Uso da plataforma Moodle em uma disciplina presencial: percepções sobre a complementaridade dos ambientes online e presencial The use of Moodle in a presential course: perceptions on the complementarity of online and presential environments Renata Cristina de Azevedo Borges Peres 1 (UFRJ) Resumo: O presente trabalho é um relato de uma pesquisa exploratória de base etnográfica, desenvolvido no âmbito do projeto Letras 2.0, do núcleo de pesquisas Lingnet da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Considerando a nova configuração da sala de aula com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação e sua influência na formação docente, a pesquisa teve como objetivo relatar algumas perspectivas de professora e alunos acerca da complementaridade dos ambientes online e presencial da disciplina Inglês Instrumental na graduação, participante do projeto Letras 2.0, baseada em questionamento central: “A plataforma online foi planejada pela professora e percebida pelos alunos de forma complementar ao ambiente presencial?” Tal reflexão foi embasada em pressupostos teóricos sobre AVAs (TAVARES, 2009), MOODLE (DOUGIAMAS, 2000) e complementaridade de ambientes virtuais e online (MORAN, 2001). Para a análise dos dados, gerados através de instrumentos etnográficos, foram consideradas todas as menções e referências feitas entre os ambientes online e presencial nas notas de campo, nos portfólios dos alunos e na entrevista da professora, na tentativa de observar uma possível característica complementar entre os dois ambientes, nas perspectivas de professora e alunos. Segundo a análise, professora e alunos confirmam a complementaridade dos dois ambientes, embora apresentem diferentes perspectivas deste conceito A diferença na concepção de complementaridade por parte de alunos e professora parece ter direcionado para diferentes avaliações do processo. Para o encaminhamento da investigação, faz-se necessário retomar a pesquisa, com instrumentos que estabeleçam de forma mais concreta o conceito de complementaridade. Palavras-chave: ambiente virtual de aprendizagem, educação on-line, semipresencial, complementaridade. Abstract: This paper is a report of an exploratory ethnographic research developed in Letras 2.0 project from Lingnet research center at Universidade Federal do Rio de Janeiro. Considering the classroom new setting with communication and information new technologies upcoming and its influence on teaching instruction, the research aimed at describing some perspectives on the complementarity of online and presential environments of an ESP graduation course participating in Letras 2.0 project and was based on a central question: “Was the online plataform conceived by the teachers and perceived by the students as a complement to the presencial environment?” This reflection has been grounded on theoretical foundations about AVA (TAVARES, 2009), MOODLE (DOUGIAMAS, 2000) and complementarity of online and presential environments (MORAN, 2001). Data were generated with ethnographical instruments and their analysis considered all mentions and references to the online and presential environments on field notes, students’ portfolios and interview with the teacher, aiming to find some possible complementary characteristic between the environments according to teacher and students’ perspectives. The difference in the concept of complementary for teacher and students seems to have led to different evaluations of the process. It is necessary to resume the research, with instruments that establish a clear concept of complementarity, in order to proceed with the investigation. Keywords: virtual learning environment, online education, blended learning, complementarity. 1 [email protected] Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 94 Na educação, o presencial se virtualiza e a distância se presencializa. (MORAN, 2002) 1. Introdução O presente trabalho tem por objetivo relatar algumas perspectivas da professora e dos alunos acerca da complementaridade dos ambientes online e presencial de uma disciplina de Inglês Instrumental da graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A educação a distância online, cada vez mais difundida no mundo contemporâneo, levanta questões diversas na comunidade acadêmica, trazendo discussões de relevância fundamental para reflexão sobre suas práticas, seu alcance e apropriações nos mais variados contextos. A área de educação a distância, mais especificamente, via Internet, tornou-se