Políticas Públicas de Apoio ao Empreendedorismo: Análise de sua Presença (ou
Ausência) em duas Regiões Turísticas do Estado de Goiás.
Autoria: Cândido Borges Jr., Vicente da Rocha Soares Ferreira, Estela Najberg, Clara Santos Costa
Resumo
A promoção do empreendedorismo é uma das estratégias que os agentes públicos estão
utilizando de forma crescente para promover o desenvolvimento de cidades, estados e países.
No Brasil, ainda são poucos os estudos que analisam as políticas públicas de apoio ao
empreendedorismo Frente a esta lacuna, este trabalho analisou o impacto de políticas de apoio
ao empreendedorismo em cinco empreendimentos localizado em Goiás. A base teórica da
análise foi o modelo de seis categorias de políticas de empreendedorismo proposto por
Lundström e Stevenson (2005). Os resultados indicam pouca presença das políticas nos
estágios iniciais dos empreendimentos.
1 1. Introdução
O conceito de política pública significa para o setor público o que o conceito de estratégia
significa para o setor privado: um guia, um plano ou um conjunto de diretrizes que devem
influenciar as decisões e os atos a serem empreendidos no futuro (Mintzberg e Jorgensen,
1995). Governos adotam políticas públicas para promover o desenvolvimento social e o bemestar da população.
A promoção do empreendedorismo é uma das estratégias que os agentes públicos estão
utilizando de forma crescente para promover o desenvolvimento social e econômico de
cidades, estados e países (Fontenele et al., 2011; Lundström e Stevenson, 2005; Mueller et al.,
2008; OCDE, 2005; Stel e Storey, 2008; Storey, 1994). O empreendedorismo é benéfico por
gerar empregos e riquezas, difundir avanços tecnológicos e inovações, gerar concorrência e
ampliar o comércio (Birch & Medoff, 1994; GEM, 2010; Reynolds et al., 2005).
No Brasil, ainda são poucos os estudos que analisam as políticas públicas que influenciam os
empreendedores e os negócios que eles criam. Menor ainda é o número de estudos
desenvolvidos com foco nas políticas de apoio ao empreendedorismo. Frente a esta lacuna,
este trabalho tem como propósito avaliar o impacto de políticas públicas de apoio ao
empreendedorismo em empreendimentos localizado no Estado de Goiás.
Para tanto, foi realizado um estudo de cinco casos de empreendedores que criaram um
empreendimento de cunho sustentável em duas regiões de Goiás – Pirenópolis e Chapada dos
Veadeiros. São empreendimentos que tiveram o valor da sustentabilidade como motivação
para a criação do negócio e que exploram negócios ligados ao ambiente natural das regiões
onde estão instalados. O empreendedorismo sustentável é uma das áreas do
empreendedorismo que apresenta um interesse crescente por parte dos estudiosos e dos
governos (Dean e McMullen, 2007; Hockerts e Wustenhagen, 2010; Patzelt e Shepherd,
2010).
A base teórica da análise foi o modelo de seis categorias de políticas de empreendedorismo
proposto por Lundström e Stevenson (2005), a saber: promoção da cultura empreendedora;
educação para o empreendedorismo; redução de barreiras de entrada; financiamento; medidas
de apoio e suporte aos novos negócios e políticas com enfoque em segmentos específicos da
população.
O artigo está estruturado da seguinte forma: a próxima seção será dedicada às políticas
públicas de apoio ao empreendedorismo. A seção três apresenta o método da pesquisa e a
quatro seus resultados. A quinta seção finaliza o artigo com as conclusões e considerações
finais.
