1 O USO DO TEXTO LITERÁRIO COMO FERRAMENTA PARA A COMPREENSÃO LEITORA, EM LÍNGUA ESPANHOLA, DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II. Verônica Lima Bezerra Rodrigues* Dra. Cleudene de Oliveira Aragão** RESUMO Através dessa pesquisa, ainda em fase inicial, objetiva-se verificar a adequação do texto literário para o desenvolvimento da compreensão leitora de alunos do ensino fundamental II. A relevância do tema, no contexto da sala de aula de línguas estrangeiras no Brasil, torna-se clara, uma vez que, impedido o desenvolvimento de todas as habilidades, torna-se necessária a priorização de uma delas que, segundo os próprios PCN´s, deve ser a compreensão leitora. A pertinência do tema se dá, ainda, pela própria polêmica em torno da definição do que é literário, bem como da acessibilidade desses textos quando se tem como público-alvo alunos de nível inicial e intermediário de domínio da língua. Para tal serão expostas algumas considerações de estudiosos do assunto como Mendoza, Widdowson e Battaner, dentre outros, como também reflexões sobre o uso, eficaz, de textos literários visando o desenvolvimento da compreensão leitora na escola. Espera-se, por meio deste trabalho, contribuir para que a habilidade de compreensão leitora possa contar com mais uma possibilidade como ferramenta para o seu pleno desenvolvimento, considerando-se que temos em destaque um instrumento que não apenas poderá ajudar nesse processo, como também contribuir para o aprimoramento de aspectos cognitivos como a construção de significados e a habilidade de fazer inferências, bem como a correlação das novas informações com o conhecimento prévio que o aluno de espanhol como língua estrangeira (E/LE) detém no contexto de sua língua materna. PALAVRAS-CHAVE: Texto literário; Compreensão leitora; Ensino fundamental II. INTRODUÇÃO A nossa pesquisa, em fase inicial, tem por objetivo principal responder a uma simples, porém relevante questão, a de verificar a adequação de textos literários ao desenvolvimento da compreensão leitora de alunos do ensino fundamental II, ou seja, de turmas de 6° ao 9° ano. * Mestranda do Curso de Mestrado em Lingüística Aplicada na Universidade Estadual do Ceará. [email protected] ** Orientadora do Curso de Mestrado em Linguística Aplicada na Universidade Estadual do Ceará e Doutora em Ensino de Línguas e Literatura pela Universidade de Barcelona – Espanha. [email protected] 2 A expansão do ensino de espanhol como língua estrangeira, no cenário brasileiro, torna necessárias intervenções no contexto das abordagens didáticas, feitas com o objetivo de promover o ensino de uma nova língua. Nossos Parâmetros Curriculares definem que:“A aprendizagem de uma língua estrangeira é uma possibilidade de aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão.” (PCN´s, 1998:15) Tal afirmação põe em relevo a importância da aprendizagem de uma língua estrangeira para nossos alunos e há que se considerar que a escolha dessa LE deve ser feita levando-se em conta sua utilidade na vida do educando pois ainda segundo os PCN´s:“É fundamental que o Ensino de Língua Estrangeira seja balizado pela função social desse conhecimento na sociedade brasileira.” (PCN´s, 1998: 15) Com isso percebe-se a importância do estudo de espanhol no Brasil. Afinal, somos cercados por países que têm esse idioma como língua oficial e ainda pode-se destacar a presença da língua espanhola no cenário mundial, no que concerne ao número de falantes e seu uso no contexto das relações internacionais de caráter político, econômico e social. Delimitando-se a analisar a realidade das salas de aula de ensino fundamental II sabese que é imperativo definir, desde o princípio, a relevância das competências a serem desenvolvidas em sala de aula por se considerar aqui todas as vicissitudes que norteiam a prática educacional nesse entorno e que, na maioria das vezes, comprometem o ensino das quatro habilidades comunicativas. Considerando-se que o desenvolvimento da compreensão leitora vincula-se às necessidades de leitura de um indivíduo, seja para lazer, seja para apreciação de um texto técnico, ou mesmo para sua ascensão no mundo acadêmico por meio de exames como o vestibular ou outras seleções, o trabalho com essa habilidade