Meu mundo secreto que todo mundo conhece: entre a intimidade e a publicitação
da geração polegarzinha.
Autor: Ana Eliza Trajano Soares1
Resumo:
O presente trabalho se propõe pensar a super exposição da intimidade, por parte da
geração que aqui chamamos de geração Polegarzinha(SERRES, 2013), geração que com
grande habilidade utilizam os polegares para digitar mensagens de texto, habitam o
virtual e sintetizam as informações de forma muito diferente. Uma geração que vive
“dentro” das novas tecnologias, diferente da geração passada que vive “com” as novas
as novas tecnologias. Trata-se da divulgação e compartilhamento de conteúdos privados
na internet que entendemos aqui como um espaço público (LEMOS; LEVY, 2010), em
que as informações circulam de forma muito mais rápida num curto espaço de tempo. A
ausência do limite entre o que pertence a esfera da intimidade e o que pertence a esfera
pública nos casos aqui colocados tiveram consequências trágicas, o suicídio de duas
adolescentes e a vida de tantas outras que tiveram que ser modificadas depois da
exposição e compartilhamento de conteúdos íntimos. A sobreposição da esfera privada
para com a esfera pública na sociedade provoca o desvirtuamento da sociedade
(ARENDT, 1958), os conteúdos íntimos divulgados pela geração Polegarzinha
corresponde na nossa visão a questão da superinformação (MORIN,1986) A internet
como fator potencializador na produção desses conteúdos pela divulgação e
compartilhamento extremamente rápidos, impossibilitando na maioria das vezes
controle e uma reflexão, chegando a consequências trágicas como o suicídio. Faz-se
necessário uma discussão aprofundada sobre como uma geração se porta e irá se portar
frente aos rápidos avanços das tecnologias e do grande volume de informações, tendo
em vista que essa nasce imersa numa sociedade com a linha entre a esfera pública e
privada da vida totalmente borrada, percebe-se pelos casos aqui vistos uma grande
desorientação e falta de respostas por parte das instituições responsáveis pelo cuidado
destes polegarzinhos e polegarzinhas. E assim, paralelamente aos acontecimentos
diários de superexposição sejam eles com fins trágicos ou não, levantamos questões a
fim de instigar o debate sobre a necessidade de delimitação e reflexão destes espaços.
Palavras chaves:
Superinformação.
1
Esfera
pública;
Esfera
privada;
Geração
Polegarzinha;
Professora da Faculdade de Ciências Educacionais e Empresariais de Natal e Mestra pelo Programa de
Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe pensar a super exposição da intimidade, por parte
da geração que aqui chamamos de geração Polegarzinha2, no ciberespaço e os
desdobramentos dessa questão. Trata-se da divulgação e compartilhamento de
conteúdos privados na internet que entendemos aqui como um espaço público A
internet é o novo espaço do comum, “(...) uma nova dimensão da vida na pólis”
(LEMOS; LEVY, 2010, p.22), em que as informações circulam de forma muito mais
rápida num curto espaço de tempo.
A ausência do limite entre o que pertence a esfera da intimidade e o que pertence
a esfera pública nos casos aqui colocados tiveram consequências trágicas, o suicídio de
duas adolescentes e a vida de tantas outras que tiveram que ser modificadas depois da
exposição e compartilhamento conteúdos de suas intimidades. A invasão da esfera
privada para com a esfera pública na sociedade faz parte da modernidade, Hannah
Arendt em sua obra “A condição humana” de 1958 trata o assunto, falando da
importância da distinção entre as duas esferas na política, pois quando se sobrepõe o
privado e seus interesses para com o público a vida em sociedade se desvirtua.
Outro aspecto é como esses conteúdos que dizem respeito a intimidade
representam uma das formas de superinformação na modernidade. Como Edgar Morin
(1986) coloca, essa produção de superinformação faz com que a nossa visão fique turva
para com os acontecimentos, e não se possa refletir sobre as ações. Pode-se dizer que o
fator potencializador da internet contribui ainda mais para com a produção dos
conteúdos que nos referimos, pois são divulgados e compartilhados de forma muito
rápida, impossibilitando na maioria das vezes uma reflexão e trazendo consequências
trágicas em algumas situações.
