Obsolescência Programada e Vulnerabilidade do Consumidor na Indústria de Aparelhos de Tecnologia Móvel Autoria: Márcio Roberto Sousa Carneiro, Carlo Gabriel Porto Bellini, Rita de Cássia de Faria Pereira Resumo Não é novidade que o mundo passa por constantes transformações e na esfera da tecnologia esta transformação é ainda mais constante. No tocante aos aparelhos de tecnologias móveis, tem-se visto lançamentos constantes de produtos e de firmware – Sistema Operacional (SO). O objetivo desta pesquisa é analisar que atitudes possuem os consumidores de aparelhos de tecnologia móvel que estejam em situação de vulnerabilidade pela obsolescência planejada dos produtos devido a não atualização do SO. Realizou-se um estudo de caso único, por meio de netnografia, numa comunidade virtual. Identificou-se como resultados a presença de quatro categorias fundamentais: emocional, conativo, cognitivo e aceitação. 1 1 Introdução Não é novidade que o mundo passa por constantes transformações, e na esfera da tecnologia esta transformação é ainda mais constante. Basta comparar modelos de carros, computadores, videogames e telefones em um período de cinco anos, e a diferença tende a ser bastante significativa. No tocante aos aparelhos de tecnologias móveis (conhecidos como mobile devices), tem-se visto lançamentos constantes de produtos, ainda mais com a criação dos tablets e, mais recentemente, dos chamados “phablets”, aparelhos intermediários entre os smartphones e os tablets, possuindo tela touch entre 5 e 7 polegadas. O uso de aparelhos de tecnologia móveis tem crescido entre todas as faixas etárias, inclusive por crianças e idosos. Pesquisa realizada pela Common Sense Media aponta que 38% das crianças com até dois anos de idade nos Estados Unidos já utilizaram smartphone ou tablet – se considerarmos as crianças com até oito anos, o percentual sobe para 72% (IDGNOW, 2013b). Por sua vez, embora os idosos ainda sejam proporcionalmente os que menos utilizam tecnologia de modo geral, percebe-se certa aceitação e uso de tais tecnologias, com 28% dos idosos em idade entre 65 e 75 anos afirmando estar atualizados com os avanços tecnológicos, além de representarem 1,93% do total de internautas no Brasil (IBOPE,2013). O mercado de tecnologia móvel está bastante aquecido. Não é por acaso que há diversas empresas globais que disputam a atenção dos consumidores neste mercado bilionário, como Samsung, Apple, Motorola, LG, Nokia, Sony, Lenovo, entre outras. Tais empresas buscam oferecer serviços diversos para lhes diferenciar no mercado, tais como tamanho, tipo e quantidade de pixels da tela touchscreen, qualidade da câmera do dispositivo, qualidade do processador e quantidade de memória RAM, preço baixo e tipo de sistema operacional (SO) – também conhecido por firmware. Assim como os computadores pessoais, desktops e notebooks necessitam de um SO para funcionar. Os mais utilizados são o Windows, Macintosh e Linux. Os aparelhos de tecnologias móveis também necessitam de um SO (além de smartphones, tablets e phablets já mencionados, também se utilizam de SO as SmartTVs e atuais modelos de videogames, como PlayStation, Wii, etc.). As plataformas mais utilizadas destes SO para aparelhos de tecnologias móveis são: Android (com base no sistema Linux e pertencente à Google, atualmente na versão 4.4.2), iOS (presente no iPhone e iPad da Apple, na versão 7.0.3), Windows Phone (mesma interface e versão do Windows 8.1 para desktop) e BlackBerry (para os aparelhos de mesma empresa, estando na versão 10) – há ainda diversos aparelhos no mercado baseados no SO Symbian, principalmente das empresas Nokia e Sony Ericsson, mas o mesmo foi abandonado e não possui mais atualização de sua plataforma. Segundo dados do IDC (2014), o Android é o SO mais utilizado nos aparelhos de tecnologias móveis do mundo, estando presente em 78,6% destes; seguido de longe pelo iOS (15,2%) e Windows Phone (3,3%). No Brasil, a supremacia do SO Android é ainda maior, estando presente em 88,7% dos aparelhos; com o Windows Phone ocupando o segundo lugar do rank (6%) e o iOS em seguida com 4,7% de participação (FOLHA.COM, 2014). Manter o SO do aparelho atualizado com o que há de mais novo (o que significa ter maior segurança contra ataques cibernéticos, agilidade do sistema e maiores possibilidade de uso do mesmo dentre outros aspectos) deveria ser algo comum por parte das fabricantes de aparelhos de tecnologias móveis. Entretanto, isso não acontece na prática na maioria dos casos, limitando-se a atualizar seus produtos em um curto período após o lançamento – tornando-os rapidamente obsoletos com os constantes lançamentos de produtos novos. Não é à toa que uma das características dos produtos mais propagandeadas para aumentar as vendas dos mobile devices é a versão do SO do aparelho. Tal informação tem 2 sido levada em conta por consumidores em sua decisão de compra e as fabricantes têm percebido isso, aproveitando-se da vulnerabilidade dos consumidores como estratégia de aumento de vendas, por tornar produtos obsoletos frequentemente com menos de um ano de lançamento (MICALI, 2013) e sem qualquer avaria para seu perfeito funcionamento. Como exemplo de melhoria no SO que pode deixar obsoleto aparelhos que se utilizem de versões anteriores, há o caso da atualização da última versão do Android – batizada como KitKat numa ação promocional com a marca de bombons da Kraft Foods – que incrementou a possibilidade de se possuir até duas contas de usuários (como acontece nos computadores pessoais), facilitando