Morfologia espacial dos espaços públicos de Curitiba/PR Alessandro Filla Rosaneli (1) Elena J. Brandenburg (2) Noah Weishof (3) (1) Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano, Programa de Pós-graduação em Geografia, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFPR, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFPR, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFPR, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Este artigo expõe uma análise quantitativa e distributiva dos espaços públicos existentes no município de Curitiba. A partir de conceituação preliminar e metodologia específica, utilizam-se dados oficiais para se construir uma leitura espacializada da realidade urbana. Pretende-se instituir procedimentos para uma melhor compreensão das cidades brasileiras por meio de um dos seus primordiais elementos, o espaço público. Para tanto, sustenta-se o uso do “índice de espaço público” como forma de primeira aproximação para se mensurar as características da presença e distribuição desses espaços na área urbana. Palavras-chave: Espaço público; Estudo quantitativo; Estudo distributivo; Morfologia espacial; Curitiba. Abstract: This paper presents a quantitative and distributive analysis of existing public spaces in the city of Curitiba. From preliminary conceptualization and specific methodology, we use official data to build an spatial investigation of the urban reality. It is intended to establish procedures for a better understanding of Brazilian cities through one of its key elements, the public space. Even so, it advocates the use of "public space index" as a way of first approach to measure the presence and distribution characteristics of these spaces in the urban area. Key-words: Public space; Quantitative study; Distributive study; Spatial morphology; Curitiba city. 1. INTRODUÇÃO O espaço público apresenta-se como elemento essencial do espaço urbano na cidade ocidental, a ponto de ser impossível imaginá-la sem a sua existência (KOSTOF, 1991). Ao mesmo tempo, na vasta história de criação e expansão das cidades nessa porção do mundo, raramente sua presença e disposição obedeceram a uma lógica cartesiana distributiva. Algumas indagações, nesse sentido, poderiam ser formuladas, a fim de melhor compreender o ambiente urbano que vivenciamos: como se distribuem os espaços públicos pela cidade brasileira? Existiriam regiões de presença mais concentrada ou dispersa? Haveria uma diferença marcante entre centro e periferia? Um padrão numérico e/ou distributivo geral manifestar-se-ia? A morfologia, como área de estudo já consolidada há décadas, pode revelar instrumentos úteis para o estudo da forma urbana, sua espacialidade e da paisagem construída (MOUDON, 2007 [1994]). Neste aspecto, faz-se mister salientar que o termo “espaço público” tem sido considerado uma categoria de múltiplas compreensões, já que tem sido vasculhado por diversas disciplinas e, complementarmente, absorvendo certos “efeitos de desorientação” de expressões conceituais paralelas (GURZA LAVALLE, 2005). Portanto, pode incorporar duas dimensões: seria um lugar no sentido “material” e “imaterial” (GOMES, 2006). Neste trabalho, o espaço público será considerado apenas na primeira dimensão e a definição seguirá a sua forma mais elementar, reiterando o exposto nos artigos 98 e 99 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002) que define o espaço público como “bens de uso comum do povo”. Nesse universo, não se consideram os “bens de uso especial”, que embora abertos para o usufruto da população, como um campus universitário público, possuem regras que limitam a livre e irrestrita permanência do 1 | 11 cidadão. A partir dessa delimitação, ruas, largos, jardinetes, praças, bosques, parques, etc., são o objeto de análise do presente texto, sendo que as ruas se destacam como elementos quantitativamente mais presentes e dispersos pela cidade (ROSANELI, 2014). Este artigo expõe resultados parciais de pesquisa, em curso desde 2010, que se intitula “Os Sistemas de Espaços Livres e a Constituição da Esfera Pública Contemporânea no Brasil: o caso da Região Metropolitana de Curitiba [SEL-RMC]” 1. Os dados apresentados se concentram na verificação quantitativa e distributiva dos espaços públicos no município de Curitiba, sem o devido