torna-se imprescindível ao aluno como ferramenta para seu desempenho, letramento e desenvolvimento como ser humano. O que nos propomos, portanto, é avaliar se o texto literário pode contribuir para o desenvolvimento dessa habilidade e de que maneira isso se processa. A fim de responder a essa questão em um primeiro momento pretende-se discorrer sobre a concepção de leitura e suas implicações no processo de compreensão leitora, abordando-se, em seguida a questão em torno da definição do que é literário e sua funcionalidade no ensino de leitura na escola. Por fim serão apontados alguns dados sobre a pesquisa que se pretende desenvolver sobre a relação entre o texto literário e a compreensão leitora de alunos do ensino fundamental II, bem como maiores detalhes sobre a metodologia que se pretende adotar. 3 Ao final pretende-se que esse trabalho, ainda que em fase inicial e, portanto sem resultados práticos a serem expostos, possa servir como ferramenta para nortear ou mesmo suscitar nos profissionais da área de ensino de E/LE o desejo de experimentar a nova possibilidade de trabalho com o texto literário, nesse caso objetivando o desenvolvimento daquela que, considera-se a habilidade fundamental, a ser trabalhada, nas salas de aulas de E/LE brasileiras, a compreensão leitora. 1. CONCEPÇÕES DE LEITURA E O PROCESSO DE COMPREENSÃO LEITORA A leitura é de fundamental importância para o processo de ensino-aprendizagem de qualquer disciplina e/ou conteúdo. É por meio da leitura que o aluno se insere no contexto de troca ou aquisição de conhecimentos de forma mais independente. Quanto maior a proficiência leitora do aluno/leitor, o que inclui seu domínio das estratégias de leitura, maior autonomia e segurança ele terá quando se deparar com situações reais, que exijam dele a capacidade de resolver, de forma eficaz, problemas que possam surgir durante o processo de leitura de um texto qualquer em língua estrangeira, ou mesmo em língua materna. Reconhecendo o papel da leitura na formação do ser como cidadão crítico e atuante em sua sociedade e conferindo-lhe um caráter social, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s), que defendem a priorização do trabalho com a competência leitora afirmam que: “O foco na leitura pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes.”(PCN´s, 1998:21) Os PCN´s se reportam às condições de ensino que norteiam o trabalho com a língua estrangeira nas salas de aula brasileiras: a curta carga horária, que muitas vezes limita-se a dois encontros semanais; classes superlotadas; escassez de material didático; falta de preparo por parte dos professores, quanto ao domínio adequado da habilidade oral; etc. Os Parâmetros reafirmam o predomínio do desenvolvimento da competência leitora quando apontam, ainda que sutilmente, a dados de ordem nacional:“A análise do quadro atual do ensino de Língua Estrangeira no Brasil indica que a maioria as propostas para o ensino dessa disciplina reflete o interesse pelo ensino da leitura.”(PCN´s, 1998:21) Os PCN´s sugerem, para a disciplina de língua estrangeira, o uso de diversos tipos de textos, inclusive literários e aponta, como um dos objetivos da disciplina, que o aluno esteja apto a fazer uso da leitura como ferramenta de acesso ao mercado de trabalho ou vida acadêmica. É, portanto, indiscutível a importância da leitura na vida de um indivíduo, 4 sobretudo quanto esse necessita adquirir sempre novos conhecimentos e informações ou mesmo estar inserido no mundo que o cerca. A problemática estaria, no entanto, em torno da definição do que é leitura. Ao longo dos anos a concepção de leitura vem sofrendo mudanças. A princípio defendia-se que a leitura era um processo ascendente, no qual a informação partia do texto para o leitor que, por sua vez, exercia o passivo papel de apenas apreender a informação que lhe era fornecida usando, para tal, a simples decodificação de palavras e frases. Após esse período passou-se a pensar no processo de leitura como sendo descendente, no qual as experiências do leitor, que aqui tem um papel ativo, passam a valer mais do que qualquer informação detida pelo texto, sendo, portanto, o leitor quem confere significado ao texto. Essa fase trouxe avanços para o ensino de leitura, pois valorizava