2. Políticas de empreendedorismo
Devido à importância do empreendedorismo, governantes e formuladores de políticas
públicas começaram a ter mais interesse pelo tema. Aos poucos, passaram a existir políticas
públicas com um foco mais específico nos empreendedores. De uma forma geral, politicas
públicas abrangem o fluxo de decisões tomadas pelo governo com objetivo de estabelecer ou
2 manter um equilíbrio social, a partir de objetivos predefinidos e os meios para alcançá-los
(Saraiva, 2006; Howlett & Ramesh 1995). As políticas de apoio ao empreendedorismo têm
como função e objetivo o aumento do nível da atividade empreendedora, e estabelecem o
papel do governo e instituições reguladoras no estabelecimento de um ambiente propício e
favorável aos empreendedores (Audretsch et al., 2007; Stevenson e Lundström, 2007; Storey,
1994).
Para isso, uma importante questão é levantada por Thurik (2008): como os governos podem
criar esses ambientes propícios à geração, viabilidade, e consequentemente ao seu sucesso?
Para esse autor, nas economias classificadas como economias empreendedoras, o governo tem
o papel de criar e disponibilizar políticas de estímulo ao desenvolvimento dos negócios,
especialmente no nível local. Caberia a esse nível de governo elaborar e implementar políticas
que capitalizem as vantagens locais e minimizem suas desvantagens.
Para a criação das políticas públicas de empreendedorismo, Lundstrom e Stevenson (2005)
destacam a importância da análise das condições e dos contextos específicos do país ou
região. Segundo estes autores, três fatores principais podem influenciar o nível de atividade
empreendedora. O primeiro fator são as condições econômicas, como o crescimento do PIB, a
taxa de desemprego, o PIB per capita e a disponibilidade de crédito. Outro fator considerado é
a estrutura social e empresarial, como tamanho da população, taxa de crescimento da
população, flexibilidade do mercado, facilidade de entrar e sair do mercado, tamanho e
estrutura do setor industrial, nível de educação e prática da educação empreendedora. O
último fator é a cultura empreendedora, como a existência de modelos empreendedores na
região, a presença de defensores do empreendedorismo e a existência de um clima de apoio
social, familiar e governamental ao empreendedorismo (Lundström e Stevenson, 2007)
Lundström e Stevenson (2005) observaram que há várias fases no processo de empreender e
que as particularidades de cada etapa deve ser considerada na elaboração de políticas de
apoio. A figura 1 mostra o modelo do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), onde o
processo empreendedor é dividido em quatro etapas. Em cada etapa, o empreendedor encontra
diferentes obstáculos e desafios, e possuem distintas necessidades de recursos. Dessa forma,
os governos deveriam elaborar políticas públicas que contemplassem as particularidades de
cada etapa do processo empreendedor.
3 Figura 1 – O processo empreendedor
NASCIMENTO DA EMPRESA CONCEPÇÃO
PERSISTÊNCIA
Font
e: Adaptado de GEM (2010), figura A1.2, p. 220,
Mesmo que os governantes e formuladores de políticas de empreendedorismo possuam
distintos objetivos, meios de alcance e contextos, as políticas criadas podem ser categorizadas
em seis categorias (Lundström e Stevenson, 2005; Stevenson e Lundström, 2007; Raposo,
2009). A primeira é a promoção da cultura empreendedora que tem por objetivo valorizar o
empreendedorismo, criando consciência e confiança da sociedade pelo mesmo. A segunda é a
educação para o empreendedorismo, que visa aumentar o número de oportunidades para o
acesso de conhecimento sobre empreendedorismo, através da integração de conteúdo sobre o
assunto em vários níveis do sistema educacional (Stevenson e Lundström, 2007).
A terceira categoria é a redução de barreiras de entrada de novas empresas e a eliminação de
obstáculos ao empreendedorismo, objetiva a redução de tempo e custo para o início de um
negócio, diminuindo assim também os desincentivos da escolha de uma carreira
empreendedora. A quarta categoria é constituída por medidas de apoio e suporte às empresas
novas. São exemplos de medidas nessa categoria, o acesso à informações, consultorias e
outras formas de transferência de know-how (Stevenson e Lundström, 2007).