um terreno fértil para pesquisadores interessados em investigar questões como, por exemplo, os tipos de interações existentes, a formação de professores para ambientes virtuais, as teorias de ensino-aprendizagem envolvidas, o desenho instrucional dos cursos e a integração dos ambientes online e presencial. Contudo, além dessas possibilidades de pesquisa, outras surgem com a crescente integração da modalidade on-line à presencial, o que chamamos de modalidade semipresencial, do inglês blended learning. Segundo Moran (2001), Dentro de poucos anos esta discussão do presencial e a distância terá muito menos importância. Caminhamos para uma integração dos núcleos de educação a distância com os atuais núcleos ou coordenações pedagógicas dos cursos presenciais. A maioria dos cursos de graduação e de pós-graduação será semipresencial e os cursos a distância terão muitas formas de aproximação presencial-virtual. É a partir desse contexto de educação semipresencial que inicio este trabalho. Faz-se necessário olhar para os cursos dessa modalidade de forma crítica e reflexiva com o objetivo de desenvolver de forma mais significativa o que já nos parecer familiar, levantar novas questões e propor caminhos mais interessantes para que universidades e escolas possam usufruir todas as vantagens que a educação a distância online pode oferecer. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 95 2. Fundamentação teórica O estudo da percepção de complementaridade de um componente online de uma disciplina com suas aulas presenciais encontra sustentação teórica em uma breve revisão da literatura sobre ambientes virtuais de aprendizagem, a plataforma Moodle e, ainda, nas considerações sobre cursos bimodais (presenciais e a distância), suas possibilidades e vantagens. A literatura referente ao conceito de ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) apresenta uma variada gama de possíveis definições para o termo, podendo estar relacionado aos aspectos administrativos de gerenciamento de turmas ou ao desenvolvimento de atividades pedagógicas e ferramentas de interações entre participantes para construção de conhecimento. Segundo Franco (2009), outras expressões são também usadas para referir-se a um AVA, como SGC (Sistema de Gerenciamento de Cursos) ou SGA (Sistema de Gerenciamento de Aprendizagem). O autor (2009, p.47), ao citar Tavares (2009), destaca que AVA é o termo mais usado para determinar “um ambiente criado na Internet através do uso de diferentes recursos tecnológicos reunidos a fim de criar um contexto educacional que possibilita diferentes tipos de interação entre aluno, professor e conteúdo.” Para a criação de tais ambientes, as novas tecnologias trazem diferentes plataformas que são amplamente usadas em cursos a distância. O ambiente virtual da pesquisa em questão foi desenvolvido na plataforma Moodle (Ambiente de Aprendizagem Dinâmico Modular Orientado a Objeto). É um software gratuito que, segundo seu criador, Dougiamas (2000), tem como ideia básica servir como “uma ferramenta web-based que pode ser usada para implementar, modificar e experimentar da maneira mais fácil e flexível possível, com um curso interativo internet-based.” Ainda segundo o autor, o construcionismo foi usado como referência no desenvolvimento do Moodle. Um campo fértil para interações e construção coletiva de conhecimento que pode ser usado em cursos a distância ou semipresenciais, enriquecendo o processo de ensino-aprendizagem. Diante de tantas possibilidades, é preciso repensar a configuração das novas salas de aula. A inclusão de plataformas como o Moodle em cursos presenciais é acompanhada da Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 96 necessidade de preparação dos professores para atuar nesse novo ambiente, o que demanda, consequentemente, reformulações no currículo e revisão da carga horária. Segundo Moran (2001), é necessário que o professor consiga administrar a combinação dos tempos virtuais e presenciais. O autor diz ainda que, “os ambientes virtuais aqui complementam o que fazemos em sala de aula. O professor e os alunos são “liberados” de algumas aulas presenciais e precisam aprender a gerenciar classes virtuais, a organizar atividades que se encaixem em cada momento do processo e que dialoguem e complementem o que estamos fazendo na sala de aula e no laboratório.” . Em relação à complementaridade de ambientes presenciais e virtuais, o autor sugere que as atividades em ambos estejam relacionadas. Para isso, os