o conhecimento prévio e as inferências feitas pelo leitor, mas sua falha foi supervalorizar o leitor em detrimento do texto. A partir dos anos 80 surgiu o modelo interativo de leitura que, como a própria denominação deixa transparecer, contempla a leitura como um momento de interação entre o leitor e o texto, um verdadeiro intercâmbio de idéias por meio de um contínuo fluxo de informações, conferindo significação ao texto à medida que essa interação evolui. Cohen (1990:74-75) afirma que no processo interativo, várias atividades cognitivas são combinadas para que se chegue ao objetivo final dessa interação, a troca e/ou acréscimo de informações: Tem-se descrito a leitura desde o ponto de vista da interação que se produz entre o escritor e o leitor quando este atribui significado ao texto. O leitor realiza uma serie de atividades que incluem a retenção de novos conhecimentos, o acesso a conhecimentos armazenados e a atenção às pistas que o escritor nos dá para que entendamos o que ele quer dizer com o texto. Isto acontece porque vamos acumulando e ativando conhecimentos prévios à medida que avançamos na leitura do texto. Com essa compreensão entende-se que a significação textual será diferente de leitor para leitor, dadas as diferenças entre seus conhecimentos prévios. A idéia de leitor-alvo que o autor de um texto tem em mente quando o está escrevendo, será, de certo modo, o ponto de equilíbrio dessa relação para que, pela liberdade que confere ao leitor de acionar os conhecimentos e fazer as inferências que lhe parecerem pertinentes, não haja um distanciamento da idéia central que o autor pretende que seja compreendida, permitindo que o diálogo texto (autor)/leitor se concretize. Compreendendo a leitura como um processo de interação, Mendoza a define da seguinte forma: “A leitura é uma atividade pessoal que constantemente põem em jogo, para sua consolidação e ampliação, os conhecimentos prévios e as aquisições e/ou sucessivas 5 aprendizagens linguísticas que o aluno/receptor acumula.” (Mendoza, 2007:84). O autor destaca ainda a importância dessa relação de troca texto/leitor quando se contempla a leitura como lugar de interação, ressaltando a importância da cooperação do leitor diante do que o autor, por meio de seu texto, tenta transmitir ao seu receptor. Finalmente Widdowson (1984) define a leitura como meio eficaz de se alcançar a aprendizagem de uma língua: “A atividade de leitura nos faz pôr em relação o que o escritor menciona com nosso conhecimento de mundo. Deste modo compreendemos enquanto lemos ao negociar um acordo entre o que há escrito na página e o que nós sabemos.” A fala de Widdowson, bem com dos outros teóricos citados, reforça a idéia de que, dentro de uma concepção interacional de leitura, a compreensão textual estará condicionada à relação que se estabelecerá entre as informações do texto e o conhecimento prévio do leitor, podendo-se com isso ter várias interpretações dependendo do leitor ou mesmo do momento em que um leitor se encontra em relação a ele próprio enquanto participante dessa interação. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O QUE É LITERÁRIO E A FUNCIONALIDADE DO TEXTO LITERARIO NO ENSINO DE LEITURA NA ESCOLA. Uma das principais causas das dificuldades encontradas pelos docentes em trabalhar com o texto literário em sala de aula é a ausência de uma definição do que é literário e de como se determina que um texto pertence a essa categoria. Ainda que muitas iniciativas venham sendo tomadas a fim de se evitar essa lacuna, sabe-se que essa incógnita continua sendo motivo de preocupação por se converter em obstáculo para a aproximação desses textos ao ambiente escolar. Genette (1997) afirma que vários elementos norteiam a definição de literatura: “Uma obra literária é um ato (de fala) em cuja definição entram muitas outras coisas, além do seu texto, e que este ponto nos devolve à distinção entre imanência e transcendência”(Genette, 1997:31) De acordo com Mendoza (2004:21), a complexidade didática em torno do ensino de E/LE a partir do discurso literário deve-se, também, a essa falta de definições quanto ao que é literatura, o que confere a qualidade literária a um texto ou por que um texto é literário por parte das diversas