TEMPERATURAS MÍNIMAS NO RIO GRANDE DO SUL. PARTE I: COMPARAÇÃO ENTRE
ESTAÇÕES E DEPENDÊNCIA COM A TOPOGRAFIA
1
Adriano Battisti
1
Bruno Vidaletti Brum
Otavio Costa Acevedo²
Vagner Anabor²
1
Faculdade de Meteorologia - Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Avenida Roraima, 1000 – Cidade Universitária – Camobi – Santa Maria – RS – Brasil
[email protected]
[email protected]
2
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Avenida Roraima, 1000 – Cidade Universitária – Camobi – Santa Maria – RS – Brasil
[email protected]
[email protected]
Abstract: Minimum temperatures registered at 27 stations in Rio Grande do Sul along 2008 are analyzed.
The stations cover a range of altitudes from 0 to 1230 m. The winds also play an important role on the overall
differences among the stations. Santa Maria station is usually colder than the other ones under weak winds,
but this tendency is reduced under stronger winds. Only some stations, all of them located at lower places, are
colder than Santa Maria during calm nights. The minimum temperatures decrease with altitude, but at a
smaller rate than the adiabatic.
Resumo: Temperaturas mínimas registradas em 27 estações no Rio Grande do Sul ao longo de 2008 são
analisadas. As estações cobrem uma variação de altitude que vai de 0 a 1230 m. Os ventos exercem um
papel importante em todas as diferenças entre as estações. A estação de Santa Maria é geralmente mais fria
do que as outras sob ventos fracos, mas esta tendência é reduzida com ventos mais fortes. Somente
algumas estações, todas localizadas em locais mais baixos, são mais frias que Santa Maria durante noites
calmas. As temperaturas mínimas diminuem com a altitude, mas numa taxa menor do que a adiabática.
Palavras-chave: Camada limite noturna, Rio Grande do Sul, Temperaturas mínimas.
1 – INTRODUÇÃO
Processos como geadas, nevoeiros e conforto térmico dependem diretamente da
temperatura mínima, por isso, esta é uma das variáveis meteorológicas mais importantes para a
sociedade. Assim, seu conhecimento favorece o entendimento e a previsão destes processos. A
temperatura mínima depende intensamente dos processos de interação entre a superfície e a
atmosfera. Assim, características locais da superfície, como tipo de cobertura, orografia e
proximidade a obstáculos afetam de maneira significante esta variável (Acevedo e Fitzjarrald,
2003). É comum observar que em uma região razoavelmente pequena, de poucos quilômetros
quadrados, a temperatura mínima apresente uma enorme variabilidade espacial, com regiões mais
altas e desprotegidas de obstáculos se mantendo mais quentes que regiões baixas e abrigadas.
Isso é explicado pelo fato do vento favorecer mistura durante a noite, trazendo ar aquecido de
níveis mais altos para junto à superfície, sendo que este processo é facilitado em regiões mais
abertas. Por outro lado, quando não há vento suficiente, o esfriamento superficial causa o
desacoplamento entre a superfície e os níveis superiores da atmosfera. Battisti et al. (2010)
mostraram este tipo de ocorrência estudando algumas localidades mais concentradas no centro
do estado do Rio Grande do Sul. A superfície, nesse caso, se resfria intensamente, respondendo
apenas a forçantes locais, pois não há mistura suficiente para conectá-la à atmosfera superior,
mais quente. Por esses motivos, a previsão de temperatura mínima é uma das mais difíceis a ser
feita, sendo que é necessário ter um preciso conhecimento de como ela é afetada pelas demais
variáveis meteorológicas. Modelos regionais têm dificuldade de reproduzir a desconexão entre a
superfície e a atmosfera em noites de pouco vento, levando a grandes erros na previsão de
temperatura mínima, sendo que a diferença entre a temperatura registrada e a prevista pode
passar de 4°C (Brum et al.,2010) .
Os trabalhos de Battisti et al. (2010) e Brum et al. (2010) consideraram apenas 6
estações. Neste trabalho, estendemos o estudo da temperatura mínima para 27 municípios
buscando atingir todas as regiões do estado do Rio Grande do Sul. Com o objetivo de
compreender a variabilidade desta variável entre locais de diferentes características, analisamos o
papel exercido pelo vento mostrando suas influências.