contraste com questões de ordem histórica, cultural e/ou socioeconômica, que possibilitariam melhor compreensão do fenômeno espacial. Sabe-se que estudar a forma urbana sem a devida contextualização pode levar a explanações insuficientes (ROSANELI, 2014b); contudo, aqui não se tem como objetivo investigar o porquê da configuração encontrada, mas escrutinar como ela se apresenta, constituindo-se em primeiro passo para um entendimento mais íntegro dessa realidade. Investigações dessa natureza são importantes instrumentos para o processo de planejamento urbano, como pode ser observado no cenário norteamericano (NY4P, 2009). Avançando nessa premissa, neste trabalho também se apresentam os critérios e os resultados para o “índice de espaço púbico” em Curitiba 2. Converte-se em instigante caso de exame observar tal dimensão neste município, na medida em que é notório o debate em torno de suas conquistas na questão do espaço público, como pode ser contraposto em Macedo (1999), Yágizi (2000), Jacobs (2011) e Garcia (1997), dentre outros. A própria administração municipal encarrega-se de exacerbar essa causa, na medida em que produz estudos com a intenção de valorizar essa realidade – como o “índice de área verde”, por exemplo. Com este percurso, abre-se uma oportunidade para uma melhor compreensão da cidade brasileira e um dos seus primordiais elementos, o espaço público. 2. OBJETIVO O objetivo principal destas linhas é construir parâmetros que permitam a verificação quantitativa e distributiva dos espaços públicos existentes em uma dada realidade espacial. Ao mesmo tempo, pretende fornecer um caminho para a construção de indicadores gerais para que municípios possam verificar as especificidades da presença e distribuição dos espaços públicos dentro das áreas mais ocupadas de seus limites administrativos e, assim, possibilitar a construção de políticas públicas que se voltem para a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras. Nesse sentido, advoga-se o “índice de espaço público” como forma de primeira aproximação para se mensurar as características da presença física desses espaços na realidade urbana. 3. MÉTODO EMPREGADO Para a presente análise quantitativa, foram utilizadas as informações georreferenciadas dos bairros e dos espaços públicos de Curitiba coletadas junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC, 2012) e os dados fornecidos pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA, 2015), assim como os limites dos setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). O arquivo com a implantação dos espaços públicos disponibilizado pelo IPPUC foi ajustado com base na imagem de satélite publicada pelo Google (versão 2015) 3. Além disso, os espaços públicos foram 1 Pesquisa com suporte do CNPq (Edital MCT-CNPq 14/2010) e da Fundação Araucária (Edital 14/2009). Destaca-se a falta de parâmetros no cenário brasileiro. O antigo valor mínimo definido pela Lei 6.766 (35%), destinado para áreas públicas (BRASIL, 1979), não permite aproximação, pois não é específico para a determinação de bens de uso comum do povo. 3 Não foram considerados como espaços públicos: as ruas em loteamentos fechados, os bens públicos dominiais, os bens públicos de uso comum do povo sem qualquer indício de uso e/ou apropriação em razão do seu estado de abandono e os desviados de suas funções iniciais (desafetação em que uma praça que se tornou escola, por exemplo). Apesar disso, as faixas de domínio de rodovias e ferrovias foram consideradas, ainda que nem todas sejam efetivamente utilizadas pela população. Ao mesmo tempo, não foram ampliadas ou acrescentadas novas áreas. 2 2 | 11 agrupados em três tipologias: ruas, praças e parques, para facilitar leitura dos mapas e consequentemente a análise desenvolvida 4. Tanto o recorte dos bairros quanto o dos setores censitários foram adotados por serem convencionais e permitirem uma visão mais detalhada da cidade, cada um a sua maneira. O primeiro é definido pela administração pública municipal, a partir de critérios específicos, ligados a fatores históricos, administrativos, ambientais, etc.; o segundo é um recorte territorial de padrão nacional que permite contrastar dados advindos de outros estudos socioeconômicos. Não se deve esquecer, entretanto, que ambos possuem certo grau de