teorias literárias, que não oferecem uma orientação didática mais eficaz. No entanto, segundo Pozuelo (1995:55) no âmbito textual não existem características que por si só possam conferir a um texto o caráter de literário, distinguindo-o de outros tipos textuais. Segundo Mendoza (2004): “A condição literária do discurso vem determinada pelas pautas de valorização que o coletivo cultural pré-determina e estabelece; seus critérios 6 confirmam o valor de produção estética do discurso literário.” (Mendoza 2004:21). Essa definição de literatura, apontada por Mendoza, faz um entrelaçamento entre o discurso literário e o contexto cultural no qual está inserido, sendo tal determinação influenciada pelo senso comum, referendado por grupos dominantes em uma determinada época, seja quanto ao seu letramento ou status acadêmico. Sabe-se que definir literatura, compreendendo-a como uma representação artística através das palavras, é algo bastante abrangente e que necessita ser avaliado a partir de diversos aspectos. Contemplando-se tal compreensão desde uma perspectiva didática, ou seja, objetivando o uso de textos literários em sala de aula, tem-se que recordar que, até bem pouco tempo, fazer uso do texto literário como ferramenta didática limitava-se à exposição de dados históricos, análises estilísticas ou mesmo categorização de épocas e estilos. O que se propõe agora é uma abordagem que dê ao texto literário seu devido valor, não lhe conferindo um papel secundário quando do seu uso, mas o de protagonista de uma prática pedagógica ousada, sugerindo e instigando o aluno a fazer parte daquilo que texto literário vem propor-lhe, possibilitando o deleite de uma produção literária, permitindo-lhe uma verdadeira compreensão do que de fato esse tipo de texto representa, conforme Mendoza descreve, retomando, inclusive, a idéia de interação por meio da leitura. Para chegar à essencialidade do literário é necessário participar do jogo de criação, sentir e perceber os efeitos estéticos da linguagem, manipulá-lo de modo direto para conhecê-lo em sua essência e na realidade discursiva que comporta toda a produção criativa. (Mendoza, 2004:27) Considerando-se, portanto, que se pode definir o texto literário seguindo aspectos estabelecidos por aspectos culturais de uma época e comunidade, torna-se mais importante o reconhecimento, por parte do leitor, de um texto como sendo literário, do que a própria definição do literário. Mendoza (2004) destaca bem o papel da comunidade sobre tal categorização e reforça o condicionamento de uma obra à aprovação do publico de uma época: É a comunidade quem converte os textos em literatura, não os autores; porque, ainda que estes lhes confiram as qualidades que fazem com que a comunidade os trate como literários, torna-se decisiva a aprovação da comunidade, ou quem sabe, mais precisamente, são decisivas as apreciações valorativas dos especialistas que exercem a crítica literária na comunidade cultural. (Mendoza, 2004:31) Para Widdowson (1984), um dos maiores defensores do uso do texto literário no contexto de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, a definição de literatura está intrinsecamente relacionada à de representação lingüística de um idioma. O autor afirma que a literatura deve ser compreendida como um tipo de uso da língua, justificando a relação desses 7 textos com o ensino de um idioma exatamente pelo fato de sua correspondência com um tipo de uso lingüístico. O que se conclui é que, mesmo com a definição pouco precisa que se tem do que é literatura e do que essa terminologia contempla, o professor pode ainda, segundo orientações dos estudos desenvolvidos em torno do discurso literário, fazer uso de estratégias que melhor se adequem às suas necessidades didáticas usando como ferramenta o texto literário. Esse tipo de texto é um material autêntico, uma amostra a mais da produção lingüística de uma língua e pode ser trabalhado da forma que mais convenha ao professor, de acordo com as necessidades do enfoque que pretenda dar a esse trabalho, considerando-se, é claro, a possibilidade de adaptação e adequação a determinados objetivos. No entanto, sejam quais forem esses objetivos há que se considerar que devem estar condicionados ao processo da