a vida de quem divide tais aparelhos com outras pessoas da família – o que é bastante comum nos casos dos tablets. Não é segredo que os aparelhos de tecnologias móveis estão presentes nas vidas de diversas pessoas, sendo inclusive considerados extensões de seu self (além de ser um consumo simbólico como forma de entrada em determinados grupos que possuem gostos e culturas/subculturas em comum) e ocasionando dependência de usuários de tais tecnologias num universo cada vez mais conectado. Dessa forma, necessária se faz a participação de um agente regulador externo no sistema de marketing (caracterizado pela troca entre um agente ofertante e um demandante) que possa reequilibrá-lo, seja pelo fornecimento de informações aos consumidores que os tornem conscientes da situação de vulnerabilidade (como em ações de educação do consumidor), seja agindo de forma direta no mercado por meio de regulação das ações dos fornecedores com a criação de leis adequadas que coíbam tal prática. A questão que se levanta na presente pesquisa é se os consumidores estão conscientes da estratégia utilizada pelas fabricantes de aparelhos de tecnologias móveis de tornar os produtos obsoletos cada vez mais rapidamente pela não-atualização dos firmwares como forma de aumento nas vendas (caracterizando, assim, vulnerabilidade caso não tenham tal consciência ou, então, não possuam meios para mudar a condição caso tenham ciência da referida estratégia). Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar as atitudes dos consumidores de aparelhos de tecnologia móvel que estejam em situação de vulnerabilidade. O presente estudo é composto por mais cinco etapas. Os capítulos 2 e 3 abordam os principais construtos teóricos da pesquisa, respectivamente Obsolescência Programada e Vulnerabilidade do Consumidor. No capítulo 4, apresenta-se os procedimentos metodológicos adotados para consecução desta pesquisa, assim como o contexto da pesquisa. Em seguida, no capítulo 5, tem-se a análise e discussão dos resultados. Por fim, no capítulo 7 são expostas as considerações finais. 2 Obsolescência Planejada Obsolescência é o estado de um objeto, lugar, serviço ou prática que não se encontra mais em uso. Comumente ocorre porque está disponível uma substituição, sendo superior em um ou mais aspectos. A raiz do termo “obsoleto” refere-se a algo que já está em desuso, antiquado ou descartado (BROWN, 1994). Por sua vez, obsolescência planejada (ou programada) refere-se à produção de bens não econômicos com uma vida útil curta, tendo como objetivo levar os clientes a comprarem repetidamente o mesmo produto (BULOW, 1986). O termo “obsolescência planejada” surgiu pela primeira vez em 1932, em um livreto de Bernard London denominado “Ending the Depression through Planned Obsolescence” – em livre tradução, “Acabando a Depressão através da Obsolescência Planejada” (LONDON, 1932) –, que tratava da mudança de hábito do povo estadunidense após a Grande Depressão de 1929, relatando que estes passaram a utilizar seus produtos até não poderem mais (o que não acontecia na época anterior de prosperidade), não considerando a obsolescência por conta de moda ou simplesmente para dar 3 um update no produto (passando de consumidores extravagantes ao seu extremo, numa grande retração de consumo). Além de observar a prática da obsolescência programada por parte das organizações sob a perspectiva ética (utilizar-se de má-fé em planejar a obsolescência de um produto com fim de elevação de vendas), deve-se também observar que sempre que um produto se torna obsoleto – e surgem centenas de novos produtos no mercado – os usados tendem a ser descartados em um aterro sanitário ou jogados em alto mar. Não se deve esquecer que tais produtos utilizaram-se de recursos naturais para sua produção e, com a ampliação da velocidade da obsolescência, cada vez mais recursos naturais são consumidos, cada vez mais rápidos sendo descartados em forma de lixo num ciclo vicioso que tende a ser trágico (GUILTINAN, 2009). Não há apenas um tipo de obsolescência programada. A Figura 1 apresenta os principais tipos de obsolescência verificados na literatura. Figura 1 – Tipos de obsolescência programada Fonte: Keeble (2013) A obsolescência funcional pode ser dividida em dois tipos: natural ou forçada. A obsolescência funcional natural se refere aos casos em que o produto não funciona mais adequadamente e necessita de peça de reposição, sendo que esta peça pode não estar mais disponível para comercialização (com os fornecedores tendo naturalmente deixado de produzi-la ao longo do tempo por falta de demanda que a justificasse) ou mesmo o seu alto custo venha a não compensar a referida aquisição. A obsolescência funcional forçada é uma das formas mais comuns que a obsolescência programada assume. Nesse tipo de obsolescência, a empresa decide intencionalmente quando um dado produto irá se desgastar ou deixar de funcionar corretamente. Uma empresa pode fazer isso criando um produto com componentes e encaixes mais pobres (KEEBLE, 2013). Por sua vez, a prática de obsolescência técnica é bastante recorrente nos dias atuais, e, de certa forma, necessária, visto que a demanda anseia por aprimoramento tecnológico constante. É com este tipo de obsolescência que as fabricantes de produtos de tecnologias móveis convivem diariamente e muitas vezes se aproveitam da mesma para agilizar mais ainda a percepção de obsolescência pelos clientes (KEEBLE, 2013). A obsolescência de estilo acontece quando um produto se torna menos elegante e