A quinta categoria trata do fornecimento de capital para apoiar o empreendedorismo, e dirigese à provisão de financiamentos para empresas novas, ou para aquelas que se encontram em
fase inicial. A última categoria é formada por políticas com enfoque em segmentos
específicos da população e que visam promover o empreendedorismo e facilitar a entrada no
mundo dos negócios de grupos como os jovens ou as mulheres (Machado, 2001; Stevenson &
Lundström, 2007). O quadro 1 apresenta exemplos de políticas, para cada uma destas
categorias.
4 Quadro 1 – Exemplos de políticas, segundo a categoria de classificação
Categoria
Exemplo de política de empreendedorismo
Patrocínio de programas de televisão e campanhas
Promoção da cultura
publicitárias; premiações nacionais, regionais ou locais;
empreendedora
patrocínio de conferências, congressos e eventos.
Educação para o
Divulgação e distribuição de materiais em escolas e
empreendedorismo
universidades; treinamento e orientações para
professores; estímulo à produção de casos de ensino e
outros materiais didáticos; Patrocínio de competições,
premiações para estudantes e professores, suporte a
incubadores e outros programas universitários de apoio
ao empreendedor.
Redução de barreiras de
Dinamização o processo de registro de negócios;
entrada
redução do valor de taxas e impostos; revisão da
legislação empresarial; legislação de patentes e
propriedade intelectual.
Financiamento
Acesso facilitado a informações sobre fontes de
financiamentos; Programas de garantia de crédito;
microcrédito; fundos de investimento em novos
negócios.
Medidas de apoio e suporte Programas de treinamentos e orientação; auxílio na
aos novos negócios
formação de redes de contato; criação de sites, softwares
e aplicativos on-line de auxílio e suporte; criação de
centro de aconselhamento, consultoria, assistência
técnicas.
Enfoque em segmentos
Auxílio a grupo específicos, como os jovens ou as
específicos da população
mulheres. Programa e premiações; treinamento,
aconselhamento e consultoria; auxílio na identificação
de oportunidades favoráveis para cada grupo;
Fonte: Stevenson e Lundström (2007) e Lundström e Stevenson (2005).
3. Método
A pesquisa realizada foi exploratória e qualitativa, utilizando o método de múltiplos casos
(Yin, 2005). Cinco casos foram analisados. Por motivos de confidencialidade, os nomes das
organizações e dos empreendedores citados neste artigo são fictícios. O levantamento dos
dados foi realizado por meio de entrevistas semi- estruturadas com os empreendedores das
cinco empresas. O quadro 2 apresenta um breve histórico de cada caso.
Os cinco casos analisados estão situadas em regiões turísticas do estado de Goiás: três na
região de Pirenópolis (Pousada Pirenópolis, Empresa Alimentos Naturais e Santuário) e dois
na região da Chapada dos Veadeiros (Herbário; Pousada Cavalcante). Todos os casos
exploram o nicho de sustentabilidade em seus negócios e a prática de uma vida mais saudável
onde a convivência com a natureza fosse possivel foi um dos motivadores dos
empreendeedores para a criação do negócio.
5 Quadro 2- Informações sobre os casos
Empresa*
Histórico
Santuário
Os proprietários adquiriram uma fazenda em 1975 com o intuito de
torná-la um pedaço de terra sustentável e proporcionar qualidade de
vida aos filhos. Percebendo a demanda por produtos orgânicos em
Brasília, começaram lá as primeiras vendas dessas mercadorias. Na
década de 90, observando o crescente número de turistas em
Pirenópolis, transformaram parte da área em uma Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN), o que os ajudou a firmar parcerias
para a construção de trilhas e um centro de visitantes – assim, foi
aberta à visitação. Atualmente oferece atividades de aventura, como
rapel, trilhas e arvorismo; produtos artesanais (frutas desidratadas,
cookies, doces e geleias, por exemplo); e um serviço de alimentação.
