As Grandes Doutrinas da Graça
Um curso de teologia reformada
Leandro Lima
VOLUME 2 - ANTROPOLOGIA E CRISTOLOGIA
2014
© Leandro Lima
Revisão
Adély Costa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
Lima, Leandro Antônio de, 1975As grandes doutrinas da graça
4v.
– São Paulo: Agathos, 2014.
Inclui bibliografia.
1. teologia dogmática. 2. doutrina bíblica. 3. bíblia – teologia – cursos.
4. bíblia – estudo e ensino.
i. Título
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Sumário
O ser humano criado e decaído
1 criação ou evolução? 05
2 o homem como ser criado 12
3 o propósito da criação 20
4 a queda do ser humano 26
5 o inimigo das nossas almas 33
6 o significado da morte 40
7 para onde vão as almas? 46
8 quebrando a maldição
53
A vida e a obra de Jesus Cristo
9 o precursor do messias 60
10 o evento central da história 69
11 as naturezas do redentor
81
12 a necessidade da morte de cristo
13 o substituto dos pecadores
89
99
14 a extensão da expiação de cristo 111
15 evidências, significado e efeito da ressurreição 120
16 o significado teológico da ascensão de cristo 130
17 a teologia da cruz e da ressurreição
Bibliografia 148
137
O ser humano criado e decaído
1
CRIAÇÃO OU EVOLUÇÃO?
Entender que a idéia de que o
mundo foi criado por Deus não é
irracional, antes sensata e necessária.
introdução
O antigo Credo Apostólico começa com a
seguinte declaração: “Creio em Deus Pai
Todo-Poderoso, criador dos Céus e da Terra”. A igreja sempre acreditou que Deus é
o criador de tudo o que existe. A idéia de
que a terra surgiu como resultado de um
processo evolutivo é relativamente recente.
Somente a partir do século 18 começou-se a
questionar a validade do Gênesis como exata expressão da verdade histórica. Desde a
fundação do cristianismo, a crença em Deus
como o criador do mundo foi dominante,
mas, a partir do iluminismo, o homem decidiu se livrar deste paradigma. O homem
da idade moderna resolveu complementar o
grito de independência de Adão. Adão bradou: “Eu não preciso de um mantenedor”.
E o homem moderno foi mais longe ao bradar: “Eu não preciso de um criador”. Agora o
homem moderno quer explicar sua existência sem precisar admitir que haja um Deus
por detrás dela. Desde que Darwin fundamentou a mirabolante teoria da “evolução
das espécies” (1859), o homem pensou que
conseguiu dar seu grito de independência
definitiva. Infelizmente as idéias modernas
da ciência têm convencido muitas pessoas
crentes, algumas até sinceras, que na tentativa de tornar a Bíblia supostamente mais
acessível para o mundo moderno, têm negociado princípios inegociáveis. A história
da teologia mostra claramente quão trágica
é a tentativa de condicionar a teologia e a revelação aos paradigmas da ciência moderna.
No final sacrifica-se a teologia, sacrifica-se a
revelação e a própria mensagem da igreja.
A história da modernidade tem demonstrado a existência de ideologias sustentando
praticamente todos os movimentos influentes no nosso mundo. Hoje, quando se pensa
em ciência, muitos imaginam uma metodologia imparcial e livre de ideologias, mas
isto é um grande mito. A ciência moderna
é essencialmente ideológica. Se não fosse assim, cientistas famosos não estariam
dispostos a forjar provas para suas teorias,
como a vergonhosa “prova” da existência do
criação ou evolução 05
homem de Neanderthal, cujo crânio mais
famoso foi uma prova forjada de um crânio
de um homem do século 18. A ciência moderna está intimamente ligada às ideologias
do mundo moderno. O relativismo dos costumes, da ética e da própria existência está
por detrás da maioria das teorias científicas
modernas. Para a maioria, negar os absolutos significa se ver livre de condenações.
Mas este é mais um mito da modernidade.
