Políticas Públicas de Apoio ao Empreendedorismo: Análise de sua Presença (ou Ausência) em duas Regiões Turísticas do Estado de Goiás. Autoria: Cândido Borges Jr., Vicente da Rocha Soares Ferreira, Estela Najberg, Clara Santos Costa Resumo A promoção do empreendedorismo é uma das estratégias que os agentes públicos estão utilizando de forma crescente para promover o desenvolvimento de cidades, estados e países. No Brasil, ainda são poucos os estudos que analisam as políticas públicas de apoio ao empreendedorismo Frente a esta lacuna, este trabalho analisou o impacto de políticas de apoio ao empreendedorismo em cinco empreendimentos localizado em Goiás. A base teórica da análise foi o modelo de seis categorias de políticas de empreendedorismo proposto por Lundström e Stevenson (2005). Os resultados indicam pouca presença das políticas nos estágios iniciais dos empreendimentos. 1 1. Introdução O conceito de política pública significa para o setor público o que o conceito de estratégia significa para o setor privado: um guia, um plano ou um conjunto de diretrizes que devem influenciar as decisões e os atos a serem empreendidos no futuro (Mintzberg e Jorgensen, 1995). Governos adotam políticas públicas para promover o desenvolvimento social e o bemestar da população. A promoção do empreendedorismo é uma das estratégias que os agentes públicos estão utilizando de forma crescente para promover o desenvolvimento social e econômico de cidades, estados e países (Fontenele et al., 2011; Lundström e Stevenson, 2005; Mueller et al., 2008; OCDE, 2005; Stel e Storey, 2008; Storey, 1994). O empreendedorismo é benéfico por gerar empregos e riquezas, difundir avanços tecnológicos e inovações, gerar concorrência e ampliar o comércio (Birch & Medoff, 1994; GEM, 2010; Reynolds et al., 2005). No Brasil, ainda são poucos os estudos que analisam as políticas públicas que influenciam os empreendedores e os negócios que eles criam. Menor ainda é o número de estudos desenvolvidos com foco nas políticas de apoio ao empreendedorismo. Frente a esta lacuna, este trabalho tem como propósito avaliar o impacto de políticas públicas de apoio ao empreendedorismo em empreendimentos localizado no Estado de Goiás. Para tanto, foi realizado um estudo de cinco casos de empreendedores que criaram um empreendimento de cunho sustentável em duas regiões de Goiás – Pirenópolis e Chapada dos Veadeiros. São empreendimentos que tiveram o valor da sustentabilidade como motivação para a criação do negócio e que exploram negócios ligados ao ambiente natural das regiões onde estão instalados. O empreendedorismo sustentável é uma das áreas do empreendedorismo que apresenta um interesse crescente por parte dos estudiosos e dos governos (Dean e McMullen, 2007; Hockerts e Wustenhagen, 2010; Patzelt e Shepherd, 2010). A base teórica da análise foi o modelo de seis categorias de políticas de empreendedorismo proposto por Lundström e Stevenson (2005), a saber: promoção da cultura empreendedora; educação para o empreendedorismo; redução de barreiras de entrada; financiamento; medidas de apoio e suporte aos novos negócios e políticas com enfoque em segmentos específicos da população. O artigo está estruturado da seguinte forma: a próxima seção será dedicada às políticas públicas de apoio ao empreendedorismo. A seção três apresenta o método da pesquisa e a quatro seus resultados. A quinta seção finaliza o artigo com as conclusões e considerações finais. 2. Políticas de empreendedorismo Devido à importância do empreendedorismo, governantes e formuladores de políticas públicas começaram a ter mais interesse pelo tema. Aos poucos, passaram a existir políticas públicas com um foco mais específico nos empreendedores. De uma forma geral, politicas públicas abrangem o fluxo de decisões tomadas pelo governo com objetivo de estabelecer ou 2 manter um equilíbrio social, a partir de objetivos predefinidos e os meios para alcançá-los (Saraiva, 2006; Howlett & Ramesh 1995). As políticas de apoio ao empreendedorismo têm como função e objetivo o aumento do nível da atividade empreendedora, e estabelecem o papel do governo e instituições reguladoras no estabelecimento de um ambiente propício e favorável aos empreendedores (Audretsch et al., 2007; Stevenson e Lundström, 2007; Storey, 1994). Para isso, uma importante questão é levantada por Thurik (2008): como os governos podem criar esses ambientes propícios à geração, viabilidade, e consequentemente ao seu sucesso? Para esse autor, nas economias classificadas como economias empreendedoras, o governo tem o papel de criar e disponibilizar políticas de estímulo ao desenvolvimento dos negócios, especialmente