Situações essas que estão suscitando muitas preocupações tanto para o Estado
como para a sociedade civil, com a expansão rápida da internet se necessita cada vez
mais de uma regulação, segurança e conscientização para com seu uso. Algumas ações
estão começando a surgir a fim de tentar minimizar essas questões negativas da internet
2
Expressão utilizada pelo autor francês Michel Serres no livro “Polegarzinha”(2013) para a nova geração
de adolescentes e jovens que com grande habilidade utilizam os polegares para digitar mensagens de
texto, habitam o virtual e sintetizam as informações de forma muito diferente de seus pais e avós. Uma
geração que vive “dentro” das novas tecnologias, diferente da geração passada que vive “com” as novas
as novas tecnologias. E nessa reflexão ele pensa a forma das instituições, de ser e de saber, a partir das
perguntas “o que, a quem e como transmitir o conhecimento?”
como: a aprovação da lei do Marco Civil da internet, grupos que se organizam a fim de
combater a violação dos Direitos Humanos no ciberespaço e também possibilidades
criadas dentro da própria rede pela geração Polegarzinha, como o grupo de adolescentes
que estão produzindo um aplicativo para celular para ajudar e conscientizar as muitas
adolescentes e jovens que passaram pela situação de exposição de sua intimidade.
O ciberespaço é um dos primeiros lugares de sociabilidade dos jovens e
adolescentes dessa geração, com um acesso as mídias portáteis como celulares e tablets
cada vez maior se faz necessário saber se portar nesse meio e limitar a invasibilidade
das mensagens que são produzidas e chegam a todo instante e em qualquer lugar. Pois
se a internet usada dentro dos seus quartos aparenta segurança, solidão, uma zona de
imunidade, pois se pode aceitar ou eliminar o outro por um click a qualquer momento
ou até mesmo assumir outro nome se observando os casos se vê que não é bem assim,
pois essa super exposição mesmo que dentro de seus quartos trás desdobramentos
perigosos e em algumas situações sendo consequências trágicas.
A superinformação da era das Polergazinhas
Vivemos numa era de superinformação, a importância do aprimoramento das
técnicas comunicacionais que com rapidez nos fazem acompanhar os acontecimentos
em tempo real, porém essa produção excessiva produz uma nuvem na qual estamos
envoltos e provoca certa cegueira coloca Morin (1986). Tem-se possibilidade de a todo
instante poder contemplar o que acontece no planeta numa fração de tempo cada vez
menor.
Para o autor a superabundância de informação torna-se um abafador de outros
acontecimentos, pois o fluxo dessas informações é tão grande que não permite uma
reflexão, pois são substituídas facilmente por outras. E a percepção por parte do sujeito
fica falha, pois não acompanhamos os contornos dos fenômenos, se mediante uma
observação aprofundada e atenta já devemos desconfiar pela existência do componente
alucinatório da nossa percepção, um olhar descuidado devido à quantidade de
superinformação vai ser como um olhar cego coloca Morin (1986).
A
superinformação faz se perder, submergir o informe, enquanto que a informação pode
dar formato às coisas:
“E a virtude da informação é isto: sua aptidão para destruir a
racionalização (sistema coerente de ideias que pretende encerrar em si
o real) e para criar uma racionalidade nova (novo sistema coerente que
integra a informação). A informação é o antídoto para a tendência
natural que tem a ideologia de se fechar em si mesma” (MORIN,
1986, p.47)
Interessa-nos nesse trabalho os conteúdos produzidos no ciberespaço, a
facilidade de acesso aos aparelhos principalmente nos últimos anos, faz com que essa
produção de informações aumente seu número de forma considerável, não só a
produção como também a reprodução e o compartilhamento. Isso se deve ao
barateamento dos celulares com sistemas para o acesso de forma mais simplificada a
internet, assim como tablets e computadores além dos planos oferecidos pelas
operadoras para utilizar a internet tanto por telefonia móvel como em residências3.