temas discutidos presencialmente devem ser aprofundados online, através de pesquisas, fóruns e chats. No entanto, pesquisas como a de Franco (2009) revelam que as tarefas online não podem apenas reproduzir as atividades presenciais. A sobreposição de questões sobre o mesmo tema, por exemplo, pode levar à exaustão de discussões, fazendo com que os alunos participem pouco ou contribuam com postagens pouco significativas. Uma alternativa é o trabalho com projetos (como a criação de um produto) ou tarefas (baseadas em fóruns de discussão) a partir de recursos (texto, áudio ou vídeo) enviados pelos próprios alunos. À medida que aulas presenciais e virtuais se intercalam, professor e alunos tendem a desenvolver maior familiaridade com a estrutura da plataforma e, em um segundo momento, parecem mais confortáveis ao navegar pelo ambiente online e ao acessar as atividades propostas. Outro aspecto positivo dos cursos bimodais é o estreitamento de laços afetivos entre os participantes, pois o ambiente online parece promover maior socialização entre seus usuários, seja na interação professor-aluno(s) ou aluno-aluno. Ao considerar o contexto semipresencial, é importante que a divisão da carga horária seja reprogramada em busca do equilíbrio de tempo presencial e virtual, que professores estejam familiarizados com a tecnologia e que sejam solucionados, ou amenizados, os problemas de acesso dos alunos ao computador. Ainda de acordo com Moran (2001), “estamos caminhando para uma aproximação sem precedentes entre os cursos presenciais (cada vez mais semipresenciais) e os a distância.” Sendo assim, parece ser imprescindível haver um planejamento de forma a assegurar que ambientes virtuais sejam usados como forma de ampliação de tempo e espaço presenciais, Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 97 colocando a tecnologia a serviço de professores e alunos na jornada coletiva de construção de conhecimento. 3. Metodologia de pesquisa Este trabalho é uma pesquisa exploratória de base etnográfica cujo contexto é a disciplina Inglês Instrumental I, ministrada no primeiro semestre do ano de 2011 da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A natureza semipresencial da disciplina é justificada pelo advento do Projeto Letras 2.0, coordenado pela professora Kátia Tavares e desenvolvido pelo núcleo de pesquisas LingNet. Um dos objetivos do referido projeto é oferta de componentes online, através da Plataforma Moodle, para disciplinas e cursos de extensão da Faculdade de Letras da UFRJ. Participam também do Projeto Letras 2.0, o administrador do sistema, monitores de apoio técnico, docentes da Faculdade de Letras e pesquisadores externos. Além disso, diversos discentes de graduação e do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Letras atuam como assessores dos docentes. Além de aluna-pesquisadora do Programa Interdisciplinar de Pós-graduação em Linguística Aplicada, participei como assessora da professora da disciplina mencionada anteriormente.Enquanto assessora, minha função primária era auxiliar a professora da disciplina de graduação na implementação de um componente online. Durante o processo de assessoria, observei a percepção dos alunos e da professora acerca da complementaridade entre o ambiente presencial e o ambiente online, e fiz da tarefa, o contexto de pesquisa, seguindo as perspectivas metodológicas apontadas por Rodrigues (2007, p.535) que afirma que, em pesquisas etnográficas em Linguística Aplicada, o pesquisador “acessa o campo com questões previamente estabelecidas, permitindo-se, porém, dar novas orientações aos seus questionamentos a partir da interação com os membros do grupo social analisado.” Refletindo sobre tal complementaridade, foram levantadas as seguintes questões: Como o componente online era mencionado na aula presencial? Como a aula presencial era mencionada no ambiente online? Há relações na estrutura do conteúdo na visão da Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 98 professora? E dos alunos? Houve uma preocupação em estabelecer essa relação? Se houve, como foi percebida pelos alunos? Tais reflexões levam a um questionamento central: a plataforma foi planejada pela professora e percebida pelos alunos de forma complementar ao ambiente presencial? A turma participante da pesquisa tem, inicialmente, 44 alunos inscritos, provenientes do curso de Letras com habilitações variadas, o que a torna bastante heterogênea. A disciplina é ministrada oficialmente de modo presencial