A Torre de Hanói e o Princípio da Indução Matemática I. O jogo A Torre de Hanói consiste de uma base com três pinos e um certo número n de discos de diâmetros diferentes, colocados um sobre o outro em um dos pinos, em ordem decrescente de seus diâmetros, de baixo para cima, como na figura abaixo, em que n=6. laetitiasilva.blogspot.com O jogo consiste em transferir a torre de discos para um dos outros dois pinos, movimentando um disco de cada vez, utilizando-se um dos pinos livres como auxiliar e nunca colocando um disco sobre outro de diâmetro menor. A ilustração abaixo apresenta uma possibilidade para os 7 movimentos necessários para resolver o jogo para n=3: evelinedocinho.blogspot.com Se o número de discos fosse n=2, claramente seriam necessários 3 movimentos. Verifique! Dá para perceber isso na figura acima ao movermos os discos vermelho e preto para a haste do meio. II. Observações sobre alguns casos particulares E se n=4? Vejamos: para mover esses 4 discos - que estão no pino que chamaremos de pino 1 -para outro pino, precisamos liberar o disco maior, de baixo. Para tanto, precisamos mover os 3 discos acima dele para um outro pino, que chamaremos de pino 2, o que se faz com 7 movimentos, como na figura acima e, claro, usando também os pinos 1 e 3 quando necessário. Uma vez instalados os 3 discos menores no pino 2, movemos o disco grande, solitário no pino 1, para o pino solitário que chamaremos de pino 3, com apenas 1 movimento! Finalmente, com novos 7 movimentos, movemos os 3 discos do pino 2 para o pino 3, encima do disco grande, como no exemplo anterior e o problema está resolvido: os discos foram transferidos do pino 1 para o pino 3. Assim, o total de movimentos para resolver o problema de 4 discos é 7+1+7=15. Observe que não sabemos exatamente quais são esses 15 movimentos, mas sabemos que, se são necessários 7 movimentos para moverem 3 discos, então serão necessários 15 movimentos para mover 4 discos. E se n=5? Raciocinamos exatamente como no caso anterior: movemos os 4 discos que estão encima do maior para o pino 2, com 15 movimentos, depois movemos o disco grande para o pino 3 com 1 movimento e, finalmente, movemos os 4 discos do pino 2 para o pino 3, encima do disco grande, com 15 movimentos. Está resolvido o jogo da Torre com 15+1+15=31 movimentos. Novamente, observamos que não sabemos exatamente quais são esses 31 movimentos, mas sabemos que, se são necessários 15 movimentos para moverem 4 discos, então serão necessários 31 movimentos para mover 5 discos. E se n=6? Deixo para você concluir que o número de movimentos necessários para se resolver o jogo da Torre de Hanói com 6 discos será 31+1+31=63. Esses exemplos particulares permitem concluir que se o problema com n discos se resolve com N movimentos, então o problema com n+1 discos se resolve com N+1+N = 2N+1 movimentos, pois é necessário liberar o disco maior, de baixo, sempre, com o deslocamento dos n discos acima dele através de N movimentos. Depois, colocamos esse disco grande no pino vazio com 1 movimento e, finalmente, movemos os n discos para cima desse grande com mais N movimentos. Esses casos particulares e essa conclusão geral, permitem que montemos a seguinte tabela e façamos a conjectura que dela segue: n = número de discos 1 2 3 4 5 6 N= número de movimentos necessários para resolver o problema da torre de Hanói 1 3 7 15 31 63 7 8 127 255 Bem, para encontrarmos a próxima linha da tabela, é fácil: quando n=9, então N será 255.2+1=511. Mas se quisermos N quando n for 26? Chegaríamos à resposta apenas depois de termos passado por n=10, 11, 12, ... , 23, 24 e 25, um trabalho considerável. III. A indução empírica Seria, portanto, interessante que obtivéssemos uma fórmula para N em função de n, que nos permitisse encontrar diretamente N quando n fosse 26 ou qualquer outro número natural. Como obter uma tal fórmula, se é que ela existe? Comecemos analisando novamente os casos particulares acima. Observe que se somarmos 1 aos números da segunda coluna, obteríamos as potências sucessivas de 2: 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128 e 256. Será que isso aconteceria para n=9? E para um outro n qualquer? Aí, os casos particulares não são conclusivos, seu poder é, no máximo, o de sugerir. Vamos reescrever a tabela com as observações que fizemos: n = número de discos 1 2 3 4 5 6 7 8 N= número de movimentos necessários para resolver o problema da torre de Hanói 1= 3= 7= 15= 31= 63= 127= 255= O que, então, a tabela acima sugere? Esses casos particulares sugerem que , para n sendo um número natural qualquer. Se essa fórmula for verdadeira, podemos calcular qualquer N em função de um dado n, por exemplo, se n=12, então , sem passar pelo n=9, 10 e 11. Neste ponto, vamos parar para refletir: mesmo que a tabela acima tivesse mil linhas e essa fórmula fosse verificada nesses mil casos, não