modelo de bem-estar e conforto da gestação de riscos imprevisíveis e não
contabilizáveis.
Ou seja, essa nova forma de sociedade gera riscos de
conseqüências ilimitadas, e até mesmo imprevisíveis, no tempo e no espaço. E,
tendo em vista que a tarefa de aliar desenvolvimento e proteção ao meio ambiente e
à saúde das pessoas não tem se revelado fácil, faz-se necessária a efetiva
aplicação dos ideais de prevenção e precaução, em razão da existência da
característica da incerteza quanto aos efeitos das atividades realizadas, bem como
da técnica utilizada, nos processos econômicos.
Na última parte do trabalho, “GERAÇÕES FUTURAS: SUJEITOS
DE DIREITO”, serão introduzidas noções sobre a sociedade de consumo, a qual é
reflexo de uma longa evolução do homem no seu cotidiano. Retomando-se a
interação entre o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, poder-se-á perceber
que o equilíbrio entre a ecologia e a relação de consumo depende da capacidade do
homem em restaurar a harmonia entre o insaciável apetite humano de poder e
consumo, estimulantes necessários à expansão da produção material, com o frágil
meio ambiente, no qual se insere. Portanto, na seqüência do estudo, far-se-á uma
apreciação da relação entre economia, que contém a “sedução” do consumo, e o
meio ambiente.
Tanto o Direito Econômico como o Direito Ambiental buscam a
melhoria do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo. Dessa
forma, procurar-se-á demonstrar que não há uma extrema separação entre
economia e ecologia, porquanto a base das relações produtivas está na natureza.
Com isso, o que se irá verificar é a importância de que se tenha em mente que a
questão do esgotamento dos recursos naturais não é diretamente proporcional ao
aumento ou diminuição do crescimento econômico, uma vez que a velocidade e
quantidade de transformação (destruição) destes recursos se comprometem com a
forma em que se dá a sua apropriação pela sociedade.
Por fim, será traçada a emergência de uma mudança de
paradigmas, por meio de ideais éticos de proteção, pois, assim como a geração
atual vive em uma época de conseqüências das ações tomadas pela anterior, as
gerações futuras, sujeitos de direitos, dependem das escolhas feitas hoje,
considerando, assim, o próprio conceito de humanidade.
1. A CIÊNCIA JURÍDICA E O BEM AMBIENTAL
1.1 AS DIMENSÕES DE DIREITOS
O homem, que tanto correu para ser salvo pela técnica, atualmente
corre para ser salvo da tecnologia, o que contribui fortemente para a perda de
identidade do homem com a natureza, conforme salienta Edis Milaré2. Por sua vez, o
pensador contemporâneo Edgar Morin3, ao instituir a necessidade da religião de
saberes, em um livro que reuniu o trabalho coletivo de cientistas e pensadores,
concluiu que:
Todas essas palestras, mesmo tratando de problemas das ciências físicas,
geológicas, biológicas, contribuem para que nos situemos em nosso
planeta, que é a nossa pátria e, além disso, fazem com que pensemos
sobre nosso destino. (...) Penso também que os mais recentes
conhecimentos sobre a Terra, além de possuírem um caráter estritamente
científico e cognitivo, fazem com que nos posicionemos diante de nosso
destino.
O autor Boaventura de Souza Santos4 explica que:
Ao reduzir a natureza à matéria-prima sobre a qual o homem soberano
inscreve o sentido histórico do processo de desenvolvimento, a ciência
moderna provoca uma ruptura ontológica entre o homem e a natureza na
base da qual outras se constituem (ou reconstituem), tais como a ruptura
entre as ciências naturais e as sociais. A natureza é desumanizada e o
homem, desnaturalizado, e assim se criam as condições para que este
último possa exercer sobre a natureza um poder arbitrário, ética e
politicamente neutro".
Para complementar, observa Carlos Maximiliano5 que, em toda
ciência, o resultado do exame de um só fenômeno adquire presunção de certeza
quando contrasteado pelo estudo de outros, no mínimo dos casos próximos; à
análise sucede a síntese; do complexo de verdades particulares, descobertas,
demonstradas, chega-se até a verdade geral, buscando explicar que a classificação
do meio ambiente como bem jurídico não o torna exclusivo ou superior aos demais
(por ex.: vida, propriedade, saúde, livre iniciativa, educação, etc.), com os quais se
relaciona. Entretanto, persiste a questão quanto à possibilidade prática de
compatibilização destes valores.
2
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed.rev.atual.ampl. São Paulo: Rev.
Dos Tribunais, 2005. p. 51.
3
MORIN, Edgar. A religião dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 151152. In MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed.rev.atual.ampl. São
Paulo: Rev. Dos Tribunais, 2005. p. 92.
4
SANTOS, Boaventura de Souza. A Crise do Paradigma. In SOUZA JR., José Geraldo (org.). Introdução
Crítica ao Direito. Brasília: UNB, 1993. p. 61-74.
5
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 130.
In MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 14.
Para que se consiga compreender o presente, é necessário buscar
o entendimento de acontecimentos pretéritos, como nos explica Roberta Camineiro
Baggio6, ao referir que as figuras do Estado Absolutista, caracterizado pela ação de
ingerência do príncipe, e do Estado Liberal, com ideários consolidados na Revolução
Francesa, constituem a noção de Estado Moderno.
A Revolução Francesa de 1779, conforme observa Fernanda Luiza
Fontoura de Medeiros7, despertou um lema mundial que norteou todo o século XVIII
até os dias atuais, ao exprimir todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais
em três princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade, os quais, para Paulo
Bonavides8, foram profetizados pelos ideais revolucionários até mesmo em sua
seqüência histórica de gradativa institucionalização.
Com o desenvolvimento do Direito há uma constante adaptação
das regras de proteção, bem como do nível de importância de cada bem jurídico em
relação aos demais, nos termos de Luís Carlos Silva de Moraes9. Esse
desenvolvimento possui três fases de valores prevalentes ou gerações/dimensões10.
