A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: realidade e possibilidades Tânia Maria de Moura Fonseca1 Gislene Lonitz Bida2 Resumo: Provocar uma reflexão sobre a importância da relação professor-aluno no dia a dia escolar foi o principal objetivo deste trabalho. O estudo e a pesquisa realizada em parceria com os alunos do Curso de Formação de Docentes do Colégio Estadual Major Vespasiano Carneiro de Mello mostrou um professor consciente dos problemas vivenciados pela educação pública, mas que ainda precisa superar seus conflitos. A pesquisa realizada enfocou quesitos essenciais que fazem do professor um profissional competente, destacando aspectos relevantes como interação cognoscitiva e também os aspectos sócio-emocionais presentes no processo ensinoaprendizagem. Foi também indagado sobre o ponto de vista dos alunos do turno da noite a respeito de sua aprendizagem, dos fatores que determinam o sucesso ou o fracasso escolar, do seu relacionamento e interação com os professores. Outro ponto discutido e analisado foi a disciplina que está diretamente ligada à prática docente, à autoridade profissional, técnica e moral do professor. Os resultados alcançados foram positivos indicando que a realidade vivida é passível de mudanças, mas para isso é preciso formar uma consciência coletiva, onde cada um dos envolvidos no processo ensinar-aprender reconheça a importância de pensar com mais seriedade sobre o problema da evasão e repetência, buscando alternativas que viabilizem a melhoria do ensino em nosso país. Palavras chaves: Fracasso escolar, relação professor-aluno, realidade, possibilidades. Abstract: The main objective of this article is to discuss the importance of the teacherstudent relationship in the daily school routine. The study and survey of the students attending the Docent Preparation Center from Major Vespasiano Carneiro de Mello State School indicate that teachers are aware of the public school system problems, but that they still need to overcome their reservations. The survey focused on essential aspects that make for a competent teacher, highlighting relevant topics like cognoscitive interaction and also socio-emotional aspects present in the teachinglearning process. Night class students were questioned about their learning, about the 1 2 Professora Pedagoga PDE, Col. Est. Major Vespasiano C. de Mello Professora Orientadora UEPG factors that determine their success or failure in school and about their relationship and interaction with teachers. Another topic that was analyzed is the discipline that is directly connected to the teaching practice, to the professional, technical and moral authority of the teacher. The results obtained were positive, indicating that it's possible to change the current state. It is, however, necessary to establish some collective awareness where every one involved in the teaching-learning process recognizes the importance of taking the school desertion and failure problems seriously, searching for alternatives that will improve the country's education system. Os altos índices de evasão e repetência na educação formal brasileira é um desafio que precisa ser enfrentado por todos que direta ou indiretamente fazem parte do sistema educacional. Outro indicativo que evidencia o fracasso escolar em nossas escolas é o número de alunos aprovados por conselho de classe, ou ainda a grande dificuldade que muitos apresentam para aprender os conteúdos escolares. Tudo isso somado ao desinteresse nas aulas, à indisciplina e pior ainda á violência física, verbal ou moral apresentam um quadro assustador, que requer atenção, reflexão e tomada de decisões e atitudes. É urgente e necessário buscar soluções, mesmo com a consciência de que os professores, equipe pedagógica e direção de uma escola não têm o poder de solucionar todos os problemas gerados pelo contexto atual. A sociedade exclusiva em que vivemos, onde poucos têm muito e a maioria da população vive em condições precárias, a inversão dos valores morais e éticos na política e na vida, a desestruturação da família onde os primeiros alicerces da educação deveriam ser construídos está contribuindo na formação de crianças e jovens predispostos ao fracasso escolar. A escola e os professores não podem e nem devem ser vistos como os “salvadores da Pátria”, mas fazem parte dessa estrutura e têm uma função social a cumprir: socializar o conhecimento. A tarefa não é das mais fáceis, pois a concretização do