indesejado devido às tendências do momento. O produto pode até ser ainda bastante funcional, funcionando em todos os aspectos, exceto esteticamente (KEEBLE, 2013). Maycroft (2009) apresenta a razão subjacente do tamanho do poder do estilo para os 4 consumidores, afirmando que as decisões de consumo são motivadas ou por considerações estéticas ou para as suas implicações em relação à construção de sua identidade. A moda é um exemplo deste tipo de obsolescência. Finalmente, a obsolescência adiada refere-se ao fato de que, com as mudanças tecnológicas sendo cada vez mais constantes, muitas empresas decidem inicialmente se utilizar das novas tecnologias em seus produtos tipo premium e com o passar da novidade, adiar mais um pouco a utilização de tal tecnologia em produtos mais populares com preços mais baixos (KEEBLE, 2013). Tal prática é bastante conhecida entre os profissionais de marketing, sendo denominado como estratégia de skimming (ou desnatamento), aproveitandose assim da vantagem competitiva da inovação para maximizar o lucro com consumidores que valorizam adquirir o produto mais atual, reduzindo em seguida o preço do produto quando do lançamento de novo produto para que os consumidores que não tiveram interesse, ou condição financeira de adquirir inicialmente, possam fazê-lo com o preço reduzido (continuando o ciclo com a oferta de produto premium a determinados clientes). Obsolescência não programada ocorre inconscientemente e pode incapacitar a fabricação ou comercialização de um produto quando acontece. Pode acontecer por diversos aspectos alheios à vontade da organização, como, por exemplo, a proibição legal do uso de dada substância devido a novas pesquisas sugerirem que a mesma pode fazer algum mal à saúde humana com o seu consumo. Guiltinan (2009) relata que políticas públicas devem ser criadas com o intuito de coibir práticas excessivas por parte das organizações. Entretanto, existem dois obstáculos para redução destas práticas: a) pressão competitiva quanto às expectativas dos consumidores por atualizações frequentes de bens duráveis; e b) falta de preocupação dos consumidores no que se refere às consequências ambientais de suas ambições de atualizações frequentes de bens duráveis (GUILTINAN, 2009). Como já relatado, práticas organizacionais que se baseiam na estratégia de antecipar o desuso de determinados produtos para aumentar as vendas são tidas como antiéticas por se aproveitarem da vulnerabilidade dos consumidores. Smith e Cooper-Martin (1997) argumentam que há críticos quanto à venda de determinados tipos de produtos que são, por si só, prejudiciais a indivíduos ou mesmo a grupos, sendo sua comercialização vista como antiética (como venda de álcool, tabaco ou jogos de azar); mas que há agravante quando comerciantes definem como clientes-alvo indivíduos vulneráveis, ofertando produtos que podem causar dano físico, econômico ou psicológico. 3 Vulnerabilidade do Consumidor Vulnerabilidade refere-se à suscetibilidade a sofrer danos ou de ser enganado por outra pessoa (SMITH; COOPER-MARTIN, 1997). Morgan et al. (1995) propõem uma visão ampliada acerca de vulnerabilidade, incluindo as pessoas incapazes de tomar decisões no momento da compra por falta de informações precisas. Mais especificamente quanto à vulnerabilidade do consumidor, Smith e Cooper-Martin (1997) caracterizam-na como aqueles consumidores que são mais suscetíveis a sofrerem dano econômico, físico ou psicológico, ou como resultado de transações econômicas devido a características que limitam a sua capacidade de maximizar a sua utilidade e bem-estar. A vulnerabilidade do consumidor ocorre quando há limitação da sua capacidade de tomar decisões eficientes. Alguns atributos são com frequência considerados quando se investiga vulnerabilidade do consumidor: idade, gênero, raça/etnia, educação e status socioeconômico (JONES; MIDDLETON, 2006). 5 Smith e Cooper-Martin (1997) desenvolveram uma matriz estratégica com quatro tipos possíveis de enfoque quanto à nocividade do produto e à vulnerabilidade do consumidor (F Figura 2). Figura 2: Estratégias de foco do produto em tipo de dano/vulnerabilidade Fonte: Adaptado de Smith e Cooper-Martin (1997) Percebe-se que os comerciantes possuem diversas estratégias a seguir, desde a “Estratégia 1”, que seria a mais correta na perspectiva da ética organizacional – com a comercialização de produtos pouco nocivos à sociedade e com baixa vulnerabilidade de seus respectivos consumidores alvo –, seguindo por níveis intermediários (“Estratégia 2” e “Estratégia 3”), até o oposto da “Estratégia 1”, observados na “Estratégia 4”, que, além de ofertar produtos de alta nocividade à sociedade, também os direcionam a consumidores de elevada vulnerabilidade. Baker e Mason (2012), por sua vez, relatam que temas relacionados a comportamento do consumidor – no que se refere a consumo de produtos, serviços e marcas para a criação de identidades – são bastante pesquisados na academia. Entretanto, estudos que enfoquem a instabilidade pessoal e social, ou a vulnerabilidade relacionada à falta de acesso a produtos ou mercados são menos encontrados. Mercado e consumo são, por um lado, fontes de significados, conexões relacionais e liberdade; mas, por outro, são fontes de risco, vulnerabilidade e conflitos sociais (BAKER; MASON, 2012). A análise de vulnerabilidade tem uma tradição rica e variada dentro das ciências sociais, surgindo primeiramente como uma lente teórica através da visão dos grupos em risco, injustiças sociais e situações perigosas (BAKER; MASON, 2012). Um modelo conceitual do processo da teoria da vulnerabilidade e resistência do consumidor é desenvolvido por Baker e Mason (2012), apresentado na Figura 3. Figura 3: Modelo conceitual da teoria da vulnerabilidade e resistência do consumidor Fonte: Baker e Mason (2012). 