1 Nos atrevemos a
continuar insistindo
na autoria mosaica do
Pentateuco apesar de
toda a argumentação
do criticismo moderno
no sentido contrário. Por
muito tempo os eruditos
críticos assumiam a
definição de Wellhausen
(1844-1918) de que
o Pentateuco era
composto de quatro
tipos de materiais ou
fontes: A fonte “J” ou
Javista, a fonte “E” ou
Elohista, a fonte “D” ou
Deuteronômia e a fonte
P ou Sacerdotal. Mas os
próprios estudos críticos
têm lançado dúvidas
sobre essa teoria,
como admite o próprio
Gordon Wenham,
pois as discussões
sobre esse assunto
têm surgido dentro
do próprio coração do
criticismo (Gordon
Wenham. Word
Biblical Commentary,
Volume 1: Genesis 1-15,
Introduction). Não há
razões convincentes
para não acreditar que
Jesus soubesse quem
escreveu o Pentateuco,
e ele admitiu que foi
Moisés (Ver Lc 24.44).
Gênesis é o livro que afirma expressamente
que Deus criou o mundo e o ser humano.
Muito se tem discutido a respeito do Livro
de Gênesis, especialmente sobre seu caráter
histórico e literário. O cristianismo conservador tem se posicionado a favor do caráter histórico da obra. Mas muitos eruditos
modernos têm relegado o livro à categoria
de poético, algo como um fruto da experiência religiosa de um povo, com verdades
submersas ou escondidas atrás de mitos.
Essa visão do Gênesis é extremamente prejudicial ao entendimento da Bíblia como livro inspirado e inerrante e não deveria ser
aceita por crentes sinceros que honram a
Palavra de Deus. Mas infelizmente professores de teologia de diversos seminários e
instituições teológicas ensinam isso para
alunos inexperientes e despreparados, que
ficam fascinados pela suposta erudição e se
esquecem da inspiração. Quando muitos
desses alunos voltam como pastores para
suas igrejas, já não acreditam na infalibilidade da Escritura e conseqüentemente não
têm mensagem para proclamar. Basta olhar
para o que aconteceu em tantas igrejas da
Europa, dos Estados Unidos e até mesmo
do Brasil, que desacreditaram da Escritura,
e se tornaram secularizadas, para perceber
que essa é uma péssima opção. O cristianismo não sobrevive, se a Bíblia for rejeitada.
2 A maxima “ex nihilo
nihil fit” é verdadeira,
pois “nada vem do
nada”. Veja excelentes
argumentos sobre
isso em: Wiliiam G.
T. Shedd. Dogmatic
Theology, p. 467.
O livro de Gênesis foi escrito por Moisés1
com a intenção de demonstrar ao povo saído
do Egito quais eram suas origens. A criação
descrita não se apropria de termos científicos, até porque, termos científicos são coisas
bem recentes. A tentativa é de dar ao povo
06 as grandes doutrinas da graça ii
daquela época uma compreensão da terra
prometida onde iriam habitar, sobre a origem dela, e da origem e direito do próprio
povo à terra. A linguagem é simples, porém
histórica. O gênero literário não é poético,
mas narrativo. É uma narrativa histórica.
antes de tudo, deus...
É interessante a forma como a Bíblia apresenta Deus. Ela não se preocupa em começar provando a existência dele. Ela diz: “no
princípio Deus...”, pressupondo sem possibilidade de dúvidas a existência de Deus.
Para a Bíblia, crer no Deus criador é uma
matéria de fé, conforme o escritor aos Hebreus declara: “Pela fé, entendemos que foi
o universo formado pela palavra de Deus,
de maneira que o visível veio a existir das
coisas que não aparecem” (Hb 11.3). Como
já dissemos, para alguém aceitar que Deus
é a origem de todas as coisas, a fé é necessária. Não porque não haja evidências de que
Deus é o criador, mas porque para aquele
que não crê, nenhuma evidência lhe é suficiente. Embora acreditemos que há boas
evidências racionais para se aceitar a idéia
de Deus como criador, entendemos que
para que as pessoas aceitem essa idéia precisam receber o dom da fé.
