História ___________________________________________
UNIJUI- UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
VRP – VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CEAD – COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
SOCIEDADE, POLÍTICA E CULTURA
ENIO WALDIR DA SILVA
2008
História ___________________________________________
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: O estudo da sociedade, da política e da cultura é um auto-estudo? ............ 03
UNIDADE 1 – A SOCIEDADE EM FORMAÇÃO – Alguns elementos da trajetória
histórica da sociedade e do pensamento político...................................................................... 22
SEÇÃO 1.1 – A Humanização da Natureza ............................................................................. 22
SEÇÃO 1.2 – A Ordenação da Vida Coletiva ......................................................................... 33
SEÇÃO 1.3 – A Razão Aplicada à Organização da Sociedade ............................................... 40
UNIDADE 2 – A SOCIEDADE EM PROPOSIÇÃO ............................................................ 61
SEÇÃO 2.1 – Concepções de Mundo do Positivismo – A Concretização da
Modernidade ............................................................................................................................ 59
SEÇÃO 2.2 – A Concepção Marxista – A Crítica à Modernidade ......................................... 69
UNIDADE 3 – A SOCIEDADE EM REMODELAÇÃO – A Cultura ................................... 80
SEÇÃO 3.1– A Crise da Modernidade e as Propostas Alternativas ........................................ 82
SEÇÃO 3.2 – Demodiversidade, Multiculturalismo e Ecodiversidade.................................... 97
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 108
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INTRODUÇÃO: O ESTUDO DA SOCIEDADE, DA POLÍTICA E DA
CULTURA É UM AUTO-ESTUDO?
Este texto tem a finalidade de contribuir para a reflexão sobre temas
fundamentais para conhecimento de nossa realidade social atual. Trata-se do tema
sociedade, política e cultura em suas relações efetivas em nossas vivências práticas.
Podemos começar mencionando uma obviedade: cada um de nós nasceu em
um tempo e um lugar. Este tempo e lugar estão constituídos por elementos que orientam
nossas ações quando estamos buscando a satisfação de nossas necessidades, buscando
entendimentos ou quando estamos constituindo relações com os outros. São estes
elementos que nos interessa conhecer, pois eles não aparecem em evidência, claramente,
em nossa frente. Ao conhecê-los estamos potencializando as orientações de nossas
ações, sendo mais autônomos, mais cidadãos, mais livres e mais emancipados. Vamos
ver como isso acontece.
Quando nascemos (hipoteticamente: em um tempo – 5/5/1965– em um lugar –
Bairro Sovaco da Cobra, Ijuí/RS) já estavam prontos uma estrutura e um complexo de
elementos que nos preparam para entrar e participar dessa estrutura e desses elementos.
Inicialmente, podemos afirmar que este complexo de relações sociais em forma de teias,
de redes ou nexos que ligam pessoa a pessoa, grupos a grupos e os modos de
tratar/transformar a natureza, pode ser definido como a sociedade. Todos os esforços
para organizar a sociedade, para melhor viver coletivamente, podem ser interpretados
como política. E todos os potenciais, aqueles poderes que temos para orientar nossas
ações, podem ser interpretados como cultura. Se você pesquisar, no entanto, descobrirá
que existe uma diversidade de definições destes três grandes conceitos. Ao longo deste
texto abordaremos um pouco desta diversidade.
A definição mais ampla de sociedade é a de que ela é o complexo de relações
sociais, um sistema de inter-relações que conecta indivíduos a indivíduos. Segundo o
Dicionário de Ciências Sociais (1987), cada agregado de seres humanos de ambos os
sexos e de todas as idades, unidos num grupo que se autoperpetua e possui suas próprias
instituições e culturas distintas em maior ou menor grau, pode ser uma sociedade, e os
limites dessa sociedade baseiam-se em fronteiras políticas.
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Sociedade também pode ser entendida como o conjunto das instituições e a
cultura de um grupo de pessoas distintas, em que seus comportamentos são afetados por
normas e valores compartilhados. Foram os sociólogos que distinguiram mais
amplamente o conceito de sociedade desta compreensão de que ela era um nome
coletivo para muitos indivíduos. Eles entendiam que a sociedade tem uma identidade
que lhe é característica e que transcende os indivíduos que a ela pertencem. Trata-se de
uma coletividade organizada que se mantém por vínculos cooperativos para garantir a
sobrevivência, para perpetuar-se, partilhando uma cultura sob as orientações de
estruturas institucionais. Como é possível perceber, todas as definições apresentadas são
amplas e geraram muita controvérsia, pois, como se vê, a sociedade não pode ser
entendida separada da política e da cultura.
Vamos tratar agora destes dois conceitos, política e da cultura, que serão
retomados mais adiante, para melhor entender o conceito de sociedade.
Política é, em geral, todo o processo pelo qual os indivíduos organizam suas
ações em relação às ações dos outros, ou seja, quando entendemos que nossas ações
afetam a vida coletiva e procuramos melhorá-las para melhorar a vida coletiva, estamos
fazendo política. Por isso a essência da política é entender a vida social para
compreender o espaço de cada um, e também entender como é possível criar poder
(forças) para interferir neste espaço, de modo individual ou por ações coletivas.
Por essa razão a política tornou-se um jogo pelo poder, jogo de interesses.
Foram criadas identidades especiais para os sujeitos dedicados a jogar, a fazer a política
(presidente, monarca, senador, governador, deputado, prefeito, vereador, etc) e se
organizou espaços especiais para a atuação dos políticos (congresso, câmaras,
assembléias, ministérios, secretarias, fóruns, etc.), além de uma série de burocracias que
legitimam os sujeitos a agirem em nome dos interesses coletivos (leis, partidos, sistemas
eleitorais, etc.). O conjunto dos poderes ou a expressão dos poderes construído ao longo
das lutas pela melhor forma de organizar a sociedade é o que veio a se chamar Estado.
Este passou a ser um grande lugar de fazer política por meio do: Legislativo (que
concretiza os interesses coletivos nas leis); Executivo (que administra os interesses
coletivos, avalia a validade das normas e exige/sugere novas normas, mais próximas da
vida coletiva...), e Judiciário (que avalia procedimentos gerais e aplica as sanções com
base nas leis).
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A política pode ser, também, em termos ideais, a arte, a ciência ou o modo de
administrar a vida coletiva da sociedade. Isso implica criar um amplo processo de
aprendizagem que fortalece a cultura de organização e estimula a participação nas
decisões, na efetivação destas decisões e na avaliação pública dos resultados. Neste
sentido, parece que para fazer política é preciso se ter certa sapiência, uma capacidade
especial para fazer isso....!!!
Quando falamos em política surgem várias questões: todos são aptos a exercer
o poder político ou existe um político ideal? Será que existe o analfabeto político? E,
existindo este também existe o alfabetizado político ou cientista político (numa alusão
aos opostos analfabetismo versus cultura política)?
Parece-nos que a palavra analfabeto está carregada de preconceito e serviu
como uma forma de diminuir a importância da participação das pessoas na vida política
de sua comunidade, de sua região, de seu país, etc. Assim, muitas pessoas foram
afastadas destes espaços, se esmoreceu a dimensão da participação e se tangenciou a
política, fazendo-as acreditar que o único jeito de fazer política é votando. O voto
enquanto tal, que apenas escolhe candidatos, reforça a distorção da verdadeira política,
colaborando para sua fragilização.1
Assim, talvez não exista analfabeto político, posto que todos possuem um
saber sobre a sua sociedade. É inegável, entretanto, que existem fatores que dificultam
os indivíduos a expressarem seus entendimentos, a falarem de modo aberto e franco
sobre seus interesses e a participarem dos processos políticos. Muitas pessoas não
possuem motivações para participar dos grupos que buscam integrar interesses, que
procuram tomar decisões e encaminhar procedimentos de execução (partidos,
movimentos sociais, associações, sindicatos, etc.). No mais das vezes apenas delegam
poder a alguém para que este decida por ele. Quando, porém, não se decide ou quando
se decide por algo muito distante dos interesses dos indivíduos, significa que o
indivíduo está se afastando das ações coletivas. Um exemplo desta prática pode ser
observado por ocasião das eleições, pois notamos que muitas vezes o indivíduo não
busca exercer seu direito ao voto. Só vota porque há uma lei que o obriga e o multa por
1
Há um conhecido texto de Bertolt Brecht chamado Analfabeto político. Temos impressão, ao lê-lo, de
que é uma saga e um convite para que as pessoas participem da vida política de sua sociedade, pois é a
política quem decide, inclusive, o preço dos alimentos, de nossas casas... Se observar vai ver este poema
em camisetas, cartazes e na Internet.
