As Grandes Doutrinas da Graça Um curso de teologia reformada Leandro Lima VOLUME 2 - ANTROPOLOGIA E CRISTOLOGIA 2014 © Leandro Lima Revisão Adély Costa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Lima, Leandro Antônio de, 1975As grandes doutrinas da graça 4v. – São Paulo: Agathos, 2014. Inclui bibliografia. 1. teologia dogmática. 2. doutrina bíblica. 3. bíblia – teologia – cursos. 4. bíblia – estudo e ensino. i. Título Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Sumário O ser humano criado e decaído 1 criação ou evolução? 05 2 o homem como ser criado 12 3 o propósito da criação 20 4 a queda do ser humano 26 5 o inimigo das nossas almas 33 6 o significado da morte 40 7 para onde vão as almas? 46 8 quebrando a maldição 53 A vida e a obra de Jesus Cristo 9 o precursor do messias 60 10 o evento central da história 69 11 as naturezas do redentor 81 12 a necessidade da morte de cristo 13 o substituto dos pecadores 89 99 14 a extensão da expiação de cristo 111 15 evidências, significado e efeito da ressurreição 120 16 o significado teológico da ascensão de cristo 130 17 a teologia da cruz e da ressurreição Bibliografia 148 137 O ser humano criado e decaído 1 CRIAÇÃO OU EVOLUÇÃO? Entender que a idéia de que o mundo foi criado por Deus não é irracional, antes sensata e necessária. introdução O antigo Credo Apostólico começa com a seguinte declaração: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, criador dos Céus e da Terra”. A igreja sempre acreditou que Deus é o criador de tudo o que existe. A idéia de que a terra surgiu como resultado de um processo evolutivo é relativamente recente. Somente a partir do século 18 começou-se a questionar a validade do Gênesis como exata expressão da verdade histórica. Desde a fundação do cristianismo, a crença em Deus como o criador do mundo foi dominante, mas, a partir do iluminismo, o homem decidiu se livrar deste paradigma. O homem da idade moderna resolveu complementar o grito de independência de Adão. Adão bradou: “Eu não preciso de um mantenedor”. E o homem moderno foi mais longe ao bradar: “Eu não preciso de um criador”. Agora o homem moderno quer explicar sua existência sem precisar admitir que haja um Deus por detrás dela. Desde que Darwin fundamentou a mirabolante teoria da “evolução das espécies” (1859), o homem pensou que conseguiu dar seu grito de independência definitiva. Infelizmente as idéias modernas da ciência têm convencido muitas pessoas crentes, algumas até sinceras, que na tentativa de tornar a Bíblia supostamente mais acessível para o mundo moderno, têm negociado princípios inegociáveis. A história da teologia mostra claramente quão trágica é a tentativa de condicionar a teologia e a revelação aos paradigmas da ciência moderna. No final sacrifica-se a teologia, sacrifica-se a revelação e a própria mensagem da igreja. A história da modernidade tem demonstrado a existência de ideologias sustentando praticamente todos os movimentos influentes no nosso mundo. Hoje, quando se pensa em ciência, muitos imaginam uma metodologia imparcial e livre de ideologias, mas isto é um grande mito. A ciência moderna é essencialmente ideológica. Se não fosse assim, cientistas famosos não estariam dispostos a forjar provas para suas teorias, como a vergonhosa “prova” da existência do criação ou evolução 05 homem de Neanderthal, cujo crânio mais famoso foi uma prova forjada de um crânio de um homem do século 18. A ciência moderna está intimamente ligada às ideologias do mundo moderno. O relativismo dos costumes, da ética e da própria existência está por detrás da maioria das teorias científicas modernas. Para a maioria, negar os absolutos significa se ver livre de condenações. Mas este é mais um mito da modernidade. 