Para o autor, a primeira dimensão de direitos é composta por
aqueles formadores da personalidade humana, como a vida, a intimidade, a
segurança pessoal, a igualdade, o direito de expressão, entre outros. Ingo Wolfgang
Sarlet11 salienta que esses direitos:
6
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no contexto da nova ordem global. Curitiba: Juruá, 2006. p. 2224.
7
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 69.
8
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 474. In MEDEIROS,
Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004. p. 69.
9
MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.15.
10
O constitucionalista Sarlet ressalta que “não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos
direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância,
de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar falsa impressão da substituição gradativa de uma
geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais”, o que
explica a adoção da expressão diversa da diferida por Norberto Bobbio, em “A era dos Direitos”. SARLET,
Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 53. In
BAGGIO, Roberta Camineiro. Federalismo no contexto da nova ordem global. Curitiba: Juruá, 2006. p. 35.
11
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1998.
p. 48. In MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 70
[...] encontram suas raízes especialmente na doutrina iluminista e
jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII (nomes como Hobbes, Locke,
Rosseau e Kant), segundo a qual, a finalidade precípua do Estado consiste
na realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas
do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das
reivindicações burguesas nas primeiras Constituições escritas do mundo
ocidental.
Afirma o autor, ademais, que os direitos fundamentais de primeira
dimensão possuem caráter eminentemente de cunho individualista, podendo,
inclusive, ser caracterizados como direitos de resistência do indivíduo perante o
Poder constituído.
Ou seja, o Estado garantia, principalmente, os elementos da
pessoa, conforme explica Luís Carlos Silva de Moraes12, diferentemente dos direitos
de segunda dimensão, em que se protegiam os direitos da pessoa em relação às
coisas, às obrigações e às demais pessoas, como a propriedade, as obrigações de
dar, fazer e não fazer etc. Estes, por sua vez, teriam uma dimensão de cunho
positivo dos direitos fundamentais (agregada, também, às denominadas “liberdades
sociais”, como o direito de greve, férias, repouso semanal remunerado e garantia de
salário mínimo, por exemplo) fazendo com que o Estado propiciasse aos cidadãos o
direito ao bem-estar social, conforme explica Fernanda Luiza Fontoura de
Medeiros13.
Já os direitos de terceira dimensão, principal objeto deste trabalho,
pois é onde está englobado o meio ambiente, são “aqueles que, mesmo utilizados
por todos, não lhes pertence, pois nunca os terão por completo, sendo permitido, no
máximo, assumir-lhes a gestão até o limite legal”
14
, como um rio, por exemplo, que
cruza diversas propriedades e não pertence a nenhum dos proprietários, o que
explica Luís Carlos Silva de Moraes. Complementa Ingo Wolfgang Sarlet15
salientando que “a figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à
proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se,
12
MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.15.
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 72.
14
MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.15.
15
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1998.
p. 50. In MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 73.
13
conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa” traduz a
denominação destes direitos como direitos de solidariedade ou fraternidade.
Dessa forma, percebe-se que os direitos de terceira dimensão têm
por destinação primordial a proteção do gênero humano, de forma a serem
universalmente efetivados, distinguindo-se dos demais em razão de possuírem
titularidade coletiva, sendo esta, por vezes, indefinida ou indeterminável, o que
salienta Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros16. Para a autora, esses direitos,
alcançam, no mínimo, uma característica de transindividualismo, o que será melhor
abordado no desenvolvimento deste trabalho.
1.2 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO
A implementação do Direito Ambiental iniciou de forma secundária,
por meio do surgimento da Ação Civil Pública e de autorizações e licenças
outorgadas, podendo ser confundido com uma variante do Direito Administrativo,
conforme explica Luís Carlos Silva de Moraes17, que ressalta que a baixa implicação
econômica dos conflitos, até o início da década de 90, contribuiu para a demora no
reconhecimento da importância deste novo ramo do Direito. Para o autor, somente
quando da percepção da variação das finalidades do poder de polícia estatal é que
se conseguiu distinguir o Direito Administrativo, que verificava a legalidade da
atividade exercida pelo administrado, do Direito Ambiental, que passava a dar maior
ênfase ao resultado dessa atividade.
Não era mais possível esconder da população que a saúde do
planeta revelava-se catastrófica, por inúmeros sintomas, mas, principalmente pela
problemática dos resíduos e das descargas. A idéia de crescimento pelo
crescimento despontava a crise do Estado-Providência (o que será retomado no
desenvolvimento do capítulo II deste trabalho), ocasionando o surgimento constante
de novas instituições e regulamentações. Porém, a natureza, dividida, administrada,
16
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 73.
17
MORAES, Luís Carlos Silva de. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.13.
contabilizada e vigiada, seria, por isso, verdadeiramente respeitada?18. Deve-se ter
em mente que a cultura de consumo, gerada por este Estado-Providência, dificulta a
conscientização da população com relação à escolha pela proteção do meio
ambiente em detrimento de confortos e valores burgueses.
Em razão da previsão constitucional referida no artigo 225,
conforme expõe Celso Antonio Pacheco Fiorillo19, que inclui uma nova espécie de
bem (o bem ambiental), foi publicada a Lei n°. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor), que criou, legalmente, os direitos metaindividuais (difusos, coletivos e
individuais homogêneos), definindo-os, bem como incluiu a possibilidade de
utilização da Ação Civil Pública para a defesa destes interesses. Salienta o autor,
ademais, que a referida lei caracteriza os direitos difusos como transindividuais, de
objeto indivisível, de titularidade indeterminada e interligada por circunstâncias de
fato – porquanto talvez seja possível apenas delimitar um provável espaço físico que
estaria abrangido pela poluição, por exemplo, bem como em razão da inexistência
de relação jurídica, mas sim fática entre os titulares.