Trata-se de um acontecimento que vem se repetindo, não é exclusividade de uma
classe social, ou de uma região4, possuem grande repercussão na imprensa, é algo
preocupante, pois traz discussões relacionadas à segurança das pessoas para com suas
informações e também os limites que devem existir na exposição da vida privada num
espaço público que é a internet.
Dois casos tiveram grande repercussão no ano de 2013 devido ao desfecho
trágico: o suicídio de duas adolescentes em diferentes regiões do país, mas com
histórias muito parecidas.
Em outubro de 2013 na cidade de Veranópolis no Rio Grande do Sul, a
adolescente Giana Laura Fabi, 16 anos, após ter uma foto sua mostrando os seios
divulgada por um adolescente de 17 anos com quem conversava on line, que confirmou
o fato em depoimento para a polícia. O printscreen5 rapidamente foi enviado pelo
adolescente para alguns amigos pelas redes sociais, alcançando um grande número de
pessoas em pouco tempo, e Giana após publicar mensagem na rede Twitter sobre o
acontecido, fazendo referência ao fato como um “estorvo” que daria “um jeito”, se
enforca em sua casa. O garoto, ex namorado da estudante teria espalhado a foto como
forma de vingança pelo ciúme que tinha dela ter iniciado outro relacionamento.
3
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/03/acessos-internet-banda-larga-chega-140-milhoes-nobrasil-em-fevereiro.html
4
Homem é preso na Califórnia por manter website de „vingança pornô
http://br.reuters.com/article/idBRSPE9BA03W20131211
Canadense de 17 anos é indiciada por pornografia infantil por prática de „sexting‟
http://www1.folha.uol.com.br/tec/2014/01/1397021-canadense-de-17-anos-e-indiciada-por-pornografiainfantil-por-pratica-de-sexting.shtml
5
Comando que quando acionado registra a tela do computador, celular ou tablete como uma foto.
No mesmo mês, ocorreu também com uma adolescente, Júlia Rebeca de 17 anos,
moradora da cidade de Panaíba no Piauí. Ela apareceu em um vídeo de poucos segundos
tendo relações íntimas com outras duas pessoas, o material foi divulgado rapidamente
nas redes sociais e em sites de pornografia. Após algumas mensagens de despedida e
pedido de desculpa a família foi encontrada enforcada em seu quarto. Em ambos os
casos foram abertos inquéritos policiais para apuração, o trâmite de investigação se dar
de forma diferente tendo em vista que a própria legislação sobre este tipo de fato ainda
esta em construção.
Casos semelhantes a esses dois acontecem recorrentemente no Brasil e no
mundo, e torna-se preocupação para diversas entidades. A Safernet6, associação civil de
direito privado fundada em 2005 por um grupo de profissionais de diversas áreas com o
intuito de desenvolver pesquisas e projetos para enfrentar a pornografia infantil na
internet brasileira, com o passar do tempo, a expansão da internet e dos problemas a ela
relacionados outras demandas foram ganhando atenção da organização. Atualmente ela
desenvolve suas atividades junto a questões de violações dos direitos humanos de forma
geral, possui parcerias com o Ministério Público e a Polícia Federal para a Central
Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos7 e faz campanhas de conscientização
para o público infantojuvenil sobre os riscos da exposição da intimidade na internet.
6
http://www.safernet.org.br/site/ http://new.netica.org.br/adolescentes/quiz (voltado para o público
infanto juvenil)
7
http://www.safernet.org.br/site/denunciar
Imagem veiculada para a campanha de alerta sobre o compartilhamento da intimidade na internet.
Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/04/vitimas-de-nude-selfie-e-sexting-nainternet-dobram-no-brasil-diz-ong.html
Por parte do Estado a aprovação da lei que ficou conhecida como lei “Carolina
Dieckmann” 8, a lei torna crime invadir aparelhos eletrônicos para obter dados privados
e ainda prevê que se esses dados forem divulgados, comercializados a pena pode ser
elevada entre outras coisas.