1 Nos atrevemos a continuar insistindo na autoria mosaica do Pentateuco apesar de toda a argumentação do criticismo moderno no sentido contrário. Por muito tempo os eruditos críticos assumiam a definição de Wellhausen (1844-1918) de que o Pentateuco era composto de quatro tipos de materiais ou fontes: A fonte “J” ou Javista, a fonte “E” ou Elohista, a fonte “D” ou Deuteronômia e a fonte P ou Sacerdotal. Mas os próprios estudos críticos têm lançado dúvidas sobre essa teoria, como admite o próprio Gordon Wenham, pois as discussões sobre esse assunto têm surgido dentro do próprio coração do criticismo (Gordon Wenham. Word Biblical Commentary, Volume 1: Genesis 1-15, Introduction). Não há razões convincentes para não acreditar que Jesus soubesse quem escreveu o Pentateuco, e ele admitiu que foi Moisés (Ver Lc 24.44). Gênesis é o livro que afirma expressamente que Deus criou o mundo e o ser humano. Muito se tem discutido a respeito do Livro de Gênesis, especialmente sobre seu caráter histórico e literário. O cristianismo conservador tem se posicionado a favor do caráter histórico da obra. Mas muitos eruditos modernos têm relegado o livro à categoria de poético, algo como um fruto da experiência religiosa de um povo, com verdades submersas ou escondidas atrás de mitos. Essa visão do Gênesis é extremamente prejudicial ao entendimento da Bíblia como livro inspirado e inerrante e não deveria ser aceita por crentes sinceros que honram a Palavra de Deus. Mas infelizmente professores de teologia de diversos seminários e instituições teológicas ensinam isso para alunos inexperientes e despreparados, que ficam fascinados pela suposta erudição e se esquecem da inspiração. Quando muitos desses alunos voltam como pastores para suas igrejas, já não acreditam na infalibilidade da Escritura e conseqüentemente não têm mensagem para proclamar. Basta olhar para o que aconteceu em tantas igrejas da Europa, dos Estados Unidos e até mesmo do Brasil, que desacreditaram da Escritura, e se tornaram secularizadas, para perceber que essa é uma péssima opção. O cristianismo não sobrevive, se a Bíblia for rejeitada. 2 A maxima “ex nihilo nihil fit” é verdadeira, pois “nada vem do nada”. Veja excelentes argumentos sobre isso em: Wiliiam G. T. Shedd. Dogmatic Theology, p. 467. O livro de Gênesis foi escrito por Moisés1 com a intenção de demonstrar ao povo saído do Egito quais eram suas origens. A criação descrita não se apropria de termos científicos, até porque, termos científicos são coisas bem recentes. A tentativa é de dar ao povo 06 as grandes doutrinas da graça ii daquela época uma compreensão da terra prometida onde iriam habitar, sobre a origem dela, e da origem e direito do próprio povo à terra. A linguagem é simples, porém histórica. O gênero literário não é poético, mas narrativo. É uma narrativa histórica. antes de tudo, deus... É interessante a forma como a Bíblia apresenta Deus. Ela não se preocupa em começar provando a existência dele. Ela diz: “no princípio Deus...”, pressupondo sem possibilidade de dúvidas a existência de Deus. Para a Bíblia, crer no Deus criador é uma matéria de fé, conforme o escritor aos Hebreus declara: “Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (Hb 11.3). Como já dissemos, para alguém aceitar que Deus é a origem de todas as coisas, a fé é necessária. Não porque não haja evidências de que Deus é o criador, mas porque para aquele que não crê, nenhuma evidência lhe é suficiente. Embora acreditemos que há boas evidências racionais para se aceitar a idéia de Deus como criador, entendemos que para que as pessoas aceitem essa idéia precisam receber o dom da fé. Todas as coisas possuem uma origem. Você sabe a data do seu nascimento, sabe quando seus pais nasceram, talvez até mesmo quando seus avós nasceram. Você tem conhecimento da época em que suas roupas foram confeccionadas, do seu carro, da sua casa, etc. Todas essas coisas tiveram um início. Mas, será que é possível afirmar que todas as coisas que existem no Universo tiveram um início? Pense bem antes de responder, pois se você disser que sim, então, poderá entrar num caminho de contradições. Se sua resposta é sim, então, o que havia antes da primeira coisa surgir? A resposta só poderá ser uma: o nada. Mas, e o nada pode existir? Você consegue imaginar o nada? E para piorar, como é que o nada poderia dar origem ao tudo?2 Se em algum tempo houve o “nada”, então, logicamente o nada precisaria existir para sempre, mas note que mesmo o conceito do tempo não poderia existir. O nada não produz algo. Para dar origem a alguma coisa, o nada não poderia ser realmente nada, ele precisaria ser no mínimo algo. E esse algo precisaria necessariamente ser incriado. Mas o incrível é que para ser incriado, esse algo precisaria ser absoluto ou supremo. A diferença entre o absoluto e o relativo é exatamente essa questão da eternidade. Na verdade, por mais que as pessoas