Rio de Janeiro, 4 de agosto de 2014
À Comissão Julgadora do 36º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos
D
urante os 21 anos de ditadura militar no Brasil, foram inúmeras as vítimas fatais deixadas pelo regime de exceção. Uma delas, no entanto, se tornou emblemática justamente
por ter sido um grande defensor da democracia. Trata-se do deputado federal Rubens
Paiva. Cassado logo após o golpe de 1964, ele partiu para o exílio na Europa, mas voltou ao Brasil em
1965. No Rio de Janeiro, ele voltou a exercer a profissão de engenheiro até ser preso em 20 de janeiro de 1971. Nunca mais voltou. O calvário vivido pelo deputado e o destino de seu corpo foram o foco
da reportagem publicada em 20 de março com exclusividade pelo DIA.
Rubens Paiva foi preso em casa por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). Durante 43 anos foram muitas as informações difusas sobre o caso. Testemunhas e
documentos mostram que ele foi levado para a 3ª Zona Aérea, na região do Aeroporto Santos Dumont, onde começou a ser torturado. Horas mais tarde o parlamentar foi levado ao Destacamento
de Operações Internas — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do Exército. Barbaramente seviciado outra vez. A mulher e a filha mais velha dele também foram presas e liberadas somente dias depois. Dez anos se passaram até que um médico que auxiliava os torturadores admitiu
saber que Paiva esteve no DOI-Codi. Até hoje o Exército sustenta oficialmente que Paiva fugiu durante uma diligência policial. Foi essa versão que o DIA desmontou com a primeira reportagem da
série As confissões do coronel Malhães.
Há quase dois anos, a repórter Juliana Dal Piva iniciou uma intensa pesquisa sobre o desaparecimento do deputado, motivada pela possível instalação da Comissão Nacional da Verdade
(CNV), que permitiria a cobertura jornalística sobre um tema tão importante ao país. Em 2012,
quando ainda trabalhava no jornal ‘O Globo’, durante uma reportagem sobre a Casa da Morte de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, o nome de Malhães foi intensamente pesquisado. Fo-
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ram quase três meses de investigação só para identificá-lo corretamente e para obter seu endereço.
Ao encontrá-lo, depois de uma negociação tensa na porteira de seu sítio, ele decidiu receber a repórter e o colega Chico Otávio. Na ocasião, o coronel reformado Paulo Malhães admitiu sua participação em inúmeros episódios de tortura e o trabalho no centro clandestino. Mas não quis falar sobre
as vítimas que matara ou torturara. Naquele momento, ele admitiu que também sabia algo a respeito do desaparecimento do deputado Rubens Paiva, mas não quis detalhar a história.
Juliana então iniciou uma investigação do caso do parlamentar. Para isso, resgatou cerca de
20 livros publicados desde os anos 1980 até hoje. Dedicou-se também em uma intensa pesquisa nos
documentos do Serviço Nacional de Informações, localizados no Arquivo Nacional em Brasília, durante quase um ano, além do contato diário com ex-presos políticos. Em março deste ano, surgiu um
boato de que um militar do Centro de Informações do Exército sabia o que teria ocorrido com o cadáver do deputado. O jornal ‘O Globo’ chegou a publicar uma matéria com informações ‘em off’ sobre o assunto. Como Paulo Malhães tinha pertencido à unidade, que estava alocada no gabinete do
ministro do Exército, a repórter imaginou que ele poderia enfim confirmar as informações que disse
que ter dois anos antes. Não havia nada a perder. Ao abordá-lo para uma entrevista, ele disse que receberia a repórter em casa, mas sem fotógrafo. No dia seguinte, 19 de março, Juliana foi à casa de
Paulo Malhães, um sítio na zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O local é dominado
por milícias armadas e pelo tráfico de drogas, numa das mais violentas comunidades do Rio. O coronel, porém, garantia que a entrada na sua casa era segura, como de fato ocorreu.
E, durante seis horas, o coronel Malhães concedeu a entrevista na qual finalmente admitiu o
nome de algumas vítimas que torturou e matou. Na ocasião, ele revelou que era ele quem tinha recebido as ordens do gabinete do ministro do Exército para ocultar definitivamente os restos mortais
do deputado Rubens Paiva, que estavam enterrados em uma praia no Recreio dos Bandeirantes.
Além disso, ele confirmou a morte de outro líder da guerrilha em Foz do Iguaçu, Onofre Pinto. Mais
do que acreditar no depoimento de Paulo Malhães, a história corroborava uma investigação realizada durante os anos 1980, quando alguns agentes do DOI-Codi prestaram depoimento dizendo que o
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corpo tinha sido enterrado na praia. O local onde o corpo estava enterrado tinha sido até alvo de escavações sem sucesso em 1980 devido às informações da época. Além disso, ele também falou da
participação de outros oficiais do gabinete que estão vivos e que também receberam honrarias militares pelo “combate à subversão”. Malhães ainda confessou o envolvimento de colegas da repressão
tanto na ocultação do cadáver de Rubens Paiva quanto nas torturas realizadas na Casa da Morte de
Petrópolis — foco da reportagem exclusiva publicada no dia 25 de março. Três deles estavam envolvidos nos dois casos.
A consequência da publicação da reportagem foi a imediata convocação do militar para depoimento oficial na Comissão Nacional da Verdade. O testemunho público foi dado cinco dias depois
em frente à imprensa nacional e à estrangeira e se tornou a primeira e única confissão pública de
um torturador brasileiro que tinha patente de comando. Na ocasião, ele detalhou que cortava os dedos e retirava as arcadas dentárias dos corpos dos guerrilheiros mortos antes de atirá-los em rios.