Outro passo recente que foi dado não só para auxílio no combate aos crimes
virtuais, mas como forma de regular as diversas atividades no ciberespaço. O Marco
Civil da Internet aprovado esse ano prevê mecanismos que facilitam a localização dos
responsáveis por compartilhar conteúdos privados sem autorização, e também pune as
plataformas e sites que mantêm tais conteúdos on line mesmo depois de serem
notificados. Medidas de controle e segurança como guardar os registros dos usuários
que acessam o site durante seis meses fazem com que se possa chegar a primeira pessoa
que compartilhou tal conteúdo e quem deu continuidade facilitando assim as
investigações por parte da polícia. A garantia da liberdade de expressão para os usuários
8
O caso da atriz Carolina Dieckmann que ganhou grande repercussão, em maio de 2012 a atriz teve fotos
divulgadas na rede em que ela aparecia nua, ela recebeu ameaças e pedidos de alta quantia para que não
tivesse as fotos divulgadas, as investigações apontaram que seu email foi invadido.
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/04/lei-carolina-dieckmann-que-pune-invasao-de-pcs-passavaler-amanha.html
através do pedido de remoção dos conteúdos de intimidade que de forma não autorizada
são expostos em algum site ou compartilhados em redes sociais e aplicativos como o
WhatsApp.
Nos casos apresentados anteriormente se a lei já estivesse em vigor, ao menos
em tese se conseguiria remover o conteúdo do aplicativo, localizar e punir quem o
postou e identificar quem o compartilhou, mesmo que não sejam medidas que sanem a
situação totalmente. Pois, na internet os caminhos são diversos Lemos e Levy (2010)
colocam esse aumento de possibilidades que a rede virtual proporciona, pois existe a
liberdade na produção e a colaboração, que gera esse grande fluxo de informações que
rapidamente se espalham sejam informações essas que venham colaborar na construção
de uma esfera pública para objetivos comuns, ou também como os casos aqui colocados
uma produção de superinformações de uma esfera íntima que incham o ciberespaço
além de causar danos irreparáveis, pois devido a fluidez dessa média imensa não se tem
o controle total dos seus conteúdos, uma vez salvos em memórias de computadores,
celulares de forma off-line não se pode saber quem os possui e a qualquer momento o
conteúdo pode ser recolocado na rede.
Trata-se de uma questão de segurança na rede, de limite entre o que deve ou não
ser exposto na esfera pública, já são comuns notícias de vídeos e fotos de meninas em
situações de intimidade ou vexames públicos9 e que após os fatos tiveram mudar
aparência, rotina entre tantas coisas, pois tornaram-se famosas e alvo de ofensas,
difamações como as prostitutas da antiguidade que eram apedrejadas em praça pública
após serem flagradas com seus parceiros. Nos casos de Júlia e Giana que não
suportaram a pressão, cometeram suicídio, porém tantas outras têm que buscar outros
meios como mudar ambiente de trabalho, ciclo de convivência, aparência física além da
“morte virtual”
10
buscar quase como uma nova identidade para poder prosseguir com
uma vida “normal”.
Grupos de apoio e iniciativas buscam ajudar meninas que passaram por situações
semelhantes e buscam retomar essa vida com nova aparência e rotina. A prática
9
Caso da jovem de 20 anos Priscila Lopes, que após ficar embriagada, foi filmada por uma câmera de
celular tirando a roupa num evento em Cuiabá. Como em todos os outros casos rapidamente o vídeo foi
compartilhado nas redes sociais, e ficou conhecido em todo país.
10
Cancelamento de perfis e contas nas redes sociais.
conhecida também como revenge porn11 com números que vem dobrando a cada ano12
motiva ações como a de um grupo de seis adolescentes de dezesseis anos de Santos, São
Paulo que estão desenvolvendo um aplicativo para celular, o “For You”13. O objetivo é
criar um espaço de apoio a meninas adolescentes que passaram pela situação de
vazamento de conteúdos íntimos, um espaço para troca de experiências, auxílio através
do esclarecimento jurídico de como proceder nesses casos, informações de medidas de
segurança de como se portar nas redes sociais e incentivo a participação política nos
seus ambientes para conscientização e luta de seus direitos. Elas têm como lema “Se
eles usam apps para nos humilhar, nós revidamos usando apps para nos empoderar e
organizar!”, inicialmente pensado como uma ação local, o grupo tem congregado
experiências de todo o Brasil como também outros grupos de apoio a essas situações.