6 Para melhor compreensão deste modelo, pode-se supor o seguinte exemplo: Pedrinho é um jovem que possui desejos e necessidade de se relacionar como qualquer outro. Assim, para que seja aceito em seu grupo de amizades, apropria-se de certos hábitos e estilo de vida do mesmo (Pressões). Todos os seus colegas possuem smartphones modernos, utilizando-se basicamente para jogarem em grupo, trocar mensagens em aplicativos de bate papo – por exemplo WhatsUp – e em redes de relacionamento virtual. Esta geração tem perdido o hábito de efetuar ligação telefônica – passar e-mail ou SMS muito menos –, assim não ter um smartphone que permita a instalação de tais aplicativos (Evento Disparador) é a certeza de perder espaço no grupo (Estado de Vulnerabilidade). Se já não fosse o bastante, mudança rápida é inerente à tecnologia, assim novos aplicativos são criados constantemente e novos SO e Hardware são demandados para tal fim num ciclo vicioso constante (Tensão Ideológica). Neste contexto que surgem as forças de resistências (Resiliência) à tal situação deletéria - seja ao meio ambiente, ao consumidor ou à sociedade como um todo -, como o Poder Público (por meio de Lei), ONGs, Organizações Empresariais ou mesmo grupos de Consumidores que tentarão coibir tais práticas (seja via boicote ou por meio de pressão pública com apoio de mídia de massa). Há dois tipos de vulnerabilidade: real ou percebida (BAKER et al., 2005). A vulnerabilidade real é aquela que ocorre realmente e é experimentada e compreendida apenas ao se observar ou ouvir falar das experiências de consumo que levaram à vulnerabilidade, enquanto que a vulnerabilidade percebida se refere apenas à percepção de outrem, mesmo que não haja concordância do indivíduo ou mesmo que o mesmo não seja realmente vulnerável (trata-se apenas de percepção). É importante realçar que vulnerabilidade não é a mesma coisa que o consumidor não ter suas necessidades atendidas, nem mesmo ele integrar um grupo que é de alguma forma protegido, assim como não se refere à discriminação ou preconceito, estigmatização ou alguma desvantagem por parte do consumidor (BAKER et al., 2005). Com relação a esta última situação, Baker et al. (2005) são enfáticos em afirmar que vulnerabilidade não é o mesmo que desvantagem, porque vulnerabilidade ocorre quando barreiras proíbem o controle e evitam a liberdade de escolha. 4 Procedimentos Metodológicos Este estudo é de natureza qualitativa e com objetivo exploratório, dada a inexistência de estudos que abordem a situação de vulnerabilidade dos consumidores de aparelhos de tecnologia móvel quanto à decisão das fabricantes de não-atualização do SO dos respectivos aparelhos. Optou-se por focar a maior fabricante de produtos de tecnologia móvel em termos de vendas do mundo: a coreana Samsung. O produto analisado é o tablet Samsung Galaxy Note 10.1 (modelo 2012, estando ainda na versão do SO Android 4.1.2 - atualizado apenas uma vez). No final de 2013 a fabricante coreana lançou um novo modelo (versão 2014, vindo de fábrica atualizado com o SO Android 4.3 - em sua penúltima versão). Tal situação deixa claro a intenção de tornar o modelo anterior obsoleto para que haja incremento nas vendas do modelo mais atual. Quanto a estratégia de pesquisa, optou-se pelo estudo de caso, realizada através da netnografia. Como unidade de análise, foi escolhida uma das maiores comunidades de usuários de produtos Samsung no mundo, o blog SamMobile.com (possuindo em abril de 2014 mais de 2,5 milhões de participantes do mesmo). Para chegar ao fórum de discussão desejado, o autor se utilizou do campo de busca do próprio blog – usando palavras-chave como “Tablet Galaxy Note”, “N8000” e “N8013”. Em um dos fóruns de discussão, havia uma petição aberta pelo usuário “GKM2013” no dia 09 de 7 Novembro de 2013, solicitando a atualização dos tablets Samsung Galaxy Note 10.1 para a versão do SO Android 4.3 (visto que já está presente na edição 2014 no mesmo aparelho), sendo assim escolhida tal discussão neste fórum como objeto de análise do presente artigo. A coleta de dados da pesquisa ocorreu entre os dias 10 de dezembro de 2013 a 24 de fevereiro de 2014, num total de 41 interações entre os membros acerca do assunto proposto no fórum. Deve-se considerar que, por se tratar de uma pesquisa netnográfica (com o território de pesquisa ocorrendo na Internet), as informações ficam registradas por um longo período de tempo. Dessa forma, a coleta das conversações se iniciou em 09 de novembro de 2013, data em que foi aberto o fórum de discussão já mencionado. Por fim, procedeu-se à análise de conteúdo da conversação, mediante coleta da interação dos participantes do fórum, para se chegar a categorização das principais atitudes dos consumidores de aparelhos de tecnologia móvel em situação de vulnerabilidade. 