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não fazê-lo. Mesmo assim, há muita gente que se abstém de votar (nos Estados Unidos
da América, onde o voto é livre, a abstenção chega a 30% dos aptos a votar!!!).
Até aqui discorremos sobre alguns elementos que estão no interior da dimensão
da política. Percebemos que há algo que é anterior ao ato político, que condiciona a vida
política em si. Parece-nos que esta força, esta razão de participarmos ou não da vida
política, é a cultura. É sobre ela que passaremos a refletir a seguir.
A cultura, em termos gerais, pode ser definida como o conjunto de
complexidades existentes em uma sociedade e que possibilita ao homem adquirir
capacidades para orientar sua vivência. A cultura, sob esta ótica, é fruto das respostas
que o homem foi dando as suas necessidades e passou a ser a forma de os grupos
humanos se representarem entre si.2
Há muitos conceitos e significados de cultura, como: a) o conjunto de
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou outras capacidades e hábitos
adquiridos pelo homem como membro da sociedade; b) os comportamentos aprendidos
e transmitidos; c) a parte do ambiente feita pelo homem; d) a herança social total da
humanidade – maneiras de agir, pensar e sentir que o homem tem desenvolvido em sua
história. Assim, todo homem tem cultura, que pode ser a síntese de diversas delas. As
culturas são sempre incompletas, dinâmicas, contínuas, porém aquelas diferentes podem
ser complementares, ou podem ser opostas.
Segundo Giddens (2005, p. 38), a cultura, além de ser a arte, a literatura, a
música, a pintura, é também as formas de vida dos membros de uma sociedade: suas
vestes, seus costumes matrimoniais e vida familiar, seus padrões de trabalho,
cerimoniais religiosos, ocupações de lazer, sua língua, etc, são alguns fatores que
garantem a organização da sociedade. Nenhuma cultura poderia existir sem sociedade e
nenhuma sociedade poderia existir sem cultura.
Veja na figura a seguir alguns contextos que produzem essas forças
orientadoras das ações e pensamentos.
2
Dedicaremos a Unidade 3 deste livro especialmente ao tema cultura.
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O CONTEXTO SOCIAL DO SABER PODE GERAR A
POTÊNCIA PARA A AUTO – ORGANIZAÇÃO DOS INDIVÍDUOS
ARTE
CIÊNCIA/ESCOLAR
FILOSOFIA
RELIGIÃO
SENSO COMUM
©Anthropos Consulting
24
Este esquema mostra os tipos de conhecimentos que geralmente orientam
nossas ações. Todos eles são importantes e os possuímos em menor ou maior grau. Será,
todavia, que não há supremacia de um sobre o outro? Como eles se diferenciam entre
si? Qual desses conhecimentos está mais próximo de nós? Qual deles é fundamental
para a construção de uma sociedade justa?
São questões que nos levam à reflexão sobre a cultura. No nosso caso, estamos
nos referindo à ciência. A preocupação com o conhecimento científico e filosófico sobre
a sociedade, a política e a cultura está ligada ao entendimento de que as questões
conceituais e metodológicas devem estar presentes nas práticas dos cidadãos quando
ocorrer a intervenção em sua vida social. O ponto de partida das ciências que estudam o
mundo social é fazer reflexões que construam entendimentos sobre as condições sociais,
econômicas, políticas e culturais do nosso tempo histórico, como num contexto de
transformação que repercute em nosso próprio modo de percepção.
As trajetórias destes saberes (Sociologia, Filosofia, Ciência Política,
Antropologia, etc.) foram traduzindo a relação que existe entre o pensamento e a
organização social, entre a ação e a estrutura social, entre a liberdade e a regulação...,
pois são saberes que se tornaram inseparáveis das condições histórico-sociais da
existência humana e se constituíram em processos culturais, fruto das fermentações
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intelectuais provocadas pelas revoluções industriais e político-sociais do mundo
ocidental moderno.
Estudar esses temas representa a possibilidade de investigação dos fenômenos
sociais que orientaram a vida coletiva, pois os estudos realizados foram afetados por
práticas do tempo. Ou seja, quando estudamos os conceitos estamos analisando as
práticas e os pensamentos (e não um ou outro) e as escolhas dos métodos para produzir
esses conhecimentos sempre expressaram interesses e posições sociais de quem os
produz.
Por essa razão, estes estudos não podem ser reduzidos a uma relação entre
sujeito e objeto; é uma conexão entre sujeitos que buscam compreender suas próprias
práticas, inseridas nos fenômenos sociais. A característica fundamental dos fenômenos
sociais é dada pela condição de se relacionarem entre si, ao mesmo tempo
complementares e contraditórios, constituindo uma totalidade social concreta em
permanente movimento. O todo e as partes relacionam-se de forma complexa. Assim,
tanto as abordagens do macrossocial (espaço mais amplo ou global) quanto as do
microssocial (pequeno espaço ou local) são igualmente fundamentais para a
compreensão da complexidade da sociedade em que vivemos.
As recentes transformações da contemporaneidade ocorrem em todas as esferas
da vida social, manifestando-se nas dimensões globais e cotidianas da vida dos
indivíduos, grupos e instituições sociais. A complexidade deste espaço-tempo atual
exige a contribuição de várias teorias e metodologias para a elaboração de explicações,
mesmo que provisórias.
A grande preocupação é promover uma reflexão em torno da forma de
operacionalidade dos conceitos, categorias e métodos empregados para o estudo e a
compreensão da complexidade do mundo atual, situando o cidadão em seu papel de
compreender e avaliar o impacto das transformações sociais, políticas, econômicas e
culturais na sua própria vida.
A configuração desse quadro de mudanças profundas nas relações sociais e nos
valores que as informam confere a esses conhecimentos um papel importante, ao
possibilitar que os profissionais procurem alternativas de intervenção diante dos
problemas sociais oriundos de uma nova ordem política, econômica e social. A reflexão
empreendida pelos pesquisadores da realidade social não deve se dar no mesmo nível de
apreensão do senso comum, porque as questões são construídas em termos de
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explicação pela mediação teórico-metodológica de natureza própria, por ser um tipo de
conhecimento sistematizado da realidade social, consubstanciado por um conjunto
pluriparadigmático de conceitos e categorias que problematizam os fenômenos sociais
nos seguintes termos:
a) Como é possível explicar a existência e a manutenção das coletividades
humanas? De que forma se dá a interação entre os indivíduos e essas coletividades?
b) Que mecanismos interferem na organização e na estruturação dos quadros
sociais da vida humana?
c) Como a mudança social é produzida e pode ser explicada ?
No intuito de explicitar melhor o conceito de sociedade, tomamos a relação
social como unidade elementar. Em certa medida, a definição de sociedade aparece,
convencionalmente, associada à expressão rede de relações sociais, dentro da qual
apontamos para a importância do processo de interação social. O conceito relação social
é empregado para indicar o comportamento de uma pluralidade de atores na medida em
que, em sua concepção interna, a ação de cada um leve em conta a de outros e seja
orientada nesses termos. Assim, a relação consiste total e exclusivamente na existência
de uma probabilidade de haver, em algum sentido significativamente compreensível,
uma linha de ação social.
É necessário evidenciar que as ciências sociais modernas trazem a marca de
um
pensamento
caracterizado
por
racionalismo,
iluminismo,
jusnaturalismo,
evolucionismo, contratualismo, idealismo, etc. Estas expressões foram adotadas para
expressar que naquele momento histórico os pensadores partiam do pressuposto de que
o homem era o centro de todas as coisas, de que o homem era o principal ser natural,
capaz de pensar, falar, agir e usar seu corpo do modo que mais lhe conviesse. Essa
capacidade de pensar iria banir os mistérios do mundo. As ações coordenadas
formariam a civilização, o sistema social, e proporcionariam o aperfeiçoamento
constante da vida individual e coletiva. Esse pensamento surgiu a partir do
Renascimento (século 16) e se estendeu por todo o Ocidente, onde se desenvolveu a
sociedade industrial.