Assim, se produziram os “desaparecidos”. Sobre Rubens Paiva, o deputado voltou atrás e disse que
não finalizou a operação de ocultação de cadáver.
O caso só teria conclusão um mês depois, com um episódio controverso. Trinta dias pós a aparição pública, Malhães foi morto em sua casa durante um assalto em circunstâncias ainda não esclarecidas totalmente. Na cobertura do caso, o DIA foi o primeiro a entrevistar a viúva do coronel,
Cristina Malhães, que contou detalhes do assalto. Segundo ela, os bandidos renderam o casal com as
armas do militar e os mantiveram como reféns durante quase 10 horas. Além disso, o DIA revelou
que o general Ustra, antigo comandante do DOI-Codi de São Paulo ficou sabendo da morte de Malhães com antecedência, antes mesmo da imprensa. Após a morte do militar, a viúva dele também
confessou, em outra reportagem exclusiva do DIA, que ele havia mentido ao negar a operação para
ocultar a ossada de Rubens Paiva. Além disso, o destino final dos restos mortais do deputado foi um
rio. Em julho, entretanto, a Polícia Civil do Rio de Janeiro concluiu o inquérito da morte do coronel
como latrocínio.
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Durante a cobertura do caso Rubens Paiva, que durou mais de três meses, após a publicação
da matéria, o Brasil viu renascer um debate sobre a revisão da lei que anistiou os crimes dos militares e, de maneira inédita, o Ministério Público Federal denunciou cinco acusados pela morte do deputado e a Justiça Brasileira aceitou a denúncia, instaurando o primeiro processo por homicídio
contra torturadores da ditadura militar. A divulgação da íntegra do depoimento prestado por ele anteriormente à Comissão da Verdade do Rio e cedido com exclusividade ao DIA permitiu confirmar
que, à época, Malhães também atuara na caça a militantes de esquerda argentinos que estavam no
Brasil.
Pelas razões acima, O DIA inscreve a série de reportagens As confissões do coronel Malhães, de Juliana Dal Piva, no 36º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
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16
SEGUNDA-FEIRA, 28.4.2014 I O DIA
PAÍS
DANIEL CASTELO BRANCO / 26.4.2014
Malhães
foi rendido
com suas
armas
Em entrevista exclusiva, a viúva
Cristina Malhães revelou que
também foi ameaçada de morte
JULIANA DAL PIVA
[email protected]
O
s criminosos que invadiram o sítio do coronel reformado do
Exército Paulo Malhães, 77 anos, em Nova Iguaçu, na quinta-feira passada,
renderam o militar e a esposa com as próprias armas dele. Foi o que revelou com exclusividade ao DIA Cristina
Malhães,40 anos, a viúva do
coronel. Em março, ele admitiu ao DIA que participou
de torturas e mortes durante a ditadura e que ocultou o
corpo do ex-deputado federal Rubens Paiva.
Escondida na casa de amigos, a viúva contou que não
pretende mais morar no sítio onde passou metade de
sua vida e onde morreu o marido na semana passada. A
lembrança das quase 10 horas em que ficou sob a ameaça de três criminosos ainda
impede que ela conte todos
os detalhes do que aconteceu. Com os olhos mareja-
VIVA VOZ
CRISTINA MALHÃES
Viúva do coronel
“EudisseaoPaulo,
‘parecequetem
alguémaqui’.Aí
elesaparecerame
renderamagente
comaspróprias
armasdoPaulo.Eu
reconhecias
armas”
dos, ela abraça as pernas e
diz que tem medo. “Eles disseram que podiam matar a
mim e a minha família também”, desabafou Cristina.
Eladiz que o casal tinha saído de casa na quinta-feira de
manhã para levar um dos cachorros no veterinário em Cabuçu, bairro de Nova Iguaçu.
Paulo Malhães dirigia o carro
do casal. O coronel e Cristina
seguiram depois para uma
Unidade de Pronto Atendimento (UPA), próxima do sí-
HOSPITAL FEDERAL DA LAGOA
DEPARTAMENTO DE GESTÃO
HOSPITALAR
tio. Ela explicou — mostrando marcas dos ferimentos
nas mãos— que os dois tinham sido mordidos pelo cão
fila dias antes e foram ao local
tomar vacinas (antitetânica e
antirrábica). Ao chegar em casa, na volta, os cães latiram,
mas eles não repararam em
nada de anormal.
Quando abriu a porta, Cristina percebeu que um dos cachorros correu direto para o
corredor que dava no quarto
do casal. “Foi então que eu disse ao Paulo, ‘parece que tem
alguém aqui’. Aí eles apareceram e renderam a gente com
as próprias armas do Paulo.
Eu reconheci”, contou ela.
De acordo com ela, o coronel não havia perdido o jeito
de agente secreto: dormia todas as noites com um revólver 38 na cabeceira da cama.
Cristina também revelou
que dos três criminosos, apenas um usava capuz e luvas.
A viúva diz que ainda tem
medo de revelar os outros
detalhes do crime e que vai
aguardar as investigações.
Presente à perícia complementar realizada no sábado,
Cristina diz que apenas na
segunda visita os policiais levaram para análise o travesseiro com que Paulo Malhães foi encontrado e que
continha sangue do militar.
Ela também contou que o
atestado de óbito do militar
aponta que a causa da morte
foi “edema pulmonar, isquemiademiocárdioemiocardiopatiahipertrófica”,estaúltima
é uma doença pré-existente.
Um especialista que preferiu não se identificar explicou que os dados apontam
para uma morte provocada
por um infarto em decorrência de um estresse muito forte, com aceleração aguda do
coração. Ele disse, porém,
que as circunstâncias da morte só serão explicadas no laudo cadavérico. “Tem que ler o
laudo todo. Às vezes na guia
policial não vem a história toda para o médico e analisando o cadáver a gente encontra outra lesão já existente.
