Metalinguagem, intertextualidade e consciência poética na obra de Mario Quintana Rosilene Frederico Rocha Bombini Universidade Sagrado Coração, Bauru/São Paulo e-mail: [email protected] Comunicação oral Pesquisa concluída RESUMO EXPANDIDO Introdução: O prefixo “meta” do vocábulo metalinguagem remete à etimologia grega da palavra: mudança, reflexão, crítica sobre algo. Ao construir poemas metalinguísticos, o poeta torna-se crítico de sua própria obra, construtor e usuário de uma linguagem, criando assim um espaço fecundo de reflexão sobre a arte inserida no mundo moderno. Efetivamente a metalinguagem não é privilégio apenas da literatura: fala-se em uma meta-história, uma metamúsica ou um metacinema. Entretanto, é no texto literário – em versos ou narrativo que germina a semente metalinguística, seja tematizada, quando evidencia um falar sobre o próprio código, seja estruturalmente, quando este código é ao mesmo tempo falado e demonstrado. Chalhub (1986, p.71) afirma que “no rastro da história, a metalinguagem é uma atitude moderna [...]. Esta dá uma perspectiva nova às artes, diante da crise que se instaurou, tendo em vista, principalmente, uma mudança de conceito e, consequentemente, de percepção face o objeto artístico”. O metapoema caracteriza-se por despertar questões elementares sobre o como fazer e para que serve a poesia, explorando, segundo Samira Chalhub (1986, p.60), “problemas teóricos do ato de poetar”. A autora continua a reflexão ao afirmar que esses poemas “suscitam tematicamente a mais essencial pergunta, aquela que funda o ato criativo: o que é (fazer a) poesia?”. O metapoema confronta o leitor com o fazer poético, coisa que poesias com outros temas não conseguem fazê-lo. Dessa forma, o leitor é chamado à participação mais efetiva, cabe-lhe a responsabilidade de entender o conteúdo do poema, isto é, o “o que”, sendo capaz de relacioná-lo 1 ao “como”, ou seja, o fazer poético, a arte de poetar. Ao leitor cabe o desafio de fazer as inferências tendo como ponto de partida os seus conhecimentos prévios, os vários significados que o texto pode agregar em sua trajetória além dos aspectos associados à memória cultural. Dessa forma, cada leitor organiza, de acordo com sua individualidade, um significado particular de suas leituras ao mesmo tempo em que busca completar os espaços em branco que o direcionem a uma compreensão não linear para a qual sua atenção seja redobrada por se tratar de um plano mais profundo. Agindo assim, pois, o leitor ressignifica sua leitura de mundo ao mesmo tempo em que atualiza o próprio texto. O poeta gaúcho Mario Quintana também acredita que a função do poema é fazer o leitor pensar, refletir e julgar por si mesmo: “a verdade é que minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele” (QUINTANA, 2005, p.528). O trabalho artístico do poeta, representado pela construção elaborada das imagens, a exploração das sonoridades, do ritmo e da forma são aspectos fundamentais para o despertar do leitor: no jogo da leitura este é capaz de sentir-se coautor dos versos, isso porque entendemos a leitura como um ato de interlocução. Para Chalhub (1986, p.55), “o leitor crítico opera sempre com o repertório metalinguístico”. Nesse sentido corrobora Paz (1982), ao explicar que a interação entre poema e leitor é determinante, quando afirma ser a participação do leitor uma característica comum a todos os poemas. Quintana defende que um poeta não deve dizer tudo, deve deixar para o público a tarefa de completar o texto e esclarecer, sozinho, os seus próprios enigmas que forem por ele suscitados. É preciso, por isso mesmo, não esgotar os assuntos, já que o texto não deve apresentar mais que o essencial. Em “Arte Poética”, da obra Velório Sem Defunto, o poeta explica que “Esses poetas que tudo dizem / Nada conseguem dizer: / Estão fazendo apenas relatórios...” (QUINTANA, 2005, p.905). Já em relação à intertextualidade, Perrone-Moisés (1978) explica que o termo é esse trabalho constante de cada texto