Todas as coisas possuem uma origem. Você
sabe a data do seu nascimento, sabe quando
seus pais nasceram, talvez até mesmo quando seus avós nasceram. Você tem conhecimento da época em que suas roupas foram
confeccionadas, do seu carro, da sua casa,
etc. Todas essas coisas tiveram um início.
Mas, será que é possível afirmar que todas
as coisas que existem no Universo tiveram
um início? Pense bem antes de responder,
pois se você disser que sim, então, poderá
entrar num caminho de contradições. Se
sua resposta é sim, então, o que havia antes da primeira coisa surgir? A resposta só
poderá ser uma: o nada. Mas, e o nada pode
existir? Você consegue imaginar o nada? E
para piorar, como é que o nada poderia dar
origem ao tudo?2 Se em algum tempo houve
o “nada”, então, logicamente o nada precisaria existir para sempre, mas note que mesmo o conceito do tempo não poderia existir.
O nada não produz algo. Para dar origem a
alguma coisa, o nada não poderia ser realmente nada, ele precisaria ser no mínimo
algo. E esse algo precisaria necessariamente
ser incriado. Mas o incrível é que para ser
incriado, esse algo precisaria ser absoluto
ou supremo. A diferença entre o absoluto e
o relativo é exatamente essa questão da eternidade. Na verdade, por mais que as pessoas neguem, precisam acreditar que algo
existia antes que as outras coisas aparecessem. Esse “algo”, a Bíblia apresenta como
Deus, e o Credo Apostólico afirma que é o
Todo-Poderoso. Ou então, nós precisaríamos sustentar a existência de um milagre
estupendo: o nada originou algo.
Para a Escritura, o mundo não foi criado pelo
nada, mas do nada. Quem criou o mundo
foi Deus, porém Deus não tinha algo material para usar a fim de criar o mundo, então
ele precisou formar a matéria. Não significa
que a matéria seja, portanto, uma extensão
de Deus, como crê o panteísmo, pois Deus
transcende a matéria. Deus, em seu poder
absoluto, criou a matéria do nada, como
Hebreus diz que “o visível veio a existir das
coisas que não aparecem” (Hb 11.3). Os teólogos têm chamado esse ato criador de Deus
de Fiat, que é o momento criador, representando o poder que Deus tem de criar as coisas do nada.
Quando Gênesis diz: “No princípio criou
Deus os céus e a terra”, não está lançando
um conceito meramente religioso. Esse é um
conceito necessário. É a explicação que esclarece o que, até então, seria inexplicável. Todos
os homens, cristãos ou não, deveriam acatar
esse conceito a fim de que tudo faça sentido.
Se Deus não é o criador, não existe mais razão.
Como Sproul afirma, esse “é um conceito racionalmente necessário”3, pois se algo existe
hoje, então um Ser supremo precisa existir,
do qual todas as coisas procedem. Se este ser
supremo não existe, a vida é irrelevante.
o ataque do evolucionismo
A partir do século 18 o mundo mudou. O
humanismo do iluminismo começou a desbancar Deus de seu trono tanto da filosofia
como da teologia. A ciência, influenciada
pelo panteísmo e pelo materialismo e alimentada pelas ideologias modernistas, investiu com força total contra a doutrina da
criação sustentada pela igreja e pela Bíblia.
A idéia da origem de todas as coisas pelo
Fiat do criador foi ridicularizada, e em seu
lugar a idéia da evolução ganhou notoriedade. Da noite para o dia, uma teoria que tem
mais furos do que um queijo suíço, tornouse a expressão máxima da verdade, um dogma inquestionável. Foi assim que o homem
moderno rejeitou os dogmas medievais,
mas colocou seus próprios dogmas no lugar
daqueles.