Não cabe neste trabalho, uma discussão sobre questões morais em relação a
atitude dos adolescentes para com seu o corpo. E apesar da pertinência do tema sobre
questão machista e a vitimização do corpo da mulher, nos interessa a invasibilidade da
esfera privada para com a pública que essas novas mídias potencializam.
A internet potencializa ainda mais essa produção de superinformações, por
eliminar as fronteiras territoriais, diminuir o tempo, além de um espaço aparentemente
infinito para armazenar essa produção a um custo mais baixo. E abrindo-se a
possibilidade infinita, uma diversidade de materiais é produzido tendo em vista a
relativização dos valores e dos padrões da cultura na modernidade (Felinto, 2007), além
da forma mais horizontal de emissão da informação proporcionado pela internet. Sendo
assim esses produtos podem também ter características de algo temporal, trivial e
descartável, como coloca Erick Felinto: “Oferecendo um “espaço” de armazenagem
virtualmente inesgotável e custos de manutenção relativamente acessíveis, a internet
tem se convertido no abrigo por excelência dos detritos culturais, dos restos, do inútil,
do trivial.” (FELINTO, p.34, 2007).
11
Termo em inglês que faz referência a pornografia da vingança, prática de quando parceiros ou ex
parceiros divulgam conteúdos de suas parceiras sem autorização com o objetivo de humilhar e denegrir as
mesmas, geralmente tal prática vem acompanhada de ameaças e chantagens para com os relacionamentos
entre as partes.
12
“O aumento das vítimas de compartilhamento de fotos íntimas na internet”
http://jornalggn.com.br/noticia/o-aumento-das-vitimas-de-compartilhamento-de-fotos-intimas-na-internet.
13
Página
no
facebook
do
grupo
das
criadora
do
“For
You”:
https://www.facebook.com/simplesmenteforyou?fref=ts
Para Levy e Lemos o fundamento social da internet são as redes sociais, sendo
elas responsáveis por uma grande parte do fornecimento desse conteúdo, redes sociais
aqui entendidas no sentido de Recuero (2005):
Inicialmente, a comunidade é um grupo de pessoas que interage. No
ciberespaço, esta interação se dá via comunicação mediada por
computador e de forma mútua. A interação que acontece dentro de
uma determinada rede é a base do estudo de sua organização. Ela pode
ser cooperativa, competitiva ou geradora de conflito. A interação que
é cooperativa pode gerar a sedimentação das relações sociais,
proporcionando o surgimento de uma estrutura. Quanto mais
interações cooperativas, mais forte se torna o laço social desta
estrutura, podendo gerar um grupo coeso e organizado. Na
organização da comunidade virtual, portanto, é necessário que exista
uma predominância de interações cooperativas, no sentido de gerar e
manter sua estrutura de comunidade. (RECUERO, p.14, 2005)
Essa interação das redes sociais acontecem principalmente por esse ser um
espaço para publicitação14 da vida privada:
A vida íntima e as aventuras de milhares de internautas anônimos são
capturadas e apresentadas à insaciável curiosidade de um público
também crescente. O íntimo, o privado e o frívolo (ou sua encenação),
como sabemos, converteram-se em grandes objetos de curiosidade
popular, como demonstra o êxito televisivo de certos reality shows
nos quais o espectador desfruta de uma espécie de prazer voyeur
legitimado. (FELINTO, p.35, 2008)
Sabe-se que o uso dessas redes sociais não é exclusividade de uma faixa etária
da população, porém como colocamos inicialmente trataremos da questão relacionada
aos adolescentes e jovens. A geração de grande parte dos nascimentos programados,
que habita num mundo extremamente povoado, com uma expectativa de vida que chega
aos 80 anos, uma geração que convive com uma diversidade de religiões e costumes que
as gerações passadas e como é próprio do tempo que passa uma geração para outra
muda-se o comportamento e os costumes.