Se o homem é um sujeito que tem como natureza a capacidade de pensar, falar
e agir, a grande questão era colocar esses potenciais em evidência para orientar as ações
a convergirem umas para as outras e formar a civilização. É aí que aparece a grande
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esperança na ciência, na educação, no Direito e no Estado, como sendo essa a força
orientadora da vida social, como mostra o esquema a seguir:
RAZÃO/CIENCIA
EDUCAÇÃO
DIREITO/ESTADO
H
AÇÃO
Nesta perspectiva, alguns pensadores imaginaram uma forma especial de
estudar essas ações coordenadas que formariam os grupos humanos e a sociedade. Foi aí
que as Ciências Sociais se desprenderam mais da Filosofia e construíram sua identidade
relacionada à pesquisa empírica (busca de dados palpáveis, tocáveis, mobilizáveis...).
Suas cientificidades (caráter sistemático, saber adquirido com uso de métodos e
conceitos), no entanto, não podem ser vistas somente pelo viés da experimentação,
porque seu objeto são os indivíduos e as relações sociais existentes entre estes, nem pelo
aspecto do puro pensamento abstrato – porque ela dedica-se a entender as vivências
humanas na concretude de suas mais variadas manifestações. O cientista, como todo
indivíduo, não é apenas uma pequena parte de um todo social, mas também um
elemento singular que traz a marca do todo de que faz parte. Para entender as estruturas
sociais criadas pela humanidade é preciso que o próprio pesquisador se coloque como
parte delas, pois elas (as estruturas sociais) não são realidades objetivas que se colocam
acima ou além dos indivíduos (Morin, 1998, p. 10).
Nesse sentido, esses conhecimentos estão marcados pelos princípios:
dialógico, no qual a ordem/desordem/organização estão em relação ao mesmo tempo
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complementar e antagônica; sistêmico, da integração parte e todo; auto-organizativo,
que permite o reconhecimento da autonomia e da multicausalidade entre indivíduos e
sociedade, entre o sociológico, o político, o econômico, o cultural, o psicológico, o
filosófico... Com isso, sociedade e indivíduo aparecem como um sistema não trivial e,
como argumenta Morin, um sistema que reconhece o universo vivencial das
cotidianidades no qual se reconhecem os indivíduos-sujeitos com suas subjetividades
inseridas em acontecimentos, fenômenos, problemas, etc. (1998, p. 10).
Essas realidades estudadas trouxeram uma compartimentação dos saberes nas
ciências humanas, mas que não faz desaparecer a multidimensionalidade e a
complexidade das abordagens das realidades sociais. Servem apenas para demarcar uma
fonte de estudo que se pretende analisar mais profundamente.
Se estudamos principalmente indivíduos em grupos, precisamos perceber que
as pessoas, mediante suas disposições e inclinações, estão orientadas umas para as
outras e unidas entre si das mais diversas maneiras, formando teias ou redes de
interdependência e configurações de muitos tipos, tais como família, religiões, escolas,
cidades, Estados, estratos sociais, etc. A tarefa fundamental é, então, procurar ampliar a
compreensão dos processos humanos e adquirir uma base de conhecimentos que leve ao
entendimento das forças que induzem o homem ao controle dessas forças, dando-lhes
significados e orientando-as para construção da vida individual e coletiva justa e
solidária.
Nesse propósito, é possível afirmar que grande parte dos esforços das
pesquisas nas ciências humanas e sociais é para entender o poder, ou seja, estudar as
razões que levam um indivíduo a ter força para fazer com que o outro realize algo que
sem a tal força não faria. As reflexões sobre o poder envolvem, também, os estudos
sobre o que faz com que um indivíduo tenha a capacidade de levar outro a obedecê-lo.
Os estudos sobre o poder são provocados por uma série de questões: De quem
é a vontade e o interesse que prevalecem em uma comunidade de decisão? Por que e
como consegue se manter isto que prevalece? Como as decisões se tornaram confiáveis
e seguidas? Como e por que um indivíduo participa de uma decisão que afeta o outro?
Quais são os efeitos das decisões? Como são efetivadas as decisões? Como um
indivíduo assegura a concordância, a obediência do outro? Como fazer com que o outro
mude a direção da ação? Qual a probabilidade de realizar seus próprios interesses,
apesar da resistência de outros? Como alguém pode exercer poder sobre o outro, a ponto
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de levá-lo a fazer o que não quer? Como se pode influenciar, moldar ou determinar os
desejos do outro? Que mecanismos asseguram a manutenção de uma força sobre um
coletivo? Que capacidade tem um ator social em fazer algo afetando o outro?
Essas reflexões sobre o poder, por sua vez, permitem conhecer os
procedimentos do governar em uma sociedade complexa; a permanência ou o fim dos
conflitos pelo uso do poder de indivíduos legítimos para impor as decisões; a imposição
de classes e a consciência de classes; as influências de uns sobre os outros; o exercício
do poder por grupos; os interesses e os conflitos nas relações políticas; os interesses
particulares e os interesses universais; como brotam os interesses universais; a
representação de sujeitos e instituições; a autonomia dos sujeitos; a organização e as
formas de organização; a capacidade de mobilização; a legitimidade e a legalidade; os
interesses ocultos; a questão da minoria e da maioria; o respeito às diferenças; os
mecanismos de controle dos desejos, dos pensamentos (ideologia, doutrinas); como são
as vivências sem que os desejos sejam possíveis de se realizar; a força que abafa os
conflitos; a autoridade; o reconhecimento da autoridade; a autoridade compartilhada;
tipos de poder; a coação e a coerção; a técnica e a racionalidade do poder político; o
Estado e a sociedade civil; a manipulação; as novas redes de poder; poderes
paraestatais, entre outros.
De modo figurativo, a sociedade atual deveria ser organizada, segundo alguns
pensadores modernos, da seguinte forma:
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SONHO DA MODERNIDADE – O SISTEMA SOCIAL
FAMÍLIA
ESCOLA
MAIORIDADE
TRABALHO
POBREZA
ESTADO
PRISÃO
Desta forma, em termos analíticos, o sistema pode ser assim explicado: o
homem civilizado nasce numa família, é orientado nela até os 7 anos; dos 7 aos 14 anos
deveria ir para a escola e aprender a se orientar para o mundo do trabalho; aos 18 anos
seria preparado pelo Estado, ou seja, todos os homens deveriam servir à pátria, ir para o
quartel e sair de lá só com a maioridade, quando estaria preparado para assumir seus
deveres e direitos, constituir sua própria família e orientar os filhos para a ordem. Assim
teríamos em poucos anos o progresso social, a moral da civilização orientada pela razão
científica.
Se durante estes 21 anos, entretanto, o indivíduo ainda não se organizou, não
aprendeu a ordem social, então teríamos de vigiá-lo pelos órgãos de coerção, para
orientá-lo (subsistema policial, subsistema penitenciário). Quem não se adequasse teria
como castigo as penas da pobreza ou da cadeia.
Este esquema duro da vida social, porém, parece não ter dado certo. A
sociedade está explodindo em violência, aumenta o número de excluídos (pobres) e
parece que não há cadeias suficientes para ressocializar os que não se civilizaram, não
aprenderam a moral social.
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Para entender essas complexificações das relações sociais e a crise que
vivenciamos, as Ciências Sociais engendraram o conceito de hegemonia, indicando a
preocupação em entender as relações de poder presentes nas interações sociais.
Hegemonia significa a prevalência de um interesse, de uma vontade, sobre os demais
interesses e vontades.
Em uma formação social os grupos, os setores ou as classes estabelecem
relações de força. Os vencedores asseguram para si instrumentos que permitem
controlar o poder/espaço por um determinado tempo, a ponto de impedir os resistentes
de vencê-los. A hegemonia do grupo vencedor está em fazer valer a sua vontade como
se fosse de todos e de garantir instrumentos de manutenção, ou seja, pode até existir a
contestação, a discordância, mas os indivíduos são obrigados à conivência com quem
tem a força.