2 - MATERIAL E MÉTODOS
Obtiveram-se dados do ano de 2008 de 26 estações automáticas do INMET (Instituto
Nacional de Meteorologia), nos municípios de Alegrete, Bagé, Bento Gonçalves, Caçapava do Sul,
Camaquã, Canguçu, Cruz Alta, Erechim, Frederico Westphalen, Jaguarão, Lagoa Vermelha,
Passo Fundo, Porto Alegre, Quaraí, Rio Grande, Rio Pardo, Santa Maria, Santa Rosa, Santana do
Livramento, Santo Augusto, São Borja, São Gabriel, São José dos Ausentes, São Luiz Gonzaga,
Torres e Uruguaiana, e 1 estação meteorológica do Laboratório de Micrometeorologia da UFSM,
em Veranópolis. A figura 1 mostra a localização destas estações. A partir desses dados, extraiu-se
a temperatura mínima, o vento médio de cada dia e o vento médio no período noturno. Devido ao
atraso de três horas em relação a Greenwich, calcularam-se as variáveis a partir dos valores das
04 UTC (dados entre 03 e 04, correspondendo entre 00 e 01 local) do dia considerado às 03 UTC
do próximo dia. No caso do período de horário de verão, das 03 às 02. A tabela 1 mostra a altitude
de cada estação considerada e a do ponto de grade mais próximo gerada pelo modelo BRAMS
(Brazilian developments on the Regional Atmospheric Modelling System), rodado pelo GruMA
(Grupo de Modelagem Atmosférica da Universidade Federal de Santa Maria).
Figura 1. Localização das estações analisadas e topografia da região de estudo.
Tabela 1 - Altitude das estações e do ponto de grade mais próximo
Estação
Altitude (m)
Altitude Ponto de Grade (m)
Alegrete
121
116
Bagé
230
267
Bento Gonçalves
640
436
Caçapava do Sul
450
224
Camaquã
108
79
Canguçu
464
226
Cruz Alta
432
386
Erechim
765
526
Frederico Westphalen
490
264
Jaguarão
47
51
Lagoa Vermelha
842
793
Passo Fundo
684
594
Porto Alegre
47
23
Quaraí
124
152
Rio Grande
2
1
Rio Pardo
111
79
Santa Maria
95
169
Santa Rosa
276
290
Santana do Livramento
328
245
Santo Augusto
550
390
São Borja
83
81
São Gabriel
126
153
São José dos Ausentes
1230
1018
São Luiz Gonzaga
245
178
Torres
4
0
Uruguaiana
62
76
Veranópolis
682
543
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Seguindo a mesma análise de Battisti et al. (2010), utilizamos a estação de Santa Maria
como referência para o estudo. Em virtude do grande número de estações consideradas, estas
foram classificadas em três grupos. O primeiro concentra as localizadas no Alto Uruguai, Planalto
Médio e Missões. No segundo grupo estão as estações localizadas em áreas de topografia mais
complexa, incluindo aí as Serras Geral e do Sudeste e os Campos de Cima da Serra. As demais
estações, que compreendem regiões mais baixas do Centro-Sul do Estado, nas áreas da
Campanha, Depressão central e Litoral, estão no terceiro grupo.
Figura 2. Diferença entre temperaturas mínimas observadas nas diferentes estações com a registrada em
Santa Maria, como função do vento médio noturno em Santa Maria, para as estações do primeiro grupo
considerado. As linhas verticais indicam o desvio padrão para cada classe de dados.
Nas estações do grupo 1, dois padrões de diferenças de temperaturas mínimas em relação
à estação de Santa Maria aparecem. Em algumas, como Erechim, Santo Augusto, São Luiz
Gonzaga, Passo Fundo e Cruz Alta, com maiores intensidades de vento, a estação de Santa
Maria se torna relativamente mais quente. De maneira geral, isso é explicado pelo fato de que com
pouco vento, há desconexão da superfície e níveis atmosféricos mais altos. Este processo ocorre
em Santa Maria, mas não em todas as estações. Assim, aquelas onde a desconexão não é tão
intensa ou freqüente, não se resfriam muito intensamente em noites de pouco vento. Por outro
lado, há estações em que a diferença de temperatura para Santa Maria é constante
independentemente do vento. Entre essas, no grupo 1, se encontram Frederico Westphalen,
Santa Rosa e São Borja.
