Artigo Original
INCISÃO TRANSVERSA ESTENDIDA E ÚNICA PARA
ESVAZIAMENTO LINFONODAL CERVICAL RADICAL
EXTENDED SINGLE TRANSVERSE INCISION FOR RADICAL
NECK DISSECTION
JOSÉ FRANCISCO DE SALES CHAGAS1
MARIA BEATRIZ NOGUEIRA PASCOAL2
3
JOSÉ LUIS BRAGA DE AQUINO
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: O esvaziamento cervical radical ainda é
o procedimento padronizado para tratamento das
adenopatias metastáticas cervicais, porém, apresenta graus
variados de morbidade. As complicações desses
procedimentos variam em sua gravidade, desde as rupturas
dos grandes vasos cervicais até retrações cicatriciais ou
alterações estéticas, o que prejudica a qualidade de vida dos
pacientes. As abordagens cirúrgicas dos esvaziamentos
cervicais tradicionalmente se compõem de uma cervicotomia
transversa e outra vertical e esses dois componentes
geralmente se interseccionam ao nível do bulbo carotídeo, o
que pode levar a risco de ruptura desta artéria em caso de
deiscência de sutura.
Casuística e método: Os autores estudaram 15
pacientes tratados cirurgicamente de carcinoma
espinocelular de cavidade oral ou orofaringe, sendo que a
abordagem cirúrgica foi realizada com incisão transversa,
única e estendida, com associação ou não com outras
incisões para tratamento do tumor primário.
Resultados: Houve somente um paciente com
deiscência parcial da sutura cutânea cervical e o aspecto
estético e funcional mostrou-se mais satisfatório do que com
as abordagens tradicionais.
Introduction: The radical neck dissection is still the
procedure standardized for the treatment of the cervical node
metastases, despite it presents varied degrees of morbidity.
The complications of these procedures vary in severity, from
the ruptures of the great cervical vases to scars retractions or
aesthetic alterations, what harms the quality of the patients'
life. The surgical approaches for neck dissection traditionally is
composed of a transversal incision with other vertical one, and
these two components generally are connected at the level of
the carotid body, which can take the risk of rupture of this artery
in case of suture breakdown.
Patients and methods: The authors studied 15
patients with squamous cell carcinoma of the oral cavity and
oropharynx, and the surgical approach was accomplished with
single and extended and transverse incision, with or without
other incisions for the treatment of the primary tumor.
Results: There was only one patient with partial
suture breakdown of the and the aesthetic and functional
aspect was shown more satisfactory than with the traditional
approaches.
Palavras-chave: esvaziamento cervical; incisão;
complicações.
1. Curso de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Hospital Heliópolis, São Paulo.
2. Disciplina de Cirurgia. Faculdade de Ciências Médicas. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas.
3. Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Hospital e Maternidade Celso Pierro. Pontifícia
Universidade Católica de Campinas.
Recebido em 10.01.06; aceito em 05.02.06
Correspondência: José Francisco S Chagas. Rua Heitor Penteado, 1780. 13075-460
Campinas, SP. E-mail: [email protected]
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 1, p. 45-47, janeiro / fevereiro / março 2006
Key words: neck dissection; incision; complications.
INTRODUÇÃO
O esvaziamento cervical é um procedimento de risco
por ser realizado em uma região anatomicamente complexa,
com múltiplas estruturas importantes envolvidas na dissecção
linfonodal, além da extensão do descolamento dos retalhos e
a freqüente combinação com cirurgias extensas para
ressecção do tumor primário. As complicações podem ser
menores, como deiscências da sutura do retalho cervical, até
complicações graves, como ruptura de grandes vasos.
Tratamentos prévios como radioterapia ou quimioterapia
tendem a aumentar o risco de complicações locais
relacionadas principalmente ao retalho cervical. O estado
nutricional do paciente, diabetes mellitus, anemia e doenças
cardiovasculares, juntamente com a extensão da ressecção,
também se relacionam com as taxas e ocorrências de
complicações1.
Deiscências e necroses parciais são as mais
freqüentes das complicações, advindas da isquemia de
porções dos retalhos, geralmente na confluência das suturas
e podem resultar em ocorrências mais graves, como a ruptura
de grandes vasos. Outras complicações dos esvaziamentos
cervicais são as retrações cicatriciais que podem
proporcionar dor crônica e diminuição de movimentos de
cintura escapular e do pescoço, interferindo com a
capacidade laborativa do paciente e, conseqüentemente,
com sua qualidade de vida2.