A transindividualidade, para o autor supracitado, diz respeito aos
interesses que transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de direitos
e obrigações de cunho individual, a serem considerados em sua dimensão coletiva.
A indivisibilidade, comum tanto aos direitos difusos como aos coletivos, significa que
o objeto a todos pertence, ao mesmo tempo, mas ninguém especificamente o
possui, como o ar atmosférico, por exemplo. Ou seja, é uma “espécie de comunhão,
tipificada pelo fato de que a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de
todos, assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira
coletividade”, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira20.
18
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. p.
123.
19
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 7ª ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2006. p. 05-07.
20
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro. RF,
276:1. In FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 7ª ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 06.
Como recorda Edis Milaré21, já se passaram mais de trinta anos
desde o evento histórico da Conferência de Estocolmo, em junho de 1972, em que
foi lançado o alerta sobre o destino da espécie humana e do Planeta Terra, o qual
chega à beira da exaustão. Com isso, a natureza busca assegurar seus direitos,
impondo sérios deveres aos homens, aos quais, enquanto dominantes, a
consciência de sustentabilidade estabelece que seus próprios direitos só estarão
assegurados quando do cumprimento destes deveres com o Planeta.
1.3 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO AMBIENTAL
No Direito, os princípios são os responsáveis pela superação do
rigoroso positivismo, o que nos explica Marga Inge Barth Tessler22. E, especialmente
no Direito Ambiental, a mudança de paradigmas, especificamente da magistratura,
foi oportunizada pelos princípios, a fim de buscar novos referenciais, tendo em vista
que a propriedade individual e os exclusivos interesses patrimoniais restaram
insuficientes para a decisão das causas ambientais.
Importante destacar, nesta fase do trabalho, alguns princípios do
Direito Ambiental:
1.3.1 Princípio do desenvolvimento sustentável
1.3.2 Princípio da participação
1.3.3 Princípio do poluidor-pagador
1.3.4 Princípio da ubiqüidade
1.3.5 Princípio da função socioambiental da propriedade
21
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª ed.rev.atual.ampl. São Paulo:
Rev. Dos Tribunais, 2005. p.151-152.
22
TESSLER, Marga Inge Barth. Controle Judicial e Meio Ambiente. Seminário Meio Ambiente: Prevenção e
Precaução. PUC/FIERGS. Ago/2004. Disponível em http://www.trf4.gov.br.
1.3.6 Princípio da precaução
1.3.7 Princípio da prevenção
1.3.8 Princípio do usuário-pagador
1.3.9 Princípio do direito à sadia qualidade de vida
1.3.10 Princípio da reparação
1.3.11 Princípio da eqüidade (e solidariedade) intergeracional
A redistribuição entre gerações, ou seja, a prescrição de um direito
para aqueles que ainda não existem, é um conceito inédito, sendo exposto, pela
primeira vez, na Constituição Federal de 1988, o que recorda Cristiane Derani23.
Assim como o meio ambiente, as futuras gerações, nas palavras de Patryck de
Araújo Ayala24, “são beneficiárias de obrigações e deveres de proteção, originários
do específico sentido de ‘responsabilidade’ traçado pelo art. 225, ‘caput’, de nosso
texto constitucional, que define o conteúdo de uma ‘responsabilidade solidária e
participativa’”. Dessa forma, através de uma cidadania ambiental, tem-se um novo e
sofisticado sistema de proteção do chamado direito a um futuro que, para o autor, é
atribuído não só a todos os membros desta geração, como também às futuras
gerações, e que acompanha o reconhecimento pela ordem constitucional de uma
obrigação jurídica de proteção do futuro, obrigação esta que atende aos interesses
das futuras gerações.
2. O ANTROPOCENTRISMO ALARGADO NA SOCIEDADE DE RISCO
2.1 A CRISE DO ESTADO MODERNO
23
24
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 267.
AYALA, Patryck de Araújo. O Princípio da Eqüidade Intergeracional e a Condição Jurídica das Futuras
Gerações na CRB de 1988: a Proteção Constitucional do Futuro e do Direito ao Futuro. In LEITE, José
Rubens Morato (et. al.). Estado de Direito Ambiental: tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 246.
O mito do progresso mal compreendido, especialmente no início
dos anos setenta, revelou diversas e monstruosas aberrações ecológicas, fazendo
com que a mutação de um Estado liberal para um Estado intervencionista - poluidor
e, simultaneamente, encarregado de lutar contra os atentados ao ambiente –
caracterizasse o primeiro fator explicativo da emergência de um direito administrativo
do ambiente, o que explica François Ost25.
Como conseqüências do projeto liberal podem-se citar: “o
progresso econômico; a valorização do indivíduo, como centro e ator fundamental do
jogo político e econômico; técnicas de poder como poder legal, baseado no poder
estatal”, conforme ressaltam Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais26.
Entretanto, complementam os autores que estes fatores contribuíram para a
formação de uma postura ultra-individualista, bem como, em decorrência da
Revolução Industrial, para a formação do proletariado.
O desenvolvimento do Estado-Providência, como afiançador da
qualidade de vida assegurada a todos, não como caridade, mas como um direito
político e conquista da cidadania, pode ser compreendido por duas razões:
politicamente, por meio da luta pela garantia dos direitos de segunda e terceira e
dimensão; bem como, economicamente, pela transformação da sociedade agrária
em industrial, conforme afirmam Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais27.
Contudo, salientam os autores que, no Brasil, “a modernidade é tardia. O
intervencionismo estatal, (...) serviu apenas para acumulação de capital e renda para
as elites brasileiras”, porquanto a ampliação das funções do Estado sugere objetivos
contraditórios: “a defesa da acumulação do capital, em conformidade com os
propósitos da classe burguesa, e a proteção dos interesses dos trabalhadores”.
25
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. p.
119-121.
26
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 2ª ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 62.
27
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 2ª ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 70-80.