poderíamos garantir que a fórmula valeria para qualquer número natural n. Anteriormente havíamos concluído de observações particulares que se o problema com n discos se resolve com N movimentos, então o problema com n+1 discos se resolve com N+1+N = 2N+1 movimentos, pois é necessário liberar o disco maior, de baixo, sempre, qualquer que seja o número de discos! Mas agora a situação é outra: não há um argumento definitivo válido para concluirmos a fórmula acima para qualquer número n de discos. Essa é a diferença entre o método científico em matemática e em ciências experimentais: nas ciências experimentais, as conclusões são alcançadas a partir de um número considerado suficiente de observações particulares, isto é, induz-se uma conclusão a partir de casos particulares, trata-se da indução empírica. Essa conclusão é mantida até que outras situações experimentais levem a outras conclusões. Na matemática, as conclusões são obtidas através de argumentos gerais apoiados num jogo lógico de verdades pré-estabelecidas e, uma vez deduzida uma conclusão, ela será verdadeira sempre. IV. A Indução Matemática Vamos então usar o Princípio da Indução Matemática (PIM) para provar que a fórmula acima vale, para todo número natural n. Vamos considerar que o conjunto dos números naturais, representado pelo símbolo IN é {1, 2,3, 4, ...}. A versão que utilizaremos do PIM, abordada aqui de forma intuitiva, afirma o seguinte: Se A é um subconjunto de IN que satisfaz as duas condições (a) e (b) abaixo, então A=IN: (a) 1 é um elemento de A; (b) Se A contém um número qualquer x, então ele contém também o número x+1. Pense um pouco sobre a afirmação acima e tente convencer-se de que ela deve ser mesmo verdadeira. Vou tentar ajudar: primeiro, entenda bem que o conjunto A foi dado como satisfazendo as duas condições (a) e (b). Assim, pela condição (a), o conjunto A contém o número 1. Mas, pela condição (b), A deverá, então, conter o número 2 (já que contém o 1 e 2=1+1). Como ele contém o 2, pela condição (b), A deverá conter também o número 3=2+1. Mas a condição (b), poderosíssima, vai então fazer com que A contenha também o número 4, daí o 5, portanto o 6 e, dessa forma, fará com que A contenha todos os números naturais, logo, como também A é um subconjunto de IN, então ele deve ser igual a IN. Perceba ainda que o poder da condição (b) de nada serviria se a condição (a) não estivesse a permitir a presença do 1 no conjunto A. V. De volta à Torre Voltemos agora para a Torre de Hanói e vamos provar que . Para tanto, utilizaremos o PIM e, para isso, precisamos adequar a situação às condições presentes no enunciado do PIM. Consideremos a torre com n discos assentados em um dos pinos em ordem decrescente de tamanho, de baixo para cima, como sempre. Vamos considerar o conjunto A como sendo o subconjunto de IN constituído dos números n para os quais o número de movimentos necessários para se resolver o jogo da Torre de Hanói com n discos é . Se mostrarmos que A satisfaz as condições (a) e (b) do PIM, a conclusão será que A=IN, o que quer dizer , para todo n natural. A condição (a) é satisfeita pelo conjunto A, porque 1 ser elemento de A, nesse caso, significa que o jogo da torre com apenas um disco pode ser resolvido com movimentos, isto é, com apenas 1 movimento, o que é óbvio: basta transferir esse disco para um dos outros dois pinos e pronto. A condição (b), nesse caso, significa que, se para um jogo com x discos forem necessários movimentos (que significa x ser elemento de A), então um jogo de x+1 discos exigirá movimentos (que significa x+1 ser elemento de A). Para ver que isso ocorre, lembremos que se são necessários X movimentos para resolver o jogo com imagine x discos, então serão necessários 2X+1 movimentos para resolver o jogo com x+1 discos. Basta, então, substituirmos X por e obteremos que 2X+1 movimentos. Assim, a condição (b) do PIM também é satisfeita pelo conjunto A. Portanto, pelo PIM, A=IN, isto é, a Torre de Hanói com n discos necessita de movimentos para ser resolvida, qualquer que seja o número natural n de discos. VI. A lenda da Torre de Hanói O problema da Torre de Hanói foi publicado em 1883 pelo matemático francês Edouard Lucas, inspirado numa lenda hindu segundo a qual, no início dos tempos foi dada aos monges de um templo a tarefa de resolver o jogo da torre para 64 discos e que, ao final da resolução, o mundo acabaria. Se realmente isso fosse ocorrer, seriam necessários movimentos. Em quanto tempo, então, o mundo acabaria? Se supusermos que cada um desses movimentos dura 1 segundo, então o mundo acabaria depois de = 18.446.744.073.709.551.615 segundos, ou seja, aproximadamente 585 bilhões de anos! Como já se passaram perto de 6 bilhões de anos desde o início do universo, ainda nos resta um tempinho de aproximadamente 580 bilhões de anos pra curtir o planeta, desde que cuidemos dele!