Precisamos entender que há muitas teorias
evolucionistas. O conceito popular associado à evolução é de que o homem veio do
macaco, porém isso é uma redução demasiadamente simplista da teoria. O conceito evolucionista foi popularizado por Charles Darwin em sua obra “A Origem das Espécies”
publicada em 18594. Porém, houve muitos
desenvolvimentos dessa teoria. A teoria da
evolução entende o mundo como estando
em constante transformação, melhoramento e adaptação. Assim, os seres humanos
são um produto de milhões de anos de evolução, cuja origem deve remontar a matéria
inanimada. Toda a vida, segundo a teoria da
macro-evolução, deve ter surgido de uma
única célula, que por sua vez, se originou de
alguma possível transformação química5. A
vida seria, portanto, um acidente cósmico, e
nós, seres-humanos, poderíamos dizer pejorativamente, não passaríamos de “amebas”
superdesenvolvidas. Se a evolução é verdade, não seríamos criaturas criadas com um
propósito, mas criaturas (este termo nem
poderia ser usado) existentes a partir do acaso, vindos do nada e voltando para o nada,
e, portanto, nada sendo. Como já postulamos no segundo capítulo desse livro, não há
criação ou evolução 07
3 R. C. Sproul.
Verdades Essenciais
da Fé Cristã, Caderno
1, p. 54.
4 A idéia da evolução
já foi sustentada por
filósofos gregos antigos
como Tales de Mileto.
No século 17 homens
como Swammerdan
(1637-1785), Leibniz,
Diderot, Robert
Chambert também
a defenderam. Foi
Herbert Spencer quem
introduziu a idéia
do evolucionismo na
comunidade científica.
5 Há uma diferença
entre macro-evolução
e micro-evolução.
São duas teorias, a
primeira fala que todas
as coisas surgiram da
evolução, enquanto
que a segunda enfatiza
o fato de que, de certa
forma, muitas coisas
evoluem nesse mundo.
A macro-evolução
é decididamente
antibíblica, mas a microevolução aparentemente
não contraria os
princípios bíblicos, afinal
o homem realmente
se adapta em vários
lugares diferentes, e há
um progresso claro na
história da humanidade
atestado pela própria
Bíblia.
6 Charles Hodge.
Teologia Sistemática,
p. 180.
como negar os fatos: se a teoria da evolução
é verdadeira, então, a vida não faz sentido.
7 J. Gresham Machen.
Visión Cristiana Del
Hombre, p. 123.
As pessoas pensam, em geral, que os teístas
rejeitam a teoria da evolução por causa de
sua fé, mas o motivo principal nem é este.
Precisamos rejeitar a teoria da evolução por
causa da razão. Essa teoria não é racional.
Infelizmente é ensinada nas escolas como
verdade, porém não passa de um grande
mito, ao qual é necessária uma imensa dose
de fé para se acreditar. De fato, é preciso ter
muito mais fé para crer na teoria da evolução do que para crer no que a Bíblia fala.
Não admira que para muitos a ciência se
transformou numa espécie de religião. É
um fato indiscutível que a ciência moderna
está muito ligada ao ateísmo, e o ateísmo,
por mais incrível que possa parecer é uma
religião, pois é um sistema de fé. O ateu crê
que Deus não existe. Podemos dizer que
ele crê, pois suas idéias não podem ser provadas, ou seja, ele não consegue ir até um
laboratório e provar que Deus não existe.
Portanto, o ateísmo também é uma questão
de fé.
8 O mesmo pode ser
dito de outros cientistas
famosos do passado
como Johannes Kepler,
Leonhard Euler,
James Clark Maxwell,
James Prescott Joule,
Werher Von Braun. Os
filósofos gregos Platão
e Aristóteles também
sustentavam a idéia
de que o universo foi
criado.
Engana-se quem pensa que a teoria da evolução substitui o Criacionismo, que é a teoria daqueles que defendem ter sido Deus
o criador do cosmos. A teoria da evolução
deixa uma grande lacuna em sua exposição,
pois se as coisas evoluíram, necessariamente precisam ter evoluído de algum ponto.