Todavia, explica José Luis Bolzan de Morais28 que a história do
projeto de welfare state não ocorre sem obstáculos, sendo apresentadas crises
deste modelo (dentre as quais destacam-se: crises fiscal, ideológica e filosófica).
Em tese, a participação da sociedade nos programas decisórios (da
qual depende um efetivo Estado Democrático de Direito), de planejamento e licença
de atividades geradoras de grande impacto no ambiente é um avanço no sentido da
democratização da realização de políticas para a conservação ambiental, ou seja, na
realização de estratégias de sustentabilidade. Contudo, poder-se-ia dizer que, na
prática, ainda existem dificuldades para a efetiva aplicação do princípio da
participação e, conjuntamente, do acesso à informação, tendo em vista à grande
distância entre aqueles que têm conhecimento e tecnologia e aqueles que nem
mesmo são beneficiários de uma educação mínima ou, ainda, noções básicas de
informática, em um mundo globalizado. Ou seja, o que se vive é uma real “fachada”
democrática.
2.2
DIREITO
AMBIENTAL,
TRANSDISCIPLINARIDADE
E
EQÜIDADE
INTERGERACIONAL
A preocupação jurídica com a real limitabilidade dos recursos
naturais é bem recente, fazendo com que os Estados, principalmente após a já
referida Conferência de Estocolmo, de 1972, viessem a demonstrar interesse pela
proteção ambiental. O desenvolvimento econômico e a crise das relações entre o
homem e o meio ambiente foram, dessa forma, fatores determinantes da
constatação da deterioração da qualidade ambiental, tanto das presentes como das
futuras gerações.
Com efeito, percebe-se o caráter de interdependência do meio
ambiente, o que justifica a almejada mudança de paradigmas e pressupõe uma
visão holística, a qual, nas palavras do autor29 acima referido:
28
MORAIS, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos
humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 39-45.
29
FAGUNDES, Paulo Roney. Direito e holismo – Introdução a uma visão jurídica de integridade. São Paulo:
LTr, 2000. p. 14. In LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A transdisciplinaridade do
[...] oferece outra visão de mundo, diferente daquela que a ciência
tradicional apresenta, baseada na falsa crença de que a natureza deve ser
fragmentada para ser mais bem compreendida. Para resolução dos
problemas, a visão de integridade não se satisfaz com as respostas
prontas, e nem com os caminhos previamente traçados pela ciência
tradicional.
Enrique Leff30 define a transdisciplinaridade como um processo de
interação entre os diversos ramos do conhecimento científico, por meio da
transferência de conceitos, métodos, etc. que são incorporados e/ou contraditados
pela disciplina importadora, o que caracteriza o desenvolvimento das ciências.
Dessa forma, tem o Direito especial contribuição na concepção do caráter
transdisciplinar do meio ambiente, com o estabelecimento de um diálogo, ou seja,
uma comunicação aberta com as demais disciplinas, a fim de orientar qualquer
conduta e atividade humana sobre o ambiente, mediante a adoção de um discurso
ecológico de integridade, conforme salientam José Rubens Morato Leite e Patryck
de Araújo Ayala31. Explica, ainda, Bassarab Nocolescu32, que “uma coletividade (...)
é sempre mais do que a soma de suas partes”, porquanto presente o fator de
interação, bem como afirma que a transdisciplinaridade é aquilo que está,
simultaneamente, entre/através/além de qualquer disciplina, e seu objetivo é a
compreensão
do
mundo
presente,
possuindo,
para
tanto,
um
imperativo
fundamental: a unidade do conhecimento. Salienta, ademais, que três pilares
definem a metodologia da transdisciplinaridade: os Níveis de Realidade, a
Complexidade e o Terceiro Incluído, que é o próprio individuo.
François Ost33 ressalta que, tendo em vista à interação das
relações homem-natureza, faz-se necessária a conquista de um saber ecológico
interdisciplinar, o qual pressupõe uma visão de mundo dialético. Ou seja, não se
trata de uma ciência da natureza ou do homem, mas uma ciência das suas relações,
direito ambiental e sua eqüidade intergeracional. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, abr/jun
2001, n°. 22, p. 64-65.
30
LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. p. 83. In LEITE, José Rubens Morato;
AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002 p. 43.
31
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A transdisciplinaridade do direito ambiental e sua
eqüidade intergeracional. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, abr/jun 2001, n°. 22, p. 72.
32
NICOLESCU, Bassarab. Educação e transdisciplinaridade. Brasília: Unesco, 2000. p. 15-19.
33
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. p.
9-19.
a que chamamos de meio: o que a natureza faz de nós e o que fazemos dela. Para
o autor, esta dialética traduz a idéia dos vínculos e dos limites, simultaneamente,
caracterizando, assim, a atual crise de paradigma que vivemos, que pode ser
explicada como: “crise do vínculo: já não conseguimos discernir o que nos liga ao
animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o
que deles nos distingue”.
A afirmação simultânea das semelhanças e diferenças entre o
homem e a natureza, conforme complementa o autor acima referido, é a única
maneira de fazer justiça a ambos, bem como “a limitação da nossa vontade atual de
poder e de usufruto é o garante do estabelecimento de vínculos com as gerações
que nos precederam e com as que nos sucederão”. Outrossim, percebe-se uma real
urgência de retomada da função essencial do Direito: afirmar o sentido da vida em
sociedade, o que, atualmente, merece uma especial mudança de percepções, por
meio da ecologização do Direito, sem, no entanto, prender-se à radicalização da
deep ecology (ecologia profunda), o que refere José de Souza Cunhal Sendim34.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem
de uso comum do povo, de interesse da coletividade e essencial à sadia qualidade
de vida define a proteção constitucional do meio ambiente na perspectiva
antropocêntrica alargada, a qual vincula os interesses intergeracionais. Estes, por
sua vez, conforme salientam José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala35,
caracterizam “a exigência de que cada geração legue à seguinte um nível de
qualidade ambiental igual a que recebeu da geração anterior”. Ademais, ressalta
François Ost36 que, ao limitarmos as subtrações excessivas e ao reduzirmos as
emissões nocivas, em busca da proteção da natureza, haverá uma atuação
simultânea, tanto para a restauração dos equilíbrios naturais como para a
salvaguarda dos interesses do homem.