leitura, uma vez que esta serve como canal para a comunicação entre o texto/autor e o leitor. Sobre essa relação leitura/texto literário Lazar (1993) afirma: “A literatura é um recurso especialmente útil no desenvolvimento da capacidade dos alunos de inferir o significado de um texto e lhe dar uma interpretação.” (Lazar, 1993:19) Muitos são os teóricos que defendem o uso do texto literário como instrumento de ensino de uma língua estrangeira. Mendoza (2007:55) afirma que os textos literários contem interessantes aspectos funcionais para completar e complementar a formação em LE. Defende, também, que a continuidade lingüística disponível através do discurso literário permite estabelecer o contraste entre características específicas da língua oral e escrita, da fala e do próprio discurso literário. Sob a perspectiva da didática de LE, Mendoza relaciona os benefícios da literatura a partir da leitura: A leitura e o trabalho com textos selecionados dentre a produção literária da língua meta tem um duplo interesse, seja pelo possível valor referencial dos conteúdos do texto(...), seja por sua função de complemento de qualquer planejamento metodológico seguido no ensino de L2. Os textos literários comportam diversos aspectos gramaticais, funcionais, comunicativos, culturais, etc. para a aprendizagem da língua. (Mendoza, 1993:20) Também é Mendoza que enfatiza o relevante elo entre a leitura e a literatura quando defende que essa relação contribui para a construção de modelos, por parte do aluno, que os constrói com base em referências básicas, às quais tem acesso através da leitura de textos literários. Os modelos do aluno constituem uma representação da sua compreensão pessoal, construída com base em seus conhecimentos prévios, anseios e postura em relação ao que lhe foi transmitido a partir da mensagem do texto ao qual foi exposto como leitor. O autor afirma, 8 ainda, que “a atividade leitora serve ao aluno para deduzir e inferir uma contínua série de formas de uso”. (1993:32) Battaner (1991) é outro teórico que defende a existência de uma relação, que pode oferecer conhecimento de vários segmentos, entre a aprendizagem de uma língua e a leitura de textos literários, sendo esses últimos por ele também considerados como meio para o desenvolvimento de habilidades linguísticas pelos alunos, quando do ensino de L1. Para o autor a virtude do texto literário está em: ...ser capaz de fixar uma atuação lingüística, certos fragmentos, estruturas, palavras, “tal qual” na mente dos receptores. Esta fixação (...) une uma idéia, uma situação, uma relação, etc... a uma expressão fixa, (...) abre ao que a freqüenta (...) a novas formas e a novas relações linguísticas.(Op.Cit.p.193) Frente a todas essas argumentações fica evidente a funcionalidade do texto literário no contexto das aulas de leitura na escola. No tópico seguinte trata-se sobre o projeto de pesquisa, em fase inicial, que objetiva ser um instrumento de verificação e reafirmação da utilidade e adequação do texto literário como ferramenta para o desenvolvimento da compreensão leitora de alunos do ensino fundamenta II, mais especificamente, alunos de turmas de 6º a 9º ano. 3. O TEXTO LITERÁRIO E A COMPREENSÃO LEITORA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II O que nos propomos é avaliar como o texto literário pode contribuir para o desenvolvimento da habilidade leitora. Mendoza (2007) estabelece a relação entre o discurso literário e a leitura do seguinte modo: Considerado desde a perspectiva de sua recepção leitora – a que especialmente interessa nesta orientação metodológica –, o texto literário e um material básico para exercitar a cooperação leitora, cabendo ao aprendiz (através da sua reação diante dos estímulos e dos reconhecimentos discursivos, os usos e as modalidades de ordem lingüística e pragmática) na (re)construção dos significados que lhe oferece o texto. (Mendoza, 2007:69) A pertinência do tema se dá por várias razões, dentre as quais podemos destacar a própria polêmica em torno da acessibilidade dos textos literários quando se tem como público-leitor alunos de nível inicial ou intermediário, uma vez que, para alguns estudiosos os textos literários afastam o leitor do contexto comunicativo, enquanto que