Não é possível evoluir do nada, então, algo
deve ter existido antes para que pudesse
evoluir. A teoria da evolução não consegue
responder a questão da origem de todas as
coisas, e a menos que defenda a eternidade
da matéria, o que é um absurdo, terá que
acreditar num “criador” em última instância. O máximo que a teoria da evolução conseguiria explicar, e isso com muitas lacunas,
seria o desenvolvimento das coisas criadas,
mas quanto ao surgimento delas, fracassa
completamente. Como diz Hodge, isso não
é solução, “é mera negação de que alguma
solução é possível”6, ou como diz Machen
“é preciso dar um salto no vazio para acei-
08 as grandes doutrinas da graça ii
tar a hipótese evolucionista”7. Mas mesmo
a questão do desenvolvimento das coisas
fica com muitas lacunas na teoria do evolucionismo. Desde muito tempo os cientistas
têm notado que existe uma espécie de “desenho inteligente” no mundo. É impossível
imaginar que um acaso impessoal estivesse
por detrás deste “design” do universo. Quando se contempla uma molécula de dna, por
exemplo — que apesar de toda a tecnologia
moderna e das mentes mais brilhantes do
mundo que estão a serviço de desvendar
seus mistérios, ainda é algo bastante incompreensível para o ser humano temos
um exemplo claro de um “design” inteligente. A confirmação deste “design” inteligente
tem sido a principal tese dos defensores do
chamado “criacionismo científico”, que é
uma tentativa de demonstrar cientificamente que a proposta da existência de um criador faz muito mais sentido do que a idéia da
evolução. Como citamos no início deste trabalho, Einsten entendia que somente Deus
poderia ser o criador de tudo o que existe, e
isto porque ele pôde ver a complexidade da
criação. Isto não significa que Einstein fosse
um cristão, mas ele se viu obrigado a admitir que as evidências da complexidade e da
inteligência na natureza apontavam para a
existência de Deus8.
Algumas coisas em particular tornam a
teoria da evolução ainda mais inaceitável.
Como algo morto pode dar origem à vida?
Como algo simples pode originar o complexo? Uma brincadeira é feita com relação à
teoria da evolução: uma vez que é dito que o
“big-bang”, uma grande explosão, originou
todas as coisas, pede-se que se jogue uma
bomba numa relojoaria e depois se verifique se todos os relógios estão sincronizados
após a poeira baixar. Como pode uma explosão originar um universo sincronizado? Na
verdade a teoria da evolução contraria leis
científicas como, por exemplo, da termodinâmica, que diz que as coisas tendem a se
extinguir e não a evoluir. Uma chama acesa
não aumenta mais e mais, ela queima até
se extinguir. Uma chaleira de água quente
não se aquece mais e mais, ao contrário ela
esfria. Uma teoria da involução seria muito
mais provável, a partir desta concepção. As
coisas somente evoluem enquanto são alimentadas. A água aquece enquanto há fogo
em baixo, e o fogo queima enquanto há lenha ou algum combustível que o alimente.
Até mesmo para sustentar a teoria da evolução seria necessário supor que há um mantenedor por trás de cada ato evolutivo, e novamente Deus seria necessário. Os homens
não podem deixar Deus de lado, precisam
dele para que algo faça sentido. Se o deixarem de lado, estarão abrindo mão da razão,
e mergulhando no caos da irracionalidade.
Só uma época de relativismo como a atual
poderia aceitar uma teoria destas9.
tecnologia ainda é muito incipiente, e freqüentemente vemos novas “descobertas”
de cientistas contrariando antigas “descobertas” que até então, eram verdades máximas. Aliás, algo axiomático na ciência é a
sua condição provisória (Popper). Um dos
métodos mais conhecidos dos últimos anos
para se saber a idade de algum objeto é o
Carbono 14, mas hoje esse método é bastante questionado, inclusive por muitos cientistas evolucionistas. Certamente, as gerações
vindouras vão rejeitar a teoria da evolução e
muitas das descobertas “científicas” da atualidade. Um pouco de ceticismo com relação
à ciência não faz mal a ninguém. Além disso, há muitos cientistas que defendem que a
terra tem milhares de anos e não milhões.
dias ou eras?