Pousada
Inaugurada em 2003 apoiada na experiência do empreendedor com
Pirenópolis
consultoria e gestão de negócios turísticos. No início possuía uma
quitinete e cinco apartamentos. Após duas expansões, possui
atualmente 14 apartamentos, com sua construção voltada à
preservação do meio-ambiente e dos aspectos sócio-culturais locais
(por exemplo, com o reflorestamento da área ao redor da construção,
reaproveitamento da água das chuvas e incentivo ao consumo de
produtos do Cerrado).
Alimentos Naturais Com a ideia de preservação do Cerrado e proporcionar melhoria de
vida de produtores rurais, a empresa foi fundada em 2003. Partindo
da produção de barra de cereais de castanha de baru vendidas para
amigos, nos dias atuais oferece, além das barras, bolos, pães e
biscoitos produzidos com frutos dessa região do Brasil.
Herbário
O empreendedor iniciou as atividades em 1990 em Alto Paraíso de
Goiás a partir de experiências adquiridas com negócios em outras
regiões do país, se adaptando à vocação turística e à vegetação da
região. O Herbário oferta produtos medicinais (como ervas, xaropes e
pomadas – esses, fabricados pelo próprio empreendedor) e artesanato
indígena.
Pousada
Situada no município de Cavalcante, a Pousada foi inaugurada em
Cavalcante
2003, já com o título de Reserva Particular do Patrimônio Natural
(RPPN). O local foi escolhido devido à aliança entre o desejo do
empreendedor de desenvolver atividades relacionadas à natureza e o
potencial turístico da região. Dispõe de sete chalés e dois quartos e
suas atividades de lazer incluem piscinas, sauna, trilhas, poços d’água
e cachoeira.
Fonte: elaborado pelos autores.
* Nomes fictícios.
O roteiro de entrevista foi definido considerando as atividades que são realizadas na criação
de uma empresa (Borges et al., 2008) e os apoios governamentais diretos ou indiretos que o
empreendedor recebeu ou gostaria de ter recebido durante a criação de seu negócio. As
entrevistas foram transcritas e analisadas com ajuda do software NVIVO. Inicialmente os
casos foram analisados separadamente e posteriormente foi realizado uma comparação entre
os casos.
6 4. Apresentação e discussão dos resultados
De forma geral, e de acordo com a análise das falas dos entrevistados, existe certa ausência de
políticas públicas voltadas ao empreendedorismo sustentável no Estado de Goiás, e isso
parece envolver as políticas nacionais e as subnacionais. Isso fica expressamente colocado nos
exemplos das falas dos entrevistados:
“Não tem programa de apoio, não tem.” (Pousada Pirenópolis)
“(...) mas em termos de ajuda de algum órgão, nunca tive não”
(Herbário)
“(...) a gente ainda tem muita omissão por parte dos diversos agentes
que deveriam estar atuando na cadeia, (...) não incentivar e não apoiar
os conselhos, não dispor de recursos para investir no turismo.”
(Pousada Cavalcante).
“(...) a questão governamental, por conta de não dar o subsídio para o
desenvolvimento da região, ela é um dos principais empecilhos (...),
pois todos os apoios que poderiam ser dados na parte da infraestrutura,
e também a questão da fiscalização, não são dados.” (Pousada
Cavalcante).
Na análise dessas manifestações dos entrevistados, pode-se observar não somente a falta de
política pública, mas também a falta de coordenação de ações entre as três esferas de
governos. Chama a atenção que em diferentes regiões do Estado, haja manifestações tão
semelhantes sobre a ausência dessas políticas. Como se vê, não é uma ausência pontual, mas
geral, de ações de governo a esse importante setor no Estado, uma postura que levanta
questionamento sobre a existência de alguma consciência dos governos, que se transforme em
políticas e ações práticas para potencializar a capacidade que esse setor tem de contribuir para
o desenvolvimento do Estado e de um país (GEM, 2010), o que contraria as afirmações de
vários autores sobre o papel que governo deveria ter em relação às políticas de apoio ao
empreendedorismo (Stevenson e Lundström, 2007; Thurik, 2008).