ensino só é efetivada através da aprendizagem e os fatores que interferem nesse processo de forma positiva ou negativa são muitos. Entre eles está a relação professor-aluno, ou melhor, o trabalho desenvolvido pelo professor, que vai do planejamento ao desenvolvimento da aula e, portanto um ponto possível de ser revisto por todos os educadores, em todos os níveis de ensino. Pesquisar, refletir, analisar e concluir sobre o trabalho docente, suas mazelas, seus êxitos é também essencial para a formação de professores conscientes e capazes de perceber que todo profissional deve avaliar o seu próprio desempenho e reconhecer no seu alunado indivíduos em formação. Entender que ser professor é fazer a mediação entre o aluno e o conhecimento, criando um clima favorável em sala de aula, empregando metodologias e recursos capazes de despertar o interesse, mantendo a classe disciplinada, tornando o ensino significativo é vital para a qualificação profissional do professor. Promover momentos de reflexão mais aprofundada sobre o trabalho docente, junto aos alunos do Curso de Formação de Docentes do Colégio Estadual Major Vespasiano Carneiro de Mello, e ainda de forma indireta provocar um repensar nos professores que atuam no turno da noite nesse colégio e alguns professores da rede municipal de ensino, séries iniciais do Ensino Fundamental, foi o principal objetivo da elaboração do Projeto PDE: A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: realidade e possibilidades. Num primeiro momento, o projeto foi apresentado a todos os professores do Colégio durante uma reunião pedagógica no início do ano letivo/2009. Houve demonstração de interesse pela maioria dos professores presentes, confirmando que os profissionais que atuam nesse Colégio são conscientes da real importância do seu trabalho e da necessidade de estabelecer um bom relacionamento com seus alunos em sala de aula. Os alunos do Curso de Formação de Docentes conheceram o projeto em uma aula de Estágio e a receptividade foi positiva, inclusive percebeu-se certo orgulho em fazer parte de um trabalho científico diretamente ligado à sua formação, onde teriam um papel importante a desempenhar, construindo e aprofundando junto com a professora seus conhecimentos sobre o tema tratado. Valorizar o aluno ressaltando a importância de sua participação nas atividades acadêmicas de sala de aula é promover um clima favorável à aprendizagem criando vínculos de confiança, respeito entre professor e alunos. A relação professor-aluno está impregnada de história, de séculos de reflexões sobre o ofício de educar. Até os profissionais que desconhecem nomes e as obras dos grandes pensadores da educação, são influenciados por suas idéias em suas práticas pedagógicas. Pensar e rever a nossa prática docente é urgente e necessário. Perguntar por que a criança tão curiosa quando começa a descobrir o mundo, vai se desinteressando e aos poucos achando a escola “chata” e tediosa? Por que o professor ensina e o aluno não aprende? Por que professor e alunos não conseguem se perceber como aliados? ANASTASIOU e ALVES (2006) abordam o ensinar e o aprender com uma visão diferente, destacando o significado etimológico do verbo ensinar, do latim ensignare, marcar com um sinal, que deve ser de vida, de busca, de despertar para o conhecimento. Afirmam também que aluno e professor precisam sentir o sabor do conhecimento. O dar aula deve ser substituído pela expressão “fazer aula”, onde professor e alunos desempenham seus papéis, interagindo e construindo saberes. ANTUNES (2008) faz uma sátira classificando os docentes em professores e “professauros”, destacando que o segundo grupo apresenta formas de pensamento comuns ao período Cretáceo, dominado pelos grandes dinossauros. Quanto ao ano letivo que se inicia: Para os professores, uma oportunidade ímpar de aprender e crescer, um momento mágico de revisão crítica e decisões corajosas; para os professauros, o angustiante retorno a uma rotina odiosa, o eterno repetir amanhã tudo quanto de certo e de errado se fez ontem. (ANTUNES 2008 p.13) O autor destaca várias características positivas que muitos professores apresentam e ao mesmo tempo aponta o desânimo, o cansaço, a repetitividade, a obrigação, o ver no aluno um cliente chato, que está ali apenas para atrapalhar, incomodar. Fala também dos sonhos que os professores acalentam, da esperança de superar os desafios, a fim de se fazer da arte de amar, o segredo de viver; enquanto que