4.1 O Contexto do Caso: Samsung Galaxy Note 10.1 Desde sua concepção como uma pequena empresa de exportação em Taegu, Coréia do Sul, a Samsung cresceu e se tornou uma das principais empresas de produtos eletrônicos do mundo, especializada em mídia e equipamentos digitais, semicondutores, memória e integração de sistemas. Os atuais produtos e processos inovadores da Samsung são mundialmente reconhecidos (SAMSUNG, 2013a). Dados do segundo trimestre de 2013 apontam que a Samsung tornou-se a empresa mais lucrativa da área de tecnologia, desbancando a então líder, Apple (LANDIM, 2013). Entre os meses de abril e junho de 2013, a Samsung lucrou US$ 8,3 bilhões, um valor 47% maior do que o obtido no mesmo período de 2012. Por sua vez, a Apple lucrou US$ 6,9 bilhões, 17% a menos do que a Samsung. Outra informação que merece destaque é que no segundo trimestre de 2013, a Samsung vendeu um total de 71 milhões de unidades de smartphones enquanto a Apple vendeu apenas 31 milhões de unidades (LANDIM, 2013). Com relação ao mercado de tablets, a Samsung conseguiu reduzir a distância para a líder de mercado no mundo, o iPad da Apple (produto que deu origem ao próprio segmento de tablets), em 19 pontos percentuais, passando de 12,4% no terceiro trimestre de 2012 para 20,4% no mesmo período de 2013, enquanto que a Apple viu sua margem cair de 40,2% para 29,6% no mesmo período (ITWEB, 2013). Por sua vez, segundo informação do (IDC, 2013), 95% dos tablets vendidos no Brasil rodam SO Android (grande parte custando até R$500,00). No que se refere à evolução do SO Android, iniciou-se com o lançamento do Android beta em novembro de 2007. A primeira versão comercial, o Android 1.0, foi lançado em setembro de 2008. O SO Android está em desenvolvimento pela Google e Open Handset Alliance, e tem obtido uma série de atualizações desde o seu lançamento. Essas atualizações geralmente corrigem erros e adicionam novas funcionalidades. Desde abril de 2009, as versões Android foram desenvolvidos sob um codinome e lançado em ordem alfabética: Cupcake (Android 1.5), Donut (Android 1.6), Eclair (Android 2.0 e 2.1), Froyo (Android 2.2 a 2.2.3), Gingerbread (Android 2.3 a 2.3.7), Honeycomb (Android 3.0 a 3.2), Ice Cream Sandwich (Android 4.0 a 4.0.4), Jelly Bean (Android 4.1, 4.2 e 4.3) e mais recentemente Kit Kat (Android 4.4 a 4.4.2). A partir de 2012, mais de 400 milhões de dispositivos ativos estão utilizando o SO Android em todo o mundo. A mais recente e grande atualização foi o Kit Kat 4.4, que foi anunciado em outubro de 2013, sendo lançado em dispositivos comerciais em novembro (WIKIPEDIA, 2013). O último lançamento de tablet da Samsung foi o Galaxy Note 10.1 (que tem como maior diferencial frente aos demais concorrentes uma caneta sensível ao toque e que permite fazer anotações diversas na tela touch do mesmo) em setembro de 2012 em sua primeira versão. 8 A Figura 4 apresenta as principais características do aparelho, retiradas do site da Samsung Brasil. Percebe-se que se dá um grande destaque a sua caneta sensível ao toque (localizado na maior parte da figura no lado esquerdo), sendo que ao seu lado direito consta as principais configurações do aparelho, como banda de sinal GSM e 3G, memória RAM, tamanho e resolução da tela, câmera e SO Android - na versão 4.0). Como já mencionado, a versão do SO Android ganha destaque no material promocional de divulgação do aparelho, podendo aferir a importância dada pelo consumidor à mesma. Figura 4: Apresentação Samsung Galaxy Note 10.1 – Edição 2012 Fonte: Samsung (2013b). Por sua vez, a Figura 5 apresenta a última versão do Samsung Galaxy Note 10.1 – Edição 2014 (lançada em setembro de 2013 nos Estados Unidos). Nesta versão, dá-se maior visibilidade aos benefícios agregados do produto (segundo informações, se recebe mais de R$ 3 mil em função de acordos comerciais com parceiros, como 50 Gb de Dropbox e assinatura de revista Abril, entre outros), permanecendo com o seu lado direito para relatar as características técnicas do produto, dando destaque às mesmas funcionalidades da versão anterior – como processador, câmeras, memória RAM, tela, especificações físicas de largura e comprimento, bateria e SO Android 4.3 – como já mencionado, em sua penúltima versão; estando, quando da submissão deste artigo, na versão 4.4, batizada de KitKat). Como se pode observar na Figura 4, mesmo que a versão 2014 do Samsung Galaxy Note 10.1 não esteja atualizada com a última versão do SO Android, esta possui o SO atualizado em 3 versões acima do modelo de 2012, a saber: 4.2; 4.2.2 e 4.3 (possuindo hardware não muito diferente do modelo de 2012 que justificasse a não padronização das versões do SO utilizados). Algumas indagações podem ser feitas a partir desta situação: se o novo Tablet possui configurações técnicas parecidas com a versão anterior, por que ainda não o atualizou também seu SO para a mesma versão do modelo atual? Será que o possível acréscimo nas vendas da nova versão compensa o risco de perder antigos clientes – além de prejudicar a imagem da marca no mercado – devido a uma possível insatisfação com a falta de atenção dada aos seus aparelhos? É correto deixar um produto premium obsoleto devido a não atualização de seu firmware com um pouco mais de um ano de lançamento? 9 Nem todas estas perguntas possuem respostas precisas (deve-se esperar o mercado se ajustar para que se verifique longitudinalmente a viabilidade de tal estratégia), mas se pode identificar nesta pesquisa como se posicionam os usuários que adquiriram a versão preterida do Samsung Galaxy Note 10.1 (Versão 2012) e que atitudes se propõem a tomar com relação à fabricante sul-coreana. Figura 5: Apresentação Samsung Galaxy Note 10.1 – Edição 2014 Fonte: Samsung (2013c). 