Só o laudo do local e o cadavérico juntos é que vão dar a
conclusão do caso”, explicou.
Ministério da
Saúde
REABERTURA DE LICITAÇÃO
Pregão Eletrônico nº 06/2014-HFL
Processo: 25001.048704/2013-15
Abertura: 13/05/2014 às 10:00 horas
Objeto: Contratação de empresa especializada para locação de equipamentos
para Hemodiálise com respectiva Manutenção Preventiva e Corretiva para o
Serviço de Nefrologia.
Os editais podem ser retirados no site: www.comprasnet.gov.br
VINÍCIUS DE LIMA E SILVA MARTINS
Coordenador Geral de Licitações
De preto, a viúva Cristina e familiares acompanham enterro do coronel Paulo Malhães, no sábado, no Cemitério Municipal de Nova Iguaçu.
Coronel fez fogueira com documentos da ditadura
> De seus 40 anos de idade, Cristina Malhães passou 25 ao lado do coronel.
Os dois começaram a viver
juntos quando ela tinha
apenas 15 anos. “Eu perdi
a minha coluna. A verdade
é que eu vivia um pouco a
vida dele, e não a minha”,
contou, a voz trêmula.
Magra, baixa e frágil,
Cristina é um mulher simples. Ela resumiu sua vida
ao sítio em Marapicu. Cuidava da casa, dos cachor-
ros e, especialmente, do marido. Concluiu o Ensino Médio
e fez um curso técnico de Informática, mas nunca trabalhou fora de casa. “Vivíamos
da pensão do Paulo”, disse.
Os dois raramente deixavam o local .“Eu queria sair,
mas como ele não gostava, eu
não criava problema”, disse.
Ela lembra que em um dos
poucos momentos de lazer,
há muitos anos, o casal fez
um passeio na Praia de Itacuruçá. Os dois não tiveram fi-
lhos. Primeiro, Cristina diz
que foi ele quem não quis,
pois já tinha cinco de outras
cinco uniões. Depois, foi ela
quem desistiu. Ao consultar
um pai de santo que jogava
búzios, descobriu que seu primeiro filho seria um homem.
Como queria uma menina,
decidiu não engravidar.
Sobre o papel que o marido desempenhou no Exército, ela diz que já sabia de alguns detalhes antes das primeiras entrevistas dadas em
2012. “Toda vez que ele
contava, acho que ele se
aliviava um pouco. Ele
gostava de falar e de dar
entrevistas. Acho que ele
gostava de falar do assunto. Ele amava o Exército”,
contou ela.
Cristina disse que pouco antes de começarem a
morar juntos, Paulo Malhães fez uma grande fogueira com todos os documentos que tinha da época da ditadura.
JOSÉ PEDRO MONTEIRO / 25.3.2014
INVESTIGAÇÃO
Laudo deve
sair hoje
■A
Oficial do Exército durante depoimento, realizado no dia 25 de março, à Comissão Nacional da Verdade
Divisão de Homícidios
da Baixada Fluminense investiga a morte do coronel.
A expectativaé de que o laudo cadavérico chegue hoje
à delegacia. Os filhos do militar também são aguardados para depoimento.
Há pouco mais de um
mês, o coronel Paulo Malhães recebeu a reportagem
do DIA na mesma casa onde foi assassinado. Na ocasião, ele revelou que, em
1973, foi designado para
uma missão do gabinete do
ministro do Exército a fim
dedesenterraro corpodoexdeputado federal Rubens
Paiva em uma praia, no Recreio dos Bandeirantes.
Paulo Malhães serviu no
gabinetenoministrodoExército e era agente do Centro
de Informações do Exército.
Ministério de
Minas e Energia
PETROBRAS TRANSPORTE S/A – TRANSPETRO
CNPJ: 02.709.449/0002-30
REQUERIMENTO DE RENOVAÇÃO DE LICENÇA
PETROBRAS TRANSPORTE S/A - TRANSPETRO, torna público que
requereu ao Instituto Estadual do Ambiente – INEA, através do processo
E-07/202145/1998, a renovação da Licença de Operação - LO nº
IN000597 de para operar Terminal de Campos Elíseos - TECAM, cujas
atividades consistem na movimentação de petróleo, derivados e álcool,
localizada na Estrada Fabor Orbel,s/nº - Campos Elíseos, município de
Duque de Caxias.
19
O DIA I TERÇA-FEIRA, 29.4.2014
PAÍS
Notícia da morte de coronel
saiuprimeiroemsitedemilitar
Ex-agente do DOI-Codi divulgou que documentos sobre o caso Rubens Paiva foram roubados
DANIEL CASTELO BRANCO
JULIANA DAL PIVA
[email protected]
E
ntre as primeiras pessoas que souberam da
morte do coronel reformado do Exército Paulo Malhães na sexta-feira está
o também coronel reformado
Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOICodi de São Paulo (1970-1974).
O DIA descobriu no Twitter
dositede Ustra“A VerdadeSufocada” uma postagem sobre
o assassinato de Malhães às
13h08 — 31 minutos antes da
primeira notícia em página
de empresa jornalística, às
13h39. O site “A Verdade Sufocada” tem o mesmo nome do
livro escrito por Ustra, com
sua versão sobre a repressão.
A postagem no Twitter
traz um link para a matéria
no site do militar. A notícia
diz que Malhães foi morto
com quatro tiros. Há também uma referência ao assassinato do coronel Júlio Molinas Dias em 2012, e que ele
guardava em casa documentos do caso Rubens Paiva.
A polícia informou na sexta-feira que o corpo de Malhães tinha sinais de asfixia.