em 4 aulas semanais, 2 vezes por semana no primeiro horário da manhã. Além disso, não há monitores na disciplina. A professora da turma já havia sido usuária da plataforma anteriormente e aderiu ao projeto de forma receptiva e com entusiasmo. Na fase de planejamento, ela decidiu que a plataforma seria utilizada como complemento à disciplina presencial, sem alteração na carga horária já determinada. O processo de assessoria se deu através de interações via e-mail, reuniões presenciais, participação na plataforma e assistência das aulas da disciplina. Os alunos sempre estiveram cientes da participação da pesquisadora no ambiente online, não só incluindo atividades e recursos, mas também observando as interações e contribuições de todos. De acordo com Hine (2008, p.262), “Etnógrafos virtuais são, por definição, participantes, em certa medida, uma vez que empregam a mediação do computador para observar e interagir com sujeitos de suas pesquisas.” Dessa forma, estar presente nas aulas e no ambiente online, como participante e pesquisadora, contribuiu para minha inserção no grupo e familiarização com o contexto. Com o objetivo de conhecer as perspectivas da professora e dos alunos acerca da complementaridade dos ambientes online e presencial, fiz uso dos seguintes instrumentos de geração de dados: notas de campo da pesquisadora em reuniões e assistências de aulas; portfólios de autoavaliação preenchidos pelos alunos e postados na plataforma; entrevista por e-mail com a professora O portfólio de autoavaliação é um documento para uso da professora como parte da avaliação da disciplina. Nele, os alunos reportam sua participação na plataforma e relatam aspectos positivos e negativos do ambiente online. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 99 Todos os alunos foram informados sobre o uso de suas contribuições como dados para a pesquisa e preencheram um formulário de autorização para que tais informações pudessem ser usadas. Com o objetivo de assegurar privacidade, segurança e tratamentos equânimes para a comunidade em questão, como Paiva (2005) aponta, os dados sem autorização não foram utilizados e a identificação dos participantes foi protegida. Para a análise dos dados, foram consideradas todas as menções feitas entre os ambientes online e presencial nas notas de campo, nos portfólios dos alunos e na entrevista da professora. Ao levar em consideração todas essas referencias, busquei observar uma possível característica complementar entre os dois ambientes, nas perspectivas de professora e alunos. 4. Discussão dos resultados As notas de campo, apresentadas em anexo posteriormente, são oriundas de interações presenciais e online entre pesquisadora e a professora e pesquisadora e alunos. Houve uma preocupação em descrever, de forma detalhada, o contexto, as falas e as reações. Quanto ao caráter complementar dos ambientes, as notas apontam para uma intenção, por parte da professora, de que a plataforma atuasse como complemento das aulas presenciais. Alguns exemplos são o glossário coletivo online com verbetes usados nos textos em sala, a wiki coletiva sobre gêneros textuais trabalhados presencialmente e as reflexões com os alunos ao final das aulas presenciais sobre a participação virtual de todos. Os portfólios de autoavaliação foram preenchidos por 18 alunos. Entretanto, apenas 11 autorizaram sua utilização na pesquisa, tendo sido os demais, descartados. No formulário, o aluno deveria reportar trechos de suas participações nas atividades e fóruns e por fim fazer uma avaliação do ambiente online, ressaltando pontos positivos e negativos, além de contribuir com sugestões. Esses relatos mostram diversas percepções por parte dos alunos. É interessante destacar que houve três diferentes tipos de reação por parte desses participantes em relação ao ambiente virtual. Alguns se colocam contra a utilização da internet para esse fim, como podemos ver nos alunos 3 e 13: Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 100 Aluno 3: “(...) essa dependência de ter de fazer o curso e resolver tudo referente ao curso no ambiente online é inviável. Afinal, o curso não é a distância.” Aluno 13: “Talvez eu seja muito conservador, mas eu não apreciei a ideia do Moodle (...) Eu sinceramente prefiro a aula em sala de aula.” Outros enfatizam a dificuldade de acesso à internet e falta de tempo para conciliar atividades presenciais e online, de acordo com os relatos dos alunos 5 e 17 : Aluno 5: “Sugiro considerar o nível de