A primeira consideração que precisa ser feita é que calcular a idade da Terra, a partir
de elementos bíblicos, é impossível. Embora um Arcebispo chamado James Ussher (1581-1656), a cerca de quatro séculos,
tentou provar que a criação se deu no ano
4004 a.C., chegando a esse número através
da soma das genealogias relatadas na Bíblia,
deve ser dito que esse número é tão imaginativo quanto qualquer outro. É um fato que
a Bíblia não se preocupa em dizer quantos
anos a Terra possui. Somar gerações é algo
inapropriado, pois não sabemos se a Bíblia
cita todas as gerações. Parece-nos que a Bíblia se preocupa apenas com as principais,
como se percebe da genealogia de Jesus em
Mateus. Portanto, não há como dizer, à luz
da Bíblia, quantos anos a Terra possui.
O livro do Gênesis diz que o cosmos foi criado em seis dias. Depois do aparecimento da
teoria da evolução, muitos teólogos readaptaram essa crença, a fim de se harmonizar
com a ciência. Uma das primeiras tentativas, nesse sentido, foi apelar para o caráter
poético de Gênesis. O primeiro capítulo deixou de ser histórico para ser poético. Como
um livro poético, então, os detalhes não importam, o que importa é a mensagem. Assim, dizem eles, não devemos considerar os
seis dias como literais, e sim a mensagem
por detrás que afirma ser Deus o criador,
não importa em que época nem em quanto
tempo. Mas, considerar o livro do Gênesis
como poético é fazer um ataque muito sério
à integridade da Escritura. Muitos conceitos
bíblicos comprovados pelo Novo Testamento se demonstrariam inexistentes. É importante que se entenda que o Novo Testamento não vê o Gênesis como um livro poético e
sim histórico. Jesus fala de Adão e Eva como
personagens históricos (Mt 19.3-5), bem
como de Abraão, Isaque, Jacó, etc (Lc 13.28).
Teria ele se enganado?
Diante disso, será que as afirmações dos
cientistas de que a Terra tem bilhões de
anos é conclusiva? Novamente precisamos
nos lembrar que a ciência é muito limitada para definir coisas tão grandiosas. Nossa
Um ataque ainda mais sério à integridade
do relato bíblico da criação veio com a descoberta de um hino babilônico. Destaca-se
nesse hino a figura do deus Marduque que
vence o deus Tiamat (que é o oceano), di-
Algumas questões importantes em nossos dias, dado o progresso da ciência, são:
Quantos anos tem a Terra? Quanto tempo
Deus levou para criar o universo?
criação ou evolução 09
9 Para uma abordagem
interessante do
Evolucionismo, que
ajuda a entender os
principais pressupostos
dele, bem como
algumas respostas para
os seus questionamentos
veja: Phillip E. Johnson.
Como Derrotar o
Evolucionismo com
Mentes Abertas. São
Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2000.
10 Paulo J. Achtemier.
Harper’s Bible
Dictionary, (tópico:
“Tiamat”).
11 Ver Gerard Van
Groningen. Criação e
Consumação, Vol I, p.
407-408.
12 Para uma exposição
de narrativas míticas
semelhantes entre
culturas ver: David E.
Aune. Word Biblical
Commentary, Volume
52b: Revelation 6-16,
(Rev 12.1).
13 O próprio Van
Groningen defende essa
teoria (Ver Gerard Van
Groningen. Criação e
Consumação, Vol I, p.
56-57).