A viúva, Cristina, contou que
os bandidos cortaram o telefone da casa. O coronel Ustra
mora em Brasília.
O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, considerou a informação importante para
as investigações. “Esse levantamento vai ser importante.
Acredito que vão ter que ouvir pessoas em função disso.
É uma informação relevante”, afirmou Dallari, que ressaltou que todas as hipóteses devem ser investigadas.
O assessor da Comissão
da Verdade de São Paulo
Ivan Seixas disse que o site é
uma referência entre os militares. “É a mais importante
referência dos torturadores.
É altamente suspeito ter essa notícia antes mesmo da
própria imprensa. Isso chama a atenção e acho que devíamos exigir que a PF entre
no caso”, observou Seixas.
Durante entrevista ao
DIA em março deste ano,
Malhães contou que ele e Ustra tinham trabalhado juntos em algumas operações.
Ustra também prestou depoimento à Comissão da Verdade, em maio de 2013. Na
ocasião, negou sua participação em torturas e assassinatos. Procurado para falar sobre o caso do coronel Paulo
Malhães, Brilhante Ustra
não retornou até o fechamento da edição.
Peritos estiveram no sítio, em Nova Iguaçu, em busca de material que possa levar à identificação dos homens que assassinaram o militar e conversaram com o caseiro do militar
REPRODUÇÃO DE INTERNET
VIVA VOZ
INVESTIGAÇÃO
RANDOLFE RODRIGUES
Senador (Psol-AP)
Senado pede
PF no caso
“O coronel tinha
que estar sob
proteção. Ele ser
assassinado
mostra o fracasso
da recuperação da
memória”
WADIH DAMOUS
Presidente da CVRJ
“O caso tinha de ter
acompanhamento
federal. Não pode
ser tratado como
tentativa de
assalto”
No site de Ustra, a informação sobre a morte do coronel Malhães foi divulgada às 13h08 da sexta-feira
MPF apreende documentos e computadores
> O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e
a Polícia Federal cumpriram ontem mandado de
busca e apreensão na casa do coronel reformado
Paulo Malhães, em Marapicu, em Nova Iguaçu.
Durante as buscas foram apreendidas três
computadores, mídias digitais, agendas e documentos do período da ditadura, inclusive relató-
rios de missões das quais
Malhães participou.
O mandado, feito no sábado por procuradores da República do grupo de trabalho Justiça de Transição, foi
concedido pelo juiz federal
Anderson Santos da Silva.
Segundo o MPF, o objetivo
era apreender documentos
e possíveis provas que possam contribuir para a elucidação de crimes cometidos
por servidores públicos du-
rante a ditadura militar.
Paulo Malhães foi agente
do Centro de Informações
do Exército na década de
1970. Os procuradores já investigavam o militar devido
aos relatos em que confessou ter torturado e assassinado presos políticos.
Em dezembro de 2013 e
março de 2014, o MPF tentou, inclusive, intimá-lo a depôr, mas o militar recusouse a receber a intimação. A
recusa foi antes de ele ser
ouvido pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Em março, antes do depoimento à CNV, Malhães admitiu ao DIA que
participara de torturas e
mortes durante a ditadura e que integrara uma
missão em 1973 para desenterrar e ocultar a ossada do ex-deputado federal Rubens Paiva, desaparecido dois anos antes.
■ A Comissão de Direitos
Humanos do Senado discutirá hoje a entrada da Polícia Federal na apuração do
assassinato do coronel reformado do Exército, Paulo
Malhães. De acordo com o
senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), o objetivo
é tentar aprovar um requerimento que permitirá uma
diligência da comissão para acompanhar as investigações do crime.
“É um absurdo que o coronel não estivesse sob proteção do Estado brasileiro.
Ele ser assassinado mostra
o fracasso da recuperação
de memória e da verdade
no Brasil”, afirmou.
O presidente da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous, defende a entrada PF no caso. “Pelo passado dele e pelo o que representou, esse caso tinha
de ter tido um acompanhamento federal. Não pode
ser tratado como mera tentativa de assalto”, disse.
Ontem, a viúva, Cristina
Malhães, o caseiro Rogério
Pires e dois filhos do coronel foram ouvidos pela Divisão de Homícidios da Baixada, que investiga o caso.
DIA A DIA
NOVO LAUDO CONFIRMA QUE GENOINO
NÃO PRECISA DE PRISÃO DOMICILIAR
Um laudo dos cardiologistas Luiz Fernando Junqueira Jr., Alexandre Visconti Brick, Fernando Antibas Antik
e Cantídio Lima Vieira, da
Universidade de São Paulo
(USP) e enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF)
atesta que a saúde do exdeputado e ex-presidente
do PT José Genoino é estável e
não é preciso que ele fique em
prisão domiciliar. Condenado
a quatro anos e oito meses
por envolvimento no Mensalão, Genoino, que tem problemas cardíacos, cumpre a pena
em casa desde novembro,
quando passou mal no presídio da Papuda, em Brasília.
ÍNDIOS MATAM AGRICULTORES NO SUL
Os irmãos agricultores Anderson e Alcemar Souza foram
mortos a tiros por índios na tarde de ontem na localidade de
Faxinalzinho, em Erechim
(RS). Segundo o comandante
da Brigada Militar na cidade,
Valdecir Golfetto, houve confronto quando um grupo de
agricultores tentou liberar
uma estrada que havia sido
bloqueada pelos indígenas,
que protestavam pedindo a
demarcação de suas terras.
Segundo a polícia, o clima é
tenso na região e há risco de retaliação de agricultores contra os índios. Ontem, policiais
foram enviados das cidades
de Nonai e Passo Fundo para
reforçar o policiamento na região onde houve as mortes.