Chamaremos aqui de Polegarzinhas e Polegarzinhos, a forma que filósofo
francês Michel Serres se utiliza fazendo referência aos adolescentes e jovens da
atualidade que com destreza utilizam seus polegares para digitar mensagens nos
celulares.
Esses e essas que nasceram na sociedade da superinformação, que diariamente
manipulam ao mesmo tempo muitas tecnologias estando conectados as 24 horas do dia
14
Descrição das atividades diárias, lugares que se frequenta, opiniões sobre os mais diversos assuntos,
publicação de fotos e vídeos de si e do seu ciclo de convivência
ao ciberespaço, produzindo, visualizando e compartilhando informações. São nativos
digitais que rapidamente se adaptam a evolução das tecnologias, aqueles a quem a mídia
se dedica a formatar através da publicidade, pois buscam consumir a novidade
produzida pelos adultos, assim como a informação que não é refletida devido ao se
intenso fluxo. Os produtos materiais e imateriais15 também possuem tal rotatividade e
por isso temos uma grande produção de lixo material pelo que logo fica obsoleto, pois
com essa intenção foi pensado, ser ultrapassado logo, para que passe rápido e tenha
grande fluxo assim como as informações.
Os habitantes do virtual sintetizam esses fluxos informacionais de forma
diferente que os seus antepassados coloca Serres, pelos seus aparelhos conseguem estar
conectados a todo instante:
Por celular, têm acesso a todas as pessoas; por GPS, a todos os
lugares; pela internet, a todo saber: circulam, então, por um espaço
topológico de aproximações, enquanto nós vivíamos em um espaço
métrico, referido por distâncias. Não habitam mais o mesmo espaço.
(SERRES, p.19, 2013)
Os polergarzinhos e polegarzinhas que acessam todos os dias a internet,
publicitando suas vidas de forma muito natural nas redes sociais, tal naturalidade se dar
pois o contato com esse espaço é desde cedo, geralmente todos os seus amigos, colegas
e agora também a família tem seus perfis nas plataformas sociais do ciberspaço, e a
forma de relacionar-se nessas redes é tal qual importante como o contato presencial.
Portanto para eles não se trata de algo fora “normal” se expor no ciberespaço, diferente
muitas vezes de seus pais e avós que frequentavam a rua, as praças para socializar-se, a
geração das polegarzinhas esta em casa, trancados nos seus quartos por grandes
períodos e a internet surge como um de seus primeiros lugares de socialização.
Ao mesmo tempo em que publicitam suas vidas nas páginas das redes na intenet,
estão trancafiados dentro de suas casas, mais precisamente no quarto como uma zona de
imunidade para a sua intimidade. Para Sloterdijk os seres humanos presos em seus
cômodos (dentro da casa) estão buscando libertar-se da trivialidade.
As espumas sociais16 que constituem o mundo apresentam ao mesmo tempo o
princípio da vizinhança e da separação, Sloterdijk fala de co-aislamento. Ao mesmo
15
Não são só os objetos da tecnologia como celulares, computadores, tablets juntamente com seus
softwares e aplicativos.
16
Sloterdijk fala em sua obra Esferas III(2006) das espumas como forma de interpretar o social, somos
todos configuradores de esferas. Espumas que remetem a pluralidade, aos vínculos que formamos pois o
ser leva consigo desde sua concepção, a possibilidade do “estar com”, da proximidade, e durante toda a
sua existência forma seus pares. Assim como nas espumas, as esferas(bolhas) só garantem essa existência
tempo em que existe uma parede que divide duas ou mais bolhas e garante à
singularidade destas, essas mesmas paredes são divididas e apropriadas por essas duas
ou mais bolhas, a divisão do espaço é condicionada por essas “interfaces originárias”.