Ou seja, somos levados a entrar para uma sociedade pelos mecanismos de
socialização existentes e só com muito esforço reflexivo conseguiremos entender as
forças que nos compelem à ação, às formas de pensar. O esquema apresentado na
seqüência mostra essa trajetória de nossas vidas socializadas e indica a dificuldade que
temos para analisar a sociedade, posto que essa é uma auto-análise:
SENTIDO
SOCIALIZAÇÃO
AUDIÇÃO
VISÃO
HEGEMONIA NA
SOCIEDADE
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Esta figura nos mostra que entendemos o mundo, que nos tornamos
hegemônicos ou contra-hegemônicos pelo modo de sentir, ver e ouvir as realidades que
criamos ou que foram criadas para nós. Somos produtos e produtores da sociedade.
Nesse sentido, a hegemonia tem a ver com a preponderância de uma
determinada cultura sobre outras existentes. Pode ser entendida como universalização,
consenso, homogeneidade, direção superior, condução, guia, modelo, persuasão,
imposição, etc., que inspira e condiciona as possíveis opções que existam, tanto por
prestígio como por potencial de intimidação e coerção, ou uma forma de poder de
influência-domínio (influência forte) sem emprego de armas, mas ligadas à tradição e à
história.
Segundo o Dicionário de Ciências Sociais (1987), a hegemonia significa a
capacidade de direção intelectual e moral, em virtude da qual a classe dominante, ou
aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo e obtém o consenso ou a
passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida social e política
de um país (Belligni, 1986, p. 579).
O estudo da hegemonia requer que se analise em um período histórico a classe
fundamental que exerce o poder em um determinado espaço social. Exemplo de classe
que construiu hegemonias: a burguesia que comandou a Revolução Francesa, que
catalisou as demais burguesias européias. Ela serviu de modelo para as burguesias
nacionais, sem ter ficado comprometida com antigas classes dirigentes, mas com uma
luta constante com outras camadas sociais, exercia uma política centralizada e uma
revolução permanente para controlar todos os aspectos da vida social.
Gramsci (1988) é quem nos oferece esse exemplo e nos mostra como uma
hegemonia emerge e se espalha: a classe dirigente encontra-se em uma situação de
duplo controle – além de ser a classe fundamental no campo econômico (estrutura), é
também a que tem a direção ideológica (superestrutura) por meio do bloco intelectual.
Um sistema hegemônico é instituído na medida em que se tem uma classe dirigente,
grupos auxiliares que servem de base social e as classes subalternas que estão excluídas
do sistema hegemônico, mas são controladas pela política.
Numa sociedade de classes, a supremacia de uma delas se exerce sempre por
meio de modalidades complementares e, de fato, integradas, se bem que analiticamente
dissociadas do domínio e da hegemonia. Se o domínio se impõe aos grupos antagônicos
pelos mecanismos de coerção da sociedade política, a hegemonia é exercida sobre
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grupos sociais aliados ou neutrais mediante mecanismos de controle da hegemonia da
sociedade civil.
Uma conjugação de forças e de consenso, de ditaduras e de hegemonia é
fundamental em todo o Estado; o que varia é a proporção entre todos esses elementos,
em razão do grau de desenvolvimento da sociedade civil, que, como sede da ação
ideologicamente orientada, é o locus (lugar, fonte) de formação e de difusão da
hegemonia, o centro nevrálgico de toda a estratégica política (Gramsci, 1988, p. 69).
Entre as classes dominantes é formado um bloco histórico que garante o poder
para uma fração delas. Na análise do bloco histórico o conceito de hegemonia é
fundamental, pois indica as dimensões que adquire tanto o grupo de poder que domina
quanto o grupo que cria estratégias para evitar a dominação ou para se contrapor. Ela, a
hegemonia, significa a direção e a dominação da sociedade, isto é, o controle da
sociedade civil e política, o que garante o consentimento de que um grupo detenha o
comando político, a direção política, cultural e ideológica, pois mantém aliados e uma
correlação de forças que garantem a um grupo contar com o apoio de outros.
O aspecto essencial da hegemonia da classe dirigente reside em seu monopólio
intelectual, isto é, na atração que seus próprios representantes suscitam nas demais
camadas de intelectuais, ao criar uma solidariedade entre todos os intelectuais, com
laços de ordem psicológica (vaidade, etc). Esses intelectuais garantem a formação de
um bloco ideológico explicador do mundo. Essas explicações fazem a organização
material da vida social, reforçando-se como saber e este se torna senso comum, capaz de
vincular as camadas sociais à classe dirigente (Portelli, 1977, p. 66).
A hegemonia, contudo, pode também ser combinada com ditadura. Segundo
Portelli, interpretando Gramsci,
as relações entre ditadura e hegemonia são, na prática, menos esquemáticas: como a
sociedade civil e a sociedade política no seio da superestrutura, a hegemonia e a
ditadura não são totalmente separadas. A classe dirigente, mesmo em um sistema
hegemônico, não dirige toda a sociedade, mas somente classes auxiliares e aliadas que
lhe servem de base social e usa a força para com as classes opositoras: a hegemonia
jamais é total e um mesmo grupo pode ser ao mesmo tempo dirigente e dominante (p.
69).
A hegemonia é fruto, então, da ação de uma parte do grupo social sobre o
grupo inteiro, e não deste sobre outras forças para reforçar o movimento, radicalizá-lo
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como modelo. Pode ocorrer, no caso da radicalização, a manutenção da direção
(ditadura) sem hegemonia.
Geralmente em uma formação social as classes econômicas controlam o
capital e não o Estado, deixando este nas mãos de quem confiam. Neste caso a
hegemonia é implícita, uma vez que as forças imprimidas no Estado funcionam como
fração da classe dominante, que não aparece.
Em alguns casos são intelectuais reconhecidos que desempenham a tarefa de
integrar novos intelectuais à cultura da nação, retirando-os das trincheiras dos contrahegemônicos. Assim a burguesia perpetua a dominação, impedindo sistematicamente a
formação de uma elite dos grupos adversários, promovendo a decapitação pacífica dos
grupos inimigos, neutralizando as outras classes.
São muitos os esforços de intelectuais que empregam o conceito de hegemonia
para mostrar como a lógica do capitalismo se tornou um sistema mundial. Se
inicialmente as classes burguesas que o fundaram usaram o Direito, o Estado, a escola
para hegemonizá-lo, hoje as estratégias são, além destas, muitas outras.
Um trabalho bastante amplo que explica como podemos entender a hegemonia
hoje é o de Leslie Sklair. Este utiliza-se do termo ideologia-cultura para mostrar que
após os anos 70 o capitalismo investiu pesadamente para se tornar o sistema
hegemônico no mundo. Este investimento deu-se na elaboração de uma estratégia de
tornar todas as pessoas sujeitas às práticas consumistas. Essa ideologia foi difundida:
a) pelo aumento dos investimentos das CTNs – Corporações Transnacionais –
tecnologia de informações nas mídias;
b) pela troca dos valores locais por outros universais; pela propaganda para o
consumismo e não para a produção (produtivismo); pelo uso mais constante da
televisão;
c) pela força implícita no marketing, que apaga a capacidade das pessoas dos
países subdesenvolvidos de produzir elas mesmas aquilo de que verdadeiramente
necessitam;
d) pela manutenção da presença constante dos produtos das CTNs em todos os
lugares (mercado);
e) pela propaganda dos produtos nas manifestações culturais como filmes,
novelas, seriados, shows, etc; por um ataque direto às pessoas que consomem;
f) pela criação de condições para a conformidade à cultura hegemônica;
História ___________________________________________
g) pelos self-services... (Sklair, 1995, p. 150-155).