artificialidade, ao serem contrastados com a realidade cotidiana. Mesmo assim, sua utilização auxilia no entendimento das características espaciais que conformam a cidade. Outro critério adotado foi a restrição do estudo às áreas urbanas de ocupação consolidada, com a exclusão dos bairros e setores censitários com pelo menos dois terços de sua área inserida em zonas com restrição legal de ocupação 5. Além disso, para o caso dos setores censitários, foram excluídos aqueles que possuíam menos de dois terços de sua área inseridas na macha urbana, a partir do dado fornecido pelo IPPUC (2012). Portanto, dos 2.395 setores censitários existentes, 2.145 (aproximadamente 90%) foram considerados, assim como 64 bairros de um total de 75, equivalentes a 85%. Por fim é importante ressaltar que, para se construir uma visualização mais condizente com o próprio fenômeno, utilizou-se o corte dado pelo método Natural Breaks (Jenks), com cinco intervalos, para alguns dos mapas descritos. 4. RESULTADOS OBTIDOS Os resultados serão expostos em três níveis: i) presença quantitativa dos espaços públicos; ii) área total dos espaços públicos; e iii) relação entre área total dos espaços públicos e limite territorial analisado, aqui definido como “índice de espaços públicos”. No que se refere à presença quantitativa de espaços públicos 6, percebe-se que as ruas estão presentes em todos os setores censitários analisados 7. No entanto, 64% deles possuem apenas ruas, isto é, mais da metade das áreas analisadas não possui qualquer parque ou praça, como mostra o mapa da Figura 01. A partir deste mapa, ressalta-se que tais setores censitários estão predominantemente concentrados na região centro-sul do município. Com relação à presença de praças 8, apesar de ser a segunda tipologia de espaço público mais encontrada no município, representa próximo de um terço dos setores censitários estudados (34%). Contudo, destaca-se que, apesar da quantidade de setores censitários com a presença de apenas ruas ser aproximadamente o dobro do número de setores com praças (1.370 e 733, respectivamente), ao se comparar as áreas destes setores, os valores se aproximam, pois os setores censitários que possuem praças são em média 9 maiores do que aqueles que possuem apenas ruas: enquanto os primeiros representam 47% da área total de setores, os segundos, 50%. 4 A tipologia “ruas” agrupou também calçadões, canteiros, rotatórias e faixas de domínio das vias; a tipologia “praças” congrega também uma variedade de espaços públicos, cuja função e uso em muito se assemelham: jardinetes, centro esportivo, eixo de animação, jardins, jardins ambientais, largo, núcleos ambientais e recantos; na tipologia “parques” também foram agrupados bosques, centro poliesportivo, jardim botânico e parque linear. 5 . São chamadas zonas com restrição legal à ocupação: a Zona Residencial de Ocupação Controlada, a APA do Iguaçu, a Zona Residencial do Passaúna e a Zona de Contenção. São áreas periféricas, ainda não ocupadas completamente pela mancha urbana, foram excluídas da análise para minimizar os erros. 6 A análise foi realizada com base nos limites de setores censitários, já que a mesma a partir do limite dos bairros distorceria a leitura do fenômeno. 7 Como apenas 5 setores censitários do total analisado (o equivalente a menos de 1.5ha – inferior a 1% do total) não possuem rua, para efeito de análise, considerou-se que todos os setores censitários possuem ruas. 8 Ressalta-se que todos os setores que possuem ruas e/ou praças possuem também ruas. 9 A área média dos setores censitários com ruas e praças é de 17,93 ha, enquanto dos setores com apenas ruas é de 10,39 ha. Já o conjunto dos setores censitários com maior presença de diferentes tipologias (ruas, parques e praças) possui área média de 34,79 ha, já aqueles com presença de ruas e parques, 26,62 ha. 3 | 11 FIGURA 01 – Tipologias de espaços públicos presentes nos setores censitários de Curitiba. Fontes: IPPUC, 2010, SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. O número de setores censitários com presença de parques representam aproximadamente 4% do total e estão concentrados na região norte do município, porção do território urbano onde as declividades são mais acentuadas. Aqueles setores nos quais se encontram tanto parques como praças