acessibilidade dos alunos além da disponibilidade para esse tipo de tarefa.” Aluno 17: “A grande dificuldade enfrentada por mim é quanto à organização do tempo, já que exige uma reformulação na rotina acadêmica.” E ainda há aqueles que participaram na plataforma e ressaltaram o caráter complementar ao ambiente presencial, como mostrado nas falas dos alunos 1, 8 e 9 a seguir: Aluno 1: “(...) dado o caráter complementar da plataforma e as atividades nela presentes, afirmo que minha avaliação da plataforma foi positiva.” Aluno 8: “Com a proximidade do final do curso, pode-se perceber que as atividades online ajudaram muito na medida que os exercícios que trouxeram conteúdos novos foram bem interessantes e complementaram nossos estudos em sala de aula.” Aluno 9: “O ambiente virtual da plataforma Moodle como complemento da aprendizagem de Inglês Instrumental I foi uma experiência totalmente válida pra mim, como eu já disse funcionou como complemento das aulas presenciais com a Professora xxx e não as substitui. Tudo que eu aprendia em sala de aula, procurava aplicar quando fazia as unidades do Ingrede.” De uma maneira geral, houve manifestações acerca da necessidade de diminuição da carga horária presencial para uma melhor participação no ambiente virtual, indicando, possivelmente, uma percepção de uma característica de complementaridade entre os dois ambientes. Além disso, é possível perceber que os alunos que avaliaram o uso da plataforma como uma experiência positiva mencionaram a complementaridade como aspecto favorável. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 101 A percepção da professora foi relatada através de uma entrevista semi estruturada por email, com as seguintes perguntas: Como o componente online era mencionado na aula presencial? Como a aula presencial era mencionada no ambiente online? Há relações na estrutura do conteúdo na visão da professora? Houve uma preocupação em estabelecer essa relação? Se houve, como foi percebida pelos alunos? De acordo com as respostas fornecidas, percebe-se uma intenção inicial da professora em fazer da plataforma um componente complementar da aula presencial que, segundo ela não foi satisfatoriamente concretizada; como mencionado na afirmação: “(...) No entanto, não houve uma inter-relação profunda entre o conteúdo do Moodle e o conteúdo presencial” Ainda que as atividades online estivessem relacionadas com o conteúdo presencial e alguns alunos até tenham citado esse fato, para a professora essas relações foram superficiais e ela esclarece que: “Não se criou atividades, conforme desejável, que estabelecessem inter-relações mais críticas entre os componentes presenciais e online.” A complementaridade, para a professora, deve estar não só no nível prático, ou seja, não apenas na superfície, mas deve estar, principalmente, fundamentada no nível epistemológico em um processo crítico e situado; como observado na fala: “Para uma maior coerência, seria necessário desenvolver atividades no Moodle fundamentadas em visão mais crítica e situada do processo de compreensão escrita.” A docente explicita ainda que na sua percepção o nível de complementaridade alcançado não foi o desejado: “Embora relações tenham sido estabelecidas (...) não há dúvidas de que as inter-relações entre os processos de construção do conhecimento no ambiente presencial e online poderiam ter sido mais efetivas.” A diferença na concepção de complementaridade por parte de alunos e professora parece ter direcionado para diferentes avaliações do processo. Segundo a professora, as atividades online não estavam alinhadas com a visão sócio-histórica de gênero que permeava as atividades presenciais e, como afirma,: “a grande maioria dos alunos não só apontou esta diferença de nível de complexidade entre as atividades, como avaliou o processo de construção do conhecimento nas aulas presenciais como mais efetivo e significativo.” Para os alunos, essa concepção ocorreu no nível dos temas trabalhados em sala presencial e online, no aumento do volume de atividades e consequente variação de carga horária da disciplina. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 102 Sendo assim, professora e alunos confirmam a complementaridade dos dois ambientes, embora apresentem diferentes perspectivas deste conceito. Para o encaminhamento da investigação, faz-se necessário retomar a pesquisa, com instrumentos que estabelecem de forma mais concreta o conceito de complementaridade a ser considerado, para que tais perspectivas possam ser estudadas de forma a contribuir para o desenvolvimento de cursos semipresenciais. 