14 É preciso que se
entenda que o “caos”
original descrito pela
Bíblia, o “sem forma
e vazia” não contém
necessariamente a
idéia de “mal”. Pode
significar apenas que
a terra não era própria
para habitação, então
Deus a tornou própria
(Ver Gerard Van
Groningen. Criação e
Consumação, Vol. I,
p. 47).
vidindo o seu corpo e fazendo dele a terra
e o céu10. Por haver algumas semelhanças
entre essa história e o relato bíblico, o relato bíblico foi declarado como uma cópia daquele. Porém, as diferenças entre os relatos
são muito grandes11. No relato bíblico não há
uma luta de deuses, somente a figura soberana de Deus aparece. Além disso, por que o
hino babilônico não pode ser uma cópia distorcida do relato bíblico? Ou mesmo ambos
resultados de tradições orais ou escritas que
se divergiram ao longo da história?12 Não há
problemas em admitirmos que existissem
relatos anteriores ao do Gênesis sobre a criação, porém, a inspiração do Espírito Santo
deu ao relato bíblico a certeza da verdade.
Há três teorias mais ou menos aceitas no
meio cristão sobre a criação que fazem com
que os seis dias de Gênesis 1 se multipliquem bastante, ou pelo menos que a semana da criação seja mais extensa. A primeira
afirma que, cada dia da criação representa
uma era. Baseados no texto de 2Pedro 3.8,
que afirma que para o Senhor um dia é
como mil anos, muitos crentes entendem
que cada dia da criação pode representar
um longo período de tempo, algo como um
“dia geológico”. Outra tese bem aceita por
muitos eruditos considera os dias como
sendo de 24 horas, mas admitindo espaços
de tempo entre esses dias13. Assim, Deus
teria agido de forma criadora no primeiro
dia, em seguida teria se passado um período de tempo, e novamente Deus atuaria de
forma criadora no segundo dia. Entre um
dia e outro poderiam ter havido milhões de
anos. Por fim, podemos citar uma terceira
tese, bem menos provável, que vê um longo espaço de tempo entre os dois primeiros
versos do Gênesis. O primeiro versículo diz:
“No princípio criou Deus os céus e a terra”.
O segundo versículo diz: “A terra era sem
forma e vazia”. Da primeira sentença para a
segunda haveria um lapso de tempo, talvez
de milhões ou até mesmo bilhões de anos.
Alguns inclusive defendem que houve uma
pré-criação e que na terra viviam os anjos
(e talvez os dinossauros), e que após a que-
10 as grandes doutrinas da graça ii
da dos anjos, a terra tornou-se sem forma e
vazia. A partir daí, Deus teria começado a
recriar a terra14.
Há dificuldades com todas essas posições,
e todas são especulações num certo sentido, porém não podemos afirmar categoricamente que sejam todas impossíveis. Mas,
deve ser dito que para se fazer mais justiça
ao ensino da Bíblia, precisamos dizer que
a interpretação mais plausível é a de que o
mundo foi criado em seis dias literais, num
espaço literal de seis dias. O fato de o sétimo
dia ser o do descanso corrobora para isso,
pois esse dia, certamente precisa ser um dia
literal. Além disso, a palavra “dia” que aparece no texto, geralmente, tem na Bíblia a
idéia de dia de 24 horas, e não é boa exegese
interpretar de outra forma, a menos que o
contexto exija. Além disso, cada um dos dias
citados na criação tem uma tarde e uma manhã. Fica difícil imaginar uma manhã que
dura milhões de anos.
Uma outra explicação poderia ser dada para
a idade da terra, é a que leva em conta a
aparência das coisas quando Deus as criou.
Quando Deus criou Adão, já o criou um
homem adulto. Deus não fez um bebê que
cresceu até chegar à maturidade. Se Adão,
no momento em que foi criado, passasse
por uma análise biológica, quantos anos lhe
seriam dados? Biologicamente talvez tivesse 20, 30 ou 40. Cronologicamente, porém,
tinha alguns segundos. Quando os cientistas analisam uma pedra ou um fóssil calculam a sua idade em milhões, mas essa poderia ser sua idade biológica, qual seria sua
idade cronológica? Deus poderia ter feito a
terra nova com idade de velha. De qualquer
modo, não precisamos ter todas as explicações para isto. É suficiente o fato de que o
evolucionismo suscita mais problemas do
que oferece soluções.
conclusão
Assim como a declaração de independência
de Adão não o fez ser independente de Deus,
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1º Capítulo - As Grandes Doutrinas da Graça