no nível local. Caberia a esse nível de governo elaborar e implementar políticas que capitalizem as vantagens locais e minimizem suas desvantagens. Para a criação das políticas públicas de empreendedorismo, Lundstrom e Stevenson (2005) destacam a importância da análise das condições e dos contextos específicos do país ou região. Segundo estes autores, três fatores principais podem influenciar o nível de atividade empreendedora. O primeiro fator são as condições econômicas, como o crescimento do PIB, a taxa de desemprego, o PIB per capita e a disponibilidade de crédito. Outro fator considerado é a estrutura social e empresarial, como tamanho da população, taxa de crescimento da população, flexibilidade do mercado, facilidade de entrar e sair do mercado, tamanho e estrutura do setor industrial, nível de educação e prática da educação empreendedora. O último fator é a cultura empreendedora, como a existência de modelos empreendedores na região, a presença de defensores do empreendedorismo e a existência de um clima de apoio social, familiar e governamental ao empreendedorismo (Lundström e Stevenson, 2007) Lundström e Stevenson (2005) observaram que há várias fases no processo de empreender e que as particularidades de cada etapa deve ser considerada na elaboração de políticas de apoio. A figura 1 mostra o modelo do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), onde o processo empreendedor é dividido em quatro etapas. Em cada etapa, o empreendedor encontra diferentes obstáculos e desafios, e possuem distintas necessidades de recursos. Dessa forma, os governos deveriam elaborar políticas públicas que contemplassem as particularidades de cada etapa do processo empreendedor. 3 Figura 1 – O processo empreendedor NASCIMENTO DA EMPRESA CONCEPÇÃO PERSISTÊNCIA Font e: Adaptado de GEM (2010), figura A1.2, p. 220, Mesmo que os governantes e formuladores de políticas de empreendedorismo possuam distintos objetivos, meios de alcance e contextos, as políticas criadas podem ser categorizadas em seis categorias (Lundström e Stevenson, 2005; Stevenson e Lundström, 2007; Raposo, 2009). A primeira é a promoção da cultura empreendedora que tem por objetivo valorizar o empreendedorismo, criando consciência e confiança da sociedade pelo mesmo. A segunda é a educação para o empreendedorismo, que visa aumentar o número de oportunidades para o acesso de conhecimento sobre empreendedorismo, através da integração de conteúdo sobre o assunto em vários níveis do sistema educacional (Stevenson e Lundström, 2007). A terceira categoria é a redução de barreiras de entrada de novas empresas e a eliminação de obstáculos ao empreendedorismo, objetiva a redução de tempo e custo para o início de um negócio, diminuindo assim também os desincentivos da escolha de uma carreira empreendedora. A quarta categoria é constituída por medidas de apoio e suporte às empresas novas. São exemplos de medidas nessa categoria, o acesso à informações, consultorias e outras formas de transferência de know-how (Stevenson e Lundström, 2007). A quinta categoria trata do fornecimento de capital para apoiar o empreendedorismo, e dirigese à provisão de financiamentos para empresas novas, ou para aquelas que se encontram em fase inicial. A última categoria é formada por políticas com enfoque em segmentos específicos da população e que visam promover o empreendedorismo e facilitar a entrada no mundo dos negócios de grupos como os jovens ou as mulheres (Machado, 2001; Stevenson & Lundström, 2007). O quadro 1 apresenta exemplos de políticas, para cada uma destas categorias. 4 Quadro 1 – Exemplos de políticas, segundo a categoria de classificação Categoria Exemplo de política de empreendedorismo Patrocínio de programas de televisão e campanhas Promoção da cultura publicitárias; premiações nacionais, regionais ou locais; empreendedora patrocínio de conferências, congressos e eventos. Educação para o Divulgação e distribuição de materiais em escolas e empreendedorismo universidades; treinamento e orientações para professores; estímulo à produção de casos de ensino e outros materiais didáticos; Patrocínio de competições, premiações para estudantes e professores, suporte a incubadores e outros programas universitários de apoio ao empreendedor. Redução de barreiras de Dinamização o processo de registro de negócios; entrada redução do valor de taxas e impostos; revisão da legislação empresarial; legislação de patentes e propriedade intelectual. Financiamento Acesso facilitado a informações sobre fontes de financiamentos; Programas de garantia de crédito; microcrédito; fundos de investimento em novos negócios. Medidas de apoio e suporte Programas de treinamentos e orientação; auxílio na aos novos negócios formação de redes de contato; criação de sites, softwares e aplicativos on-line de auxílio e suporte; criação de centro de aconselhamento, consultoria, assistência técnicas. Enfoque em segmentos Auxílio a grupo específicos, como os jovens ou as específicos da população mulheres. Programa e premiações; treinamento, aconselhamento e consultoria; auxílio na identificação de oportunidades favoráveis para cada grupo; Fonte: Stevenson e Lundström (2007) e Lundström e Stevenson (2005). 