neguem, precisam acreditar que algo existia antes que as outras coisas aparecessem. Esse “algo”, a Bíblia apresenta como Deus, e o Credo Apostólico afirma que é o Todo-Poderoso. Ou então, nós precisaríamos sustentar a existência de um milagre estupendo: o nada originou algo. Para a Escritura, o mundo não foi criado pelo nada, mas do nada. Quem criou o mundo foi Deus, porém Deus não tinha algo material para usar a fim de criar o mundo, então ele precisou formar a matéria. Não significa que a matéria seja, portanto, uma extensão de Deus, como crê o panteísmo, pois Deus transcende a matéria. Deus, em seu poder absoluto, criou a matéria do nada, como Hebreus diz que “o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (Hb 11.3). Os teólogos têm chamado esse ato criador de Deus de Fiat, que é o momento criador, representando o poder que Deus tem de criar as coisas do nada. Quando Gênesis diz: “No princípio criou Deus os céus e a terra”, não está lançando um conceito meramente religioso. Esse é um conceito necessário. É a explicação que esclarece o que, até então, seria inexplicável. Todos os homens, cristãos ou não, deveriam acatar esse conceito a fim de que tudo faça sentido. Se Deus não é o criador, não existe mais razão. Como Sproul afirma, esse “é um conceito racionalmente necessário”3, pois se algo existe hoje, então um Ser supremo precisa existir, do qual todas as coisas procedem. Se este ser supremo não existe, a vida é irrelevante. o ataque do evolucionismo A partir do século 18 o mundo mudou. O humanismo do iluminismo começou a desbancar Deus de seu trono tanto da filosofia como da teologia. A ciência, influenciada pelo panteísmo e pelo materialismo e alimentada pelas ideologias modernistas, investiu com força total contra a doutrina da criação sustentada pela igreja e pela Bíblia. A idéia da origem de todas as coisas pelo Fiat do criador foi ridicularizada, e em seu lugar a idéia da evolução ganhou notoriedade. Da noite para o dia, uma teoria que tem mais furos do que um queijo suíço, tornouse a expressão máxima da verdade, um dogma inquestionável. Foi assim que o homem moderno rejeitou os dogmas medievais, mas colocou seus próprios dogmas no lugar daqueles. Precisamos entender que há muitas teorias evolucionistas. O conceito popular associado à evolução é de que o homem veio do macaco, porém isso é uma redução demasiadamente simplista da teoria. O conceito evolucionista foi popularizado por Charles Darwin em sua obra “A Origem das Espécies” publicada em 18594. Porém, houve muitos desenvolvimentos dessa teoria. A teoria da evolução entende o mundo como estando em constante transformação, melhoramento e adaptação. Assim, os seres humanos são um produto de milhões de anos de evolução, cuja origem deve remontar a matéria inanimada. Toda a vida, segundo a teoria da macro-evolução, deve ter surgido de uma única célula, que por sua vez, se originou de alguma possível transformação química5. A vida seria, portanto, um acidente cósmico, e nós, seres-humanos, poderíamos dizer pejorativamente, não passaríamos de “amebas” superdesenvolvidas. Se a evolução é verdade, não seríamos criaturas criadas com um propósito, mas criaturas (este termo nem poderia ser usado) existentes a partir do acaso, vindos do nada e voltando para o nada, e, portanto, nada sendo. Como já postulamos no segundo capítulo desse livro, não há criação ou evolução 07 3 R. C. Sproul. Verdades Essenciais da Fé Cristã, Caderno 1, p. 54. 4 A idéia da evolução já foi sustentada por filósofos gregos antigos como Tales de Mileto. No século 17 homens como Swammerdan (1637-1785), Leibniz, Diderot, Robert Chambert também a defenderam. Foi Herbert Spencer quem introduziu a idéia do evolucionismo na comunidade científica. 5 Há uma diferença entre macro-evolução e micro-evolução. São duas teorias, a primeira fala que todas as coisas surgiram da evolução, enquanto que a segunda enfatiza o fato de que, de certa forma, muitas coisas evoluem nesse mundo. A macro-evolução é decididamente antibíblica, mas a microevolução aparentemente não contraria os princípios bíblicos, afinal o homem realmente se adapta em vários lugares diferentes, e há um progresso claro na história da humanidade atestado pela própria Bíblia. 6 Charles Hodge. Teologia Sistemática, p. 180. como negar os fatos: se a teoria da evolução é verdadeira, então, a vida não faz sentido. 