Essa hegemonia do poder era garantida pela formação de um “querer
induzido”, que nada mais é que o resultado de uma cultura que se preocupa apenas em
pagar por aquilo que consome, sem procurar saber se esse consumo é próprio das
necessidades biológicas efetivas ou se é apenas necessidade do mercado; é padronização
do gosto; é insistência diária para que se consuma o produto, o que impossibilita a
criação de resistências a ele (por que não se desliga a televisão?); é a ilusão de que, ao
se adquirir o produto se alcança a igualdade com as pessoas de onde este provém
(americanização); é a satisfação dos pobres com produtos internacionais (nem sempre
originais); é uma armadilha e não uma ignorância, pois não aparece facilmente uma
forma de satisfação diferente; é a utilização de um disfarce para encobrir as difíceis
condições materiais em que se vive; às vezes, é símbolo de identidade das pessoas (p.
157).
Nesse sentido, o capital realizou o “imperialismo de mídia” que se dava não
pelos aparelhos, pelas tecnologias em si, e sim por aquilo que se noticiava, por quem
possui o veículo e a quem (o público) atinge. É a economia que se mundializa, trazendo
a mídia. Entulha-se a mídia com propaganda e notícias/informações sem necessidade,
não dando espaço para os debates sobre os problemas efetivos da população. O controle
das mídias pelas CTNs (financiam formação, pagam altos preços por marketing, querem
o produto nos horários nobres, patrocinam os programas culturais) que oferecem muitas
TICs (Tecnologias Informacionais e Comunicacionais) facilitam as compras, persuadem
pela proposta única de venda: igual no primeiro e no terceiro mundo; a americanização
como superioridade técnica contra as necessidades culturais nativas; propaga-se mesmo
sabendo que muitos não podem comprar (p. 156-168).
Assim a propaganda torna-se uma “supralinguagem”, pois suas práticas de
linguagem penetram numa sociedade por longo tempo e de diversos modos (conta-gotas
ideológico); produzem apenas noções e não conhecimento; falas treinadas para
emocionar, convencer e garantir expressões rápidas em inglês (lingüicídio) associadas a
imagens de produtos e não aos produtos em si; produz a forma e esconde o conteúdo.
Os produtores de “gostos” e “necessidades” são os mesmos que ofertam os produtos
para satisfazê-los (produzem o produto e a necessidade do consumidor).
O autor usa a Nestlé, a Coca-Cola e a Searle como exemplos de corporações
globalizadas e que hegemonizaram os seus produtos no mundo. Além disso, o estudo
História ___________________________________________
dessas CTNs serve para mostrar como a propaganda inclui programas explícitos e
implícitos de relações sociais com base no consumo sistemático de produtos. Mostra os
produtos globalizados, as concorrências, como meio de forçar o consumidor a decidir
por uma delas.
As CTNs não estão apenas vendendo os produtos, mas engendrando mudanças
sociais, políticas e culturais padronizadas (McDonald’s). Veja o caso da Nestlé:
comidas para bebês (mães felizes, descansadas, enfermeiras cuidando da saúde) –
ligação com a vida do lar, família, emoção e consumo. Com isto entrou em declínio a
amamentação natural, o gosto natural, posto que o terceiro mundo não possui
mecanismos regulatórios dos produtos.
A Coca-Cola vende mais de 500 milhões de litros por dia no mundo: o jovem,
as festas feitas para o consumo, acompanhando o alimento... E com a Searle (indústria
de remédios) o autor mostra os preços diferentes pelo mesmo produto, lucro com as
doenças, os produtos restritos no primeiro mundo e que são vendidos livremente no
terceiro, a dependência do terceiro mundo por remédios... Embora sabendo que o
capitalismo não poderá “transformar todas as pessoas em autênticos consumidores” o
autor nos mostra que ao produzirem a ilusão de ser verdadeiramente consumidores –
pois grande parte da população só consome a imitação, o falso produto barato – estão
fazendo com que as pessoas estejam culturalmente hegemônicas ao poder dos
produtores da ideologia-cultura do consumismo. O consumismo é, portanto, o novo
ópio do povo, garantidor de que a lógica do capitalismo se mantenha hegemônica por
muito tempo (Sklair, 1995, p. 176-188).
Um outro tema desafiante hoje é o tema violência. Observe o que escreve o
sociólogo francês Jean Baudrillard sobre a violência mundial, interpretando o fato
ocorrido em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
As torres gêmeas significavam a violência mundial expressada pela
arquitetura... Eram como sistema de valor ocidental e ordem
mundial... Imagem do capitalismo: selva piramidal, uma carta
perfurada, grafismo numérico e contável, paralelepípedo perfeito de
400 metros em vertical, vasos comunicantes perfeitamente
equilibrados, cegos, sem rostos, sem fachadas, uma caixa preta,
imoralidade da imagem, arrogância monolítica, que não se abrem
para o exterior e são submetidos a um condicionamento artificial ...
dupla ... existe um fascínio particular nesta duplicação: uma só pode
ser boa por ser reflexo da outra, clonagem ou código ... modelização
História ___________________________________________
informática, bancária, financeira, contábil e numérica as torres eram,
de alguma forma, o cérebro desse sistema e atacando-as, os terroristas
atacaram o cérebro, o centro nevrálgico do sistema ... destruir
violentamente a violência desta arquitetura ... a fascinação ambígua:
sentimento de atração e de repulsa (desejo secreto de vê-las
desaparecer), uma qualidade estética e um crime perfeito contra a
forma, uma tautologia da forma que pode sevar , por uma repercussão
violenta, a tentação de quebrar a simetria, de resistir uma assimetria e
uma singularidade: atacar as duas com alguns intervalos de minutos e
ver cair as duas juntas – duplo efeito, parecendo um suicídio em
resposta aos aviões-suicidas ... destruição do objeto físico e do objeto
simbólico... os nervos de aço se romperam sob olhos espantados do
mundo inteiro, como se fosse um efeito especial... caiu no seu próprio
jogo interno: o terrorismo ... denega-se o terrorismo sem se perceber
que ele é efeito interno ... muitas coisas não valem a pena serem
destruídas, as torres valiam, foi uma honra, significou um prestígio a
quem o fez – paradoxo: só se pode construir aquilo que, por seu
caráter extraordinário, fosse digno de ser destruído.
No mundo midiático, a imagem costuma ocupar o lugar do
acontecimento. A imagem não serviu de refúgio para o acontecimento.
A própria imagem transforma-se em acontecimento. Ela o substitui e o
consumo da imagem esgota o acontecimento por procuração ...
exatamente como a guerra atual é a procura de uma ausência de
política por outros meios... no meio de tantas imagens banais e na
imagem do acontecido tudo é inimaginável, mas real... para
desaparecer o luto se toma, equivocadamente, a solução do aumento
da violência, da represália ... com toda a violência é circular... que é
real e simbólica... roteiro para a seqüência de terrorismo que se
seguirá ... é a permutação da morte feita por suicidas, sem causas
objetivas, sem razão histórica, mas representante da miséria do mundo
e assume o significado do fim da política e uma forma de zombar dela
e também o fim da guerra, do conceito clássico de guerra... é o
desespero de todo pensamento único dominante mas que se bate a um
contrapensamento único ... mas foi o próprio sistema quem criou as
condições objetivas desta reação brutal: recolhendo para si todas as
cartas, ele força o outro a mudar o jogo e a mudar as regras do jogo...
o terror é mais violento que a violência ... o terrorismo não traz em si
mesmo nenhuma alternativa ideológica ou política ... nos cacos do
espelho quebrado procuramos nossa imagem ... o terrorismo é hoje a
obsessão à ordem mundial ... enquanto a reunião do G8 continua a
acontecer... (Baudrillard, 2003).
Este texto indica que os fenômenos sociais não podem ser explicados de modo
simples, monocausal ou preconceituoso. Não há como assumirmos um distanciamento
em relação aos sentimentos de ódio recíproco, sentir-se para além do bem e do mal e é
difícil apreender a lógica do jogo mortal de estranhamento entre “eu” e o “outro”. Se
outros podem fazer o que fazem, como podemos dizer que não faríamos o que eles estão
História ___________________________________________
fazendo? Que potenciais podemos ter para blindar a sociedade contra atos que
destroem?
Edgar Morin nos leva a pensar sobre esta condição de estar no mundo, sendo
único e universal. A seguir outro exemplo de texto sociológico:
A definição primeira de sujeito deve ser biológica. Trata-se de uma
lógica de auto-afirmação no indivíduo vivo, pela ocupação do centro do
seu mundo, o que corresponde literalmente à noção de egocentrismo.