Com o objetivo de diminuir estas complicações,
melhorando a parte funcional e estética do pós-operatório e,
baseados em nossa experiência com a incisão de MacFee3 e
no artigo de Attie4 (1.957), introduzimos em nosso serviço
incisão única e transversa para os esvaziamentos cervicais
radicais.
CASUÍSTICA E MÉTODO
No Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do
Hospital e Maternidade Celso Pierro da Faculdade de
Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
foram submetidos a tratamento cirúrgico 15 pacientes
consecutivos e portadores de carcinoma espinocelular de
cavidade oral ou orofaringe, no período de agosto a dezembro
de 2.005. Dentre estes pacientes, houve nove com tumores
primários na cavidade oral e seis na orofaringe. Em relação
aos esvaziamentos cervicais realizados, tivemos seis
pacientes submetidos a esvaziamento cervical radical
clássico bilateral, quatro pacientes com esvaziamento
cervical radical clássico unilateral, três pacientes com
esvaziamento cervical radical modificado bilateral e dois
pacientes com esvaziamento cervical radical modificado
unilateral. Somente um paciente apresentava tratamento
prévio com radioterapia.
RESULTADOS
Somente um paciente apresentou complicação pósoperatória, através de deiscência parcial da sutura cutânea,
sendo também o único paciente com tratamento prévio
através de radioterapia.
DISCUSSÃO
do gênero feminino.
Numerosas incisões têm sido utilizadas para a
realização do esvaziamento cervical e a maioria delas utiliza
combinação de um componente transverso com um
longitudinal, como as incisões propostas por Brown e
McDowell5 e Martin6. O componente longitudinal destas
incisões é perpendicular às linhas de força cutâneas e, devido
a este fato, apresenta alto risco de retração cicatricial e
formação de quelóide. As retrações cicatriciais levam a
limitação dos movimentos do pescoço, além de possibilitarem
quadros dolorosos que variam de média a alta intensidade,
contribuindo, dessa forma, para piora na qualidade de vida
dos pacientes7. Além disso, estas incisões apresentam a
união de três retalhos cutâneos geralmente no nível da
bifurcação da carótida, que se torna exposta nos pacientes
onde ocorre necrose cutânea como complicação pósoperatória. Essas necroses são mais freqüentes nas incisões
verticais devido ao comprometimento do suprimento
sangüíneo para o retalho cutâneo. As incisões que não são
confeccionadas com 2 componentes, na maioria das vezes,
apresentam formato em “J” ou em “U”, o que também mantem
um trajeto contrário às linhas de força cutâneas, permitindo as
mesmas dificuldades funcionais e estéticas.
Segundo Appiani8, antes do artigo de Crile (1.906),
Kocher (1.880) e Kuettner (1.898) descreveram incisões
únicas para acesso às adenopatias cervicais. Desde então,
várias incisões cervicais têm sido descritas, sugerindo que
nenhuma delas seja versátil o suficiente para satisfazer os
critérios necessários quando se projeta um retalho cervical.
Tais critérios incluem: 1) exposição adequada do campo
cirúrgico; 2) suprimento sangüíneo adequado para os retalhos
resultantes; 3) relação aceitável da incisão com os grandes
vasos cervicais; 4) fácil conversão ou conjunção com outras
incisões para abordagem do tumor primário; 5) conveniência
para confecção de estomas; 6) compatibilidade com técnicas
reconstrutivas; e 7) aspectos funcionais e cosméticos
aceitáveis. Adicionalmente, a técnica precisa ser de fácil
aprendizado e reprodutibilidade.
Mac Fee3, em 1953, utilizou duas incisões
transversas paralelas para realização de esvaziamento
cervical radical que apresenta um risco de necrose cutânea
devido ao fato de manter risco de vascularização para a área
cutânea entre as duas incisões9. Attie4, em 1957, utilizou
incisão única e transversa. O maior ceticismo quanto às
incisões únicas para esvaziamento cervical radical é a
possibilidade de uma maior taxa de recidiva cervical devido a
um possível aumento da dificuldade cirúrgica.
São evidentes as vantagens das incisões
transversas cervicais, pois as pregas cutâneas naturais
situam-se no mesmo sentido, o que proporciona cicatrização
rápida, firme e de excelente aspecto estético10,11. O argumento
racional para sua utilização é de que o suprimento sangüíneo
do pescoço tem sentido vertical, sendo de baixo para cima no
que se refere aos limites cervicais inferiores e cima para baixo
nos limites cervicais superiores12 (figura 1).