5 Análise e Discussão dos Resultados O blog SamMobile.com é um dos maiores blogs de usuários de produtos da Samsung no mundo, possuindo membros das mais diversas nacionalidades (devido a esta característica, os membros definiram como idioma padrão de comunicação o inglês, tendo o autor que fazer a respectiva tradução dos diálogos apresentados nesta pesquisa). Para uma melhor compreensão do contexto e da reclamação que primeiro foi gerada (caracterizando-se como o evento disparador, apresentado na Figura 3, ou seja, o instante de percepção de vulnerabilidade pelos consumidores) para o início das conversações no fórum de discussão, apresenta-se em sua íntegra, a petição feita pelo usuário GKM2013. Petição para a atualização de firmware para 4.3 ou 4.4 para o GT- N8013. Oi colegas proprietários do Samsung Galaxy Note 10.1, estou começando uma petição para a atualização de firmware para 4.3 ou superior. Espero que todo mundo venha aderir a esta causa e deixar as nossas vozes combinadas chegar ao mais alto nível da empresa Samsung. Quanto mais pessoas se juntarem a esta petição, mais alta a nossa voz será. Por favor, juntese e deixem que outros usuários e proprietários saibam sobre a nossa luta. Por favor, encorajem outros a iniciar essa mesma petição em outros fóruns nos quais são membros. Precisamos chamar a atenção da Samsung e espero que possamos conseguir pelo menos 500 mil usuários de tablet em todo o mundo para se juntar à nossa causa. Eles não precisam 10 ser proprietários deste dispositivo para se juntar à nossa luta, mas deve ser um proprietário de tablet ou usuário. O objetivo da Samsung é de assumir o mercado de tablets em 2014, da mesma forma como eles fizeram no mercado de telefonia Android em 2013. Precisamos deixar que eles saibam que não podem nos esquecer (proprietários e usuários) de seus dispositivos, uma vez que eles lucraram com o nosso dinheiro. Por favor, junte-se e passe esta mensagem para todo mundo. Responda o post para se juntar e deixe sua voz ser ouvida. Precisamos deixar que os fabricantes saibam que não ficaremos sendo negligenciados. Esta petição deve viralizar e peço a todos para se juntar a nossa causa como gostariam que nos juntássemos a sua. Que a nossa voz unida seja ouvida. USERNAME: GKM2013 Considerações iniciais do contexto e do discurso em si da conversação devem ser relatados. Primeiro, que pela enorme diversidade de membros deste tipo de comunidade (como mencionado outrora, mais de 2,5 milhões de membros de todas as nacionalidades), há tanto usuários “high users” – que possuem elevada expertise no assunto - como por “low users” - usuários que tem conhecimento bastante restrito de tecnologia, apropriando-se do fórum como um meio de aprenderem a utilizar seus aparelhos de uma melhor forma. Segundo, que em virtude desta característica, há diversos formadores de opinião dentro do blog SamMobile.com, fazendo com que críticas possam reverberar rapidamente por meio da internet. No discurso do usuário GKM2013, percebe-se certos sentimentos exaltados, como angústia pela falta de suporte (“Precisamos deixar que eles saibam que não podem nos esquecer...”) por parte da fabricante, propondo a união de todos que se sentem prejudicados a pressionar com o maior número possível (o mesmo cita a meta de 500 mil pessoas) para pressionar a fabricante a tomar atitude quanto a situação de vulnerabilidade percebida (“Precisamos deixar que os fabricantes saibam que não ficaremos sendo negligenciados...”). Com base nos diálogos do fórum coletados e posteriormente compilados por meio de análise de conteúdo, emergiram quatro categorias fundamentais por meio dos discursos: emocional, atitudinal, cognitivo e indiferença (aceitação). 5.1 Atitudes dos Consumidores com Relação à Atualização de Firmwares A atitude emocional foi bastante comum nos relatos dos entrevistados. Diversos usuários deixaram transparecer de forma bem direta suas emoções e sentimentos de insatisfação (como raiva, ódio e descontentamento), como se observa nas afirmações a seguir: Quero a atualização. Ficando [já] aborrecido. USERNAME: joseph942 Concordo! Isso é um absurdo. Precisamos da [versão] 4.3 ou 4.4, pelo menos nos dizer algo. Isso é a única coisa que eu odeio da Samsung, nunca dá qualquer esclarecimento sobre as atualizações! USERNAME: SunnySh Eu o tive desde o dia 1º, é um grande tablet, mas tudo que a Samsung tem feito é decepcionar. É quase tão bom como o mais atual, com a exceção do display. Sim, Samsung, definitivamente deve atualizar o bom e ainda novo GT-n8013. USERNAME: Stauf99 Ainda relativas às emoções, mas inserindo um componente conativo, algumas intenções foram ressaltadas nos diversos diálogos coletados, em especial, a ameaça de boicotar a fabricante (e de apoiar seus conhecidos a fazer o mesmo), reconhecendo a importância que o suporte por um período mais longo por parte da fabricante possui, relatando inclusive buscar informações acerca de concorrentes que atualizam seus aparelhos por mais tempo e considerar tal informação na próxima decisão de compra. 