os ditos “professauros” a vida se transforma numa rotina chata, se trabalha por imposição, se casa por obrigação, seu sonho é a aposentadoria e quem sabe o quanto antes morrer. No final da página, pergunta: Conhece alguém que pertence a uma ou a outra categoria? E você, a que categoria pertence? Provocar no professor de amanhã e no professor de hoje uma inquietação, mexer com conceitos arraigados como raízes profundas, foi o principal objetivo do projeto. Somos professores, mas temos muito ainda de professauros. Ter consciência de nossas falhas, dos erros que cometemos, das mudanças que ocorreram no mundo, de que o aluno de hoje não é igual ao de ontem e que o professor de hoje tem um enorme desafio a enfrentar é um primeiro passo no difícil caminho que temos a percorrer. Encontrar meios de preservar saberes e valores e ao mesmo tempo inovar para garantir a criação e assegurar o progresso é um conflito vivido pelos educadores e pelas escolas que pretendem cumprir seu papel social. A primeira atividade proposta aos alunos participantes do projeto foi o desafio de estudar alguns textos teóricos que fundamentaram o trabalho, refletir, analisar e expor o assunto. A turma foi dividida em grupos de três ou quatro elementos, os textos foram distribuídos e a professora fez uma pequena explanação, orientando sobre o tempo disponível, forma de apresentação, inclusive destacando a importância de fazer perguntas que estimulassem um pequeno debate. Após a leitura, os grupos decidiram repartir o texto, em seguida distribuíram as partes entre si, enfim organizaram a forma em que fariam a apresentação do trabalho. O resultado foi muito bom, pois a maioria demonstrou desembaraço e compreensão sobre a teoria estudada, expondo de forma clara e fazendo relações com experiências vividas ou observadas. Foram destacados pontos importantes que favorecem a relação professor aluno e entre eles falou-se sobre a confiança, pois não existe nenhum tipo de relação que se sustente sem a sua presença, seja na escola, seja na família e até mesmo no trabalho HOUAISS (2004): “Sentimento de segurança na sinceridade ou competência de alguém, crédito, fé”: Confiança. È clara a definição e indispensável sua presença em sala de aula, pois sem ela a relação professoraluno se torna difícil e a aprendizagem impossível. Sabemos que essa relação tem dois lados e depende de ambos, porém é ao professor, como mediador do processo ensino-aprendizagem, que cabe a responsabilidade de procurar desenvolver vínculos com seus alunos. Estabelecer vínculos de confiança vai exigir do professor aperfeiçoamento constante, respeito á realidade do aluno e a busca de meios para trabalhar com uma clientela que chega à escola com informações, conhecimentos e orientações adquiridas de diferentes formas, como família, amigos, mídia, igreja, internet e outras. Outro aspecto importante a considerar na conquista da confiança dos alunos é o domínio dos conteúdos e de metodologias adequadas, que despertem o interesse e tornem o ensino significativo. SANTOS (2008) destaca um conjunto de atitudes que compõe uma relação de respeito e confiança mútua entre professor e alunos, e ainda ajuda a promover um contexto propício para uma aprendizagem significativa: • Propor desafios que estejam ao alcance dos alunos. • Ajudar na superação das dificuldades. • Monitorar a linguagem utilizada em sala de aula e a linguagem natural do aluno. • Garantir um ambiente em que o aluno se sinta parte do processo. • Reconhecer e valorizar os pequenos sucessos de cada aluno. • Estimular a conquista da autonomia em seus alunos. Outro aspecto apontado pelos grupos, como fator essencial no trabalho docente é dar significado ao conteúdo trabalhado, procurando estabelecer pontes entre o novo conhecimento e o saber dos alunos. O professor deve compreender que o aluno necessita construir um sentido real e concreto com relação ao conteúdo e para isso precisa interagir com o objeto do conhecimento. SANTOS (2008) afirma que o professor precisa vencer algumas barreiras para promover a aprendizagem significativa: • Compreender que seu principal papel não é dar aulas, mas, sim provocar a aprendizagem. • Refletir e questionar: O que dá mais trabalho, facilitar a aprendizagem ou impor a aprendizagem? • Encarar o desafio de oportunizar em suas aulas momentos de trabalho efetivo dos alunos, em que sejam levados a criar, analisar, simplificar, enfim a desenvolver sua capacidade de pensar. • Compreender