3. Método A pesquisa realizada foi exploratória e qualitativa, utilizando o método de múltiplos casos (Yin, 2005). Cinco casos foram analisados. Por motivos de confidencialidade, os nomes das organizações e dos empreendedores citados neste artigo são fictícios. O levantamento dos dados foi realizado por meio de entrevistas semi- estruturadas com os empreendedores das cinco empresas. O quadro 2 apresenta um breve histórico de cada caso. Os cinco casos analisados estão situadas em regiões turísticas do estado de Goiás: três na região de Pirenópolis (Pousada Pirenópolis, Empresa Alimentos Naturais e Santuário) e dois na região da Chapada dos Veadeiros (Herbário; Pousada Cavalcante). Todos os casos exploram o nicho de sustentabilidade em seus negócios e a prática de uma vida mais saudável onde a convivência com a natureza fosse possivel foi um dos motivadores dos empreendeedores para a criação do negócio. 5 Quadro 2- Informações sobre os casos Empresa* Histórico Santuário Os proprietários adquiriram uma fazenda em 1975 com o intuito de torná-la um pedaço de terra sustentável e proporcionar qualidade de vida aos filhos. Percebendo a demanda por produtos orgânicos em Brasília, começaram lá as primeiras vendas dessas mercadorias. Na década de 90, observando o crescente número de turistas em Pirenópolis, transformaram parte da área em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), o que os ajudou a firmar parcerias para a construção de trilhas e um centro de visitantes – assim, foi aberta à visitação. Atualmente oferece atividades de aventura, como rapel, trilhas e arvorismo; produtos artesanais (frutas desidratadas, cookies, doces e geleias, por exemplo); e um serviço de alimentação. Pousada Inaugurada em 2003 apoiada na experiência do empreendedor com Pirenópolis consultoria e gestão de negócios turísticos. No início possuía uma quitinete e cinco apartamentos. Após duas expansões, possui atualmente 14 apartamentos, com sua construção voltada à preservação do meio-ambiente e dos aspectos sócio-culturais locais (por exemplo, com o reflorestamento da área ao redor da construção, reaproveitamento da água das chuvas e incentivo ao consumo de produtos do Cerrado). Alimentos Naturais Com a ideia de preservação do Cerrado e proporcionar melhoria de vida de produtores rurais, a empresa foi fundada em 2003. Partindo da produção de barra de cereais de castanha de baru vendidas para amigos, nos dias atuais oferece, além das barras, bolos, pães e biscoitos produzidos com frutos dessa região do Brasil. Herbário O empreendedor iniciou as atividades em 1990 em Alto Paraíso de Goiás a partir de experiências adquiridas com negócios em outras regiões do país, se adaptando à vocação turística e à vegetação da região. O Herbário oferta produtos medicinais (como ervas, xaropes e pomadas – esses, fabricados pelo próprio empreendedor) e artesanato indígena. Pousada Situada no município de Cavalcante, a Pousada foi inaugurada em Cavalcante 2003, já com o título de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). O local foi escolhido devido à aliança entre o desejo do empreendedor de desenvolver atividades relacionadas à natureza e o potencial turístico da região. Dispõe de sete chalés e dois quartos e suas atividades de lazer incluem piscinas, sauna, trilhas, poços d’água e cachoeira. Fonte: elaborado pelos autores. * Nomes fictícios. O roteiro de entrevista foi definido considerando as atividades que são realizadas na criação de uma empresa (Borges et al., 2008) e os apoios governamentais diretos ou indiretos que o empreendedor recebeu ou gostaria de ter recebido durante a criação de seu negócio. As entrevistas foram transcritas e analisadas com ajuda do software NVIVO. Inicialmente os casos foram analisados separadamente e posteriormente foi realizado uma comparação entre os casos. 