Ser sujeito implica situar-se no centro do mundo para conhecer e agir.
É a qualidade do sujeito que torna cada gêmeo único, não as suas
características particulares. Assim, a diferenciação decisiva, em relação
ao outro, não está, antes de tudo, na singularidade genética, anatômica,
psicológica, mas na ocupação do espaço egocêntrico por um Eu que
unifica, integra, absorve e centraliza cerebral, mental e afetivamente as
experiências de uma vida ... Como cada indivíduo vive e experimenta-se
como sujeito, essa unicidade singular é a coisa humana mais
universalmente partilhada. Ser sujeito faz de nós seres únicos, mas essa
unicidade é o aspecto mais em comum ... Mas egocentrismo não é a
mesma coisa que egoísmo, pois o egocentrismo favorece o altruísmo,
pois somos capazes de dedicar o nosso Eu a um Nós e a um Tu ... O
indivíduo vive para si e para o outro dialogicamente; o egocentrismo
pode constranger o altruísmo; este pode superar o egocentrismo ... O
sujeito humano está também potencialmente destinado ao amor, à
entrega, à inveja, ao ciúme, à ambição, ao ódio. Fechado sobre si
mesmo ou aberto pelas forças de exclusão ou de inclusão. Existem bons
e maus sujeitos, conforme toda a gama da afetividade humana; um
mesmo sujeito pode ser ora bom ora mau ... por maior que seja nossa
possibilidade de integração num Nós, a equação subjetiva Ego/Eu é
pessoal e inalienável. Pode-se partilhar e viver por empatia a alegria de
outro, mas a alegria e o sofrimento, ainda que partilháveis, são
intransferíveis.
O lugar onde se origina e se desenvolve grande parte deste potencial
egocêntrico ou altruísta é a família.
A família surge para tornar-se a unidade básica para a qual se canaliza
a reprodução e concentram-se os cuidados das crianças. Converteu-se
num núcleo de autonomia, um espaço de complexidade humana. Foi, até
o seu enfraquecimento no mundo ocidental, um microcosmo quase
fractal da sociedade, comportando as dimensões biológica, econômica,
cultural, educativa, psíquica. A família liga o arcaico, o histórico e o
contemporâneo. Atravessa os séculos e as sociedades, tendo ainda
futuro.
Sempre foi um centro de transmissão de valores e unidade psicológica
onde funda-se a identidade pessoal e afirma-se o destino pessoal. As
personalidades dos pais imprimem-se nas almas infantis para sempre.
Mesmo distantes ou mortos os pais imprimem sobre os filhos o imago da
autoridade e do amor. Quando o descontrole e o sofrimento rondam o
ser humano, as famílias podem ser cantinhos seguros ou prisões ... O lar
História ___________________________________________
é invadido pela economia exterior e pela cultura de mídia, gerando o
enfraquecimento do papel educativo dos pais e alimentando sonhos
insatisfeitos, bloqueios inibitórios, imaginações inflamadas, fantasias
obsessivas, transgressões fatais ... Corremos o risco de a família deixar
de ser um lugar onde se nasce, aprende-se, trabalha-se e morre-se.
Nunca o casal foi tão frágil e, contudo, nunca a necessidade do
casamento foi tão forte diante de um mundo anônimo, de uma sociedade
atomizada, em que o cálculo e o interesse predominam. O casamento
significa intimidade, proteção, cumplicidade, solidariedade. A família
está em crise, o casal está em crise, mas o casal e a família são
respostas a essa crise ... O amor desestrutura um casamento, mas
estabelece outro... há extravios afetivos e amorosos, mas os imagos
fortes do pai, da mãe, da esposa e do esposo, do irmão e da irmã,
enraizados nos espíritos, geram um apelo permanente e profundo ... A
família permanece um núcleo insubstituível – seja ela como uma
neofamília, formada diferentemente e influenciada por adoções,
homossexualismo, esperma anônimo, barriga de aluguel, incubadoras,
clonagens (Morin, 2002).
UNIDADE 1 – A SOCIEDADE EM CONSTRUÇÃO – Alguns elementos da
trajetória histórica da sociedade e do pensamento político
Nesta Unidade vamos tematizar sobre a História da sociedade em seus
aspectos de organização concreta, o trabalho, e em sua forma política. Denominaremos
de humanização da natureza a primeira parte, que trata de mostrar como o homem foi
superando suas necessidades e foi criando sua sustentabilidade enquanto ser social.
Chamaremos de ordenação do coletivo àqueles aspectos históricos que marcam a ação
do homem na organização do seu lugar de vivência coletiva. Não vamos descrever a
sociedade, mas captar o pensamento social, ou seja, buscar como os cientistas sociais,
os filósofos, refletiam o mundo social, as suas propostas, dado que elas continuam vivas
e inspirando-nos para o futuro.
A recorrência à História está baseada na compreensão de que só podemos
entender a realidade atual se soubermos como ela se constituiu, ou seja, partimos do
pressuposto de que todos nós temos história, que tudo tem história e que história é uma
luz para frente e não para trás.3 Estamos fazendo história, sabendo ou não.
3
Ver no final deste texto o quadro cronológico da evolução do pensamento social.
História ___________________________________________
SEÇÃO 1.1 – A Humanização da Natureza
A sociedade teve início quando os homens, permeados pelas necessidades
humanas, tiveram de assentar-se sobre um território, produzir alimentos, construir seu
habitat e assegurar sua vida. Esses diferentes processos foram chamados de
formalização da natureza, ou humanização da natureza. Como não podia fazer isso de
modo individual, o homem uniu-se a outros que tinham os mesmos interesses, formou
famílias e iniciou atividades coordenadas para transformar a natureza. Essas ações
coordenadas foram chamadas de trabalho e os pactos formados para viverem juntos
foram denominados de normatização do coletivo.
A interpretação da sociedade pode ser feita pelo estudo do modo como o
homem organizou-se para o trabalho. As trajetórias das sociedades ocidentais são
apresentadas, em geral, a partir da história do trabalho de acordo com o seguinte
esquema:
P R I M IT IV IS M O
E S C R A V IS M O
F E U D A L IS M O
C A P IT A L IS M O
Segundo Darcy Ribeiro4 em seu livro “O Processo Civilizatório”, as
profundas mudanças (sociais, políticas, econômicas, ideológicas...) só podem ocorrer
4
Este autor é interpretado por Danilo Lazzarotto (texto mimeografado, 2005), professor do curso de
História da Unijuí, como um grande intérprete das macroestruturas históricas. É uma interpretação que se
aproxima da leitura da história feita por Karl Marx, mas que, segundo Lazzarotto, tem contribuições
especiais. Darcy Ribeiro que, inspirado em Marx, superou a do mestre, na explicação das
macroestruturas históricas, que permitiram à humanidade chegar até o presente. Essa teoria foi por ele
divulgada em seu livro “O Processo Civilizatório”, traduzido, em, pelo menos, 28 línguas. Mas, aqui no
Brasil, Darcy é elogiado como indigenista, escritor e político, mas como teórico é, quase, ignorado.
Diante disso permiti-me elaborar esse texto, para divulgar sua teoria, o mais possível, para que se lhe
faça justiça, antes que algum estrangeiro se aposse dela e encante os brasileiros.
História ___________________________________________
numa sociedade se antes, ou simultaneamente, acontecer profunda mudança no
“Contexto Básico de Produção” (do trabalho). Este é formado por: a) com que se
produz: uma sociedade produz, principalmente, pela tecnologia básica; b) o que
produz: pelas riquezas básicas (produzidas pelas tecnologias básicas) só há quatro tipos
até o presente momento – a agrícola, a pastoril, a mercantil e a industrial; c) como
produz: com controle comum (Deus ou o Estado), o coletivismo, ou por iniciativas
particulares, o privativismo.