que a aprendizagem se constrói de dentro para fora e para isso o aluno precisa interagir, deixar de ser passivo. • Entender que a finalidade principal da educação escolar é a aprendizagem, não o programa de ensino. Dar significado aos conteúdos é um grande desafio que precisamos encarar, mesmo que isso signifique desmanchar o que já temos pronto, mexer em nossa acomodação, tirar os pés da terra firme, vencer nossos medos. A tarefa é árdua e longa, pois os obstáculos são muitos e pode até nos parecer uma “missão impossível”. SANTOS (2008) afirma que o principal papel do professor, na promoção da aprendizagem significativa, é desafiar os conceitos já assimilados, para que se ampliem e se tornem mais sólidos, possibilitando estabelecer ligações com novos conhecimentos. Um conceito bem elaborado e consistente é com certeza um ótimo alicerce para a aquisição de novos conceitos. Preparar uma aula significativa requer que o professor busque formas de desafiar as estruturas conceituais dos alunos. Esse desafio pode ser promovido através de uma pergunta, de um questionamento, de uma problematização ou qualquer outro recurso que desperte a curiosidade, o interesse, que “mexa” com os alunos. Ainda segundo o autor, são dois os tipos de aprendizagem que ocorrem numa sala de aula: a aprendizagem superficial e a aprendizagem profunda. A aprendizagem superficial acontece quando se dá maior importância ao que será exigido como tarefa, às exigências que serão feitas sobre o conteúdo. A memorização das informações para provas é uma conseqüência, existe uma imposição externa, não há reflexão, um pensar sobre, os elementos ficam soltos e são esquecidos facilmente. A aprendizagem profunda acontece quando o aluno quer entender o significado do que está estudando, é levado a pensar sobre o conteúdo, a relacioná-lo com aprendizagens anteriores, com suas vivências, quando argumenta, pergunta, responde. Os motivos que levam a uma ou outra aprendizagem estão relacionados às condições dos alunos, ao seu universo e principalmente à própria situação de ensino, ao que acontece em sala de aula que é o resultado da vontade e capacidade do professor para dar ou não significado ao que ensina. Promover uma aprendizagem profunda significa planejar e organizar situações de ensino que motivem, desafiem e estabeleçam uma relação de respeito e confiança entre professor e alunos. Na continuidade do desenvolvimento do projeto, foi proposto aos alunos a elaboração de questões para entrevistar professores e alunos, buscando questionar aspectos relevantes sobre a relação professor-aluno. As questões foram elaboradas individualmente e analisadas pela professora servindo de base para a elaboração da entrevista que foi realizada posteriormente. Os principais aspectos abordados na elaboração das perguntas estavam relacionados principalmente à disciplina escolar, à competência do professor como fator primordial relacionado ao sucesso ou fracasso do aluno, à importância do planejamento, do domínio de classe. Algumas questões destacaram de forma evidente a preocupação com o papel do aluno, seus deveres, suas responsabilidades e sobre a necessidade de uma escola exigente, onde ter direitos é resultado do cumprimento dos deveres. Na revista Atividades e Experiências - Positivo – Março/2008, LUFT fala sobre o sentido da educação. Para ela educar não é simplesmente instruir, ensinar a calcular, ler e escrever; educar é primeiramente ensinar a pensar, é preparar para questionar, ser capaz e consciente na hora de fazer escolhas e viver sua vida. Educar é fazer enxergar o mundo, suas belezas, suas regras, seus perigos e suas possibilidades. Desenvolver a capacidade de discernir, entender, julgar, escolher é mais importante do que um belo prédio, alta tecnologia. Ela afirma também, que embora todos busquem ter uma vida alegre e saudável, é preciso seriedade, limites dentro da escola, pois só assim se aprende a distinguir o certo e o errado, o bom e o mau, o melhor ou o pior. A vida não perdoa, as regras precisam existir e precisam ser cumpridas, até mesmo as punições devem fazer parte do dia a dia educacional. A escola deve ser amorosa e alegre, mas deve ter autoridade e hierarquia, deve incutir nos alunos o respeito por si mesmo, pela natureza, pelo outro e pela vida. A escola precisa ter normas que devem ser respeitadas por todos, não se pode admitir a prática do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Cumprir horários e prazos, ser