11 Meu nome é Dan Severn e eu juro que esta será a última vez que eu compro qualquer produto da Samsung se esta atualização não for fornecida. USERNAME: jakartaenglish Eu tenho há 1 ano o GT-N8013. Se este tablet não for atualizado para o Android 4.4, eu nunca mais comprarei um produto Samsung. Estou pesquisando agora para ver como e quando outros tablets estão sendo atualizados. No futuro, vou levar isso em consideração antes de fazer qualquer compra. USERNAME: ericinplano Conte comigo sobre a petição. Eu possuo um N8013, e muitos aparelhos, smartphones e TVs Samsung. Não haverá mais compras de Samsung em minha casa até que vejamos uma atualização para o N8013. USERNAME: 57failsafe Também aqui no Egito... Concordo com você... Se a Samsung está planejando nos empurrar para que compremos o novo Note 10.1 (edição de 2014), parando o suporte e atualizações para os nossos dispositivos... Não vamos gastar qualquer dinheiro no futuro para comprar produtos da Samsung, e pedir aos nossos amigos e colegas para comprar outras marcas que não seguem por este caminho. Samsung está repetindo os erros da Nokia.... Satisfação dos usuários deveria estar em primeiro lugar e não mais dinheiro em sua conta. USERNAME: nasserado Por sua vez, não foram apenas relatos emotivos que emergiram na análise dos dados. Diversos usuários verbalizaram de forma bastante racional que a fabricante não se preocupa em manter seus clientes atuais, visto ser indiferente a seus sentimentos de insatisfação, evidenciando um componente cognitivo na atitude dos consumidores para com a empresa analisada. Alguns apontam que compraram um produto premium (inclusive exaltando a qualidade dos produtos da Samsung) para ser tratado como tal - de forma diferenciada - e não apenas para desembolsar mais dinheiro na compra (inclusive com o usuário “sguyx” mostrando admiração com o serviço prestado pela maior concorrente, a Apple). Samsung não tem clientes – apenas compradores. USERNAME: kjellf Eu tenho um N8000 e estava esperando uma atualização para pelo menos 4.3 para ter a função de multi-usuários, para que minha filha possa usar o tablet como bem quiser sem ter que mudar as contas cada vez que ela usa. Acho que nós merecemos ter o nosso investimento e suporte por parte da Samsung por comprar seus excelentes dispositivos, sendo atualizado e nos mostrando alguma forma de respeito recíproco. USERNAME: jameszah Parece que a Samsung não sabe realmente o significado de "premium". Eles falam sobre isso, mas com certeza eles não sabem o significado. Sugiro que eles deveriam copiar a Apple quanto a atendimento ao cliente da próxima vez. Não desperdice seu dinheiro para a compra de Samsung dito premium. O premium é apenas no preço. USERNAME: sguyx Por fim, relativamente à atitude dos consumidores, observou-se, no discurso de alguns participantes do fórum, a presença de aceitação com a situação de vulnerabilidade que passavam, como se aquilo fosse natural e que era necessário aceitar e se acostumar com a estratégia das fabricantes para tornar os produtos obsoletos cada vez mais rápido. O usuário “Hannes”, por exemplo, denota bem esta característica: Isso é engraçado. Todos vocês parecem ser tão esperançosos. Se você quiser uma atualização compre o modelo 2014. Dependendo do quão popular for um produto da Samsung, pode ser que façam duas grandes atualizações. Mas normalmente em média só recebe uma atualização por produto e o Note 10.1 já recebeu no ano passado para 4.1.2. USERNAME: Hannes 12 5.2 Obsolescência e Vulnerabilidade no Consumo Como apresentado da Figura 3, o modelo de vulnerabilidade do consumidor pode ser observado de forma bem real neste caso analisado. Os usuários de aparelhos de tecnologia móvel recebem pressão de seus pares para se manterem atualizados (o que é difícil, visto a rápida mudança tanto de hardware, quando de SO). Após perceberem que com o passar do tempo, a fabricante não atualiza (e nem pelo menos comunica se o fará) o firmware de aparelhos que muitas vezes possuem menos de dois anos de lançados, os consumidores se conscientizam da situação de vulnerabilidade (percebe-se a dependência no uso dos aparelhos de tecnologia móveis, sentimento de impotência e alguns até chegando a aceitarem as coisas como são). Quando o ente público, ONGs ou mesmo a própria empresa não se dispõem a reequilibrar o sistema, os próprios consumidores se unem em busca de agirem em conjunto (como foi visto no presente estudo de caso). Constata-se, assim, a vulnerabilidade dos consumidores de aparelhos de tecnologia móvel quando a fabricante decide não efetuar a atualização do SO – sem que haja limitação de hardware que o justifique –, limitando a capacidade de maximização da utilidade do produto e bem estar por parte dos consumidores, que é um dos pressupostos caracterizados por Smith e Cooper-Martin (1997) para constatar a vulnerabilidade do consumidor. Como já relatado, diversos consumidores anseiam que os produtos não tenham uma vida útil longa, visto que a tecnologia muda muito rápido e a troca com a perda da funcionalidade minimizaria o sentimento de arrependimento na compra de um modelo da moda. Assim, obsolescência técnica planejada é com frequência observada nos produtos de tecnologia, seja devido a hardware (em função do desenvolvimento tecnológico que aperfeiçoa peças, como processadores mais potentes e cada vez menores) ou software – em que a fabricante deixa a dar suporte a determinada versão do SO para estimular ou a mudança ao novo firmware, quando possível, ou a própria troca do produto, descartando o anterior com a aquisição de um modelo mais atual. Tal situação é bastante usual e reconhecida pelos consumidores deste tipo de produtos, mas o que chama a atenção atualmente é que também a obsolescência de estilo tem ocorrido com grande frequência, não se limitando apenas a características funcionais de tamanho e design do aparelho (que a moda acaba moldando-as com o tempo), mas também com relação à versão do SO (as atualizações estão sendo cada vez mais frequentes, muitas vezes com melhorias mínimas, mas provocando o desejo em alguns consumidores de possuírem a versão mais atual do SO, como se fosse um pedigree ou insígnia a ser apresentado aos