O contexto básico de produção (com que produz, o que produz e como produz)
obriga as sociedades que o adotam a se organizarem nos seguintes sistemas:
a) Sistema adaptativo, que engloba todo o conjunto tecnológico, a partir da
tecnologia básica produtiva e da riqueza básica por ela produzida, isto é, com que
produz e o que produz.
b) Sistema associativo, que abrange todas as formas de organização social, seja
para a reprodução biológica seja para a produção ou distribuição de bens ou para o
convívio social, estando em primeiro lugar as relações de classe social.
c) Sistema ideológico, que engloba todo o abstrato de determinada sociedade,
(idéias, valores, crenças, comportamentos, ciências...). Em especial, as idéias que
procuram explicar e justificar os sistemas adaptativos e associativo vigentes, isto é, a
ideologia.
Segundo Lazzarotto (1995), deve-se ficar atento à explicação para o seguinte
sentido:
1 – a mudança profunda no contexto básico de produção criará,
necessariamente, tensões sociais, que dividirão a sociedade entre os que só aceitam as
mudanças no sistema adaptativo e abafam as dos sistemas associativo e ideológico e os
que querem resolver as tensões sociais, promovendo as mudanças exigidas. Vencendo
estes últimos, a sociedade evoluirá para uma nova forma de vida (um novo processo
civilizatório), mas, se as tensões sociais forem abafadas, a sociedade estagnará.
2 – os povos defasados, ainda existentes, não precisam passar por todos os
estágios para se atualizarem (Ex: uma aldeia agrícola entra diretamente na Revolução
Industrial, num processo lento de atualização histórica).
3 – normalmente as sociedades que atingiram o maior desenvolvimento em
seu processo civilizatório estagnam, mesmo ocorrendo mudanças tecnológicas
História ___________________________________________
profundas, isto porque suas classes dominantes abafam as tensões sociais, não
permitindo um avanço evolutivo.
4 – os estágios evolutivos não foram passos obrigatórios. Um ou outro poderia
não ter existido (Ex: as hordas pastoris).
5 – o impacto das mudanças profundas no contexto básico de produção, nas
mudanças estruturais de uma sociedade, pode ser constatado num exame diacrônico (de
longo prazo), porque num exame sincrônico (de um determinado momento) qualquer
fator (social, político, econômico ou ideológico) pode manifestar-se como dominante.
Não tão distantes dessa interpretação, nós podemos entender a evolução da
sociedade pelo viés do mundo do trabalho.
Neste caso, nas comunidades primitivas o “trabalho” era visto como uma
resposta do ser humano as suas necessidades básicas: fome, abrigo, vestimenta, defesa,
etc., não podendo ser separado dos demais aspectos da vida social, tais como ritos,
mitos, festas, artes, sistema de parentesco, etc. Ele não tinha valor em si, ou seja,
separado dos demais aspectos da vida social (Rotta, 2006).
Embora havendo diversidade, a maior parte das sociedades tribais praticava
uma separação do trabalho por sexo e idade. Dividiam as tarefas para dar conta das
necessidades e para garantir o processo de aprendizagem e reprodução do grupo (Rotta,
2006).
As atividades de trabalho estavam em harmonia com o processo natural.
Conheciam profundamente o meio em que habitavam e procuravam aproveitar sua
capacidade de trabalho para usufruir, da melhor maneira possível, dos recursos
proporcionados pela natureza.
As técnicas adotadas eram simples, mas davam conta das necessidades do trato
com a natureza. Isso não quer dizer que não houvesse inovação. O trabalho era, acima
de tudo, uma atividade social, pois estava voltado para o bem da coletividade e não para
um processo de acumulação, sendo desenvolvido de forma coletiva.
No momento em que o trabalho passa a ser visto como atividade autônoma e
ser orientado para a acumulação, tem-se o rompimento com as sociedades tribais e a
transição para a formação dos reinos e impérios que vão dar origem às grandes
civilizações da Antiguidade: os persas, os egípcios, os gregos, os romanos, etc. Temos
aí a sociedade escravista.
História ___________________________________________
As disputas entre os diferentes povos levaram os vencedores a se apossarem
das riquezas dos vencidos: terras, animais e pessoas. O direito de conquista submete o
vencido à condição de escravo (Grécia e Roma) ou de pagador de tributos (persas e
egípcios).
Opera-se aí uma nova divisão do trabalho que vai substituir a separação por
sexo e idade. É a divisão entre trabalho braçal e trabalho intelectual. O trabalho manual,
de quem labuta na terra, e o intelectual que planeja e ordena a vida social.
– Trabalho braçal: que exige força bruta e reduzida habilidade; atividade
passiva e sujeita ao ritmo da natureza. Típica dos agricultores e escravos;
– Trabalho manual: cuja ênfase recai sobre o fazer, o ato de fabricar, de criar
alguma coisa com o uso de instrumentos ou com as próprias mãos. É o trabalho do
artesão, do escultor, em que o produto pode permanecer para além da vida de quem o
fabrica;
– Trabalho intelectual (práxis): é a atividade que tem a palavra como seu
principal instrumento. O trabalho livre, dos cidadãos, dedicado a discutir os assuntos da
vida pública (negócios públicos: administração, gestão, poder, artes, filosofia, etc.) e a
dispor, da melhor maneira possível, os produtos postos à disposição pelas outras formas
de trabalho.
Essa divisão era vista como um processo natural, decorrente da competência
das pessoas, por uma superioridade ou inferioridade natural.
A condição de escravo, independentemente do ofício a que era submetido,
gerava uma submissão natural ao seu senhor, a quem deveria servir até a morte ou a
conquista da liberdade. O escravo poderia ser vendido, trocado, alugado, etc. É nesse
sentido que se produz uma visão negativa do trabalho, visto como castigo e sofrimento;
com a desagregação dos grandes impérios, desencadeia-se um retorno ao meio rural e às
atividades agrárias. A escravidão vai cedendo lugar à servidão. Uma relação de mútuos
direitos e obrigações existentes entre o servo e o seu senhor. O senhor não é mais
proprietário do trabalhador, mas da terra e dos instrumentos de trabalho e os arrenda ao
trabalhador em troca de obrigações que este deve prestar-lhe.
Estabelece-se uma relação contratual; as relações servis acabam produzindo
uma sociedade com espaços definidos e funções determinadas na divisão do trabalho;
essa divisão era entendida como natural e legitimada por um discurso religioso; a
produção do feudo servia para atender às necessidades dos mesmos. O excedente era
História ___________________________________________
consumido em festas ou trocado com feudos vizinhos. A tecnologia utilizada era
simples e seu avanço muito lento. Estava ligada ao mundo prático da vida e ao ciclo da
natureza. Isto é muito próprio do feudalismo.
Apesar de as atividades dominantes estarem ligadas à terra, havia o
desenvolvimento de outras atividades que, aos poucos, foram conquistando espaço e
gerando profissões reconhecidas e organizadas, as corporações de ofício. A partir delas,
porém, já vamos ter uma nova forma de organizar o trabalho que vai rompendo com a
forma dominante do contrato e preparando as relações assalariadas.
A crise do feudalismo, na Europa, vai proporcionar o maior desenvolvimento
das atividades urbanas, em especial do comércio e artesanato, levando à afirmação de
uma nova compreensão de trabalho.
A desagregação do feudalismo europeu está ligada a um conjunto de
fenômenos: esgotamento das terras, aumento da população, esgotamento técnico, crises
de fome e doenças, desenvolvimento do comércio e das atividades urbanas, etc. O
desenvolvimento do comércio e das atividades urbanas vai gerar um novo grupo social
composto por comerciantes e artesãos que precisam afirmar o seu trabalho como a
origem dos bens que vão acumulando. Assim, passam a gerar um sentido positivo para
o trabalho e a demandar novas teorias que possam justificar esse sentido positivo. As
teorias liberais vão dar sustentação a essa compreensão.
Locke atribuiu ao trabalho a fonte de toda a propriedade. Adam Smith afirmou
que o trabalho é a fonte de toda a riqueza. Marx, embora não concordando com as idéias
liberais, consolidou essa compreensão ao definir o trabalho como fonte de toda a
produtividade e a expressão da própria humanidade do homem.
As novas idéias afirmaram a compreensão positiva do trabalho, que passa a ser
visto como a fonte de riqueza de uma nação. A capacidade de acumular riquezas passou
a depender da aptidão para o trabalho e não apenas da posse de recursos naturais, da
balança comercial favorável ou do acúmulo de metais preciosos por processos de
exploração colonial. Assim tem início o capitalismo.