Pode-se perceber, ainda, nas entrevistas que o sentimento de “falta” dos entrevistados é
expresso de muitas formas, tais como falta de programas, de incentivos, de subsídios para o
desenvolvimento do setor, de recursos para investimento e de apoio à infraestrutura; falta de
apoio às áreas que poderiam criar políticas para o setor, como as secretarias municipais; falta
de apoio ao pleno funcionamento do conselho setorial da área; falta de foco regional das
políticas, no caso do Estado e falta de coordenação de uma forma geral. Citam também a falta
de fiscalização numa referência clara de que o Estado em seus três níveis não falta somente
com as políticas de apoio, mas também com ações que poderiam uniformizar as condições de
competição dos negócios em análise, ou seja, não percebem a presença do Estado.
No que diz respeito à fiscalização, em particular, são citadas situações em que o poder público
falha, criando, desta forma, dificuldades para a manutenção dos empreendimentos, tal como
na seguinte afirmação de um dos entrevistados:
“Você concorre num mercado onde os empresários, os pseudoempresários, acham que é normal não pagar o imposto, o Estado
sendo omisso na fiscalização, então você não tem uma fiscalização
efetiva da parte trabalhista. Isso faz com que a gente tenha que
7 trabalhar fora do preço; a margem de lucro fica extremamente
reduzida por conta desse aspecto.” (Pousada Cavalcante)
Esse mesmo empreendedor ressalta as dificuldades, tanto pela parte fiscal, como pela questão
sanitária, de aproveitar produtos locais para serem comercializados em sua pousada. Ele
exemplifica com a compra de carne, citando a dificuldade de encontrar, na região onde está
instalado, açougue que forneça nota fiscal e que ofereça produtos com procedência
inspecionada e que forneça nota fiscal. Isso demonstra que a omissão do Estado desestimula o
desenvolvimento dos negócios, e a economia local. Nesse caso não é só a falta de apoio de
forma direta a esses negócios, mas a falta de apoio a outros pequenos negócios que poderiam
ser fornecedores locais, o que certamente fortaleceria a economia desses municípios, pois
nesse caso há demanda, mas não há oferta qualificada. Ou seja, a falta de política pública ou
mesmo de um serviço tipicamente público, como é o caso da fiscalização, prejudica
duplamente o desenvolvimento desses negócios.
Essa mesma fiscalização, embora essencial como se observou no parágrafo anterior, pode, em
alguns casos, no entanto, ser prejudicial ao desenvolvimento de outros negócios quando não
atua em consonância e respeito a determinadas particularidades locais, como é demonstrado
por um dos entrevistados:
“Com eles (a Anvisa), fica um pouco amarrado. (...) Atrapalhou um
pouco, os produtos antes eu fazia a indicação terapêutica do produto,
para o que servia, e agora não pode ter a indicação. Tem que ter o
nome do remédio, nome das ervas, o CNPJ e validade, mas não diz
pra que é o produto”. (Herbário).
Ao aplicar normas gerais para medicamentos em produtos de um raizeiro, sem considerar as
particularidades culturais e de tamanho do negócio, o poder público pode matar uma prática
cultural histórica. Neste caso, o correto talvez fosse desenvolver e aplicar um quadro
regulamentar que permitisse um equilíbrio entre a segurança dos consumidores e a prática de
raizeiros.
O que se percebe nessa fala é uma falta de sintonia entre esse empreendedor e o poder
público. Pode ser apenas falta de comunicação, mas fica claro que a forma como foi
conduzido esse processo não colaborou de forma positiva com os interesses desse negócio.
Caso seja uma necessidade diante de alguma norma legal cujo interesse seja o do consumidor,
fica claro que não houve contrapartida do poder público para minimizar os efeitos dessa ação,
que se preocupasse com a garantia de sustentabilidade desse negócio.
