R. Periodontia - Dezembro
2009
Volume
19 - Número
04
VOL.
19 - Nº
04 - DEZEMBRO
2009
PROFILAXIA DA ENDOCARDITE INFECCIOSA:
RECOMENDAÇÕES ATUAIS DA “AMERICAN HEART
ASSOCIATION (AHA)”
Prophylaxis of infectious endocarditis: new recommendations by the “American heart
Association (AHA)”
Luciana Salles Branco-de-Almeida1, Myrella Léssio Castro1, Karina Cogo2, Pedro Luiz Rosalen3, Eduardo Dias de Andrade3,
Gilson Cesar Nobre Franco2
INTRODUÇÃO
A endocardite infecciosa (EI) é uma alteração inflamatória exsudativa e proliferativa do endocárdio que se inicia pela
deposição de plaquetas e fibrina, posteriormente colonizada por bactérias ou outros tipos de microrganismos (Tong &
Rothwell, 2000).
A EI é uma doença rara, sendo estimados 0,3 casos/
100.000 habitantes, com aumento da incidência para 6,2
casos/100.000 habitantes na presença de febre reumática
(Agnihotri et al., 1995).
As bactérias mais relacionadas à EI são estreptococos
do grupo viridans, presentes em grandes quantidades na
cavidade bucal e que possuem maior capacidade de se aderir aos agregados plaquetários (Vlessis et al., 1996). Entre1
Mestre em Odontologia - Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica, da Faculdade de
Odontologia de Piracicaba/UNICAMP
2
Professor Doutor da Universidade de Taubaté - UNITAU
3
Professor Doutor da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica, da Faculdade de
Odontologia de Piracicaba/UNICAMP.
Recebimento: 03/09/09 - Correção: 08/10/09 - Aceite: 23/11/09
tanto a mortalidade varia de acordo com o agente etiológico,
sendo de 4 a 16% com os estreptococos do grupo viridans e
de 25 a 47% com o Staphylococcus aureus. O transporte
dessas bactérias ao coração se dá pela corrente sanguínea.
Portanto procedimentos odontológicos que causam
sangramento e bacteremia podem estar associados à EI nos
pacientes portadores de determinadas cardiopatias congênitas ou adquiridas (Strom et al., 1998; Pallasch, 2003; Roberts
et al., 2006).
Nos últimos 50 anos, a American Heart Association (AHA)
tem recomendado vários regimes de profilaxia antibiótica a
fim de se evitar o estabelecimento da EI, relacionada a procedimentos odontológicos, gastrointestinais e geniturinários
invasivos em pacientes suscetíveis à doença.
O protocolo de 1997, divulgado pela AHA, apresentava
algumas características notáveis, como a classificação do risco das condições cardíacas em alto, moderado ou baixo.
Além disso, trazia o conceito de que a maioria dos casos de
EI não era decorrente de procedimentos invasivos, mas de
episódios aleatórios de bacteremia transitória causada por
hábitos rotineiros de higiene bucal, como a escovação, o uso
de fio dental ou até mesmo por meio da mastigação (Dajani
et al., 1997)
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Tabela 1
CONDIÇÕES CARDÍACAS CONSIDERADAS DE ALTO RISCO PARA A EI, NAS QUAIS A PROFILAXIA ANTIBIÓTICA É RECOMENDADA PREVIAMENTE
AOS PROCEDIMENTOS ODONTOLÓGICOS (ADAPTADA DE WILSON ET AL., 2007)
Válvulas cardíacas protéticas ou material protético usado para reparo de válvulas cardíacas;
História prévia de endocardite infecciosa;
Doenças Cardíacas Congênitas (DCC)*:
- DCC cianótica não-reparada, incluindo casos com shunts e condutos paliativos;
- Defeito cardíaco congênito completamente reparado com material ou dispositivo protético, se colocados
por cirurgia ou intervenção com catéteres, durante os primeiros 6 meses após o procedimento**;
- DCC reparada com defeitos residuais no sítio ou adjacente a ele de um curativo ou dispositivo protético
(inibem a endotelização);
Pacientes que receberam transplante cardíaco e desenvolveram valvulopatia cardíaca
*
A profilaxia antibiótica não é recomendada para nenhuma outra DCC que não esteja listada na tabela.
