A oralidade e a escrita nas operações de multiplicação Barreto, Maria de Fátima Teixeira, CEPAE, [email protected] Ribeiro, Paulo Rafael de Oliveira, IME, [email protected] Palavras-chave: oralidade – escrita – multiplicação – educação matemática. Justificativa / revisão de literatura Este trabalho visa investigar como a oralidade do conhecimento matemático produzido pelos alunos pode contribuir para a construção do conhecimento da escrita matemática em operações de multiplicação. Para sua realização consideramos pertinente explicitar algumas compreensões acerca de oralidade e escrita, de multiplicação e reflexões sobre seu ensino. Quando o aluno chega à escola traz conhecimentos prévios geralmente apresentados por meio da oralidade. Muitas vezes eles lidam com as operações em ambiente extra-escolar com relativo sucesso, mas não conseguem resultados satisfatórios nas avaliações escolares. Percebemos que há uma resistência da escola, à compreensão da oralidade como forma de conhecimento “culto” ou escolarizado. Mesmo quando o professor busca a oralidade como início do trabalho em sala de aula, não estabelece relação entre o conhecimento que se produz pela oralidade e a escrita das idéias explicitadas. Os conhecimentos matemáticos trabalhados em sala de aula ocorrem desde o início do processo de escolarização, a partir da linguagem matemática escrita nos moldes da matemática oficial, dando-lhe destaque na construção do conhecimento matemático. Em nosso entendimento, a relação entre oralidade e escrita se encontra ancorada na fala. Barreto (2005) ao interpretar Merleau-Ponty (1994) apresenta a fala como modo de expressar o percebido e manifestar o pensamento articulado. O percebido é entendido como fruto do sentir de diferentes maneiras e de acordo com as possibilidades dos sentidos. Diante da diversidade de formas de expressão e funções sociais dos registros escritos das idéias matemáticas, alguns objetos matemáticos como formas, números naturais, dentre outros, tornam-se conhecidos por intermédio das interações sociais. Este convívio social, que favorece uma diversidade de experiências sensíveis, possibilita, mesmo que de modo pré-predicativo49, a construção deste conhecimento, o qual compartilhado nos modos de ser-no-mundo-com-os-outros é expresso oralmente por aqueles que estão em processo de construí-los. Assim, muito antes de conhecer qualquer forma de escrita da linguagem matemática, muitas pessoas conseguem expressar compreensões de objetos matemáticos pela fala, que sustenta a oralidade. Oralidade entendida como “expressão do compreendido, ou seja, da fala-falada em um enredo que revela o sentido que o que está sendo exposto oralmente faz para o sujeito” (BARRETO, 2005). Gómez-Granell (1995), traz contribuições para o estudo da escrita matemática ao apresentar duas concepções acerca do domínio da linguagem matemática: a formalista, “[...] segundo a qual a matemática consistiria na manipulação de sinais escritos de acordo com determinadas regras” e a conceitual que considera que “[...] sempre é possível atribuir significados aos símbolos que se manipula” (GÓMEZ-GRANELL, 1995, p.262). O autor entende que no ambiente escolar nem uma dessas concepções dariam conta da complexidade da construção do conhecimento matemático. A primeira pode levar os alunos a cometerem erros absurdos por 49 Pré-predicativo é uma expressão usada por Merleau-Ponty para referir-se à compreensão que se manifestou ao sujeito, mas ainda não foi elaborada numa linguagem proposicional. (BICUDO, 1999). não conseguirem produzir significados para o que registra; a segunda, toma a linguagem como secundária ao considerar que quando o aluno compreende o conceito por meio da ação e da manipulação, não terá dificuldade na escrita matemática, e pode levar o aluno a se distanciar do registro de suas idéias. Para Gómez-Granell seria necessária uma inter-relação entre essas duas concepções, pois sintaxe e semântica são essenciais e constitutivas do pensamento matemático. Nesse sentido, entendemos que a escola deveria promover uma aprendizagem matemática em que houvesse a associação de aspectos sintáticos e semânticos, o que, para o autor, seria conseguido com a contextualização do conhecimento desenvolvido; com a resolução de problemas, que pode ser uma forma de contextualização; com o incentivo à criação de procedimentos próprios, intuitivos ou não formais, como modo de explorar o significado dos conceitos e procedimentos matemáticos; com a associação dos símbolos matemáticos