Mais do que a omissão do Estado e a sua ineficiente fiscalização como já se observou,
também fica evidente na fala dos empreendedores entrevistados que a precariedade da
prestação dos serviços públicos é outra barreira para a viabilização dos novos negócios, como
pode-se perceber nessas falas dos entrevistados:
“(...) o que mais é difícil para mim, são os serviços públicos, (...) na
parte da tarde para de noite, eu não tenho energia, (...) minha conta de
energia é maior porque como a energia chega fraca, ela consome
mais.” (Pousada Pirenópolis)
“A gente não tem aqui na região nenhum sistema de coleta seletiva”.
(Pousada Cavalcante)
8 “O aeroporto de Alto Paraíso é um crime estar fechado. E não vemos
empenho de ninguém em tentar viabilizar a abertura”. (Pousada
Cavalcante)
Pela análise dessas respostas dos entrevistados com relação à prestação dos serviços públicos,
é possível uma compreensão ainda mais profunda da ausência do Estado que parece não se
restringir a algumas áreas e políticas de apoio, mas a serviços estratégicos para o
desenvolvimento dos negócios como energia, telefonia, infraestrutura e transporte. Se é papel
dos governos e instituições reguladoras possibilitar o crescimento do empreendedorismo com
o fornecimento de um ambiente propício e favorável (Stevenson e Lundström, 2007), parece
não ser esse o papel dos governos no Estado de Goiás com relação aos empreendedores ora
pesquisados. O que os empresários apontam nesses casos é a falta ou ineficiência de serviços
essenciais, da criação desse ambiente favorável mínimo, pois sem comunicação e transporte,
por exemplo, não é possível criar condições de atração dos consumidores dos serviços
fornecidos por esses empresários.
Outro agravante é que os empreendedores não enxergam no curto prazo a melhoria dos
serviços apontados como deficientes no Estado. É possível o levantamento de questões, de
como é possível esperar-se o desenvolvimento de negócios em um ambiente como esse, do
quadro apresentado pelos pesquisados em relação às ações (ou à sua ausência) dos governos.
Novamente aqui aparece no diálogo dos entrevistados a falta de coordenação entre as ações de
governos.
Especificamente sobre a fase da concepção do negócio (GEM, 2010), um dos entrevistados
afirma que vários fatores fizeram com que o município de Cavalcante fosse o lugar escolhido
para a instalação de seu negócio. À época, em 2002, o município tinha uma nova gestão na
Prefeitura que havia aprovado leis ligadas ao meio ambiente e ao turismo, leis previam
conselhos e a organização da cadeia turística.
Esse mesmo empreendedor afirma, no entanto, que nas duas últimas gestões, houve o
desmanche de todo este sistema, ficando os conselhos setoriais reféns de ingerência política, o
que tem sentido pejorativo e significa que mesmo ações que não demandam recursos, apenas
ações organizativas, como é o caso do funcionamento de conselhos, não receberam a atenção
devida do poder público local.
Somente um dos entrevistados cita ajuda financeira de algum órgão governamental para
apoiar o seu negócio:
“(...) eu ganhei dinheiro para construir essa casa, esse prédio, eu
ganhei o terreno (...). Foram doados os lotes e terrenos até para as
pousadas e postos, esses terrenos grandes foram todos doações.”
(Herbário)
Já outro empreendedor, por sua vez, afirma que só agora, depois de oito anos de existência,
terá acesso a um empréstimo bancário, via Fundo Constitucional do Centro Oeste - FCO ou
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, já que os juros
estão mais baixos, e um terceiro empreendedor reconhece que não procura crédito bancário
por que isso “só nos traz burocracia”. Essa questão do apoio financeiro, no entanto, não
parece ser uma das maiores preocupações dos empresários, considerando-se a forma como foi
colocada e as poucas menções que foram feitas.