EX-DIRETOR DA PETROBRAS É LEVADO
PARA PENITENCIÁRIA DO PARANÁ
O ex-diretor de Distribuição da
Petrobras Paulo Roberto Costa foi transferido ontem da carceragem da Polícia Federal
em Curitiba para a Penitenciária Estadual de Piraquara. Preso acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha pela Operação Lava-Jato,
ele ficará sozinho numa cela
da ala destinada a presos
com curso superior. A justificativa para a transferência
é de que a carceragem da
PF só pode manter presos
por período curto de tempo. A defesa de Costa tentou impedir a mudança, alegando que na penitenciária
ele correria riscos.
17
O DIA I TERÇA-FEIRA, 6.5.2014
PAÍS
Corpo de Rubens Paiva foi
jogado em rio, diz viúva
Antes de morrer, coronel Malhães confessou à esposa ter mentido à Comissão da Verdade
FOTOS DANIEL CASTELO BRANCO/30.4.2014
JULIANA DAL PIVA
[email protected]
‘Foi um
sufoco
para achar’
P
ouco antes de morrer,
o coronel reformado
do Exército Paulo Malhães confiou à mulher, Cristina, uma última revelação histórica. Ele admitiu à companheira dos últimos 25 anos que mentiu no
depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade. Na ocasião, em março,
ele negou que tivesse trabalhado na missão que ocultou
definitivamente o cadáver
do deputado federal cassado
Rubens Paiva. Cinco dias antes, o DIA publicou uma entrevista em que o coronel assumiu ter recebido e concluído a missão dada a ele por
oficiais do gabinete do então
ministro do Exército Orlando Geisel, em 1973. Malhães
disse a Cristina que os restos
mortais de Paiva foram atirados em um rio.
À noite, depois do depoimento de quase três horas, os
dois mal entraram na casa do
sítioem Marapicu, Nova Iguaçu, e ela diz que não segurou a
curiosidade sobre o assunto:
“Aquilo que você disse sobre
desenterrar o corpo do Rubens Paiva, era mentira ou
verdade?” E Malhães respondeu: “Era mentira. Eu fiz.”
Nas conversas íntimas do
casal, Malhães não nomeava
os guerrilheiros que torturou e matou. Em março, no
entanto, ela conta que sentia
“A história do
Rubens Paiva era a
única que eu sabia.
Era um desabafar
constante dele”
Cristina, viúva do coronel
no marido uma necessidade
de desabafar sobre o caso. “A
história do Rubens Paiva era
a única que eu sabia. Ele falava recentemente e era um desabafar constante. Quando
ele contou no depoimento
aquela versão, eu estranhei.
Só se fosse uma parte que eu
não sabia porque ele já tinha
me falado sobre isso antes.
Ele não podia negar para
mim. E o destino final do corpo foi um rio”, contou.
A viúva também disse que
não entendia a atitude do marido em assumir a responsabilidade sozinho e não revelar
os nomes de todos os oficiais e
militares envolvidos na missão. Ao questioná-lo, ouviu do
coronel que ele era honesto.
“Eu perguntei a ele porque
não dava os nomes de todos
que tinham participado. Ele
dizia que na época que trabalharamnoExército,eles(oscolegas) eram leões e, quando
acabou, se tornaram ratinhos.
Acho que ele mudou a versão
no depoimento por causa desses leões”, explicou ela.
Cristina diz que o marido
não acreditava em represálias e que também achava possível que, no futuro, ele voltasse a esclarecer o caso. “Ele
queria um tempo para a cabeça, mas acho que ele ia dizer a
verdade em outro momento”,
afirmou a viúva.
> No dia 19 de março, o
Viúva do coronel Malhães, Cristina conta que sabia da história envolvendo o desaparecimento do corpo do deputado Rubens Paiva
coronel Malhães recebeu O DIA em sua casa, mesmo local onde
foi assassinado há 12
dias, e contou que havia coordenado junto
com também coronel
reformado José Brandt
Teixeira uma missão
para desenterrar o corpo de Rubens Paiva em
uma praia do Recreio
dos Bandeirantes.
“Recebi a missão para resolver o problema,
que não seria enterrar
de novo. Procuramos
até que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um sufoco para
achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”,
disse, Malhães.
Para localizar o corpo de Paiva, duas equipes trabalharam durante cerca de 15 dias na
praia. Também participaram da ação os sargentos Jairo de Canaan
Cony e Iracy Pedro Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido.
Malhães admitiu na
ocasião que sabia de
quem era o corpo procurado. “Eu podia negar,
dizer que não sabia,
mas eu sabia quem era
sim. Não sabia por que
tinha morrido, nem
quem matou. Mas sabia
que ele era um deputado federal, que era correio de alguém”, contou.
DIVULGAÇÃO/PORTAL EBC
Calvário
PRISÃO
Em 20 de março de 1971,
Rubens Paiva foi preso e levado de sua casa por agentes armados da Aeronaútica (CISA) até o quartel da
3ª Zona Aérea
MORTE
■ No mesmo dia em que foi
preso, Paiva foi levado para
o DOI-Codi, na rua Barão de
Mesquita, onde foi torturado até a morte
ALTO DA BOA VISTA
■ Segundo Malhães, os mili-
Acima, o deputado cassado Rubens Paiva. Na foto ao lado, o computador do coronel Malhães sem o disco rígido roubado pelos criminosos
VIVA VOZ
INVESTIGAÇÃO
ROSA CARDOSO
ComissãoNacionaldaVerdade
Revelação da viúva constará no relatório final da CNV
“A declaração de
Cristina,
aparentemente,
não pode ter
nenhuma segunda
intenção em
relação ao fato. É
uma declaração
que transpira
autencidade”
■ Para
a advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão
Nacional da Verdade, o esclarecimento prestado por Cristina Malhães é importante para
o avanço no caso e também
para o relatório final da CNV.