assíduo não vale só para o aluno, vale para todos que compõem o ambiente escolar. Com relação ao planejamento, LIBÂNEO (1991) afirma que a escola, os professores e os alunos fazem parte da dinâmica das relações sociais; que o meio escolar sofre influências da economia, da política e da cultura que caracterizam a sociedade de classes. O meio escolar está impregnado de interesses e implicações sociais, portanto é preciso refletir muito na hora de planejar. O planejamento deve ser uma ação consciente do professor determinando o rumo que quer dar ao seu trabalho. É um meio para se programar as ações docentes, mas é também um momento de pesquisa e reflexão ligado à avaliação. O autor lembra também que a ação docente ganha eficácia na medida em que o professor vai acumulando e enriquecendo experiências ao lidar com as situações concretas de ensino. Isso significa que para planejar o professor vai utilizar seu conhecimento didático e metodológico, e ao mesmo tempo sua experiência prática. O registro dos novos conhecimentos e novas experiências no plano de ensino vai possibilitar ao docente um criar e recriar sua própria didática, enriquecendo sua prática profissional e propiciando uma maior segurança em sala de aula. LIBÂNEO (1991) observa que para planejar é necessário conhecer as reais condições dos alunos. Não adianta introduzir matéria nova, se os alunos carecem de pré-requisitos. Um professor não pode justificar o fracasso dos alunos pela falta da base anterior; o suprimento das condições prévias de aprendizagem deve constar no plano de ensino. Não deve alegar que os alunos são desinteressados; é ele que deve criar condições, utilizando metodologias adequadas, tornando o ensino significativo e interessante. Enfim, todas as dificuldades apresentadas pelos alunos, que atrapalham a aprendizagem, devem ser o ponto de referência para planejar e iniciar ou dar continuidade ao trabalho escolar. Algumas das questões elaboradas pelos alunos sugeriam também que se indagasse sobre quem é o aluno da escola pública, que características os nossos docentes vêem nesse aluno, se existe diferença entre ele e o aluno da escola particular. Ficou evidente a preocupação sobre o que se ouve e se vê a respeito da clientela escolar que freqüenta as escolas Municipais e Estaduais. Como diz LIBÂNEO (1991), alguns professores estabelecem padrões de desempenho, considerando um aluno normal aquele que tem melhores condições socioeconômicas e maior desenvolvimento intelectual. Crianças que apresentam condições diferentes a essa, são consideradas carentes, atrasadas, candidatas a uma provável reprovação. Condicionam o sucesso escolar a uma condição de vida, esquecendo que o desenvolvimento das capacidades mentais, a aprendizagem do aluno deve ter como ponto de partida a realidade que a criança apresenta ao ingressar na escola. Se o meio social em que a criança ou adolescente vive não dispõe das condições para o desenvolvimento intelectual, a escola, o ensino pode prover um ambiente necessário de estimulação e é para isso que o professor se prepara profissionalmente. A importância do professor no processo ensino-aprendizagem é evidente, está posto como condição essencial para a melhoria ou não do ensino - aprendizagem. Conduzir a ação educativa para um resultado positivo depende em grande parte da relação professor-aluno em sala de aula, da postura, vontade e comprometimento do professor. Respeitar o aluno, ser capaz de percebê-lo como um individuo em desenvolvimento, que precisa de apoio, de estimulo, de compreensão e de muita cobrança vai trazer mudanças positivas no processo ensino-aprendizagem. O professor pode não ser o único responsável pelo fracasso escolar, mas ter consciência da importância do seu trabalho é motivo suficiente para que repense seu papel, reflita sobre seu desempenho, procure alternativas, perceba que pode sim fazer a diferença. As respostas obtidas nas entrevistas mostram que a maioria dos professores participantes dessa etapa do projeto ao responder as questões propostas, reconhece o trabalho docente como um dos fatores que interferem diretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno na aprendizagem escolar, embora atribuam também ao meio social uma parcela bastante significativa da culpa desse fracasso. Na entrevista os professores apontaram como principais fatores responsáveis pela evasão escolar e a repetência o meio social/família, o desempenho do professor e o sistema educacional. A