Figura 1 - Incisão cervical transversa, ultrapassando linha média e a
Relatado por Crile, em 1906, o esvaziamento
cervical é, nos dias de hoje, o tratamento padrão para o
carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço,
principalmente após os esforços de Martin et al. na década de
1.950. São inúmeros os relatos sobre os bons resultados dos
esvaziamentos cervicais no tratamento dos linfonodos
metastáticos e a morbidade e mortalidade cirúrgicas estão
reduzidas a níveis extremamente aceitáveis devido aos
progressos na anestesia, antibioticoterapia e transfusões
sangüíneas. Apesar dessas vantagens, ainda existe certa
relutância em aceitar-se uma cirurgia considerada como
mutilante ou deformante, principalmente em pacientes jovens
46
projeção do músculo trapézio.
Nos casos de esvaziamento cervical radical em
pacientes do gênero feminino, já era rotina do serviço a
utilização da incisão de MacFee3. Com a experiência
adquirida devido ao volume de cirurgias realizadas em casos
de carcinomas tireoidianos com metástases cervicais,
resolvemos adotar a incisão de Attie4 para aumentarmos os
resultados estéticos nestes pacientes, pois vimos que, com o
passar do tempo, sua principal queixa era sobre a estética da
região cervical. Assim, podemos notar que a incisão estendida
e transversa permitia exposição de todos os níveis linfonodais
cervicais (figura 2). Inicialmente, a maior dificuldade
encontrada foi com a dissecção do nível V, o que foi
solucionado com a extensão da incisão para cerca de 3 a 4 cm
além dos limites do músculo trapézio. Em pacientes
longilíneos, também pode haver dificuldade maior na
dissecção do nível II (linfonodos juncionais), sendo que uma
curvatura superior da porção posterior da incisão soluciona tal
problema. A extensão da incisão em aproximadamente 3 cm
além da linha média facilita a dissecção do nível IA (linfonodos
submentonianos), do nível IV e da ligadura distal da veia
jugular interna.
tal aspecto não foi considerado neste estudo.
Como os pacientes estudados foram consecutivos,
não houve critério de exclusão para a indicação da incisão
cirúrgica, portanto, o estadiamento não teve influência para o
estudo das complicações pós-operatórias, não influenciando
desta
manei
ra,
a casuística.
Figura 3 - Pós-operatório tardio com excelente aspecto estético
CONCLUSÕES
Figura 2 - Campo cirúrgico demonstrando boa exposição de todos os
níveis linfonodais.
A associação da incisão transversa e única com
outros acessos cirúrgicos não mostrou dificuldades. Nos
pacientes portadores de tumores primários das porções
posteriores da cavidade oral ou da orofaringe e submetidos a
esvaziamento cervical unilateral, a manobra utilizada para
exposição cirúrgica foi de prolongar a incisão cervical para a
região cervical oposta ou associar incisão vertical através da
região submentoniana. A extensão da incisão para a região
cervical oposta apresenta maior manuseio cirúrgico e,
conseqüentemente, poderia levar a maior tempo cirúrgico. No
entanto, ao compararmos o tempo cirúrgico com as cirurgias
realizadas com associação de incisões, verificamos que não
houve aumento. Além disso, o ganho estético é bastante
grande, pois evita uma incisão vertical em região aparente,
como é a região submentoniana.
Ficou evidente para nós a boa exposição cirúrgica
proporcionada pela incisão cervical transversa e única para a
realização de esvaziamento cervical radical clássico ou
modificado, desde que ela tivesse extensão suficiente. O não
aumento do tempo cirúrgico, a boa exposição cirúrgica, a
pouca dificuldade técnica apresentada, a possibilidade de
manuseio adequado das lesões primárias com associação ou
não com outras incisões e, principalmente, o bom resultado
estético e funcional fizeram com que essa abordagem fosse
padronizada em nosso serviço como rotina no manuseio dos
esvaziamentos cervicais. Quanto ao aspecto estético e
funcional, podemos verificar no seguimento pós-operatório o
benefício da incisão transversa, pois a estética ganha na
dissimulação da incisão com as pregas cutâneas naturais e no
aspecto funcional o tempo de seguimento ainda é pequeno,
porém, não tivemos queixas dos pacientes mais antigos
quanto a retrações cicatriciais (figura 3). A disfunção da
cintura escapular não depende da incisão cutânea, portanto,
47
As incisões cutâneas transversas e estendidas para
os esvaziamentos cervicais radicais proporcionaram:
1) não aumento do tempo cirúrgico com boa exposição
cirúrgica e pouca dificuldade técnica;
2) possibilidade de manuseio adequado das lesões primárias
com associação ou não com outras incisões;
3) e, principalmente, bom resultado estético e funcional.
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Páginas 41-43 - Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e