34
SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos: da reparação do dano através
da restauração natural. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 95-96. In LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck
de Araújo. A transdisciplinaridade do direito ambiental e sua eqüidade intergeracional. In Revista de Direito
Ambiental. São Paulo: RT, abr/jun 2001, n°. 22, p. 66.
35
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A transdisciplinaridade do direito ambiental e sua
eqüidade intergeracional. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, abr/jun 2001, n°. 22, p. 68.
36
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. p.
310-320.
Feitas estas considerações, é importante trazer à discussão a
questão levantada por François Ost37: “que tipo de responsabilidade assumimos nós
em relação às gerações futuras, e (...) de que gerações futuras falamos nós?”.
Inicialmente, a fim de responder à questão proposta, o referido autor expõe três
modelos, que são explicados por diferentes doutrinadores: o doméstico, o hercúleo e
o igualitarista38.
2.3 A SOCIEDADE DE RISCO
A sociedade atual vive em meio a incertezas, as quais, desde
sempre, caracterizaram o conhecimento humano, nas palavras de Denise
Hammerschmidt39. Ainda, ressalta a autora que o desenvolvimento tecnológico foi
acompanhado de um modelo de bem-estar e conforto da gestação de riscos
imprevisíveis e não contabilizáveis. Complementa, ademais, que, ao se falar em
riscos, refere-se à “produção de danos que são conseqüências de decisões
humanas (...), por oposição ao perigo que importa à produção de danos imputáveis a
causas alheias ao próprio controle, externas à decisão e que afetam o entorno
(humano ou natural)”, não afastando, contudo, a existência de “importantes
interesses econômicos comprometidos que pugnam por prevalecer”.
O que se percebe, atualmente, é que a tecnologia não se apresenta
totalmente inócua à saúde das pessoas, porquanto na bagagem desse progresso há
também um clandestino: o risco, nas palavras de Ana Maria Moreira Marchesan40.
Neste contexto, ressalta a autora a urgência de esforços individuais e coletivos em
busca do desenvolvimento sustentável, tendo em vista que a tarefa de aliar
desenvolvimento e proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas não tem se
revelado fácil, salientando, ainda, que:
37
OST, François. A natureza à margem da Lei: a ecologia à prova do Direito. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. p.
320.
38
Tendo em vista tratar-se de uma monografia de conclusão de curso, será feita uma síntese sobre as teorias, sem
uma aprofundada explanação dos modelos.
39
HAMMERSCHMIDT, Denise. O risco na sociedade contemporânea e o Princípio da Precaução no Direito
Ambiental. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, jul/set 2003, n°. 31, p. 136-138.
40
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. As estações de rádio-base de telefonia celular no contexto de uma
sociedade de riscos. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, jul/set 2005, n°. 39, p. 33-38.
O princípio da precaução apresenta-se como um sinal da nova orientação
na relação entre ciência e direito, assim como uma reviravolta
epistemológica nessa mesma relação, a partir do momento em que nos
demos conta da falibilidade e da relatividade da ciência e da necessidade
de o direito atuar no sentido de evitar prejuízos sérios e irreparáveis à
saúde humana e ao meio ambiente.
Com efeito, salientam José Rubens Morato Leite e Patryck de
Araújo Ayala41 que:
A necessidade de superar a pretensão das instituições em não conhecer a
realidade do perigo, ocultar suas origens, negar sua existência, suas culpas
e suas responsabilidades na produção do perigo e pouco se importarem
com seu controle e compensação, que identificam o conceito de
irresponsabilidade organizada [elaborado por Ulrich Beck], ganha grande
destaque como problema, perante a observação de que nas sociedades de
risco produz-se profunda modificação na própria consciência do perigo.
Ainda, os autores42 complementam ao afirmar que os riscos, como
maneiras de conexão com o futuro, traduzem a necessidade de instituição, pela
sociedade, de mecanismos de decisão sobre a conveniência ou não de suportá-los,
levando-se em conta, inclusive, na análise dos custos e benefícios, os direitos e
interesses das futuras gerações.
Enquanto
que
na
Sociedade
Industrial
há
uma
relativa
previsibilidade das conseqüências dos processos produtivos do sistema capitalista,
na Sociedade de Risco (que também é Industrial, porém incrementada pelo
desenvolvimento tecnológico) existe a característica da incerteza quanto aos efeitos
das atividades realizadas, bem como da técnica utilizada, nos processos
econômicos. Ou seja, essa nova forma de sociedade gera riscos de conseqüências
ilimitadas, e até mesmo imprevisíveis, no tempo e no espaço.
3. GERAÇÕES FUTURAS: SUJEITOS DE DIREITO
3.1 A SOCIEDADE DE CONSUMO
41
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002 p. 12.
42
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002 p. 275-278.
Ao lado de um Estado intervencionista, implementador de novas
políticas públicas, percebe-se a necessidade da adoção, pela sociedade, de outras
condutas, como o consumo sustentável, em busca de maior proteção à saúde do
consumidor, bem como à qualidade ambiental, conforme explica Orci Paulino
Bretanha Teixeira43, afastando, assim, a busca pelo lucro à custa da natureza e dos
interesses legítimos da maioria. Ademais, complementa Lucia Elena Arantes Ferreira
Bastos44 dizendo que “a alteração dos níveis de consumo existe porque as
necessidades variam conforme cada sociedade. (...) Quanto mais conforto as
pessoas têm, mais elas esperam ter”, e afirma, ainda, que o crescente consumo em
massa é reflexo de uma longa evolução do homem no seu cotidiano.