Pensando nessa zona de imunidade17 quarto/casa, acreditamos que ela se
potencializa ao abrigar a outra zona que tratamos que nesta reflexão, a internet. A
internet como uma nova zona de imunidade estabelecida no mundo moderno. Que
proporciona o contato ao mesmo tempo em que garante o isolamento, tão necessário à
imunidade almejada na modernidade. Isolamentos conectados, que a um click dão a
possibilidade de conexão com outrem e a outro clique está a possibilidade de isolar-se
dele. Porém essa aparente solidão possibilitada pela imunidade tanto da internet quanto
do quarto, não é tão solitária, mesmo que se desfaça os vínculos pelo click, uma vez
expostos (tendo em vista que a internet também é essa esfera do comum de
socialização) como os casos apontados podem marcar e trazer consequências
irreversíveis como as meninas que precisam mudar aparências físicas e sua rotina pois
tiveram suas intimidades publicitadas e não podem mais serem identificadas como antes
da exposição.
Se faz necessário essa limitação de espaços públicos e privados, pois a
imunidade como vimos não vai significar necessariamente a privacidade, mesmo
estando em um espaço fechado. Pensar nessa questão de esfera pública e privada na
sociedade nos remete diretamente ao pensamento da filosofa alemã Hannah
Arendt(1997). A ação política a reflexão da autora sobre as esferas públicas e privadas
da sociedade é válida neste trabalho a pensar como essa fusão/confusão do privado para
com o público tem consequências que alteram de forma negativa o viver social.
No agir e no interagir dos homens em sociedade se encontra o centro da política,
a ação, e esta é o que caracteriza a esfera pública. A reciprocidade das ações entre os
homens vai constituir a força geradora da sociedade. Na pólis grega o comum
caracterizava a ação política, e tinha seu sentido na pluralidade para a filósofa Hannah
Arendt, o principal elemento da política é a liberdade: “o sentido da política é a
liberdade”, já a esfera privada significa o que está restrito, o que é da sua propriedade,
pelo contato com a outra, sendo nós habitantes dessas esferas não somos mais indivíduos e sim díviduos,
e quanto mais próximos, mais contatos mais se pode prolongar a existência.
17
El apartamento constituye um erotototopo en miniatura, en el que los individuos pueder, seguir los
impulsos de su deseo, en el sentido de querer-experimentar-también-lo-que-otros-ya-han-experimentado.
Representa un escenario ejemplar del existir, porque en él puede ensayarse la relación de consumidor con
el potencial sexual próprio. (SLOTERDIJK, p. 456, 2006)
onde se está subjugado, submetido a outrem, onde impera a desigualdade e a maior das
privações que é a da ação política. Apesar de serem muito distintas as duas esferas
estão bastante relacionadas, pois segundo Antunes(2004):
Para Aristóteles, a esfera pública era o domínio da vida política, que
se exercia através da ação (praxis) e do discurso (lexis). Os cidadãos
exerciam a sua vida política participando nos assuntos da polis.
Vencer as necessidades da vida privada constituía a condição para
acender à vida pública. Só o homem que tivesse resolvido todos os
assuntos da casa e da família teria disponibilidade para participar num
reino de liberdade e igualdade sem qualquer coação. (ANTUNES,
p.3, 2004)
Já na Grécia antiga se correlacionava as duas esferas, enquanto que na
sociedade atual existe uma fusão das duas, na verdade confusão, o privado tornou-se
uma extensão do público, partindo para as relações do Estado, da política
governamental se reconhece facilmente, pois se utiliza o que é comum, público para o
beneficio próprio e se tudo que se relaciona ao público tem que ser como coloca a
autora, visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível (ARENDT, 1997),
tais ações fogem e rompem com tal realidade.
A dimensão do comum é onde se deve basear a política fundamentalmente,
para que tenha um sentido, ela deve existir para o comum, pois somente estando nessa
dimensão é garantida a pluralidade e a verdadeira democracia, do para todos, “o termo
público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente
do lugar que nos cabe dentro dele” (ARENDT, 1997, p. 62). Não se pode sobrepor o
privado ao coletivo, pois se limita o corpo social, o planeta não é para um grupo restrito
de pessoas, mas para todas as pessoas.