7 J. Gresham Machen. Visión Cristiana Del Hombre, p. 123. As pessoas pensam, em geral, que os teístas rejeitam a teoria da evolução por causa de sua fé, mas o motivo principal nem é este. Precisamos rejeitar a teoria da evolução por causa da razão. Essa teoria não é racional. Infelizmente é ensinada nas escolas como verdade, porém não passa de um grande mito, ao qual é necessária uma imensa dose de fé para se acreditar. De fato, é preciso ter muito mais fé para crer na teoria da evolução do que para crer no que a Bíblia fala. Não admira que para muitos a ciência se transformou numa espécie de religião. É um fato indiscutível que a ciência moderna está muito ligada ao ateísmo, e o ateísmo, por mais incrível que possa parecer é uma religião, pois é um sistema de fé. O ateu crê que Deus não existe. Podemos dizer que ele crê, pois suas idéias não podem ser provadas, ou seja, ele não consegue ir até um laboratório e provar que Deus não existe. Portanto, o ateísmo também é uma questão de fé. 8 O mesmo pode ser dito de outros cientistas famosos do passado como Johannes Kepler, Leonhard Euler, James Clark Maxwell, James Prescott Joule, Werher Von Braun. Os filósofos gregos Platão e Aristóteles também sustentavam a idéia de que o universo foi criado. Engana-se quem pensa que a teoria da evolução substitui o Criacionismo, que é a teoria daqueles que defendem ter sido Deus o criador do cosmos. A teoria da evolução deixa uma grande lacuna em sua exposição, pois se as coisas evoluíram, necessariamente precisam ter evoluído de algum ponto. Não é possível evoluir do nada, então, algo deve ter existido antes para que pudesse evoluir. A teoria da evolução não consegue responder a questão da origem de todas as coisas, e a menos que defenda a eternidade da matéria, o que é um absurdo, terá que acreditar num “criador” em última instância. O máximo que a teoria da evolução conseguiria explicar, e isso com muitas lacunas, seria o desenvolvimento das coisas criadas, mas quanto ao surgimento delas, fracassa completamente. Como diz Hodge, isso não é solução, “é mera negação de que alguma solução é possível”6, ou como diz Machen “é preciso dar um salto no vazio para acei- 08 as grandes doutrinas da graça ii tar a hipótese evolucionista”7. Mas mesmo a questão do desenvolvimento das coisas fica com muitas lacunas na teoria do evolucionismo. Desde muito tempo os cientistas têm notado que existe uma espécie de “desenho inteligente” no mundo. É impossível imaginar que um acaso impessoal estivesse por detrás deste “design” do universo. Quando se contempla uma molécula de dna, por exemplo — que apesar de toda a tecnologia moderna e das mentes mais brilhantes do mundo que estão a serviço de desvendar seus mistérios, ainda é algo bastante incompreensível para o ser humano temos um exemplo claro de um “design” inteligente. A confirmação deste “design” inteligente tem sido a principal tese dos defensores do chamado “criacionismo científico”, que é uma tentativa de demonstrar cientificamente que a proposta da existência de um criador faz muito mais sentido do que a idéia da evolução. Como citamos no início deste trabalho, Einsten entendia que somente Deus poderia ser o criador de tudo o que existe, e isto porque ele pôde ver a complexidade da criação. Isto não significa que Einstein fosse um cristão, mas ele se viu obrigado a admitir que as evidências da complexidade e da inteligência na natureza apontavam para a existência de Deus8. Algumas coisas em particular tornam a teoria da evolução ainda mais inaceitável. Como algo morto pode dar origem à vida? Como algo simples pode originar o complexo? Uma brincadeira é feita com relação à teoria da evolução: uma vez que é dito que o “big-bang”, uma grande explosão, originou todas as coisas, pede-se que se jogue uma bomba numa relojoaria e depois se verifique se todos os relógios estão sincronizados após a poeira baixar. Como pode uma explosão originar um universo sincronizado? Na verdade a teoria da evolução contraria leis científicas como, por exemplo, da termodinâmica, que diz que as coisas tendem a se extinguir e não a evoluir. Uma chama acesa não aumenta mais e mais, ela queima até se extinguir. Uma chaleira de água quente não se aquece mais e mais, ao contrário ela esfria. Uma teoria da