quantificação das respostas dadas resultou no gráfico a seguir. Fatores que contribuem para o fracasso escolar na visão dos professores entrevistados Meio Social/Família Desempenho Professor Sistema Educacional 16% 46% 38% Essa percepção dos professores não é utópica, pois os pesquisadores dos fatos educacionais já apontaram resultados muito semelhantes a esse. LIBÂNEO (1991) lembra que os dados demonstram que a escola pública não consegue reter as crianças na escola, a perda de alunos já nessa década é significativa e preocupante. Diz ele que isso pode ser explicado por fatores externos à escola, mas que a exclusão escolar tem a ver, principalmente com o que a escola e os professores fazem ou deixam de fazer. Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, São Paulo, em 1981, pesquisou as causas mais gerais da repetência escolar. O seu objetivo foi de verificar e explicar esse problema não só pelas dificuldades dos alunos, mas por fatores como condições familiares, o corpo docente, a relação professor-aluno e aspectos da própria estruturação da organização escolar. A conclusão a que esse estudo chegou foi de que não se pode atribuir culpa a um só fator. Entre as principais causas encontradas, como as condições de vida e as condições físicas e psicológicas, a mais decisiva foi o fato de que a escola, na sua organização curricular e metodológica, não esta preparada para trabalhar com crianças e jovens provenientes de um nível sócio-econômico baixo. A escola e os objetivos escolares têm em vista um aluno idealizado e não um aluno concreto. A escola supõe que o aluno tenha todos os prérequisitos necessários à aprendizagem dos conhecimentos que vêm expressos nos currículos, ignorando totalmente os conhecimentos e experiências, o seu nível de preparo para aprender determinados conteúdos. Os alunos que não se enquadram no modelo pré-estabelecido pela escola são considerados preguiçosos e desinteressados, o que desencadeia um processo natural de exclusão escolar. A escola e os professores esquecem-se de que o ponto para iniciar a aprendizagem precisa estar diretamente vinculado ao que o aluno já conhece, é como querer ancorar um navio numa profundidade em que a corrente da âncora não alcança. O papel social da escola é de assegurar a apropriação dos conhecimentos humanos a todos os que vivem nessa sociedade, e isso requer uma tomada de posição, um compromisso ético-político de todos os professores no sentido de buscar meios e condições para que a unidade ensino-aprendizagem se torne realidade. Uma das principais qualidades do professor é de saber vincular as tarefas escolares com as condições prévias dos alunos para enfrentá-las, pois é daí que surgem as condições necessárias à aprendizagem. É essencial que o processo pedagógico seja organizado de forma a fazer com que as dificuldades, tornem-se subjetivas na mente do aluno, provocando nele a vontade de vencê-las. Essas dificuldades precisam ser bem dosadas, não devem nunca exceder a capacidade de entendimento, nem devem ser tão fáceis que não exijam pelo menos um pouco de esforço para resolvê-las. Toda nova aprendizagem deve de alguma forma estar ligada a um conhecimento já existente na cabeça do aluno. Na entrevista realizada foi perguntado também, porque alguns professores conseguem manter a disciplina em sala de aula e outros não. As respostas apontaram o professor e o que diz respeito ao seu trabalho como responsáveis diretos pelo comportamento inadequado dos alunos. Porque o professor não consegue manter a disciplina em sala de aula Falta de domínio nos conteúdos/liberdade excessiva aos alunos/problemas na relação professor-aluno Falta de planejamento ou metodologia inadequada Não gostam do que fazem/vocação 6% 48% 46% Na questão sobre o segredo da boa relação professor-aluno, os resultados demonstram com clareza que o próprio professor se percebe como responsável pelo ambiente escolar favorável ao processo ensino- aprendizagem. Os resultados apontados no gráfico apontam as qualidades que um professor precisa ter, do emocional ao intelectual e técnico. Condições para boa relação professor - aluno Respeito, equilíbrio emocional, compreensão e confiança são a base para a eficiência do trabalho docente; Conhecimento, compromisso, organização e firmeza; Entusiasmo, criatividade e poder de comunicação. 