O sentido e a importância da intimidade advêm da modernidade, os
primórdios da ideia são dos períodos últimos da civilização de Roma, o individualismo
da modernidade é o que alimenta a esfera privada, a esfera pública encontra-se em
função da esfera privada: “(...)a moderna descoberta da intimidade parece constituir
uma fuga do mundo exterior como um todo para a subjetividade interior do indivíduo”
(ARENDT, 1997, p.79).
Viver voltado para a esfera privada, voltar-se para si é se confrontar com o
sentido da polis, que representa desde os gregos o público, e a polis é justamente a
segurança de que não se vai viver exclusivamente para os seus interesses “era para os
gregos, como a res publica para os romanos, em primeiro lugar a garantia contra a
futilidade da vida individual” (ARENDT, 1997, p.66). Uma vez que essa vida voltada
apenas ao mundo familiar, o para si não satisfaz o homem por completo, pois é limitada,
somente estando em comum se tem a concepção verdadeira da realidade que só se dá
pela diversidade de visões.
O oikos (esfera privada) representa a objetividade, de forma que quando a
política está nessa esfera, por exemplo, o suborno em causa própria é como coloca a
autora uma das coisas mais superficiais, pois é passageiro:
(...) esta objetividade, cuja base única é o dinheiro como denominador
comum para a satisfação de todas as necessidades, a realidade da
esfera pública conta com a presença simultânea de inúmeros aspectos
e perspectivas nos quais o mundo comum se apresenta e para os quais
nenhuma medida ou denominador comum pode jamais ser inventado
(ARENDT, 1997, p. 66, 67).
Querer ampliar suas vantagens, sua propriedade se para além do que lhe é
necessário para viver apossando-se do que é público, estendendo seu domínio ao que é
comum sacrifica, retira da cidadania dos outros. Quando a sociedade adota um
comportamento de conformidade diante de tal situação, há um total desvirtuamento da
vida ativa e plural.
Algumas considerações
A invasibilidade das mídias pensando no uso e na exposição das Polegarzinhas,
pelos vídeos e fotos íntimas das adolescentes e jovens que “vazam” na internet através
das redes sociais, são aqui entendidas como uma das formas dessa superinformação
produzida no ciberespaço, e uma maneira da limite borrado do que deve ser exposto
publicamente ou guardado para sua intimidade. Esses casos de Giana e Júlia foram
consequências extremas dessa publicitação da vida privada.
Faz-se necessário pensar a violação do direito através da invasão e apropriação
dos conteúdos das vidas privadas desses usuários e publicitadas na rede, trazem
consequências que vão além do que se poderia prever. Ações que combatam e punam
essas atitudes, conscientizem sobre os limites de uso das plataformas são fundamentais.
Fazer chegar a informação a geração atual dos adolescentes e jovens, regular o uso das
crianças faz com que as possibilidades que a rede trás, para enfrentar os problemas que
dela surgiram, traga consigo soluções para que se ajude a delimitar espaços não só para
questões competem a vida online, mas também para a vida off line .
Referências
ANTUNES, M. A. O público e o privado em Hannah Arendt. Biblioteca Online de
Ciências da Comunicação. Universidade da Beira Interior, Portugal. 2004. Disponível
em: <http://bocc.ubi.pt/pag/antunes-marco-publico-privado.pdf>. Acesso em: 04 de
abril de 2011
ARENDT, Hannah . A Condição Humana. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1997.
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Acessos à internet banda larga no Brasil chegam a 140 milhões. Disponível em:
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Canadense de 17 anos é indiciada por pornografia infantil por prática de sexting.
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Homem
cria
site
para
difamar
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Exposição sexual na internet se alastra e causa vítimas. Disponível em:
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Vítima de revenge porn detona agressor no Facebook. Disponível em:
http://mundoconectado.net/noticias/vitima-de-revenge-porn-detona-agressor-facebook/
Acesso em: 14 de julho de 2014
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Meu mundo secreto que todo mundo conhece: entre a intimidade e