involução seria muito mais provável, a partir desta concepção. As coisas somente evoluem enquanto são alimentadas. A água aquece enquanto há fogo em baixo, e o fogo queima enquanto há lenha ou algum combustível que o alimente. Até mesmo para sustentar a teoria da evolução seria necessário supor que há um mantenedor por trás de cada ato evolutivo, e novamente Deus seria necessário. Os homens não podem deixar Deus de lado, precisam dele para que algo faça sentido. Se o deixarem de lado, estarão abrindo mão da razão, e mergulhando no caos da irracionalidade. Só uma época de relativismo como a atual poderia aceitar uma teoria destas9. tecnologia ainda é muito incipiente, e freqüentemente vemos novas “descobertas” de cientistas contrariando antigas “descobertas” que até então, eram verdades máximas. Aliás, algo axiomático na ciência é a sua condição provisória (Popper). Um dos métodos mais conhecidos dos últimos anos para se saber a idade de algum objeto é o Carbono 14, mas hoje esse método é bastante questionado, inclusive por muitos cientistas evolucionistas. Certamente, as gerações vindouras vão rejeitar a teoria da evolução e muitas das descobertas “científicas” da atualidade. Um pouco de ceticismo com relação à ciência não faz mal a ninguém. Além disso, há muitos cientistas que defendem que a terra tem milhares de anos e não milhões. dias ou eras? A primeira consideração que precisa ser feita é que calcular a idade da Terra, a partir de elementos bíblicos, é impossível. Embora um Arcebispo chamado James Ussher (1581-1656), a cerca de quatro séculos, tentou provar que a criação se deu no ano 4004 a.C., chegando a esse número através da soma das genealogias relatadas na Bíblia, deve ser dito que esse número é tão imaginativo quanto qualquer outro. É um fato que a Bíblia não se preocupa em dizer quantos anos a Terra possui. Somar gerações é algo inapropriado, pois não sabemos se a Bíblia cita todas as gerações. Parece-nos que a Bíblia se preocupa apenas com as principais, como se percebe da genealogia de Jesus em Mateus. Portanto, não há como dizer, à luz da Bíblia, quantos anos a Terra possui. O livro do Gênesis diz que o cosmos foi criado em seis dias. Depois do aparecimento da teoria da evolução, muitos teólogos readaptaram essa crença, a fim de se harmonizar com a ciência. Uma das primeiras tentativas, nesse sentido, foi apelar para o caráter poético de Gênesis. O primeiro capítulo deixou de ser histórico para ser poético. Como um livro poético, então, os detalhes não importam, o que importa é a mensagem. Assim, dizem eles, não devemos considerar os seis dias como literais, e sim a mensagem por detrás que afirma ser Deus o criador, não importa em que época nem em quanto tempo. Mas, considerar o livro do Gênesis como poético é fazer um ataque muito sério à integridade da Escritura. Muitos conceitos bíblicos comprovados pelo Novo Testamento se demonstrariam inexistentes. É importante que se entenda que o Novo Testamento não vê o Gênesis como um livro poético e sim histórico. Jesus fala de Adão e Eva como personagens históricos (Mt 19.3-5), bem como de Abraão, Isaque, Jacó, etc (Lc 13.28). Teria ele se enganado? Diante disso, será que as afirmações dos cientistas de que a Terra tem bilhões de anos é conclusiva? Novamente precisamos nos lembrar que a ciência é muito limitada para definir coisas tão grandiosas. Nossa Um ataque ainda mais sério à integridade do relato bíblico da criação veio com a descoberta de um hino babilônico. Destaca-se nesse hino a figura do deus Marduque que vence o deus Tiamat (que é o oceano), di- Algumas questões importantes em nossos dias, dado o progresso da ciência, são: Quantos anos tem a Terra? Quanto tempo Deus levou para criar o universo? criação ou evolução 09 9 Para uma abordagem interessante do Evolucionismo, que ajuda a entender os principais pressupostos dele, bem como algumas respostas para os seus questionamentos veja: Phillip E. Johnson. Como Derrotar o Evolucionismo com Mentes Abertas. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000. 10 Paulo J. Achtemier. Harper’s Bible Dictionary, (tópico: “Tiamat”). 11 Ver Gerard Van Groningen. Criação e Consumação, Vol I, p. 407-408. 12 Para uma exposição de narrativas míticas semelhantes entre culturas ver: David E. Aune. Word Biblical Commentary, Volume 52b: Revelation 6-16, (Rev 12.1). 