“É muito importante porque
defaz a névoa que o coronel
quis lançar à comissão, quando
resolveu voltar atrás dizendo
que não tinha cumprido a mis-
são. Essa revelação ajudará o relatório final”, afirmou Rosa, que tomou o depoimento de Malhães.
A advogada também considera que a afirmação de Cristina autêntica. “A declaração de Cristina, aparentemente, não pode ter
nenhuma segunda intenção em
relação ao fato. É uma declaração que transpira autencidade.
Ela é uma pessoa que não tem interesse em distorcer fatos. Ela
não teria porque inventar ou
acusar ele de algo que não tenha acontecido”, avalia.
No dia 25 de abril, três criminosos invadiram a casa de Malhães. No fim da noite, Cristina
encontrou o corpo do marido
de bruços e com a cabeça em
umtravesseiro. Na semana passada, o caseiro do sítio admitiu
envolvimento no assalto. O caso segue em investigação.
tares do DOI-Codi enterram Paiva no Alto da Boa
Vista, próximo a estrada.
No mesmo local, também
forjaram a versão de que
Paiva foi resgatado por
guerrilheiros quando era
conduzido dentro de um
fusca. Em janeiro, o general
Raymundo Campos confessou a farsa à Comissão Estadual da Verdade
PRAIA DO RECREIO
■ Malhães
disse ainda que
no mesmo ano o corpo foi
retirado do Alto da Boa Vista e enterrado em uma
praia do Recreio. Em 1973,
os restos mortais foram desenterrados e jogados em
um rio não identificado
19
O DIA I TERÇA-FEIRA, 27.5.2014
PAÍS
DIVULGAÇÃO
JULIANA DAL PIVA
[email protected]
A
Justiça Federal do
Rio fez História ontem. Em decisão inédita, o juiz Caio Márcio Gutterres Taranto, da 4ª
Vara Federal Criminal, aceitou a denúncia contra cinco
militares envolvidos no assassinato do deputado federal
cassado Rubens Paiva. Mais
de três décadas depois da
aprovação da Lei de Anistia,
em 1979, a Justiça admitiu pela primeira vez o antigo coro
dos parentes: os assassinatos
de opositores políticos cometidos durante a ditadura são
crimes contra a humanidade
e não estão cobertos pela legislação. Além disso, segundo a Justiça, os crimes são imprescritíveis.
Com a decisão do juiz, se
tornaram réus e responderão por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação
criminosa armada: o general José Antônio Nogueira
Belham, ex-comandante do
DOI-Codi, e o coronel Rubens Paim Sampaio, ex-oficial do Centro de Informações do Exército. Se condenados, a pena dos dois pode
chegar a 37 anos de prisão.
Foram denunciados ainda o general reformado Raymundo Ronaldo Campos e
Preso em sua casa, em
1971, Paiva foi levado
por agentes da
Aeronáutica.
Foi torturado até a
morte. O corpo
nunca apareceu
Juiz reconheceu
caso como crime de
lesa-humanidade,
emque nãoháanistia
nem prescrição
os capitães reformados e irmãos Jurandyr Ochsendorf
e Souza e Jacy Ochsendorf e
Souza pelos crimes de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada. As penas para
os três podem superar dez
anos de prisão.
Rubens Paiva foi preso emsua casa no Leblon, na manhã do dia 20 de janeiro de
1971, por agentes do Centro
de Informações de Segurança da Aeronáutica. Nunca retornou. Ele foi levado para 3ª
Zona Aérea e na mesma noite
foi entregue a agentes do
DOI-Codi, na Tijuca, onde foi
torturado até a morte.
No despacho, o magistrado considera que a ação do
MPF trata de crimes previstos no Código Penal atual.
Além disso, é reconhecido
que,à época,o Brasil já era signatário de tratados internacionais nos quais reconhecia
que ataques sistemáticos contra a humanidade eram considerados delitos imprescritíveis. “Nesse contexto, o sentido e conteúdo de crime contra a humanidade deve ser extraído ponderando-se o histórico de militância política da
vítima, inclusive sua atuação
na qualidade de deputado
cassado pelo Movimento de
1964”, escreveu o juiz.
Para Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da
Verdade, o Judiciário vem
aos poucos reconhecendo a
validade das normas internacionais. “Realmente é uma
decisão inédita. O juiz respeitou o princípio do direito internacional que reconhece
que há um crime de lesa-humanidade e que esse crime
não é anistiado e não prescreve”, afirmou Rosa.
O advogado que defende
os réus, Rodrigo Roca, informou que até sexta-feira entrará com um pedido de trancamento da ação. Ele estuda
ainda a possibilidade de fazer uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal pela não
aplicação da Lei de Anistia.
Juiznegaanistiaeprocessa
militarespormortedePaiva
Cinco oficiais do Exército serão julgados por assassinato e ocultação de cadáver
de deputado federal durante a ditadura e poderão pegar até 37 anos de prisão
Os réus: general Belham, coronel Paim Sampaio, capitães Jacy e Jurandyr Ochsendorf e Souza e o general Raymundo Ronaldo Campos
5 MINUTOS COM:
VERA PAIVA
Filha de deputado
DIVULGAÇÃO
ESPERANÇA
POR JUSTIÇA
NUNCA ACABOU
Filha do deputado federal
cassado Rubens Paiva, Vera Paiva afirma que a esperança por Justiça nunca
acabou. Convicta, ela diz
que o país finalmente conseguiu entender como a
violência da ditadura tem
consequências até hoje.