para outros, como Widdowson (1984) e Battaner (1991), tem-se nesse tipo de texto uma amostra singular da língua, sendo, portanto, um exemplo a mais de produção lingüística e adaptável a qualquer que seja o enfoque que se lhe pretenda dar, inclusive o de desenvolvimento da compreensão 9 leitora. Mendoza (2007:62) reafirma essa adequação do discurso literário à diversas necessidades do professor de LE: “O texto literário é um material, um documento em si mesmo, passível de ser trabalhado e explorado didaticamente segundo interesses específicos de professores e alunos; é um material que se adapta a qualquer enfoque que tenhamos escolhido.” Há ainda a problemática quanto ao preparo, ou falta de preparo dos profissionais de educação no âmbito do E/LE, que termina por provocar uma lacuna que faz com que a prática de trabalhar com o texto literário em sala de aula, a fim de se desenvolver a compreensão leitora, pareça algo amedrontador, visto que o próprio professor não se sente seguro para tal abordagem, que exige um olhar diferenciado quanto ao tradicional trabalho com o literário, que apenas compreendia muito mais os aspectos estéticos do texto do que a representação lingüística a ele intrínseca. ...Quão ocupadas estão as universidades em ensinar retórica, dialética e lógica, todas artes para saber falar bem! (...) Os professores (segundo isto) ensinam o que não sabem, e os discípulos aprendem o que não lhes interessa e assim ninguém faz o que deveria fazer, e o tempo se passa mais queixoso e mal aproveitado... Poucos são os que hoje estudam por si e pela razão... (Quevedo apud Bastons, 1993:230) Podemos citar, ainda, infelizmente, a marginalização dada ao texto literário por boa parte dos livros didáticos disponíveis no mercado editorial, destinados ao nosso público-alvo. Frente a todas essas questões, faz-se necessária a intervenção de projetos de pesquisa que possam, de forma substancial, contribuir para que a habilidade de compreensão leitora possa contar com mais uma possibilidade como ferramenta para o seu pleno desenvolvimento, em seus vários níveis. O texto literário é um tipo de material que não apenas poderá ajudar nesse desenvolvimento, como também contribuir para o aprimoramento de processos cognitivos de construção de significados e a habilidade de fazer inferências de conhecimentos lingüísticos, bem como a correlação das novas informações com o conhecimento prévio que o aluno de ELE detem no contexto de sua língua materna. Além disso, os resultados obtidos por meio do projeto de pesquisa que se pretende desenvolver podem servir, ainda, para que professores de ELE possam ver no texto literário uma possibilidade de enriquecer suas aulas e mesmo seu próprio conhecimento, desvinculando-se dos antigos parâmetros para o trabalho com esse tipo de texto, que antes assustava tanto alunos quanto professores, e afastava-os do prazer de se contemplar o ensino de E/LE por meio de uma fonte tão fidedigna de sua representação. 10 4. METODOLOGIA Ao final dessa pesquisa pretende-se, portanto, como principal meta, verificar em quais circunstâncias o texto literário melhor se adapta ao trabalho para desenvolvimento da compreensão leitora do nosso público-alvo, fazendo-se, para isso, uso da pesquisa-ação. Ainda através de dita metodologia, teremos a possibilidade de expor alunos de 6° ao 9° ano, a atividades que possam culminar em uma melhor compreensão leitora por parte destes alunos, sempre contemplando a possibilidade de intervenções que sejam necessárias durante o processo de experimentação, tendo-se como ponto de partida para o desenvolvimento dessa competência o texto literário. Pretende-se que o trabalho de exposição desses discentes ao texto literário se dê de maneira bastante supervisionada, pois se trabalhará a compreensão leitora dos mesmos em duas etapas, tendo tanto a primeira, como a segunda duração de seis meses. Na primeira delas os alunos responderão a um questionário com o objetivo de se coletar dados que possam oferecer um panorama da concepção que esses informantes têm em relação ao texto literário e quais experiências lhes foram mais marcantes dentro desse contexto. Por meio da pesquisa-ação serão seguidos, na segunda etapa do trabalho com os alunos, alguns passos