são minoria, 2% do total analisado, no entanto, apresentam uma área média de 34,79 ha, ou seja, o conjunto dos maiores setores censitários. Sendo assim, destaca-se a relação entre o tamanho do setor censitário e a presença de diferentes tipologias de espaços públicos. A presença apenas da tipologia de ruas, por exemplo, se concentra em 71% dos setores com área menor que a média (13,10 ha). Em relação à área analisada dos bairros (total de 34.830 ha), 25,3% são espaços públicos. Destes, 83,29% correspondem às ruas, 3,41% às praças e 13,30% aos parques. Partindo da hipótese de que quanto maior o bairro maior a quantidade de ruas, contrastou-se duas situações: a área dos bairros (Mapa 01) com a área das ruas nos bairros (Mapa 02). Esta correlação foi encontrada na maioria dos casos, mas em 19 bairros (30% do total) esta expectativa não foi corroborada: em sua maioria, estes bairros apresentam mais área de ruas que a média (destacados em vermelho no Mapa 02), fato que pode ser explicado pela forma do parcelamento do bairro, sobretudo. Apesar da mesma correlação prevalecer para o mapa de área total de espaço público, fundamentada pela predominância de ruas no seu conjunto, o mesmo não é válido para os mapas de áreas totais de parques e praças. O primeiro (Mapa 03) mostra que os bairros com área de parque (50% do total), e principalmente os com maiores índices, localizam-se próximos às bordas da área de análise, nas porções norte, leste e oeste. É possível explicar o fenômeno devido às condições naturais de Curitiba, exemplificado nos bairros na região sudeste, detentores de áreas de preservação ambiental. Por fim, o mapa de áreas totais de praças (Mapa 04) apresenta um padrão diferente, distribuídos de maneira mais homogênea, com destaque para os bairros na porção sul da cidade e o próprio centro urbano. 4 | 11 MAPA 01 MAPA 02 MAPA 03 MAPA 04 . FIGURA 02 – Mapa 01: Área total de bairro (m²). Mapa 02: Área total das ruas (m²) com indicação das não correlações com Mapa 01. Mapa 03: Área total dos parques (m²). Mapa 04: Área total das praças (m²). Fontes: IPPUC, 2010; SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. Talvez os resultados mais expressivos possam ser demonstrados nos mapas que revelam a relação quantitativa entre a área total dos espaços públicos e a área total do recorte territorial (bairro ou setor censitário), uma vez que, ao se constituir em grandeza relacional, permite sua comparação com outros contextos urbanos. Para este valor, utilizar-se-á o termo “índice de espaço púbico”. Assim, considerando 5 | 11 o total da área estudada dos setores censitários em Curitiba, o índice de espaço público total é de 28,2%, dentre os quais as ruas se constituem como elementos de primeira importância quantitativa, com 26,4%; logo depois, as praças, com 1,21%, e os parques, com 0,62% do total 10. No entanto, observar a variância espacial desses valores ajuda a compreender algumas especificidades da realidade urbana da capital paranaense. Os mapas da Figura 03 consideram uma divisão das porcentagens encontradas para cada setor censitário em intervalos idênticos e permitem, ao mesmo tempo, vislumbrar as características da urbanização e a presença de áreas com maiores/menores concentração de espaços públicos. Os dois mapas iniciais indicam os setores em que se concentram atividades urbanas em grandes perímetros – áreas industriais, loteamentos fechados, condomínios horizontais, áreas de preservação ambiental, estruturas especiais (quartéis militares, aeroportos, áreas esportivas, etc.), dentre outras – e que por isso reservam poucas áreas ao domínio público. Observa-se, contudo, que sua dispersão é mais periférica e mais concentrada na porção norte/noroeste de Curitiba. Os dois mapas seguintes, entre os intervalos de 20,1 a 30% e 30,1 a 40%, expõem que a maioria dos setores se localiza nestas faixas de concentração de espaços públicos, sobretudo para os 972 setores (45,31% do total) do terceiro mapa; entretanto, não se pode afirmar que existe uma caracterização espacial, sendo sua dispersão visivelmente distribuída por toda a área estudada. Para o restante dos mapas, constata-se uma queda significativa da presença de espaços públicos no município como um todo. Em sua maioria, são setores censitários que agrupam às ruas, praças e