6 4. Apresentação e discussão dos resultados De forma geral, e de acordo com a análise das falas dos entrevistados, existe certa ausência de políticas públicas voltadas ao empreendedorismo sustentável no Estado de Goiás, e isso parece envolver as políticas nacionais e as subnacionais. Isso fica expressamente colocado nos exemplos das falas dos entrevistados: “Não tem programa de apoio, não tem.” (Pousada Pirenópolis) “(...) mas em termos de ajuda de algum órgão, nunca tive não” (Herbário) “(...) a gente ainda tem muita omissão por parte dos diversos agentes que deveriam estar atuando na cadeia, (...) não incentivar e não apoiar os conselhos, não dispor de recursos para investir no turismo.” (Pousada Cavalcante). “(...) a questão governamental, por conta de não dar o subsídio para o desenvolvimento da região, ela é um dos principais empecilhos (...), pois todos os apoios que poderiam ser dados na parte da infraestrutura, e também a questão da fiscalização, não são dados.” (Pousada Cavalcante). Na análise dessas manifestações dos entrevistados, pode-se observar não somente a falta de política pública, mas também a falta de coordenação de ações entre as três esferas de governos. Chama a atenção que em diferentes regiões do Estado, haja manifestações tão semelhantes sobre a ausência dessas políticas. Como se vê, não é uma ausência pontual, mas geral, de ações de governo a esse importante setor no Estado, uma postura que levanta questionamento sobre a existência de alguma consciência dos governos, que se transforme em políticas e ações práticas para potencializar a capacidade que esse setor tem de contribuir para o desenvolvimento do Estado e de um país (GEM, 2010), o que contraria as afirmações de vários autores sobre o papel que governo deveria ter em relação às políticas de apoio ao empreendedorismo (Stevenson e Lundström, 2007; Thurik, 2008). Pode-se perceber, ainda, nas entrevistas que o sentimento de “falta” dos entrevistados é expresso de muitas formas, tais como falta de programas, de incentivos, de subsídios para o desenvolvimento do setor, de recursos para investimento e de apoio à infraestrutura; falta de apoio às áreas que poderiam criar políticas para o setor, como as secretarias municipais; falta de apoio ao pleno funcionamento do conselho setorial da área; falta de foco regional das políticas, no caso do Estado e falta de coordenação de uma forma geral. Citam também a falta de fiscalização numa referência clara de que o Estado em seus três níveis não falta somente com as políticas de apoio, mas também com ações que poderiam uniformizar as condições de competição dos negócios em análise, ou seja, não percebem a presença do Estado. No que diz respeito à fiscalização, em particular, são citadas situações em que o poder público falha, criando, desta forma, dificuldades para a manutenção dos empreendimentos, tal como na seguinte afirmação de um dos entrevistados: “Você concorre num mercado onde os empresários, os pseudoempresários, acham que é normal não pagar o imposto, o Estado sendo omisso na fiscalização, então você não tem uma fiscalização efetiva da parte trabalhista. Isso faz com que a gente tenha que 7 trabalhar fora do preço; a margem de lucro fica extremamente reduzida por conta desse aspecto.” (Pousada Cavalcante) Esse mesmo empreendedor ressalta as dificuldades, tanto pela parte fiscal, como pela questão sanitária, de aproveitar produtos locais para serem comercializados em sua pousada. Ele exemplifica com a compra de carne, citando a dificuldade de encontrar, na região onde está instalado, açougue que forneça nota fiscal e que ofereça produtos com procedência inspecionada e que forneça nota fiscal. Isso demonstra que a omissão do Estado desestimula o desenvolvimento dos negócios, e a economia local. Nesse caso não é só a falta de apoio de forma direta a esses negócios, mas a falta de apoio a outros pequenos negócios que poderiam ser fornecedores locais, o que certamente fortaleceria a economia desses municípios, pois nesse caso há demanda, mas não há oferta qualificada. Ou seja, a falta de política pública ou mesmo de um serviço tipicamente público, como é o caso da fiscalização, prejudica duplamente o desenvolvimento desses negócios. Essa mesma fiscalização, embora essencial como se observou no parágrafo anterior, pode, em alguns casos, no entanto, ser prejudicial ao desenvolvimento de outros negócios quando não atua em consonância e respeito a determinadas particularidades locais, como é demonstrado por um dos entrevistados: “Com eles (a Anvisa), fica um pouco amarrado. (...) Atrapalhou um pouco, os produtos antes eu fazia a indicação terapêutica do produto, para o que servia, e agora não pode ter a indicação. Tem que ter o nome do remédio, nome das ervas, o CNPJ e validade, mas não diz pra que é o produto”. (Herbário). Ao aplicar normas gerais para medicamentos em produtos de um raizeiro, sem