Qual é a sensação desse
momento?
— É de que a gente está
dando um passo gigantesco, não só no caso do meu
pai, mas no Brasil para
acrescentar ao debate da
Memória e da Verdade o tema da Justiça de Transição.
Quando a juíza Ana Paula
aceitou a denúncia do Rio-
centroeujáacheiumpassogigantesco. Hoje demos um outro. Justiça com direito à defesa,comdireitoapedidodeperdão ou se a pessoa quiser defender o crime que fez, que o
faça. Como fizeram Argentina, Chile, África do Sul e Alemanha Nazista. A meu ver, é o
único modo de encerrar o ciclo de violência que permanece até hoje, onde a polícia aindaé treinada a torturar.
Você ainda acreditava na
Justiça ?
— Tenho profunda fé nas
novasgeraçõesdejuízesepromotores. Eles conseguem se
distanciar desse período e ter
umanoçãomaisisentadeJustiça e não de ideologia, diante
do que estão avaliando. Ao
contrário de todo mundo, eu
tinha muita esperança, quase
certeza de que era possível.
Também acho que conseguimos a ligação histórica entre
os crimes. Eu vi algo que estava na boca de poucas pessoas
ser compreendido como herança maldita desse tempo.
A cobertura do caso influenciou?
— A gente sente a cobertura
como um privilégio. Nunca
achamos que era o único caso importante. Por isso, nossa família se dedicou a desvendar esse vínculo histórico
com a minha mãe lutando na
questão indígena, e eu com
direitos humanos nas periferias da cidade. Que esse privilégio seja em benefício do
Brasil, da família do Amarildo, do bailarino DG e da
Claúdia, arrastada por
PMs este ano. Penso neles
mais que na gente.
O que foi mais di fícil
até aqui?
— É a hora em que tem
que fazer o luto: decidir
que morreu e não vai voltar . Fazer o meio luto que é
possívelnessetipodesituação. Quando completaram
40anosdodesaparecimento do meu pai a gente fez
umritualdeencontrodefamiliares e amigos. Nesse
dia, a gente descobriu que
eu decidi que meu pai tinha morrido 10 anos depois do desaparecimento,
minha irmã 12, meu irmão
8, minha mãe só quando
FHC deu a certidão de óbitoem1996.Esseéomaisdifícil, a gente se sente culpado de perder a esperança.
Mas o momento é necessário para encarar a luta.
MALHÃES
Sumiço do
corpo relatado
■ Em
20 de março deste
ano, o coronel Paulo Malhães contou ao DIA o que
ocorreu com o corpo de Rubens Paiva, após a morte
no DOI-Codi. “Recebi a missão para resolver o problema, que não seria enterrar
de novo. Procuramos até
que se achou (o corpo), levou algum tempo. Foi um
sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”, afirmou Malhães, ao
admitir que tinha participado de missão para dar um
destino final aos restos
mortais do parlamentar.
Segundo o militar, em
1973, foi dada uma ordem
do gabinete do ministro do
Exército, Orlando Geisel, para que o corpo que estava
na areia, na Praia do Recreio
dos Bandeirantes, fosse
ocultado definitivamente.
Ele disse que o corpo de
Paiva tinha sido enterrado
por outros militares no Alto
da Boa Vista logo depois da
morte e, posteriormente,desenterrado e depositado
em uma cova na praia. Como havia risco da descoberta da ossada, a missão para
a ocultação final foi entregue a Malhães. De acordo
com ele, participaram da
missão ainda o coronel reformado José Brandt Teixeira e os sargentos Jairo de
Canaan Cony e Iracy Pedro
Interaminense Corrêa. Apenas Cony está falecido.
Malhães morreu 37 dias
depois da entrevista, duranteumassaltoemcircunstâncias ainda não esclarecidas.
Após a morte, a viúva contou ao DIA que ele admitiu
queosrestos mortais dePaiva foram jogados em um rio.
Se vivo, o MPF diz que ele
também seria denunciado.
22
SEXTA-FEIRA, 30.5.2014 I O DIA
PAÍS
JOSÉ PEDRO MONTEIRO/25.3.2014
Malhães
caçou
argentinos
asilados
Coroneldatorturaprendeulíderes
opositoreseosdevolveudopadose
engessadosamilitaresdaArgentina
JULIANA DAL PIVA
[email protected]
N
ão à toa, o codinome
do coronel reformado Paulo Malhães durante a ditadura era
‘Dr. Pablo’, que significa Paulo
em espanhol. Após o aniquilamento das organizações guerrilheiras do Brasil, o oficial
ajudou militares argentinos a
capturar opositoresestrangeiros asilados no Rio. É o que revela a íntegra dos depoimentos do coronel tomados pela
Comissão da Verdade do Rio
e obtidos pelo DIA.
Em um relato frio e irônico
Malhães contou, sem nomear,
que capturou um líder do grupo Montoneros que vinha
num voo de Buenos Aires,
mas tinha como destino a Venezuela. O preso foi entregue
aosmilitares de seupaís e o retorno à capital porteña teve
Coronel revelou que
bomba explodiu no
estacionamento do
Riocentro em 1981
porque foi montada
dentro do carro
até o aval de um médico que
dopoueengessou avítima. Tudo para não chamar atenção.
“Eu guardei os frasquinhos que o médico me deu
junto com as finalidades. Essesfrasquinhos foram até usado pelo SNI, um cara me pediu uma ampola e tal. Maravilhosos os frasquinhos (rindo).
Eles serviam para várias coisas, fazer tu ter um AVC, por
exemplo”, contou Malhães.
Orelatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos mostra que
ao menos três integrantes
dos montoneros foram presos no Brasil. Horacio Campiglia e Monica Binstock volta-
vam do exílio para a Argentina em março de 1980. Os dois
saíram do México, num voo
da empresa aérea venezuelana Viasa, que fazia conexão
em Caracas com um voo da
Varig rumo ao Rio. Familiares acreditam que eles foram
sequestrados no aeroporto
do Galeão. Os dois nunca
mais foram vistos com vida.
O capelão dos Montoneros Jorge Oscar Adur também desapareceu no Brasil
em julho de 1980. A visita de
Adur tinha como objetivo
uma reunião com diversos
grupos de ativistas políticos,
particularmente cristãos da
luta sindical e camponesa,
além de familiares de desaparecidos e de presos políticos argentinos.
No depoimento de Malhães, que será apresentado
ao público hoje, o militar
também contou que o coronel Wilson Machado confessou internamente ao Exército que a bomba explodiu no
estacionamento do Riocentro em 1981 porque estava
sendo montada dentro do
carro no colo do sargento
Guilherme do Rosário. “Foi
montar ali. Aí ele bateu com
a corrente que segurava o relógio, que é aquela metálica.
Ele bateu nos contatos e a
bomba explodiu... pronto,
só isso”, afirmou.
Morto há pouco mais de
um mês durante um assalto
em seu sítio, em circunstãncias ainda não esclarecidas,
Malhães admitiu à Comissão
do Rio que tinha receio de falar sobre seu trabalho no
Éxército. Questionado sobre
retaliações, na segunda conversa, ele disse que ficou “matutando”. “ Que eu estava correndo um grande risco”, ponderou. Pouco depois também disse que não falava sobre o assunto ao telefone e
não escrevia no computador.
“Nem pensar”, enfatizou.
ÀComissãodaVerdadedoRio,antesdemorrer,Malhãesdissequecapturouolíderdosmontoneroseoentregoudopadoaosmilitaresargentinos
“
TRECHOS DO DEPOIMENTO
RUBENS PAIVA
■ “Ele
estava bem enterradinho. É que a umidade penetra,
passa por baixo e deteriora a
carne muito rápida. Mas todo
mundo enterrado direitinho”,
afirmou Malhães sobre a descoberta do corpo de Rubens Paiva
na praia do Recreio, como também admitiu ao DIA em março.
SEQUESTRO
■ “Botou o cara (argentino) pa-
ra dormir engessado. Ele como
médico se apresentou ao piloto.
Tudo direitinho. Todas as formalidades cumpridas...Foi na maca. O consulado argentino aqui
tratou de acertar tudo.”
ESQUADRÃO DA MORTE
■ “Eu fui membro honorário, eu
não fui membro efetivo. Eu era
conselheiro porque me chamaram lá e me deram ‘Oh, vou dar
o escudinho do DOI para você
botar.’ Eu usava no meu carro.
Não escondia isso não. Mas,
não tinha qualquer ligação
com negócio de morte de vagabundo. Não era comigo.
FOTOS REPRODUÇÕES
À esquerda, o argentino Horacio
Campiglia, acima o líder do
PCBR Mario Alves e, ao lado,
Monica Binstock e sua família,
antes de desaparecer no Brasil
DESPARECIDOS
Enterros
na floresta
Eu guardei os frasquinhos que o
médico me deu. Maravilhosos.
Faziam tu ter um AVC”
“Fiquei matutando que eu estava
correndo um grande risco... não
falo no telefone tudo o que penso”
“Foi montar ali. Aí ele bateu nos
contatos e a bomba explodiu...
pronto, só isso”
Coronel Paulo Malhães
GENERAL MÉDICE
■ “Quando
aconteciam problemas,o (presidente) Médici mandava me chamar. Eu ia no Palácio. Ele perguntava: ‘e aí?’ Eu dizia: ‘O senhor quer que eu resolva?’ ‘Então tá Malhães, resolve”.
TORTURA
■ “Eu
tenho que aprender. Eu
era um torturador. Eu tinha um
aparelhinho de choque especial.
Então, ainda raciocinava. Eu vim
evoluir rápido. Mas levei algum
tempo para evoluir.”
■ Ao contar que o primeiro
destino docorpododeputado federal cassado Rubens
Paiva foi uma cova próxima
àestradadoAltodaBoaVista, o coronel Malhães admitiu que o DOI-Codi tinha a
práticadeenterrarguerrilheiros mortos naFloresta daTijuca. “Para mim, a mania
que eles tinham era enterrar”, afirmou o oficial. Questionado sobre o motivo, ele
foi direto: “Porque fica mais
difícil você achar”.
De acordo com ele, um
dos corpos pode ter sido o
do dirigente do PCBR e exdeputado federal Mário Alves. O coronel contou que
soube da prisão do militante
e,diferentedePaiva,oassassinato não teria sido acidental. “Posso até julgar que foi,
mas acho difícil. Eu mesmo
acho difícil”, confessou.
Malhães confirmou que,
além dos militares, atuava
no DOI-Codi, na época, o detetive da Polícia Civil Fernando Próspero Gargaglione de Pinho. Ele e o coronel
reformado Armando Avólio
Filho teriam trabalhado juntos e Gargaglione foi trazido
para a repressão por Avólio.
O coronel confessou ainda que os militares usavam
como aparelho uma delegacia no Alto da Boa Vista, ondehojeéoCorpodeBombeiros.Para ele,tantoAvólio como Gargaglione podem estar envolvidos na primeira
tentativadeocultaçãodecadáverdeRubensPaiva.“Porque o Avólio gostava de movimento. Era um cara que
gostava de dar porrada”, denunciou Malhães. Avólio foi
a principal testemunha de
acusaçãodadenúnciadocaso aceita pela Justiça.
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