parques em seu perímetro. FIGURA 03 – Índice de espaço público total, espacializado em intervalos idênticos (de 10 em 10%), do município de Curitiba. Fontes: IPPUC, 2010; SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. Outra forma de agrupar esses mesmos dados é utilizando o corte dado pelo método de Jenks, como indicado na Figura 04, que ilustra dois mapas, ambos com 5 categorias de análises, mas com recortes territoriais distintos. Nessas imagens fica evidente que existem porções da área de análise com maior e 10 Como a área total dos bairros analisados é diferente da área total dos setores censitários considerados, este índice sofre uma leve variação, constituindo-se em: 27,21% para o total, 23,48% para as ruas, 1,04% para as praças e 2,69% para os parques. Atenta-se para o fato que o aumento do índice para os parques se deve à inclusão de extensas áreas de parques, dentro dos limites dos bairros; já a variação do índice para as ruas se explica pela inclusão de vastas áreas ainda sem arruamento em certos bairros. 6 | 11 outras com menor concentração de espaços públicos. Em ambos os mapas é perceptível que esta oposição se dá entre centro-sudeste/oeste; no mapa dividido em setores censitários, entretanto, fica mais evidente que essa divisão pode ser mais particularizada, pois se observam alguns agrupamentos de setores censitários indicando extensões do território com concentrada presença de espaços públicos, mesmo em bairros classificados nas porcentagens mais baixas. De certa forma, estas imagens indicam que a dispersão identificada na Figura 03 não se evidencia na prática. MAPA 02 MAPA 01 FIGURA 04 – Índice de espaço público total, espacializado em 5 intervalos (Jenks), do município de Curitiba. MAPA 01: bairros; MAPA 02: setores censitários. Fontes: IPPUC, 2010; SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. Por sua vez, os mapas da Figura 05, ao demonstrarem as áreas acima e abaixo da média das porcentagens para toda a área estudada, em cada recorte espacial analisado, possibilitam uma visão mais instantânea dessa divisão relatada entre centro-sudeste/oeste para os bairros e de grandes agrupamentos para os setores censitários. Nestes, embora a quantidade de setores acima da média (1.068 unidades) se equipara com os abaixo da média (1.071 unidades), a área total dos setores abaixo da média é mais de 50% superior à área total dos acima da média (170.774.000 m2 e 110.199.900 m2, respectivamente). Portanto, pode-se afirmar que, no geral, o município de Curitiba possui uma maior porção do seu território com menores índices de espaço público que outras. 7 | 11 MAPA 01 MAPA 02 FIGURA 05 – Índice de espaço público total abaixo e acima da média para o município de Curitiba. MAPA 01: bairros; MAPA 02: setores censitários. Fontes: IPPUC, 2010; SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. Dado que a rua se configura no espaço público quantitativamente mais presente na porção de território analisada em Curitiba, sua inclusão na distribuição espacial dos mapas anteriores pode falsear a compreensão geral, uma vez que é fortemente baseada na densidade do sistema viário. Assim, como forma de permitir uma análise complementar, considerou-se de forma isolada das ruas a área das praças e parques em relação à área total dos recortes trabalhados, como indicado na Figura 06. Quanto ao mapa com a divisão dos bairros, pode-se afirmar que a grande maioria dos bairros destacados acima da média se deve à presença de parques em seus limites; neste âmbito, o bairro central se distingue pela somatória de suas várias praças. O mapa com as divisões censitárias, entretanto, apresenta-se mais complexo, dado que existem setores que não possuem praças nem parques (64% do total), como já indicado na Figura 01. Percebe-se também uma significativa redução na quantidade de setores destacados acima da média (369 em 53.178.600 m2) em relação aos abaixo da média (406 em 85.934.000 m2). Certifica-se uma maior fragmentação do espaço, com poucos agrupamentos e todos de menor dimensão. 8 | 11 MAPA 01 MAPA 02 FIGURA 06 – Índice de espaço público de praças e parques (sem as ruas), espacializado em 5 intervalos (Jenks), para o município de Curitiba. MAPA 01: bairros; MAPA 02: setores censitários. Fontes: IPPUC, 2010; SEMMA, 2015 e IBGE, 2010, trabalhadas pelos autores. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O município de Curitiba tem materializado em sua forma urbana as contradições do modelo de desenvolvimento urbano vigente no país. Portanto, ao observar essa realidade territorial, poder-se-ia inferir para qualquer aglomeração urbana brasileira que os espaços públicos, embora presentes por toda a cidade, não se distribuem de forma equânime pelo território. A explicação para esse fenômeno é complexa, ligada a fatores internos e externos ao próprio desenvolvimento de cada aglomeração urbana, como a cultura urbanística, o empreendedorismo imobiliário, o conjunto de suas lideranças políticas, a situação macroeconômica do município, país e/ou do mundo, etc. Porém, como elemento construído, realidade concreta da cidade, conforme neste trabalho se define, apresenta-se passível de mensuração. Certamente, a explanação aqui proposta seria mais completa se os dados apresentados fossem contrastados a outros parâmetros/índices, por exemplo, densidade demográfica, renda familiar, IDH, etc., que se constituem nos próximos passos dessa pesquisa; tais comparações auxiliariam no entendimento de hipóteses comumente difundidas, como a relação entre situação socioeconômica dos moradores e a existência de espaços públicos. Outro possível caminho de análise seria o detido estudo das áreas que se mostraram mais distintas do geral nos tópicos examinados, quer seja pela falta ou maior presença absoluta e/ou relativa de espaços públicos, a fim de se iniciar uma investigação de corte mais qualitativo, menos abstrata e mais conectada com a experiência cotidiana de seus usuários. A proposição de um indicador como o “índice de espaço público” apresenta óbvias limitações: como um resultado quantitativo, não deve ser entendido como um evento absoluto, uma verdade incontestável, pois a dinâmica da cidade é muito complexa para ser apreendida em uma relação numérica. Ainda assim, advoga-se sua validade como um procedimento fundamental para a averiguação das características quantitativas e distributivas dos espaços públicos em uma dada realidade urbana. O conhecimento do território é um primeiro passo para a construção de políticas públicas que se voltem para a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras. Outra ressalva que se deve atentar é que a apreensão da quantidade e distribuição dos espaços públicos pelo território municipal apresenta significativa alternância em razão da base territorial de observação. Nesse sentido, destaca-se a pertinência da 9 | 11 comparação dos distintos recortes utilizados – bairros e setores censitários – pois expõe o fenômeno de forma mais completa e refina a análise. A investigação sobre o espaço público na cidade brasileira apresenta inúmeras dificuldades. Em geral, as administrações públicas no país não possuem cadastros atualizados e confiáveis sobre suas propriedades imobiliárias, fato que dificulta uma visão panorâmica. Além disso, o cuidado com a manutenção de todos os espaços públicos municipais e o incentivo ao seu uso não são prioridades da agenda municipal, em geral. Nesse aspecto, o trabalho realizado em Curitiba foi facilitado pela organizada maneira como os dados são agrupados e disponibilizados pelo poder público. Contudo, a averiguação da veracidade dos dados oficiais foi etapa marcante do caminho analítico deste trabalho, pois nem todos os espaços considerados como existentes, eram de fato “reais”, ou seja, possibilitavam qualquer convivência pública. Por fim, o “índice de espaço público” pode se constituir em interessante lente de observação da realidade urbana. Através dela, pode se compreender as características intra-urbanas, em distintos estratos, ao mesmo tempo em que se pode contrastá-las com outras conjunturas espaciais, construindo um quadro mais amplo da situação espacial. Nesse sentido, entende-se que esse índice deva ser efetivamente considerado na construção de políticas públicas que pretendam a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Brasília, Câmara dos Deputados, 1979. _____. 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AGRADECIMENTOS Agradecemos a contribuição da Profa. Dra. Cláudia Rubi, pela paciente exposição do potencial da cartografia como forma de compreensão da realidade. 11 | 11