As necessidades humanas tendem para o infinito, por meio da
busca pelo homem, alimentado pelos meios de comunicação que incentivam a
sociedade de consumo, de novas tecnologias, novos bens e serviços. Portanto, o
equilíbrio entre a ecologia e a relação de consumo depende da capacidade do
homem em restaurar a harmonia entre o insaciável apetite humano de poder e
consumo, estimulantes necessários à expansão da produção material, com o frágil
meio ambiente, no qual se insere. Ademais, impende relembrar o que já foi
esclarecido no capítulo I deste trabalho: o Direito Ambiental possui uma estreita
relação com o Direito do Consumidor45, porquanto ambos tutelam interesses difusos
da sociedade.
Percebe-se que a atual sociedade de consumo preocupa-se,
incessantemente, com o estilo de vida a adotar, o que passa a ser um indicativo
fundamental. Jean Baudrillard46 ressalta que “o lúdico do consumo tomou
progressivamente o lugar do trágico da identidade”. Há uma tendência de
determinadas pessoas a buscar uma (im)possível solução para suas crises de
identidade pessoal ou social entregando-se compulsivamente ao consumo. A cultura
do consumo, assentada na abundância, na mistura dos signos exibidos nas
43
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 104.
44
BASTOS, Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos. O consumo de massa e a ética ambientalista. In Revista de
Direito Ambiental. São Paulo: RT, jul/set 2006, n°. 43, p. 178.
45
Por exemplo: inciso XIV do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) - “São nulas de
pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais (...)”.
46
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995. p. 240.
propagandas, nas lojas, nos supermercados, durante o ano todo, a vida toda, revela
uma falsa impressão de ausência de limites.
3.2 ECONOMIA E MEIO AMBIENTE
Em face da liberalização negocial, muitos países, especialmente os
pobres e pequenos, se submetem a enorme constrangimento para que abram seus
mercados, não podendo resistir à pressão de grandes empresas transnacionais,
permitindo, assim, que estas sigam explorando, o que observa Carlos Alberto
Molinaro47. Ainda, ressalta o autor que algumas mudanças nas políticas,
internacionais e nacionais, poderiam reduzir o dano causado pela pressão sobre os
ecossistemas, por meio da inovação tecnológica não predadora e não incentivadora
de dominação econômica, bem como por mudanças no modelo de consumo, por
exemplo. Nesse sentido, salienta Cristiane Derani48:
Direito econômico e ambiental não só se interceptam, como comportam,
essencialmente, as mesmas preocupações, quais sejam: buscar a melhoria
do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo. O que
os distingue é uma diferença de perspectiva adotada pela abordagem dos
diferentes textos normativos.
A noção de proporcionalidade traduz a necessidade de tornar o
direito ambiental compatível com os fatores econômicos. Compatibilizar as
legislações ambiental e econômica requer uma interpretação sistemática do direito,
bem como dos fatos sociais, a fim de adequá-la ao contexto desejado à época,
sobrepondo o princípio de maior valor ou relevância para o caso concreto, conforme
observa Orci Paulino Bretanha Teixeira49. Ademais, afirma o autor que o ambiente,
como patrimônio comum da humanidade, revela a importância da proteção e
resguardo dos recursos naturais, por meio, especialmente, da intervenção estatal,
asseverando que, “como interesse difuso e coletivo, determina ao Poder Público a
47
MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 69-70.
48
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 76.
49
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 72-75.
obrigação, entre outras, de fiscalizar as atividades poluidoras ou potencialmente
poluidoras”.
Pelo exposto, percebe-se que o modelo econômico capitalista, que
domina a sociedade de consumo, tem como preocupação central o lucro. Porém,
resta evidente que o crescimento econômico deixa de significar progresso quando
compromete a qualidade de vida das pessoas e constitui uma ameaça às gerações
futuras. O meio ambiente, como patrimônio comum da humanidade, consiste em
uma herança do passado que, transitando pelo presente, é destinada aos hóspedes
futuros do planeta, devendo, para tanto, estar assegurado o desenvolvimento
sustentável, por meio, especialmente, de uma ética nas políticas econômicas.
3.3 POR UMA ÉTICA AMBIENTAL
É evidente que a sobrevivência do homem na Terra depende da
capacidade deste em respeitá-la. Nesses últimos séculos, restou comprovado não
ser mais possível considerar o planeta como simples fornecedor de recursos
naturais ou, ainda, como depósito de resíduos. Ao contrário, cada vez mais se torna
visível a urgência de uma reavaliação das relações entre o homem e o meio
ambiente. Para tanto, o direito ambiental surge para a revisão de conceitos que
dispõem sobre a convivência das atividades sociais, sendo, portanto, um direito
reformador, que observa que a trajetória da organização da atual sociedade
conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, pela
primeira vez, em toda a história da humanidade, conforme assegura Cristiane
Derani50.
Orci Paulino Bretanha Teixeira51 ressalta que as gerações são
formações sucessivas: os ensinamentos das anteriores são pressupostos para as
mais recentes. Salienta, ainda, que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito portador de uma mensagem de interação entre o homem e a
50
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 75.
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 77.
51
natureza, em busca do equilíbrio nas suas relações52. Dessa forma, percebe-se que,
assim como a geração atual vive em uma época de conseqüências das ações
tomadas pela anterior, as gerações futuras, sujeitos de direitos, dependem das
escolhas feitas hoje, considerando, assim, o próprio conceito de humanidade53. Com
efeito, entende o supracitado autor54 que a cooperação entre as gerações ao longo
do tempo histórico determina a obrigação de se economizar os recursos ambientais,
com o Poder Público realizando o seu dever de proteção, uma vez que o direito ao
meio ambiente “dá maior relevância ao objeto – qualidade ambiental – em
detrimento dos poderes e faculdades dos indivíduos”.