ao seu significado referencial; com a aplicação da linguagem matemática a modelos concretos; com a busca de relações entre a linguagem matemática e outras linguagens; com a diversificação de contextos e com o estimulo à abstração progressiva. Neste trabalho, enfocaremos a operação de multiplicação para investigar a relação entre oralidade e escrita na aprendizagem da Matemática. Os livros de Matemática trazem a multiplicação como uma operação binária que oferece dois valores de entrada e um valor de saída e tem por finalidade considerar um número denominado multiplicando, tantas vezes quantas são as unidades de outro número denominado multiplicador. Multiplicador é o fator na multiplicação que indica quantas vezes se há de tomar o outro para efetuá-la. Multiplicando é o número que se há de tomar tantas vezes quantas são as unidades do multiplicador. Nos limitaremos, neste estudo, a falar da multiplicação no conjunto dos números racionais, pois para ele valem todas as propriedades que lhe são características e ainda porque é um conjunto trabalhado nas séries iniciais. A multiplicação traz as seguintes propriedades em Q: fechamento - para todo número Racional a e b, o produto a x b também é um número Racional; associativa - para todo número a, b e c vale a igualdade a x (b x c) = (a x b) x c, ou seja, se tenho o produto de três números diferentes posso multiplicar o primeiro pelo produto dos outros dois ou o multiplicar o produto dos dois primeiros pelo terceiro fator; comutativa - para todo número a e b vale a igualdade a x b = b x a, ou seja, não importa qual a ordem dos fatores o produto é o mesmo; elemento neutro - existe um número e que para todo número a temos a igualdade a x e = e x a = a, ou seja, um número que quando se multiplica por um outro o produto é sempre o outro, nos números Racionais este número é 1; distributiva em relação à soma - para todo número a, b e c vale as igualdades a x (b + c) = a x c + a x b ou também (b + c) x a = b x a + c x a, ou seja, se eu tenho um número multiplicando uma soma eu posso somar os números e depois multiplicar ou posso multiplicar por cada parcela da soma e depois somar os dois produtos. Alguns textos de história da matemática apresentam o desenvolvimento e a criação da multiplicação a partir da operação de adição. Segundo Cunha (1997) consta como sendo a civilização egípcia a primeira a operar com ela. No Egito a operação de multiplicação era feita por consecutivas duplicações. Para multiplicar, por exemplo, 32 x 18 estipulavam-se duas colunas para fazer a operação. Na coluna da direita colocavam o multiplicando (18) e na coluna da esquerda o número 1, em seguida duplicavam os valores das respectivas colunas, até que na coluna da esquerda aparecesse o multiplicador (32). O número que aparece na última linha da coluna da direita é o resultado da operação. Ilustrado abaixo: 1 2 4 8 16 32 18 36 72 144 288 576 32 x 18 = 576 Fig. 01 Caso o multiplicador não fosse uma potência de 2, o procedimento era o mesmo. Faziam duplicações até uma potência de 2, mais próxima e depois somavam-se outras linhas até que desse o valor do multiplicador desejado. Para multiplicar, por exemplo, 25 x 18. Começavam da mesma maneira, com duas colunas, na da direita o multiplicando e na da esquerda o número 1, em seguida duplicavam os valores até que aparecesse do lado esquerdo a potência de 2 mais próxima, que neste caso é o número 16. Depois se somavam os valores do lado esquerdo, até que desse 25. Paralelamente do lado direito, se somavam os valores respectivos das mesmas linhas. O resultado da operação é a soma dos valores do lado direito. Ilustrado abaixo: 1 2 4 8 16 18 36 72 144 288 25 x 18 = (1 x 18) + ( 8 x 18) + (16 x 18) = 18 + 144 + 288 = 450. Porque: 1 + 8 + 16 = 25 Fig.02 Demos uma ênfase na origem da multiplicação, para mostrar que os caminhos e as alternativas que usamos em nosso sistema atual, são semelhantes aos que os egípcios utilizavam. Eles utilizavam a propriedade distributiva para efetuarem os cálculos. Atualmente, a maioria dos livros didáticos apresenta um algoritmo para efetuar os cálculos, que implicitamente faz uso das propriedades da multiplicação, principalmente da propriedade distributiva. Entretanto não é explicitado tal uso de modos que algumas pessoas, conhecem-nas e sabem que as estão utilizando, outras, apenas aplicam uma técnica aprendida. Uma técnica bastante usual é a que lida com o número no seu valor posicional, vamos apresentá-lo utilizando o exemplo de um livro didático para o produto 5 x 196, conforme Figura 3. 