9% 19% 72% Foi perguntado se o professor pode ser fator decisivo para o sucesso ou o fracasso do aluno, as respostas demonstraram a percepção clara da grande maioria dos professores em relação à sua própria responsabilidade no que diz respeito aos resultados da aprendizagem escolar. O professor pode ser fator decisivo para o sucesso ou o fracasso do aluno Não 11% Sim 89% Sobre a importância do planejamento houve um consenso em todas as respostas. Ficou evidente que os professores tem consciência de que um trabalho sério requer sempre um pensar, decidir, planejar. O planejamento é um guia, estabelece diretrizes e os meios para a realização do trabalho docente. Ele não assegura por si só, a qualidade da aula, mas é um instrumento que vai possibilitar ao professor maior segurança, melhor aproveitamento do tempo disponível, o uso de estratégias adequadas a cada conteúdo a ser assimilado, pelos alunos. Importância do Planejamento Fator decisivo para uma aula de qualidade Diretriz e segurança no trabalho do professor 61% 80% 39% 60% 40% 20% 0% Na questão sobre como o professor vê o aluno da escola pública as respostas abordaram vários itens, sendo a maioria dos professores considera-o um aluno normal, igual a qualquer aluno de qualquer escola, com suas facilidades e suas dificuldades. Como o professor vê o aluno da escola pública Igual a qualquer aluno de qualquer escola 2% Participativo e 3% interessado Desinteressado 2% 7% Dócil e afável Sem limites Sem base/desinformado Carente de atenção 37% 12% 5% Vale registrar algumas frases escritas pelos professores entrevistados sobre este assunto:3 “Acredito que os alunos da escola pública não apresentam um único perfil, assim como os da escola particular”. “O aluno da escola pública é igual aos outros, o que o torna diferente é a pouca cobrança e ajuda da família sobre o seu estudo”. “O aluno da escola pública é aquele que precisa realmente aprender e muitas vezes não está sendo estimulado para isso”. “Muitos entram na escola com vontade de aprender e são dedicados, mas quando não são incentivados e cobrados perdem o interesse e comparecem à escola apenas por obrigação”. “Todos os alunos são ideais se o professor se fizer ideal”. “Um aluno cheio de surpresas a serem descobertas, podendo ter muitas habilidade e facilidades ou apresentar dificuldades, falta de bom comportamento, incertezas a serem manejadas pelo professor”. “Desinteressados, estudam pouco fora da sala de aula, não há cobrança da maioria dos pais, por outro lado quando interessados são criativos”. “O aluno da escola pública é muito bom, é aberto às inovações, é curioso. Só é preciso melhorar o sistema educacional, um maior comprometimento dos professores e da família” “O aluno da escola pública é tão bom quanto o aluno da escola particular, porém a falta de planejamento da SEED desestrutura a escola, fazendo com que o aluno sofra a consequências disso”. “Igual a qualquer de outra escola; com limitações ou não; com desejo de saber ou não; com família estruturada ou não, com recursos financeiros ou não”. 3 A entrevista não solicitou a identificação dos professores participantes, não sendo possível determinar a autoria das frases citadas. “Indiferente da situação econômica, eles são capazes de aprender e aprender com qualidade. São esforçados e sabem o que querem na vida. E a escola na maioria das vezes é o “lobo mau” no final de cada história dentro de seus muros”. “Só se vê bem com o coração” (Saint Exupéry) “É disso que todo o aluno precisa, tanto na escola pública como na particular: amor, pois só o amor constrói”. Perceber o aluno da escola pública como um indivíduo normal, igual a todos os outros, com suas potencialidades e suas dificuldades, mas capaz de aprender é um grande passo em direção a melhoria da qualidade de ensino em nossas escolas. Melhor ainda quando o professor consegue identificar que ele também tem responsabilidade, que a culpa do fracasso escolar não é exclusiva do aluno ou do meio social ou do sistema educacional. Reclamar que o aluno não corresponde às suas expectativas, que as cobranças da escola conduzem ao fazer inócuo, falso, está na fala de muitos “professauros” que povoam nossas escolas. Porque não se perguntar: O que posso fazer para melhorar esse quadro tão criticado por mim? Porque não refletir sobre suas aulas: Conheço meus alunos? Será que minha metodologia é adequada/ Estou sendo claro em minhas explicações? Meus alunos estão conseguindo acompanhar meu raciocínio? São muitas as perguntas a serem feitas quando se tem consciência de sua responsabilidade, quando se é um professor