seus pares). Os consumidores de tecnologia móvel podem tanto ser vulneráveis naturalmente (quando crianças ou adultos com baixa educação, por exemplo) como estarem passando por um período de vulnerabilidade momentâneo (como adultos viciados em tecnologia ou com limitado acesso a informações quando da decisão de compra). Mesmo não sendo um produto que cause grandes danos à sociedade (conforme observado na Figura 2), o direcionamento do produto a consumidores que possuem alto nível de vulnerabilidade pode acarretar em um elevado dano individual ou a um determinado grupo de consumidores (caracterizado na “Estratégia 3” da Figura 2). É papel do estado e de ONGs observarem mais de perto esta situação, agindo tanto com ações educativas dos consumidores ou mesmo por meio de políticas públicas com regulação direta no mercado (no caso do agente estatal), obrigando tanto as fabricantes a fornecerem informações adequadas aos consumidores como exigir que estas atualizem o SO de seus produtos por um maior período pré-determinado. 13 6 Considerações Finais Se já não fosse suficiente a obsolescência natural da tecnologia devido a descobertas de novas peças que tornam o produto mais eficiente em seu desempenho ou mesmo à pressão da demanda a partir de modismos que levam a mudanças no design de produtos de tecnologias móveis, ainda se deve observar a obsolescência planejada quanto à nãoatualização do sistema operacional (SO) dos aparelhos de tecnologia móveis, tornado os consumidores vulneráveis às estratégias de constantes lançamentos de produtos das fabricantes. Mesmo sabendo que os consumidores são ávidos por novidades e que tendem a ficar entediados rapidamente com um produto, sem se preocupar tanto com o impacto no meioambiente que seu maior consumo pode ocasionar (BAKER, 2012), não se justifica que organizações se aproveitem da vulnerabilidade dos consumidores com o fim de aumentar suas vendas através da compra repetida de seus produtos mais atuais. Uma das formas que os consumidores encontraram para minimizar a dependência da estratégia de constantes lançamentos por parte das fabricantes de produtos de tecnologias móveis – além de boicote de seus produtos e reclamação nas redes sociais – foi criar grupos de desenvolvedores de SO (principalmente de Android, já que possui código aberto, visto ser baseado em Linux) para realizar a adaptação do firmware atualizado para os dispositivos antigos que perderam o suporte das fabricantes. Um dos maiores grupos de desenvolvedores é o CyanogenMod, que adapta o SO para diversos aparelhos Android – recebendo apenas doações voluntárias via PayPal –, sendo que nem todos os usuários possuem capacidade técnica para fazer a instalação dos SO ajustados, visto precisarem de conhecimento avançado para atualizar o sistema via flash, podendo inclusive danificar o aparelho por inabilidade no processo. Tal procedimento leva à perda automática da garantia do fabricante, sendo mais uma forma encontrada para tornarem os consumidores vulneráveis a suas decisões estratégicas. Tem-se como principal contribuição desta pesquisa, a primazia em apontar ações deletérias por parte de fabricantes de aparelhos de tecnologias móveis no que se refere à estratégia de tornar seus produtos cada vez mais rápido obsoletos; tornando, em consequência, seus consumidores vulneráveis frente a necessidade de possuir aparelhos sempre atuais (seja por pressão social ou mesmo necessidade individual natural, como por trabalhar com tecnologia). A relevância teórica ao campo de Marketing no Interesse Social diz respeito tanto por indicar a presença de vulnerabilidade dos consumidores de aparelhos de tecnologia móveis por meio da não atualização de seus SO (tornando os produtos obsoletos de forma cada vez mais rápida sem justificativa funcional), assim como apresentar as atitudes dos consumidores destes produtos quando se percebem em condição de vulnerabilidade. Propõe-se como pesquisas futuras o enfoque em outros tipos de produtos, como videogames, TVs Digitais dentre outros, assim como utilização de outros métodos de pesquisa, como focus group, entrevista em profundidade, etnografia ou mesmo com survey (através do desenvolvimento de uma escala de mensuração) e de experimento de campo/laboratório. Por fim, reiteramos a necessidade de que tanto o poder público quanto ONGs estejam atentos a tais situações prejudiciais aos consumidores e sociedade de forma geral (advindo de externalidade negativas diversas, como aumento de produção de lixo tecnológico). Atuar por meio de políticas públicas que regulamentem e, assim, venha a mitigar tais estratégias por parte das fabricantes de aparelhos de tecnologias móveis, equilibrando em consequência o sistema agregado de marketing, satisfazendo tanto as necessidades e desejos dos consumidores ávidos por produtos sempre atualizados, assim como na recompensa do esforço 14 e risco dos fornecedores por meio da lucratividade justa (sem se utilizar de meios escusos para maximizá-la). Referências BAKER, S. M. Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience : illuminating its transformative potential. 2012. BAKER, S. M.; GENTRY, J. W.; RITTENBURG, T. L. Building understanding of the domain of consumer vulnerability. Journal of Macromarketing, v. 25, n. 2, p. 128-139. doi: 10.1177/0276146705280622, 2005. BAKER, S. M.; MASON, M. Toward a process theory of consumer vulnerability and resilience: illuminating its transformative potential. 2012. BROWN, M. G. 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