com relação aos outros, “esse imenso e incessante diálogo entre obras que constitui a literatura. Cada obra surge como uma nova voz [...] que fará soar diferentemente as vozes anteriores, arrancando-lhes novas entonações” (PERRONE-MOISÉS, 1978, p.63). A interrelação de discursos não é uma questão recente, sejam eles de diferentes épocas ou de diferentes áreas linguísticas. A pesquisadora ainda afirma que o 2 texto literário surgiu relacionado com outros textos anteriores ou contemporâneos, a literatura sempre nasceu da e na literatura. Essa intercomunicação dos discursos, portanto, não é algo novo. O que é novo, segundo Perrone-Moisés, é que “esse inter-relacionamento apareça como algo sistemático, assumido implicitamente pelos escritores a partir do século XIX”. Quintana explora o recurso da intertextualidade em seus poemas ao longo de toda sua carreira. Como um poeta-emissor, ao atuar conscientemente em relação à sua ferramenta de trabalho, o faz no lugar do leitor, ou seja, quando Quintana traz o passado poético que o antecedeu incorporado à sua criação, mostra-se no lugar do leitor desse passado. Metodologia: A opção metodológica desta pesquisa reside no método bibliográfico, partindo da revisão de leitura referente à área da metalinguagem, intertextualidade e as teorias e críticas da poesia. A pesquisa foi realizada por meio da leitura e análise dos textos teóricos além da análise comparativa de poemas do poeta Mario Quintana. Resultados e discussão: A poesia crítica e reflexiva de Mario Quintana se materializa nos metapoemas. Compreender os metapoemas de Quintana como uma teoria da poesia pode nos levar a uma descoberta importante: como o poeta constrói sua poética ao longo de sua obra, ou ainda, como essa poética se desenvolve tendo como ponto de partida o comportamento metalinguístico do poeta. É a consciência de linguagem a qual perpassa a obra de Mario Quintana que interessa a este trabalho. De acordo com Chalhub (1986, p.56), “o poema metalinguístico deixa-se atravessar por diferentes linguagens”, pois o poeta pode dialogar com outros textos de sua própria produção, de forma implícita; pode também dialogar de forma explícita com sua memória textual, ou ainda nomear a presença de outros poetas e de outras linguagens na construção de seu texto. Essas possibilidades são comprovadas nas análises de textos do poeta Mario Quintana. Considerações finais: A natureza da metalinguagem faz com que o poeta se manifeste ao leitor como um crítico da própria obra, já que ela é uma descrição de si mesma. O poeta-emissor, ao atuar conscientemente em relação à sua ferramenta de trabalho, o faz no lugar do leitor, ou seja, quando Quintana traz o passado poético que o antecedeu incorporado à sua criação, mostra-se no lugar do leitor desse passado. Se, para Chalhub (1986), a metalinguagem é 3 uma atitude moderna, essa mesma modernidade permitiu aos autores uma ruptura com a tradição e possibilitou abordagens inovadoras como a própria dessacralização do objeto literário. A reflexão metalinguística aprofunda-se na linguagem, no seu uso e em suas artimanhas linguísticas, trazendo para a lírica de Quintana inúmeros aspectos modernos, como se pode perceber no texto “Ars Longa”, em que discute, de modo breve, a finalização de um poema: “Um poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor” (QUINTANA, 2005, p.251). A poesia moderna, conforme defende Quintana, acabou com os temas poéticos libertando de vez o artista para falar de qualquer assunto que fosse representado conforme sua emoção . Referências: CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Ática, 1986. PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. PERRONE-MOISÉS, Leila. Texto, crítica e escritura. São Paulo: Ática, 1978. (Ensaios 45) QUINTANA, Mario. Mario Quintana: poesia completa: em um volume. Org. Tania Franco Carvalhal. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. PALAVRAS-CHAVE: Poesia; Mario Quintana; metalinguagem; intertextualidade. 4