A endotelização do material protético só ocorre num período de 6 meses após o procedimento.
**
Tabela 2
REGIMES RECOMENDADOS PARA A PROFILAXIA DA ENDOCARDITE INFECCIOSA (ADAPTADA DE WILSON ET AL., 2007)
Tipo de Paciente
Antibiótico
Posologia: dose única,
30 a 60 minutos antes do procedimento
Adultos
Crianças
Protocolo padrão
por via oral
Amoxicilina
2g
50 mg/Kg
Alérgicos a
penicilinas
Cefalexina*
2g
50 mg/Kg
600 mg
20 mg/Kg
500 mg
15 mg/Kg
OU
Clindamicina
OU
Azitromicina ou
Claritromicina
Impossibilitados
de receber a
medicação por via
oral
Ampicilina
2g IM ou IV
50 mg/Kg IM ou IV
1g IM ou IV
50 mg/Kg IM ou IV
1g IM ou IV
50 mg/Kg IM ou IV
600 mg IM ou IV
20 mg/Kg IM ou IV
OU
Cefazolina ou
Ceftriaxona
Alérgicos a
penicilinas e
impossibilitados
de receber a
medicação por via
oral
Cefazolina ou
Ceftriaxona
OU
Clindamicina
*
Ou outra cefalosporina oral de primeira ou segunda geração, em doses equivalentes para adultos ou crianças. As cefalosporinas não devem ser empregadas em indivíduos com histórico de anafilaxia,
angioedema ou urticária pelo uso das penicilinas.
No entanto algumas das considerações do documento
de 1997 foram reavaliadas em 2007 pelo “Conselho de Febre Reumática, Endocardite e Doença de Kawasaki em Jovens” da AHA, resultando na redução significativa dos grupos de risco para a doença. Além disso, deu ênfase para a
importância de se explicar aos pacientes o porquê dessas
mudanças (Wilson et al., 2007).
NOVAS RECOMENDAÇÕES
As novas recomendações, sugeridas pela AHA em 2007,
apresentam mudanças de importantes conceitos, como:
quais tipos de condições cardíacas realmente representam
um risco para a EI e quais procedimentos odontológicos propiciam bacteremia transitória.
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Tabela 3
PRINCIPAIS RAZÕES PARA A ELABORAÇÃO DAS NOVAS RECOMENDAÇÕES PARA A PROFILAXIA DA EI (ADAPTADA DE WILSON ET AL., 2007)
A EI resulta, mais frequentemente, de bacteremias que ocorrem durante atividades diárias do paciente do que
daquelas decorrentes de procedimentos odontológicos;
A profilaxia pode prevenir um número muito pequeno, se existente, de casos de EI em indivíduos submetidos a
procedimentos odontológicos;
O risco de reações adversas aos antibióticos excede os benefícios, se existentes, da profilaxia antibiótica;
A manutenção de uma boa saúde oral e higiene pode reduzir a incidência de bacteremias decorrentes de atividades diárias, sendo isto mais importante do que o uso de antibióticos para a redução do risco de EI.
Condições cardíacas
O protocolo anterior estratificava as condições cardíacas
como de baixo, moderado e alto risco para a EI, sendo a
profilaxia antibiótica desnecessária para os pacientes de baixo risco. As novas recomendações indicam que a profilaxia
antibiótica deve ser instituída apenas aos portadores de condições cardíacas consideradas de alto risco para a EI, apresentadas na Tabela 1.
Em relação às doenças cardíacas congênitas (DCC), estudos retrospectivos mostram que pacientes com doença
cardíaca cianótica complexa e os portadores de cateteres,
condutos pós-operatórios paliativos ou outros tipos de
próteses possuem maior risco para a EI, sendo considerados
como os de maior morbidade e mortalidade.
Procedimentos odontológicos de risco para o
desenvolvimento da EI
As atuais recomendações da AHA, publicadas em 2007,
não alteraram os regimes profiláticos sugeridos em 1997, seja
em relação aos antibióticos, à dosagem ou ao momento de
administração dos fármacos. A Tabela 2 traz o protocolo
padrão e os protocolos alternativos para a prevenção da EI.
A profilaxia antibiótica deve ser realizada a partir de 2
horas antes do procedimento odontológico, sendo ideal o
tempo de 30 a 60 minutos de antecedência. Porém, a dose
profilática pode ser administrada até 2 horas após o procedimento, mas apenas no caso em que o paciente inadvertidamente não fez uso da medicação (Wilson et al., 2007).