considerar as particularidades culturais e de tamanho do negócio, o poder público pode matar uma prática cultural histórica. Neste caso, o correto talvez fosse desenvolver e aplicar um quadro regulamentar que permitisse um equilíbrio entre a segurança dos consumidores e a prática de raizeiros. O que se percebe nessa fala é uma falta de sintonia entre esse empreendedor e o poder público. Pode ser apenas falta de comunicação, mas fica claro que a forma como foi conduzido esse processo não colaborou de forma positiva com os interesses desse negócio. Caso seja uma necessidade diante de alguma norma legal cujo interesse seja o do consumidor, fica claro que não houve contrapartida do poder público para minimizar os efeitos dessa ação, que se preocupasse com a garantia de sustentabilidade desse negócio. Mais do que a omissão do Estado e a sua ineficiente fiscalização como já se observou, também fica evidente na fala dos empreendedores entrevistados que a precariedade da prestação dos serviços públicos é outra barreira para a viabilização dos novos negócios, como pode-se perceber nessas falas dos entrevistados: “(...) o que mais é difícil para mim, são os serviços públicos, (...) na parte da tarde para de noite, eu não tenho energia, (...) minha conta de energia é maior porque como a energia chega fraca, ela consome mais.” (Pousada Pirenópolis) “A gente não tem aqui na região nenhum sistema de coleta seletiva”. (Pousada Cavalcante) 8 “O aeroporto de Alto Paraíso é um crime estar fechado. E não vemos empenho de ninguém em tentar viabilizar a abertura”. (Pousada Cavalcante) Pela análise dessas respostas dos entrevistados com relação à prestação dos serviços públicos, é possível uma compreensão ainda mais profunda da ausência do Estado que parece não se restringir a algumas áreas e políticas de apoio, mas a serviços estratégicos para o desenvolvimento dos negócios como energia, telefonia, infraestrutura e transporte. Se é papel dos governos e instituições reguladoras possibilitar o crescimento do empreendedorismo com o fornecimento de um ambiente propício e favorável (Stevenson e Lundström, 2007), parece não ser esse o papel dos governos no Estado de Goiás com relação aos empreendedores ora pesquisados. O que os empresários apontam nesses casos é a falta ou ineficiência de serviços essenciais, da criação desse ambiente favorável mínimo, pois sem comunicação e transporte, por exemplo, não é possível criar condições de atração dos consumidores dos serviços fornecidos por esses empresários. Outro agravante é que os empreendedores não enxergam no curto prazo a melhoria dos serviços apontados como deficientes no Estado. É possível o levantamento de questões, de como é possível esperar-se o desenvolvimento de negócios em um ambiente como esse, do quadro apresentado pelos pesquisados em relação às ações (ou à sua ausência) dos governos. Novamente aqui aparece no diálogo dos entrevistados a falta de coordenação entre as ações de governos. Especificamente sobre a fase da concepção do negócio (GEM, 2010), um dos entrevistados afirma que vários fatores fizeram com que o município de Cavalcante fosse o lugar escolhido para a instalação de seu negócio. À época, em 2002, o município tinha uma nova gestão na Prefeitura que havia aprovado leis ligadas ao meio ambiente e ao turismo, leis previam conselhos e a organização da cadeia turística. Esse mesmo empreendedor afirma, no entanto, que nas duas últimas gestões, houve o desmanche de todo este sistema, ficando os conselhos setoriais reféns de ingerência política, o que tem sentido pejorativo e significa que mesmo ações que não demandam recursos, apenas ações organizativas, como é o caso do funcionamento de conselhos, não receberam a atenção devida do poder público local. Somente um dos entrevistados cita ajuda financeira de algum órgão governamental para apoiar o seu negócio: “(...) eu ganhei dinheiro para construir essa casa, esse prédio, eu ganhei o terreno (...). Foram doados os lotes e terrenos até para as pousadas e postos, esses terrenos grandes foram todos doações.” (Herbário) Já outro empreendedor, por sua vez, afirma que só agora, depois de oito anos de existência, terá acesso a um empréstimo bancário, via Fundo Constitucional do Centro Oeste - FCO ou pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, já que os juros estão mais baixos, e um terceiro empreendedor reconhece que não procura crédito bancário por que isso “só nos traz burocracia”. Essa questão do apoio financeiro, no entanto, não parece ser uma das maiores preocupações dos empresários, considerando-se a forma como foi colocada e as poucas menções que foram feitas. 