1º passo: C D U 3 1 9 x 6 5 0 2º passo: C D U 4 3 1 9 x 8 6 5 0 5x6=30. São 30 unidades. 30 unidade são 3 dezenas e zero unidades. As dezenas são então levadas para a casa das dezenas 5x9=45. São 45 dezenas. 45 dezenas mais 3 dezenas vindas das unidades são 48 dezenas ao todo. 48 dezenas são 4 centenas mais 8 dezenas. As centenas são então levadas para a casa das centenas. 3º passo: C D U 4 3 1 9 x 8 9 6 5 0 5x1=5. São 5 centenas. 5 centenas que se formaram mais as 4 centenas vindas das dezenas formam 9 centenas. Fig.03 Ao tratar o desenvolvimento dessa técnica em sala de aula, geralmente as propriedades que a justificam não são evidenciadas, daí, o que temos são memorizações sem compreensões. Outro aspecto característico do trabalho com multiplicação nas séries iniciais, é o foco na multiplicação como uma soma de parcelas iguais, não explorando o significado do multiplicador e do multiplicando e ainda não discutindo outras idéias advindas de outros contextos tais como: raciocínio combinatório, disposição retangular e proporcionalidade. Ao abordar a multiplicação apenas como uma ampliação da adição, não se explora seus diversos significados, suas propriedades e ainda desconsidera-se diversidade de contextos em que ela se dá. Tal tratamento se aplica ao conjunto dos naturais, pois os valores resultantes das operações são sempre crescentes com relação às parcelas e na multiplicação. Entretanto, não se aplica ao conjunto dos racionais, pois 0,5 x 4 é 2, ou seja, um número menor do que os valores envolvidos na operação proposta. Há que se levar o aluno a compreender que o número 4 se repete 0,5 vez, já este se encontra na posição de multiplicador. Entendemos que quem for trabalhar no ensino da multiplicação, deve ter compreendido seu conceito, seus significados e ser capaz de promover um diálogo entre o significado da multiplicação numa linguagem predicativa50 e a pré-predicativa, auxiliando o aluno na elaboração de sua compreensão sempre provisória e cada vez mais complexa. Á medida em que o aluno avança em suas reflexões, vai ampliando seu entendimento do campo conceitual da multiplicação entendido como “um conjunto informal e heterogêneo, de problemas, 50 Predicativo refere-se a uma compreensão que já foi elaborada numa linguagem proposicional. situações, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns aos outros, que devem sofrer intervenções ao longo do processo de aquisição” Vergnaud (1987 apud CANÔAS, 1997, p.59). Canoas (1997), ao apresentar sua compreensão dos campos conceituais de Vergnaud, considera que o ensino da multiplicação depende fundamentalmente do conteúdo do conhecimento e de suas relações com situações-problema, devendo se estudar na escola, um campo de conceitos ao invés de um conceito. Nesta perspectiva, o conhecimento deve surgir de relações entre um conceito e outro e entre um conceito e situações ou vice-versa. Taxa (2001) e Canôas (1997) trazem a terna de conjuntos C = (S, I, R) para explicar os campos conceituais apresentados por Vergnaud, onde S é um conjunto de situações que dão sentido ao conceito; I é um conjunto de invariantes (objetos matemáticos, situações, propriedades, relações), que podem ser usados e reconhecidos pelos sujeitos para analisar e dominar as situações do conjunto S; por fim R, é o conjunto de representações simbólicas: utilizadas para representação e identificação dos invariantes (I). Gomes (2006), ao interpretar Vergnaud apresenta o campo conceitual multiplicativo como uma variedade de situações que requerem operações de multiplicação, divisão ou a combinação delas. Este campo conceitual é constituído por uma diversidade de esquemas que serão utilizados no trabalho com situações diversas. Canôas (1997) traz como constitutivo desse campo conceitual: as operações de multiplicação e divisão; formas lineares e bilineares; análise dimensional; o conjunto dos números racionais, razões e frações; as combinações lineares e as transformações lineares de magnitude. Ewbank (2002) enfatiza a formação do professor como um determinante para a construção da noção de multiplicação pelo aluno. È necessário que ele conheça o conteúdo em profundidade e também como se dá a gênese dessa noção. O que, para a autora, é a única maneira na qual o professor será capaz de elaborar um esquema de organização de conceitos que permita ao aluno estabelecer as relações de interdependência entre um conceito e outro, de prioridade de um sobre o outro ou de simultaneidade