Diante do conhecimento das novas recomendações pelo
cirurgião-dentista, é importante que ele explique para aqueles pacientes que antes recebiam profilaxia antimicrobiana,
mas que agora não são mais considerados pacientes de risco, o porquê das mudanças recentes. Para isso, o profissional pode utilizar os argumentos que constam na Tabela 3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A AHA propõe, agora, que a profilaxia antibiótica da EI
seja realizada previamente a “todos os procedimentos
odontológicos que envolvem manipulação do tecido gengival
ou da região periapical ou perfuração da mucosa bucal, somente para pacientes com condições cardíacas de alto risco
para a EI” (Wilson et al., 2007).
A profilaxia antibiótica não é necessária nos casos de:
injeções anestésicas rotineiras em tecidos não-infectados;
tomadas radiográficas; colocação, ajustes ou remoção de
próteses, brackets ou bandas ortodônticas; esfoliação de
dentes decíduos; sangramento por traumas nos lábios ou
mucosa oral (Wilson et al., 2007).
Regimes antimicrobianos recomendados
A profilaxia antibiótica da EI, para pacientes com as condições cardíacas apresentadas na Tabela 1, deve ser
direcionada, principalmente, contra estreptococos do grupo
viridans.
É de grande importância orientar o paciente com
risco cardíaco quanto aos hábitos de higiene bucal e prevenção das doenças, pois a presença de algumas afecções
bucais, como a doença periodontal, pode aumentar o risco
de bacteremia associada a hábitos diários do paciente, como
a escovação, o uso do fio dental e a mastigação;
Deve-se realizar a profilaxia somente quando
indicada, e em dose única, a fim de se evitar o uso
indiscriminado de antimicrobianos e a resistência bacteriana,
o que pode comprometer a eficácia futura de antimicrobianos
atualmente eficientes contra esta e outras doenças;
A troca de informações com o médico cardiologista
é imprescindível para que ele possa estabelecer e esclarecer
o grau de risco da condição cardíaca;
Em caso de dúvida ou quando não é possível esta
troca de informações, o cirurgião-dentista deve instituir a
profilaxia antibiótica, com base nas recomendações atuais
apresentadas neste artigo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Agnihotri AK, McGiffin DC, Galbraith AJ, O’Brien MF. The prevalence
of infective endocarditis after aortic valve replacement. J Thorac
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Prevention of bacterial endocarditis: recommendations by the American
Heart Association. Clin Infect Dis. 1997 Dec;25(6):1448-58.
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Am. 2003 Oct;47(4):665-79.
4. Roberts GJ, Jaffray EC, Spratt DA, Petrie A, Greville C, Wilson M, et al.
Duration, prevalence and intensity of bacteraemia after dental
extractions in children. Heart. 2006 Sep;92(9):1274-7. Epub 2006 Feb
17.
5. Strom BL, Abrutyn E, Berlin JA, Kinman JL, Feldman RS, Stolley PD, et al.
Dental and cardiac risk factors for infective endocarditis. A populationbased, case-control study. Ann Intern Med. 1998 Nov 15;129(10):7619.
6. Tong DC, Rothwell BR. Antibiotic prophylaxis in dentistry: a review and
practice recommendations. J Am Dent Assoc. 2000 Mar;131(3):36674.
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endocarditis: ten-year review of medical and surgical therapy. Ann
Thorac Surg. 1996 Apr;61(4):1217-22.
8. Wilson W, Taubert KA, Gewitz M, Lockhart PB, Baddour LM, Levison M,
et al. Prevention of infective endocarditis: guidelines from the American
Heart Association: a guideline from the American Heart Association
Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease Committee,
Council on Cardiovascular Disease in the Young, and the Council on
Clinical Cardiology, Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia,
and the Quality of Care and Outcomes Research Interdisciplinary
Working Group. Circulation. 2007 Oct 9;116(15):1736-54. Epub 2007
Apr 19.
Endereço para correspondência:
Karina Cogo
Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 110
CEP: 12020-330 - Centro - Taubaté - SP
Fone/Fax: 55-12-3625-4149 / 3632-4968
E-mail: [email protected]
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