compromissado, que gosta de ensinar e consegue perceber que não existe ensino se não houver aprendizagem. Nas entrevistas com alunos do ensino noturno abordaram-se aspectos referentes à aprendizagem, às qualidades de um bom professor, ao lado afetivo do relacionamento professor-aluno, à responsabilidade e ao papel do aluno. Foram realizadas 28 entrevistas e os resultados demonstraram que muitos de nossos alunos são conscientes de suas obrigações, de que conseguem perceber que uma grande parte da culpa pelo fracasso na escola cabe a eles mesmos: “Como todo professor tem suas obrigações, o aluno deve ter também, como fazer tarefas, cumprir seus compromissos na data certa, ser educado e tratar o professor com respeito” (afirmativa de um aluno). A primeira questão solicitou que fossem apontados três fatores que prejudicam a aprendizagem, as respostas foram bastante diversificadas, sendo que das sete razões citadas, cinco referem-se ao trabalho realizado pelo professor e três ao comportamento dos alunos. Fatores que mais prejudicam a aprendizagem na visão dos alunos Indisciplina Faltas 11% 11% 11% Desinteresse 4% Monotonia das aulas 7% Relacionamento do professor com os alunos Conversas paralelas 31% 25% Professor desanimado A segunda questão perguntou se gostar ou não do professor interfere na aprendizagem, a maior parte dos alunos respondeu sim, ficando evidente a importância do aspecto afetivo, portanto desenvolver uma relação amistosa em sala de aula cria condições favoráveis ao processo ensino-aprendizagem. Gostar ou não do professor interfere na aprendizagem Não 18% Sim 82% Os alunos entrevistados também apontaram qualidades que apreciam em seus professores, entre elas foi possível destacar paciência, respeito ao aluno, dedicação, bom humor, ser exigente, explicar bem, ser dinâmico, ser dedicado, criatividade e estar bem atualizado. Foi indagado sobre o que não gostam em seu professores e as respostas foram: mau humor, insegurança, não impor limites, não exigir, não dar atividades para fixação, arrogância, “enrolador”, cobrar o que não ensinou faltoso e falar rápido demais. Os entrevistados também afirmaram que o melhor professor não é aquele que “passa a mão na cabeça do aluno”, ou seja, o professor “bonzinho”. O bom professor é o que ensina bem e depois cobra, exige do aluno. A última questão pergunta se o aluno também é culpado por não aprender, todos responderam sim, porque não se esforçam ou não prestam atenção nas aulas. As respostas obtidas na entrevista demonstram que existe um grau bem significativo de consciência e conhecimento da realidade que vivenciamos em nossas escolas. Os professores e os alunos não são indivíduos alienados, reconhecem seus papéis e suas falhas no contexto escolar, porém isso não é o suficiente para modificar ou reverter o fracasso escolar, seja pela evasão, seja pela reprovação ou pela aprovação pelo conselho de classe. A jornada a percorrer é longa, os obstáculos são muitos, porém reconhecer que existem possibilidades, que ninguém pode fazer mágica, mas que mesmo com limitações é possível mudar pelo menos alguns aspectos da realidade da sala de aula, é um começo, é iniciar a caminhada rumo a uma educação verdadeiramente democrática. Estou semeando as sementes da minha mais alta esperança. Não busco discípulos para comunicar-lhes saberes. Busco discípulos, para neles plantar minhas esperanças”. (Rubens Alves) 4 4 Fonte: GUEDES, Egly. Saboreando a Educação. Caicó – RN, 2009. Disponível em:http://egly-saboreandoaeducao.blogspot.com/2009/09/diante-do-que-foi-expostopercebe-se.html REFERÊNCIAS ANASTASIOU, L. das G. Camargo; ALVES, L. Pessate (orgs). Processos de Ensinagem na Universidade. 6ª ed. - Joinville SC: Univille, 2006. 144 p. ANTUNES, Celso. Professores e Professauros: Reflexões sobre a aula e práticas pedagógicas diversas. 2ª Ed. – Petrópolis RJ: Ed. Vozes, 2008. BYINGTON, C. A. Botelho. A Construção Amorosa do Saber: O fundamento e a finalidade da Pedagogia Junguiana. São Paulo: Religare, 2003. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales e FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2ª Ed. – Rio de Janeiro, 2004. LIBÂNEO, J. Carlos. Didática. (Coleção Magistério 2º Grau. Série formação de professores). 1ª reinpressão. São Paulo: Cortez, 1991. LUFT, Lya. O sentido da educação. Revista atividades e experiências, nº 1, Curitiba: Positivo, 2008, p.52. SANTOS, Julio César Furtado. 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