de conceitos. Fundamentados nas reflexões postas, nos propomos a investigar a oralidade e escrita na aprendizagem da multiplicação com alunos das séries iniciais da escolarização. Metodologia A investigação proposta foi realizada numa turma de quarta série do Ensino Fundamental do CEPAE/ UFG (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás). Nesta série sabemos que o primeiro contato com a operação de multiplicação, já se iniciou nas séries anteriores. O que nos permite analisar que significados o aluno produziu para a operação, seu registro no processo de escolarização e como ele as expressa. Atividades realizadas com os alunos No processo de organização do trabalho a ser desenvolvido em sala de aula, selecionamos algumas atividades de livros didáticos e elaboramos outras enfocam a multiplicação em seus vários sentidos, permitindo o trabalho com a diversidade de contextos, de modo que as atividades contribuíssem efetivamente para uma compreensão de multiplicação pelo aluno em conformidade com o já desenvolvido pela ciência, e considerando as compreensões advindas da sua vivência-no-mundo-com-os-outros. Fig 4: Atividade 1 Fig. 5: Atividade 2 Fig. 6: Atividade 3 Fig. 7: Atividade 4 A coleta de dados para a análise O trabalho de coleta de dados se deu por intermédio do estudo das atividades selecionadas em ambiente natural de sala de aula. As aulas foram conduzidas de modo que os alunos pudessem pensar formas de solução dos problemas propostos e realizar o registro de seu modo de pensar. No encaminhamento das atividades fomos conversando com o aluno a respeito do pensamento elaborado, buscando explicações para a sua escrita. Como os diálogos se deram em situação natural de sala de aula, a dinâmica de trabalho da aula nos possibilitou gravar somente a fala dos alunos que primeiro iam terminando as atividades, a partir de um momento em que todos já a haviam concluído, tínhamos que realizar a apreciação coletiva do trabalho, não sendo mais possível o trato individual das explicações. Os diálogos realizados com os alunos foram gravados, com autorização dos pais, para posterior transcrição e análise da escrita e da fala realizada. Nas transcrições das aulas os alunos eram identificados por pseudônimos escolhidos por eles mesmos. O texto da transcrição dos diálogos e os registros escritos realizados pelos alunos foram utilizados para analisar a relação entre a compreensão expressa pela fala e a escrita realizada para representar tal compreensão. Buscamos a compreensão dos discursos dos sujeitos e a partir deles tecemos nossas reflexões acerca da oralidade e escrita nas aulas de matemática. O estudo dos dados nos apontou algumas reflexões que compartilharemos a seguir. O Estudo dos dados O estudo dos dados na busca de conhecimentos envolvidos no processo de operar e solucionar as situações propostas aponta que os alunos trazem para a solução de problemas multiplicativos as idéias de dobro, valor posicional, divisão, inteiros e partes, propriedades distributiva da multiplicação, sistema de medidas e procedimentos de contagem, cálculo mental. Na solução dos problemas propostos o contexto sempre esteve presente conduzindo o processo de pensar. Pedir que escrevessem o que pensaram favoreceu à iniciação à expressões numéricas em várias situações. Para alguns alunos a escrita não teve a função de expressar os caminhos do desenvolvimento do pensamento enunciando somente o resultado do processo. Entretanto aqueles que como Lupita, na atividade 3, tomaram a escrita como a função de registro do processo apresentaram sua compreensão de inteiro e partes e sistema de medidas. L: ... eu peguei e fiz 2 litros e meio vezes 3, aí aqui o 3 x 5 dá 1 litro e meio, aí eu fiz aqui, depois eu peguei 3 x 2 litros deu 6 litros, aí eu somei deu 7 litros e meio. PR: Isso... L: Tomaz gastará 7 litros e meio de água. Já Gasper expressa, em sua escrita, a compreensão de valor posicional e opera com esta compreensão. Gasper G: Ele gastaria assim... 3 x 2,5 litros, é 3 x 5, é 500 ml, dá 1 litro e meio e 3 x 2 litros dá 6 litros e então 6 litros mais 1,5 litros, dá 7 litros e meio Tomaz gastará. A aluna Lupita, ao fazer o registro da solução para a atividade 2 assim se expressa: 7 x 36 é o mesmo que 7 x 30 + 7 x 6, e o 7x 30 é o mesmo que 7 x 3 x 10, assim ela fez (7 x 3 x 10) + (7 x 6) e conseguiu chegar ao produto que desejava, de igual modo fez para 5 x 47, (5 x 4 x 10) + (5 x 7), antecipando seu processo de escrita de expressões numéricas ainda não explorado pela professora na série em que estava e utilizando da propriedade distributiva da multiplicação. Lupita L: ... 