13 O próprio Van Groningen defende essa teoria (Ver Gerard Van Groningen. Criação e Consumação, Vol I, p. 56-57). 14 É preciso que se entenda que o “caos” original descrito pela Bíblia, o “sem forma e vazia” não contém necessariamente a idéia de “mal”. Pode significar apenas que a terra não era própria para habitação, então Deus a tornou própria (Ver Gerard Van Groningen. Criação e Consumação, Vol. I, p. 47). vidindo o seu corpo e fazendo dele a terra e o céu10. Por haver algumas semelhanças entre essa história e o relato bíblico, o relato bíblico foi declarado como uma cópia daquele. Porém, as diferenças entre os relatos são muito grandes11. No relato bíblico não há uma luta de deuses, somente a figura soberana de Deus aparece. Além disso, por que o hino babilônico não pode ser uma cópia distorcida do relato bíblico? Ou mesmo ambos resultados de tradições orais ou escritas que se divergiram ao longo da história?12 Não há problemas em admitirmos que existissem relatos anteriores ao do Gênesis sobre a criação, porém, a inspiração do Espírito Santo deu ao relato bíblico a certeza da verdade. Há três teorias mais ou menos aceitas no meio cristão sobre a criação que fazem com que os seis dias de Gênesis 1 se multipliquem bastante, ou pelo menos que a semana da criação seja mais extensa. A primeira afirma que, cada dia da criação representa uma era. Baseados no texto de 2Pedro 3.8, que afirma que para o Senhor um dia é como mil anos, muitos crentes entendem que cada dia da criação pode representar um longo período de tempo, algo como um “dia geológico”. Outra tese bem aceita por muitos eruditos considera os dias como sendo de 24 horas, mas admitindo espaços de tempo entre esses dias13. Assim, Deus teria agido de forma criadora no primeiro dia, em seguida teria se passado um período de tempo, e novamente Deus atuaria de forma criadora no segundo dia. Entre um dia e outro poderiam ter havido milhões de anos. Por fim, podemos citar uma terceira tese, bem menos provável, que vê um longo espaço de tempo entre os dois primeiros versos do Gênesis. O primeiro versículo diz: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. O segundo versículo diz: “A terra era sem forma e vazia”. Da primeira sentença para a segunda haveria um lapso de tempo, talvez de milhões ou até mesmo bilhões de anos. Alguns inclusive defendem que houve uma pré-criação e que na terra viviam os anjos (e talvez os dinossauros), e que após a que- 10 as grandes doutrinas da graça ii da dos anjos, a terra tornou-se sem forma e vazia. A partir daí, Deus teria começado a recriar a terra14. Há dificuldades com todas essas posições, e todas são especulações num certo sentido, porém não podemos afirmar categoricamente que sejam todas impossíveis. Mas, deve ser dito que para se fazer mais justiça ao ensino da Bíblia, precisamos dizer que a interpretação mais plausível é a de que o mundo foi criado em seis dias literais, num espaço literal de seis dias. O fato de o sétimo dia ser o do descanso corrobora para isso, pois esse dia, certamente precisa ser um dia literal. Além disso, a palavra “dia” que aparece no texto, geralmente, tem na Bíblia a idéia de dia de 24 horas, e não é boa exegese interpretar de outra forma, a menos que o contexto exija. Além disso, cada um dos dias citados na criação tem uma tarde e uma manhã. Fica difícil imaginar uma manhã que dura milhões de anos. Uma outra explicação poderia ser dada para a idade da terra, é a que leva em conta a aparência das coisas quando Deus as criou. Quando Deus criou Adão, já o criou um homem adulto. Deus não fez um bebê que cresceu até chegar à maturidade. Se Adão, no momento em que foi criado, passasse por uma análise biológica, quantos anos lhe seriam dados? Biologicamente talvez tivesse 20, 30 ou 40. Cronologicamente, porém, tinha alguns segundos. Quando os cientistas analisam uma pedra ou um fóssil calculam a sua idade em milhões, mas essa poderia ser sua idade biológica, qual seria sua idade cronológica? Deus poderia ter feito a terra nova com idade de velha. De qualquer modo, não precisamos ter todas as explicações para isto. É suficiente o fato de que o evolucionismo suscita mais problemas do que oferece soluções. conclusão Assim como a declaração de independência de Adão não o fez ser independente de Deus,