9 Embora na entrevista de um dos empreendedores tenha sido citado um projeto envolvendo o
WWF - Brasil, o Ministério do Meio Ambiente - MMA e o Serviço Brasileiro de Apoio à
Micro e Pequena Empresa - Sebrae, o entrevistado diz que não foi procurado por estas
instituições e que também não as procurou por que isso “não se encaixava nas suas
necessidades.” Já outro empreededor declara que o único apoio que teve foi do Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis- IBAMA. Quanto a este ponto, parece
que a divulgação e distribuição de materiais; o auxílio no desenvolvimento de estratégias,
planos, definições, treinamento e orientações e outros programas de apoio ao empreendedor
(Lundström e Stevenson, 2005; Machado, 2001), como é o caso dos projetos citados não
contêm os elementos necessários ao convencimento dos empreendedores, pois estes nem
mencionaram a importância desse tipo de apoio, concluindo que não estavam de acordo com
suas necessidades.
Registre-se, por último, que embora os cinco casos pesquisados possam ser caracterizados
como negócios sustentáveis, não há alusão a nenhuma política específica voltada para o
empreendimento deste tipo de negócio nas regiões pesquisadas.
5. Considerações finais
De forma geral, como discutido e analisado, existe quase uma completa omissão do Estado no
que diz respeito à formulação e implementação de políticas públicas voltadas ao fomento do
empreendedorismo. É claro que não se pode extrapolar essa análise como representativo de
uma situação geral, mas igualmente não se pode desconsiderar a representatividade dos
mesmos, pois essa percepção é compartilhada pelo conjunto dos casos analisados.
Como se pode observar ao longo dessa análise, não há apoio específico a nenhuma das fases
de desenvolvimento dos negócios. O que existe são ações esporádicas e fragmentadas que
geralmente ocorrem no fomento ao empreendedor potencial, mas sem planejamento
deliberado, que explicite os objetivos da ação pública, o que termina por desestimular os
empreendedores ao longo do desenvolvimento de seus negócios. Pouco se notou também a
presença de políticas nas seis categorias propostas por Stevenson e Lundström (2007), mas
algumas ações pontuais foram identificadas.
Goiás é um Estado que tem um grande potencial para o desenvolvimento de negócios
sustentáveis, voltados, por exemplo, ao ecoturismo (pousadas e atividades de lazer), à
exploração de plantas e matérias primas regionais. Os cinco entrevistados neste trabalho são
exemplos deste tipo de empreendedores.
Pela análise dos casos apresentados, percebe-se, no entanto, que não há por parte do Estado (e
aí consideradas as três esferas) políticas específicas e estruturadas que fomentem este tipo de
empreendimento. Pior do que isto, pelo menos nos casos estudados, o Estado mostrou-se
omisso e ineficiente na fiscalização de atividades básicas (questões trabalhistas; pagamento de
impostos; abate animal), postura esta que prejudica ou até quase inviabiliza o
desenvolvimento destes negócios.
Fato igualmente relevante é a falta ou a ineficiência na prestação de serviços estratégicos,
como energia, telefonia, infraestrutura e transporte que são essenciais à criação de ambientes
favoráveis ao florescimento de novos negócios., no Brasil a maioria desses serviços é
fornecida pelo mercado, mas no caso dos negócios em análise, que estão situados em
10 pequenos municípios, uma ação completar do setor público se faz necessária. Nesse caso, é
necessário reconhecer que sem esse tipo de serviço de infraestrutura não é possível imaginar a
criação e desenvolvimento de novos negócios, tampouco a sustentabilidade dos já existentes.
Na promoção de políticas públicas que fomentem o empreendedorismo, é essencial que o
Estado não só busque promover uma cultura e atividades educacionais voltadas para o
empreendedorismo, mas também consiga integrar as ações das várias áreas do poder público,
como saneamento, energia, telefonia, transporte educação e saúde; no presente estudo, porém,
não foi isso que se encontrou.
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