5. Considerações finais O projeto Letras 2.0 contribui para a projeção da Faculdade de Letras da UFRJ, tornando-a uma instituição com um futuro promissor em ensino, pesquisa e extensão. Além de proporcionar a alunos e professores a possibilidade de se se beneficiar das novas tecnologias, com a inclusão de modalidades online nos cursos de graduação e extensão, é ainda terreno rico para investigações na área de educação a distância e tantas outras áreas relacionadas com a sala de aula, formação de professores e NTICs. Como podemos observar, a pesquisa apresentada teve por objetivo lançar um olhar sobre a inclusão de um componente online em uma disciplina presencial e refletir sobre o caráter complementar dos dois ambientes, na percepção de professora e alunos e dessa forma, repensar objetivos, procedimentos e perspectivas, para novos encaminhamentos, futuras pesquisas e melhor apropriação dos recursos tecnológicos. No contexto do projeto, pesquisas como esta motivam a reflexão sobre as práticas pedagógica, discursiva e social, sob uma perspectiva crítica, com foco na transformação social. Referências DOUGIAMAS, Martin. Improving the effectiveness of tools for Internet based education. In A. Herrmann and M.M. Kulski (Eds). Flexible Futures in Tertiary Teaching. Proceedings of the 9th Annual Teaching Learning Forum 2000 Perth: Curtin University of Technology, 2000. Disponível em http://lsn.curtin.edu.au/tlf/tlf2000/dougiamas.html Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 103 FRANCO, Claudio de Paiva. O uso de um ambiente virtual de aprendizagem no ensino de inglês: além dos limites da sala de aula presencial. Dissertação de Mestrado, Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: http://claudiofranco.com.br/dissertacao.pdf HINE, C. Overview: Virtual ethnography: modes, varieties, affordances. In N. G. Fielding, R.M. Lee and G. Blank (eds.) Handbook of Online Research Methods. Sage. 2008 Disponível em: http://web.media.mit.edu/~kbrennan/mas790/02/Hine,%20Virtual%20ethnographies.pdf MORAN, JM. Pedagogia integradora do presencial-virtual. 2002. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/pedagogia integradora do presencial-virtual.htm MORAN, JM. Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação online. 2001 Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/propostas.htm PAIVA, V.M.O. Reflexões sobre ética na pesquisa. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada. Belo Horizonte. Vo. 5, n.1. p.43-61, 2005. [Online] http://www.veramenezes.com/etica.htm RODRIGUES JR, A.S. Etnografia e ensino de línguas estrangeiras: uma análise exploratória de seu estado-da-arte no Brasil. Linguagem & Ensino,v.10, n.2, pp.527-552, jul./dez.2007. Disponível em: http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n2/09Rodrigues.pdf Anexo NOTAS DE CAMPO Relatório de Assessoria – Projeto Lingnet Disciplina: Inglês Instrumental I Professora: XXXXX Assessora: Renata Peres A disciplina é ministrada presencialmente, em 4 aulas semanais, 2 vezes por semana no primeiro horário da manhã. Não há monitores na disciplina. A turma é numerosa e bastante heterogênea, composta por alunos do primeiro período dos cursos de grego, latim, hebraico, literaturas, entre outros. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 104 A professora já havia feito uso da plataforma MOODLE anteriormente e desde o primeiro contato se mostrou muito receptiva ao projeto, interessada na assessoria e disponível para colaborar na pesquisa. As interações a seguir foram presenciais. 1) 23/03 - Primeira reunião com a Professora: - A professora estabeleceu que usaremos a plataforma como complemento da disciplina presencial. - As atividades do material IngRede (CDs I e II) serão incluídas na plataforma para que os alunos as façam ao longo do semestre. - A professora relatou a provável subutilização da plataforma, já que até hoje seu uso se dá como repositório de textos e das atividades IngRede. Ela mencionou ainda, que mesmo já tendo feito uso de fóruns, a participação dos alunos foi muito insatisfatória. - Sugeri que incluíssemos outras mídias (além de textos), algum trabalho colaborativo e fóruns relacionados aos exercícios realizados. - Combinamos nossas interações através de email e eventuais assistências das aulas presenciais. 