As doutrinas éticas e políticas tradicionais carecem de uma séria
atualização na medida em que partem de premissas sobre a condição humana que
a atualidade alterou profundamente. Marga Inge Barth Tessler55 indica e explica o
surgimento de uma nova responsabilidade (além da penal, civil e administrativa do
ambiente), fundada na liberdade: a Responsabilidade Social, resultante do
progressivo desenvolvimento de atitudes éticas (convicções sociais que determinam
um conjunto de posturas). E complementa a autora:
Tanto as empresas privadas quanto as instituições públicas necessitam
preocupar-se com a satisfação do público, do cidadão enquanto
destinatário de seus produtos e serviços. No campo individual, a
responsabilidade social nos trouxe novos desafios, deixamos de ser
simples destinatários de políticas, produtos e serviços e passamos a ser
participantes ativos do processo de sua construção. É a democracia
participativa, ou democracia sustentável, erguida sobre os princípios da
participação e informação.
52
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 67.
53
Conjunto dos seres humanos como um todo. Sintetiza as características partilhadas por todos os humanos,
com especial enfase na capacidade do Homem como ser compreensivo e benevolente. O conceito de
humanidade leva-nos à noção de solidariedade estendida a todas as pessoas, freqüentemente sintetizada na
palavra “humanitário”. Em 1854 o filósofo francês Augusto Comte criou a Religião da Humanidade, como o
objetivo de constituir um sistema religioso completamente humano, afastado da teologia e da metafísica,
pregando o amor entre os homens, a ação esclarecida sobre o mundo, a natureza e o homem e, acima de tudo,
o desenvolvimento do altruísmo e da sociedade. Disponível em http://pt.wikipedia.org
54
TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 92-93.
55
TESSLER, Marga Inge Barth. Meio Ambiente e Responsabilidade Social. Palestra no II Fórum Internacional
das Águas. Disponível em http://www.trf4.gov.br. Acesso em 20 de junho de 2007.
Percebe-se, com isso, a exigência de uma nova ética56 de
responsabilidade, aberta à escala da excessiva grandeza do poder do homem. De
acordo com os princípios e processos políticos da democracia atual, apenas os
interesses presentes se fazem ouvir, porquanto os órgãos de soberania somente se
sentem responsáveis perante a opinião pública presente e, nesse alcance,
respeitam direitos, restando a complexidade exposta por Hans Jonas57: o futuro não
é representado. E, ainda, observa o autor que o valor de uma realidade só se afirma
em oposição à sua destruição, por meio da tecnologia, afirmando, não obstante, que
na ética da responsabilidade faz-se necessária uma reflexão das ameaças à
natureza e, por conseguinte, à humanidade, a fim de se assegurar de normas
eficientes, baseadas nos ideais de precaução e da prevenção.
Enfim, o que se buscou esclarecer com o presente estudo é que a
solução para o sucesso da proteção ambiental consiste na associação estreita do
mundo científico à elaboração da política e da norma jurídica. Somente com a união
de todas as áreas do conhecimento, de forma transdisciplinar e sistêmica, tratandose, evidentemente, da ética, será possível resgatar a natureza, refém da ganância
humana, por meio de uma visão de mundo holística, a fim de perceber os vínculos e
os limites entre o homem e o meio ambiente, em busca da tutela dos direitos das
gerações futuras ou, porque não, da dimensão futura, pela qual o homem é
responsável.
CONCLUSÃO
Nos primeiros tempos de proteção da natureza, o legislador se
preocupava com determinada espécie ou espaço, exclusivamente, enquanto que
hoje chegamos à proteção de objetos infinitamente mais abstratos e mais
englobantes, como o clima ou a biodiversidade. O planeta Terra vive um período de
56
Plauto Faraco de Azevedo explica o termo: “Por ética entende-se a ciência que tem por objeto imediato o
juízo de apreciação que se aplica à distinção entre o bem e o mal, enquanto que a moral é o conjunto de
prescrições admitidas em uma época, em uma sociedade determinada, o esforço para se conformara estas
prescrições e a exortação a segui-las”. AZEVEDO, Plauto Faraco. Ecocivilização: ambiente e direito no
limiar da vida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 23.
57
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2006. p. 64-72.
intensas transformações, especialmente de cunho técnico-científicas, perante as
quais afiguram-se desequilíbrios ecológicos catastróficos que, caso não repensados
e amenizados, ameaçam a vida em sua superfície. A crise ambiental não deve ser
compreendida como uma crise da natureza ou, unicamente, de recursos naturais,
uma vez que engloba diversas dimensões, o que requer uma real revolução política,
econômica, social e, portanto, cultural, em busca da sustentabilidade. Uma coisa é
certa: a sorte do planeta e da humanidade são indissociáveis; a injustiça das
relações político-sociais gera o mesmo à natureza, e não por uma fatalidade, mas
por meio de reconhecidas ações predatórias.
A Revolução Francesa despertou um lema mundial que norteou
todo o século XVIII até os dias atuais, ao exprimir todo o conteúdo possível dos
direitos fundamentais em três princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade.
E, com relação à proteção das futuras gerações, pode-se dizer que, atualmente, a
população mundial precisa envolver-se na conquista urgente da fraternidade,
porquanto busca-se a tutela dos interesses (coletivos) daqueles que estão por vir e
que não possuem meios de reivindicar seus direitos.
A concepção absolutista implicou uma revisão em diversos de seus
postulados, atendendo, assim, às novas realidades que se apresentavam, ao lado
do aprofundamento democrático das sociedades, ocasionando uma dispersão dos
centros de poder. Posteriormente, o projeto liberal contribuiu, especialmente, para o
progresso econômico e pela valorização do indivíduo, como centro e ator
fundamental do jogo político e econômico. Contudo, estes fatores contribuíram para
a formação de uma postura ultra-individualista. Por conseguinte, o ordenamento
constitucional brasileiro aponta para a estrutura de um estado forte, regulador e
intervencionista, compreendido como Estado Democrático de Direito (de um lado
Estado de Direito e, de outro, welifare state). Porém, a modernização é vista
independentemente do bem estar coletivo, uma vez persistentes as desigualdades
sociais, bem como pela insuficiente aplicação dos princípios da participação e do
acesso à informação, ainda que, em tese, a participação da sociedade nos
programas decisórios (da qual depende um efetivo Estado Democrático de Direito),
de planejamento e licença de atividades geradoras de grande impacto no ambiente
seja um avanço no sentido da democratização da realização de políticas para a
conservação ambiental. Ou seja, o que se vive é uma real “fachada” democrática.