a ela inerentes, como, com base nos resultados adquiridos por meio do instrumento de investigação anteriormente citado, fazer um levantamento das lacunas existentes, no campo de conhecimento literário dos alunos, que possam dificultar ou mesmo impossibilitar a concretização do nosso objetivo, o de desenvolver a compreensão leitora por meio desse tipo de texto. A partir daí será feita uma seleção de textos e atividades mais apropriados à realidade dos alunos e compatíveis não só com suas necessidades, mais também com suas possibilidades de apreensão do que se pretende abordar e desenvolver por meio do material utilizado, buscando-se fazer a adequação dos vários gêneros que essa variante nos oferece de acordo com o nível de cada turma. Será feito também uso de atividades lúdicas, seminários, entrevistas, pesquisas, aulas expositivas, cirandas de livros, discussões e debates em grupos, apresentações teatrais, entre outras. Em outro momento, mas não como objetivo principal do projeto que será desenvolvido, serão realizadas entrevistas a alguns professores de ELE de ensino fundamental II para que se possa ter um panorama no qual se possa verificar se esses profissionais fazem uso do texto literário como ferramenta para o desenvolvimento dessa habilidade leitora em seus alunos e, em caso afirmativo, saber como é feito esse trabalho. Por meio de questionários pretende-se ainda, vislumbrar a compreensão que os próprios alunos, alvos da ação, têm 11 quanto à possibilidade de desenvolver sua leitura proficiente tendo como instrumento o texto literário. Por fim, mas também como objetivo secundário, será feita uma análise, por meio de protocolos de avaliação de material didático, relacionada ao uso que os livros didáticos, destinados aos alunos de ELE de ensino fundamental II, fazem do texto literário tendo como objetivo o trabalho com a competência leitora do seu público-alvo, considerando, portanto, esse tipo de texto como ferramenta de desenvolvimento do domínio de uma segunda língua em seu contexto de atividades didáticas voltadas para os aspectos comunicativos do idioma. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de tudo o que foi demonstrado pode-se concluir que, apesar da polêmica em torno do uso do texto literário nas aulas de LE, são válidas as discussões e pesquisas visando o aprimoramento da idéia de promover uma aproximação do aluno de língua estrangeira, ainda que em fase inicial ou intermediária de proficiência da língua, ao texto literário, contemplado como fonte fidedigna de demonstração de traços lingüísticos de um idioma. Vale salientar que essas iniciativas têm sua necessidade reforçada pela própria situação vigente nas nossas salas de aula, nas quais o uso do texto literário tem-se feito de maneira bem próxima aos moldes tradicionais que, ao invés de valorizar o discurso em sua essência, põem em destaque aspectos historicistas ou mesmo formais, que só servem para suscitar no aluno/leitor a repugnância pela literatura por atribuir-lhe, erroneamente, um grau de dificuldade intransponível, algo que foi imputado ao texto literário mas que, na verdade não lhe pertence, pois vai depender da seleção dos textos para a sala de aula. Além de esclarecer conceitos e formular teorias sobre o uso do texto literário, o que se necessita é de projetos de pesquisa que se proponham a buscar alternativas que possam melhorar o trabalho que vem sendo feito, ao longo dos anos, para reabilitar o texto literário no ensino de línguas estrangeiras, vendo-o como fonte de input lingüístico, como mostra de usos da língua e como mostra de cultura dos países da língua meta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BASTONS, C. “Propuestas metodológicas de motivación y de trabajo en las clases de literatura” in C. Bastons i Vivanco (coord.) et al.:Nuevas cuestiones didácticas de lengua y literatura en tiempos de reforma. Barcelona. PPU,1993, pp.227-241 (LCT-79). 12 BATTANER,M.PAZ. “La virtud de lo literario”, in M.SIGUÁN(Coord.):La enseñanza de la lengua. Barcelona:ICE / Horsori, 1991. COHEN, D.A. “Reading for Comprehension”, Cap 5, in Language Learning. New York, Newbury House, 1990. LAZAR,G. Literature na Language Teaching. 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