2) 28/03 – Aula presencial - Apresentação da plataforma MOODLE aos alunos, através de datashow. - A professora exibe cada item, mostrando todas as possibilidades de atividades, com o objetivo de familiarizar os alunos com o layout da plataforma. - Alguns alunos mencionam o fato de não terem facilidade de acesso à internet. A professora aconselha que utilizem a internet na faculdade. - Os alunos já haviam preenchido um questionário para coleta de dados de acesso à plataforma. - As atividades do IngRede também foram expostas no datashow, de forma a mostrar aos alunos, exemplos dos exercícios que deveriam fazer. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 105 - Ao final da exposição, quando perguntados sobre a impressão a respeito da plataforma, alguns alunos mencionaram a possibilidade de avaliar seu próprio nível de conhecimento do idioma (através das atividades IngRede), outros ressaltaram a vantagem de ampliar as possibilidades de aprendizagem. 3) 27/04 – Reunião com a professora - Conversei com a professora a respeito da baixa participação dos alunos na plataforma. Sugeri que usássemos o portfólio como parte da avaliação final para incentivar tal participação e diante da aceitação dela, combinei de enviar um modelo por email para análise e adaptação à nossa plataforma. - Perguntei sobre a possibilidade de incluirmos um glossário colaborativo na plataforma, no qual os alunos incluirão verbetes usados em textos das aulas. A sugestão foi aceita e combinei de mandar o texto de apresentação e instruções do glossário por email para que ela aprovasse. - Perguntei ainda se havia algum feedback por parte dos alunos, alguma reclamação ou sugestão acerca do uso da plataforma e, segundo a professora, nada havia sido comentado sobre isso. 4) 09/05 – Aula Presencial - Essa foi a primeira aula após a prova. - Observei que um dos alunos questionava se poderia entregar em mãos uma tarefa que teria que ser postada na plataforma. - A professora perguntou se os alunos utilizaram os links de leitura sugeridos na plataforma e a grande maioria respondeu positivamente. - Apesar do material a ser utilizado nesta aula presencial ter sido previamente disponibilizado na plataforma, alguns alunos se ausentaram da sala para ir à Xerox copiar o texto. - Enquanto os alunos realizavam uma atividade, eu e a professora conversamos sobre a possibilidade de criarmos wikis na plataforma. Aproveitamos o tema da aula (Gêneros textuais) e dividimos a turma em 4 grupos para criação de 4 wikis temáticas: Ensaio, Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 106 Resenha, Artigo e Notícia. A redação das instruções e criação na plataforma coube a mim e a divisão dos grupos e sugestão e material coube à professora. - Sugeri à professora que utilizasse algum tempo de aula presencial para realização das tarefas na plataforma e ela concordou em transformar dois dias de aula presencial em participação online. - No fim da aula a professora abriu espaço para que eu falasse com os alunos a respeito da plataforma. Falei com eles sobre a necessidade de participação, sobre os relatórios gerenciais e sobre a elaboração do portfólio ao final do curso. Perguntei se tinham alguma dúvida ou sugestão, mas não se manifestaram. 4) 05/06 - Aula presencial - A professora trabalha com os alunos a leitura de um conto. Eles acompanham o texto e respondem perguntas sobre vocabulário e sobre o tema do conto, em geral. Há um debate no conto, no nível ideológico, sobre letramento, leitura e educação em geral. Ela pede que pensem no contexto geral e façam inferências de expressões. - Alguns alunos já possuem conhecimento avançado do idioma, outros comentam sobre a dificuldade de acompanhar o tema, já que não possuem conhecimento prévio da língua. - Ao final da aula, a professora abre espaço para reflexão acerca do uso da plataforma. Questiona os alunos acerca da participação, do nível de dificuldade, e da familiaridade com a plataforma. Os alunos ainda estão bastante reticentes quanto ao uso do fórum. Entretanto, o número de acessos aumentou consideravelmente após a inclusão do glossário, os vídeos e da wiki. A maioria dos alunos concordou que o nível de dificuldade das atividades IngRede é bem diferente (mais fácil) daquele dos textos trabalhados em sala com a professora. - Conversei com eles novamente. Falei da importância da participação, e fiz comentários sobre as wikis que já estão em andamento. Alguns alunos fizeram perguntas técnicas da inserção do conteúdo. Recebido em 23/10/2012. Aprovado em 18/11/2012. Linguagens e Diálogos, v. 2, n. 2, p. 94-107, 2011 107