O que restou esclarecido é que, o Estado, especialmente no início
dos anos setenta, mobilizando todos os seus recursos para garantir o (relativo)
crescimento, conduziu alterações sociais em cada uma das suas dimensões, ou
seja, tanto na agricultura, indústria, emprego, transportes e finanças, como na
saúde, educação e cultura. A lei impiedosa do “progresso”, a qual representava a lei
do lucro e que tornava o Estado, simultaneamente, poluidor e encarregado na luta
contra os atentados ao ambiente, se tornava seu maior objetivo. E é nessa época, e
por estas situações, que surge o Direito Ambiental, ainda que administrativo,
refletido na Conferência de Estocolmo, de 1972, principal marco na história da
defesa do meio ambiente.
Com efeito, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 traz a
concepção de que a defesa e a proteção do bem ambiental estão vinculadas não só
às presentes como também ás futuras gerações, não representando apenas um
ideário de determinado momento histórico, porém sendo uma norma dotada de
eficácia, imediatamente aplicável e, portanto, tratando-se de um dever moral e
jurídico. Dessa forma, a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado
como direito fundamental possui um caráter de direito transindividual, uma vez que
diz respeito aos interesses que transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da
esfera de direitos e obrigações de cunho individual, a serem considerados em sua
dimensão coletiva. Isso se mostra claro quando se percebe que os efeitos dos danos
ambientais não atingem somente uma determinada pessoa, afetando, por
conseguinte, uma coletividade de indivíduos.
A grande crise que se vive é a da percepção. Os cientistas fazem
uma leitura parcial dos problemas, ao simplificarem o que é complexo. O que se
pressupõe é uma visão holística do mundo, base da trasdisciplinaridade do Direito
Ambiental, com o estabelecimento de um diálogo aberto com as demais disciplinas,
a fim de orientar qualquer conduta e atividade humana sobre o ambiente, mediante a
adoção de um discurso ecológico de integridade. A afirmação simultânea das
semelhanças e diferenças entre o homem e a natureza é a única maneira de fazer
justiça a ambos, revelando, assim, o sentido da vida em sociedade, função
primordial do Direito, que inclusive, afigura-se constitucionalmente prevista, por meio
da perspectiva antropocêntrica alargada adotada. A limitação da nossa vontade
atual de poder e de usufruto é o essencial para o estabelecimento de vínculos com
as gerações que nos precederam e com as que nos sucederão.
A igualdade de oportunidades (acesso aos recursos naturais), por
meio de políticas de gestão e controle, é capaz de trazer uma resposta aos desafios
levantados
pelos
problemas
ecológicos
contemporâneos.
A
conquista
da
autonomização por meio da técnica, juntamente com a exacerbação do consumo
nos países ricos e explosão demográfica nos países pobres, gera cada vez mais
graves ameaças ao capital (patrimônio comum da humanidade) a transmitir, o que
traduz a necessidade de políticas de gestão desses recursos, e o que explica a
importância da efetivação do princípio da solidariedade intergeracional e do princípio
da eqüidade intergeracional.
As últimas décadas conduziram o planeta a uma situação limite, o
que, não obstante, não significou um real obstáculo para a continuação do processo
destrutivo
da
vida,
em
que
as
sucessivas
catástrofes
engendraram
no
descobrimento da fragilidade dos mecanismos de seguridade, caracterizando a
transição da sociedade industrial para uma sociedade de risco, o qual é fruto da
atividade do homem, a quem se vinculam decisões. Dessa forma, o princípio da
precaução apresenta-se como um sinal da nova orientação na relação entre ciência
e direito, uma vez que os riscos refletem uma forma específica de relação com o
futuro e traduzem a necessidade de instituição, pela sociedade, de mecanismos de
decisão sobre a conveniência ou não de suportá-los, levando-se em conta, inclusive,
na análise dos custos e benefícios, os direitos e interesses das futuras gerações.
A classificação do meio ambiente como bem jurídico (difuso) não o
torna exclusivo ou superior aos demais (por ex.: vida, propriedade, saúde, educação,
etc.), com os quais se relaciona. Entretanto, na prática, tanto no processo
econômico (por meio da preferência do princípio da livre iniciativa), quanto na
demonstração dos ideais de qualidade de vida da Sociedade de Consumo (pela
infinita satisfação das necessidades humanas), por exemplo, parecem prevalecer
interesses individuais sobre os coletivos. Ou seja, a compatibilização de valores
constitucionais dependerá de uma interpretação sistemática do direito, bem como da
adoção de ideais éticos de proteção das gerações futuras, baseados nas noções de
proporcionalidade.
Há um limite para o crescimento, assim como para a inconsciência.
O Direito, a Ética e a Ciência ambientais devem coordenar, portanto, o
desenvolvimento de forma sustentável. Ainda que se perceba que as atitudes
políticas estejam tomando rumos por vias de uma parcial consciência dos efeitos
dos processos econômicos sobre o meio ambiente, isto se mostra insuficiente,
porquanto, por vezes, os riscos de ameaça à natureza não são evidentes. Ou seja, a
perspectiva tecnocrática, que se contenta em abordar a questão dos danos
industriais, não é o bastante. Faz-se necessária uma concepção ética nas atitudes
políticas, individuais e coletivas, a fim de agregar a vital importância da escolha pela
proteção ambiental. A responsabilidade começa aqui e agora, pois, além de
familiares, somos os representantes das futuras gerações.
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