No grupo 2, por outro lado (figura 3), todas as estações apresentam temperaturas mínimas
cuja diferença à observada em Santa Maria depende do vento. Este padrão é mais óbvio em
algumas estações, como Veranópolis, Caçapava do Sul e Canguçu, mas pode ser identificado em
todas. Como são estações em regiões montanhosas, isso evidencia a falta de desacoplamento
nas noites de pouco vento, de forma que nestes casos estas localidades se mantém mais quentes
enquanto que as mais baixas como Santa Maria, experimentam resfriamento mais acentuado.
Finalmente, no grupo 3 (figura 4), aparece um outro tipo de padrão em que algumas
estações, como São Gabriel, Alegrete e Quarai são mais frias que Santa Maria em noites de
pouco vento. Sugerimos que esse comportamento se deve a estas localidades estarem em pontos
mais baixos que seus arredores, permitindo acúmulo mais acentuado de ar frio nas noites calmas.
No terceiro grupo há também estações com os outros dois padrões já considerados. Em Porto
Alegre, Rio Pardo, Bagé, Santana do Livramento, Rio Grande, Camaquã, Jaguarão e Torres, as
mínimas são relativamente maiores que em Santa Maria em noites de pouco vento. As
temperaturas mínimas da estação de Uruguaiana tem uma diferença em relação a Santa Maria
que independe do vento.
Figura 3. O mesmo que a figura 2, mas para estações do segundo grupo.
Finalmente, para sumarizar os resultados, apresentamos a dependência da média das
temperaturas mínimas em relação a altitude da estação (figura 5, painel da esquerda). Se observa
que, conforme o esperado, as mínimas mais baixas ocorrem nas regiões mais altas. Entretanto, a
variação da temperatura mínima com a altura é menor que a taxa adiabática de 9,8°C/ km. Um
ajuste linear, mostrado na figura, indica que, na média a queda de temperatura mínima é de
3,4°C/km, bem abaixo da adiabática. Se considerarem-se apenas as noites com vento mais
intenso, essa taxa se aproxima levemente da adiabática, mas atinge no máximo 4°C/km. Este fato
evidencia que o vento e a mistura que promove, especialmente nas estações mais altas, têm uma
influência na variabilidade de temperaturas mínimas. Se a variação adiabática é removida em
cada estação, o padrão daquilo que chamamos de temperatura mínima potencial se inverte, e
passa a aumentar com a altura (figura 5, painel da direita).
Figura 4. O mesmo que na figura 2 mas para o terceiro grupo de estações.
Figura 5. Esquerda: Temperaturas mínimas médias em função da altitude das estações. A linha representa
um ajuste linear de mínimos quadrados. Direita: o mesmo que no painel da esquerda, mas incluindo a
compensação pela variação adiabática da temperatura.
4 – CONCLUSÕES
Os padrões de variabilidade de temperaturas mínimas identificados por Battisti et al. (2010)
são reproduzidos quando um número bem maior de estações é considerado. A maioria das
estações, incluindo todas em terreno complexo, apresenta aumento relativo da temperatura
mínima em relação à Santa Maria em noites de pouco vento, evidenciando a desconexão entre
superfície e atmosfera que é favorecida nas localidades mais baixas. A variação de temperatura
mínima com a altura não segue a variação adiabática, ficando bem abaixo desta. Especulamos
que isto esteja associado à maior intensidade de vento nas localidades mais altas, mas é
necessário um estudo mais detalhado para comprovar este fato.
Na segunda parte deste estudo, analisamos a previsibilidade das mínimas e dos padrões
aqui observados, usando o modelo de mesoescala BRAMS.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEVEDO, O. C.; FITZJARRALD, D. R. 2003. In the core of the night – effects of intermittent
mixing on a horizontally heterogeneous surface. Boundary-Layer Meteorology, 106: 1-33.
BATTISTI, A. et al. Temperaturas Mínimas no Rio Grande do Sul. Parte I: Distribuição Espacial e
Dependência de Fatores Externos. Anais do XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, 2010.
BRUM, B. V. et al. Temperaturas Mínimas no Rio Grande do Sul. Parte II: Previsibilidade Através
de um Modelo Numérico de Mesoescala. Anais do XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia,
2010.
6 – AGRADECIMENTOS
Ao INMET e ao GruMA pelos dados fornecidos.
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