5 de 47 aí eu fiz 5 vezes 4, vezes 10. Deu 200 reais, aí depois eu pus 5 vezes 7 deu 35. Aí eu somei tudo e deu 235 reais nas Lojas Brasil. Na Loja Americana é 7 de 36 aí eu fiz 7 x 3 x 10 deu 210, aí depois eu fiz 7 x 6 deu 42, aí eu somei e deu 252 reais. Na Loja Brasil é 235 e na Loja Americana 252. R: Ah, assim que você fez. Para o pensamento proporcional (atividade 5), Se um gibi custa 2, 90 e 6 gibis? O aluno busca 3 gisbis, dobra o valor... soma os valores já adquiridos, busca no cálculo mental o modo de sustentar o seu pensamento e não a escrita. O registro basta o resultado. N: Eu fiz com o seis mais o três, depois eu fiz com o cinco mais o quatro, pra ver se dava o mesmo resultado. A escrita é algo que entra em questão quando o pensamento operatório se complexifica de modo que o aluno nele se perde. Deste modo um aluno pode ter a necessidade de escrita detalhada do processo outro não. Há que se ter sensibilidade para respeitar as diferenças de modos de pensar. É de fato interessante desenvolver atividades com os vários significados da multiplicação, para que o aluno tenha uma compreensão ampla deste pensamento operatório. Pode-se perceber que os vários contextos em que foi contemplado a multiplicação são distintas umas das outras e todas importantes para o desenvolvimento do raciocínio multiplicativo, e podem servir como uma introdução a futuros conceitos matemáticos importantes como análise combinatória, razões e proporções, áreas de figuras planas. Conclusão / comentários finais Como a oralidade do conhecimento matemático produzido pelos alunos pode contribuir para a construção do conhecimento da escrita matemática é o que nos propusemos a investigar. Os dados nos apontam que quando o aluno fala do que ele fez ele explicita significações diversas do campo conceitual com o qual está lidando, traz para a sua compreensão a diversidade de conhecimento envolvidos Interessante observar que, diferentemente do que ocorre em língua materna, não há necessidade de registrar passo a passo o pensado para que um pensamento desenvolvido seja comunicado. Uma expressão matemática que sintetiza um pensamento parece dar conta do processo comunicativo. Muitas vezes eles utilizavam-se da escrita matemática como modo de ser criativo, de se escrever um modo diferente de pensar. Assim os registros dos alunos nem sempre têm a economia como objetivo da escrita. Para o aluno Ms. Baratinha, multiplicar por 100 e depois dividir um número por 2 é mais fácil mentalmente que multiplicar 47X5. Ele faz então este registro que fica bem mais longo que o registro da multiplicação esperada. Os alunos não pensam somente em economia de registro, mas também em pensamentos mais rápidos, mais fáceis de serem compreendidos, mais criativos. Buscam o significado naquilo que pensam e expõem, procuram um caminho de pensamento em que possam habitar o seu processo de construção de idéias. Daí é escrever. Escrever é mais fácil quando se sabe pensar sobre, falar sobre... No diálogo com o aluno é preciso estimular a explicitação do pensado. É assim que no pensamento multiplicativo, mais que multiplicar dezenas por unidades, depois por dezenas e assim ir seguindo como é colocado pelo algoritmo da multiplicação apresentado pelos livros. Pensar a multiplicação envolve pensar em inteiros e partes, em multiplicações por 5 e depois por dez. E, se o número com o qual se está operando é da classe das dezenas faz sentido que multiplicar pelo número o seu valor absoluto e depois multiplicar por dezenas, utilizando a propriedade distributiva da multiplicação do que multiplicar e pular uma casa no momento do registro. As propriedades são importantes para a compreensão do raciocínio operatório. Elas são a base do desenvolvimento do cálculo e favorecem a elaboração de caminhos diversos para o desenvolvimento da operação. Percebemos que os alunos se valem das propriedades para a realização de seus cálculos, mesmo sem tê-las explicitadas de modo formal por intermédio da escrita. Referências Bibliográficas BICUDO, M. A.V. Fenomenologia: confrontos e avanços. São Paulo: Cortez, 2000. CANÔAS, S.S. O Campo Conceitual multiplicativo na perspectiva do professor das séries iniciais (1ª a 4ª série). Dissertação (Mestrado). PUC, São Paulo, 1997. CARVALHO, D.L. A Interação entre o Conhecimento Matemático da Prática e o Escolar. 1995. 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