9 Embora na entrevista de um dos empreendedores tenha sido citado um projeto envolvendo o WWF - Brasil, o Ministério do Meio Ambiente - MMA e o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa - Sebrae, o entrevistado diz que não foi procurado por estas instituições e que também não as procurou por que isso “não se encaixava nas suas necessidades.” Já outro empreededor declara que o único apoio que teve foi do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis- IBAMA. Quanto a este ponto, parece que a divulgação e distribuição de materiais; o auxílio no desenvolvimento de estratégias, planos, definições, treinamento e orientações e outros programas de apoio ao empreendedor (Lundström e Stevenson, 2005; Machado, 2001), como é o caso dos projetos citados não contêm os elementos necessários ao convencimento dos empreendedores, pois estes nem mencionaram a importância desse tipo de apoio, concluindo que não estavam de acordo com suas necessidades. Registre-se, por último, que embora os cinco casos pesquisados possam ser caracterizados como negócios sustentáveis, não há alusão a nenhuma política específica voltada para o empreendimento deste tipo de negócio nas regiões pesquisadas. 5. Considerações finais De forma geral, como discutido e analisado, existe quase uma completa omissão do Estado no que diz respeito à formulação e implementação de políticas públicas voltadas ao fomento do empreendedorismo. É claro que não se pode extrapolar essa análise como representativo de uma situação geral, mas igualmente não se pode desconsiderar a representatividade dos mesmos, pois essa percepção é compartilhada pelo conjunto dos casos analisados. Como se pode observar ao longo dessa análise, não há apoio específico a nenhuma das fases de desenvolvimento dos negócios. O que existe são ações esporádicas e fragmentadas que geralmente ocorrem no fomento ao empreendedor potencial, mas sem planejamento deliberado, que explicite os objetivos da ação pública, o que termina por desestimular os empreendedores ao longo do desenvolvimento de seus negócios. Pouco se notou também a presença de políticas nas seis categorias propostas por Stevenson e Lundström (2007), mas algumas ações pontuais foram identificadas. Goiás é um Estado que tem um grande potencial para o desenvolvimento de negócios sustentáveis, voltados, por exemplo, ao ecoturismo (pousadas e atividades de lazer), à exploração de plantas e matérias primas regionais. Os cinco entrevistados neste trabalho são exemplos deste tipo de empreendedores. Pela análise dos casos apresentados, percebe-se, no entanto, que não há por parte do Estado (e aí consideradas as três esferas) políticas específicas e estruturadas que fomentem este tipo de empreendimento. Pior do que isto, pelo menos nos casos estudados, o Estado mostrou-se omisso e ineficiente na fiscalização de atividades básicas (questões trabalhistas; pagamento de impostos; abate animal), postura esta que prejudica ou até quase inviabiliza o desenvolvimento destes negócios. Fato igualmente relevante é a falta ou a ineficiência na prestação de serviços estratégicos, como energia, telefonia, infraestrutura e transporte que são essenciais à criação de ambientes favoráveis ao florescimento de novos negócios., no Brasil a maioria desses serviços é fornecida pelo mercado, mas no caso dos negócios em análise, que estão situados em 10 pequenos municípios, uma ação completar do setor público se faz necessária. Nesse caso, é necessário reconhecer que sem esse tipo de serviço de infraestrutura não é possível imaginar a criação e desenvolvimento de novos negócios, tampouco a sustentabilidade dos já existentes. Na promoção de políticas públicas que fomentem o empreendedorismo, é essencial que o Estado não só busque promover uma cultura e atividades educacionais voltadas para o empreendedorismo, mas também consiga integrar as ações das várias áreas do poder público, como saneamento, energia, telefonia, transporte educação e saúde; no presente estudo, porém, não foi isso que se encontrou. 6. Referências AUDRETSCH, D.B.; GRILO, I.; THURIK, A.R., Handbook of Entrepreneurship Policy, Edward Elgar Publishing Limited, Cheltenham, UK and Brookfield, US 2007 BIRCH, D. L.; GAZELLES J. M. In Lewis C. Solmon and Alec R. Levenson, eds., Labor Markets, Employment Policy and Job Creation. Boulder and London: Westview Press, 1994. 159–167. DEAN, T., & MCMULLEN, J. Toward a theory of sustainable entrepreneurship: reducing environmental degradation through entrepreneurial action. Journal of Business Venturing, 22(1), 50–76, 2007. FONTENELE, R., MOURA, H., LEOCADIO, A. 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