O domínio de atividades urbanas ligadas ao comércio e ao artesanato vai
desencadear também uma intensificação do ritmo tecnológico, principalmente nessas
áreas; os comerciantes e artesãos aliam-se aos reis e fortalecem seu poder, contrapondose à nobreza e ao clero e preparando uma conseqüente conquista de ascensão ao poder
do Estado; o desenvolvimento das cidades vai gerar um mercado de trabalho urbano
História ___________________________________________
submetido a novas regras, cada vez mais orientadas para o assalariamento, para a
separação entre o trabalho e os meios de produção e para o cultivo de uma “ética do
trabalho” (Rotta, 2006).
O ambiente urbano prepara a consolidação da idéia de que é com o trabalho
que a pessoa tem possibilidade de ascender socialmente, superando as visões antigas
que estavam baseadas em laços de sangue, de hereditariedade e de títulos. A partir
disso, qualquer pessoa comum podia ascender socialmente, bastava para isso acumular
riqueza por meio do trabalho, como cita Rotta (2006):
Já pelo final da Idade Média, com a ascensão das classes burguesas, que
dominavam o comércio e aos poucos também a produção de mercadorias artesanais
(e posteriormente, industriais), o trabalho vai adquirindo uma dimensão de
centralidade da vida e da inserção social. Ou seja, a universalização política do
cidadão é dada pela sua relação com o trabalho: quem trabalha é cidadão, é ordeiro,
é de bem! Quem não trabalha é excluído, é perigoso, é marginal, é desordeiro. Sob
esta ideologia, que se expande nos séculos XV ao XVIII e que torna-se
absolutamente dominante no século passado – e permanece em grande parte até
nossos dias – criam-se idéias justificadoras (o trabalho regenera dos pecados, é sinal
de bênção divina, dignifica o homem, etc.); criam-se normas e leis protetoras de
quem trabalha e repressoras de quem não trabalha; criam-se instituições de trabalho:
as fábricas, as empresas, as fazendas, etc. As classes dominantes inventam o
Estado-Nação para controlarem o trabalho e seu resultado (Gehlen, 1997, p. 2, apud
Rotta, 2006).
A “ética do trabalho” passa a funcionar como justificação ideológica para
explicar a inclusão ou a exclusão social, o sucesso ou o insucesso econômico, a riqueza
ou a pobreza, a moralidade ou a imoralidade, a valorização ou a marginalização do ser
humano.
A consolidação do capitalismo efetiva o estabelecimento de um mercado livre
de natureza, capital, produtos e mão-de-obra. Esses elementos passam a obedecer às leis
do mercado (lei da oferta e da procura), portanto perdem sua autonomia e passam a estar
submetidos às regras do mercado, aos padrões do mercado, às orientações do mercado,
etc.
Nesse momento histórico a sociedade se organiza na cadência das
transformações do trabalho. Alguns autores falam de “uma nova era”, a era do homemtrabalho. Quem controla o mundo do trabalho controla a sociedade em si. A palavra de
ordem é modernização do trabalho, inovação, industrialização, tecnologização, etc.
A partir da Revolução Industrial, cada vez mais o trabalhador é separado dos
instrumentos de produção, não lhe restando outra alternativa para sobreviver a não ser
História ___________________________________________
vender sua força de trabalho no mercado. Ao vender sua força de trabalho ele celebra
com o comprador um contrato que estabelece os seus direitos e as suas obrigações, além
da remuneração pela força de trabalho vendida. O salário transforma-se no pagamento
por uma quantidade de força de trabalho vendida, por um prazo e em certas condições.
Com essa remuneração ele volta ao mercado para comprar aquilo de que necessita para
a sua sobrevivência, ou seja, os produtos que são fabricados por outros e também postos
no mercado. As relações passam pelo critério da mercadoria.
O estudo das relações sociais configuradoras da sociabilidade humana
contribuiu para identificar a emergência de problemas e conflitos sociais, políticos e
econômicos, suscitados pela nova ordem das atividades econômicas marcadas pela
intensidade do trabalho administrado, pela comercialização de todas as esferas do
cotidiano vivido.
O trabalho é o solo genérico da ação humana. A origem da liberdade está no
trabalho. “No contexto de uma existência na qual se limite a reagir aos estímulos do
meio ambiente para continuar a reprodução da espécie, falar em liberdade é segundo
Lukács um contra-senso” (Lessa, 2000, p. 187). Na atualidade as formas de trabalho
forjadas em condições degradantes praticamente acoplam os homens as máquinas.
Como poderiam os homens construir processos de liberdade? Estariam eles somente
reagindo a estímulos?
A liberdade é o campo de ação das decisões no complexo social concreto. Essa
concepção rompe com o idealismo uma vez que foi posta sob a necessidade do
indivíduo. Esta concepção de liberdade humana é vista como afirmação do indivíduo
diante do sociocoletivo, não na dicotomia indivíduo/sociedade, mas como constituinte
do gênero humano.
O trabalho surge no “ato de consciência que, com seu resultado, vem
transformar causas postas em séries de causas necessárias”. Esse ato prévio idealizado é
a esfera originária da ontologia da liberdade. A partir do momento em que o tornamos
uma realização humana concreta no meio social, ele se torna objetivação.
O fundamento da liberdade não pode mais ser apenas o agir com conhecimento
de causa, mas requer também a consciência que supere a manipulação contemporânea.
A superação da manipulação de um mundo que coloca a busca de respostas de
demandas postas – para a busca de necessidades que venham a contribuir para uma vida
plena de sentido. “A noção de sociabilidade da particularidade da individualidade
História ___________________________________________
enquanto contraposta do gênero humano é o nódulo essencial do processo de
manipulação que caracteriza a sociabilidade contemporânea” (Lessa, 2000, p. 194).
Aqui o autor faz uma crítica à concepção do individualismo burguês e seu referido
conceito de liberdade, de raízes em Locke. De outra parte, a manipulação pela ciência
não busca compreender a essência da manipulação, mas adaptar-se a ela. A necessidade
é o resultado de decisões alternadas e de atos teleologicamente postos:
A individualidade transforma a ciência em manipulação prática do real. Retirando
dela a autoridade para construção de um mundo que responda às demandas postas
pela necessidade de uma vida plena de sentido (Lessa, 2000, p. 195).
A vida cotidiana exibe alternativas inesperadas – decidir sem conhecer a maior parte
dos componentes existentes no cotidiano, pois a objetivação que as formas de trabalhos
atuais colocam aos homens não permite a esses trabalhadores ter a consciência do meio
onde vivem. Uma vez que os meios para satisfazer as necessidades não são
determinados pelas cadeias biológicas, mas pelo resultado das decisões alternadas de
atos teleologicamente postos, a liberdade é campo de ação das decisões no interior de
um complexo social concreto.
O fundamento da liberdade não pode mais ser apenas o agir com
conhecimento de causa, mas requer também uma consciência que supere a manipulação
contemporânea deste conhecimento de causa, do objetivo da intenção. “Desenvolver a
sociabilidade implica necessariamente a subjetividade, o momento do fim, exercer uma
influência cada vez mais relevante no desdobramento da realidade concreta do mundo
dos homens” (Lessa 2000, p. 198).
Para além dessas questões mais amplas, a Sociologia mapeou as situações de
trabalho em regiões de grande concentração de indústrias: condições de vida, legislação
trabalhista, saúde, mortalidade infantil, moradia, formação profissional, salário, jornada
de trabalho, gestão de mão-de-obra, trabalho das mulheres, crianças e idosos, acidentes
de trabalho, exclusão, doenças no trabalho, organização urbana, assistência ao
trabalhador e sua família, papel do Estado, conflitos entre patrões e empregados,
resistências individuais e coletivas, associações e sindicatos de trabalhadores, etc.
A necessidade de escoar seus produtos para um espaço cada vez maior leva a
burguesia a se espalhar por todo o planeta. Ela precisa inserir-se em toda parte, construir
em toda parte, estabelecer ligações em toda parte. Mediante a exploração do mercado
mundial, a burguesia organizou de modo cosmopolita (global) a produção e o consumo
História ___________________________________________
em todos os países. As velhas indústrias nacionais foram aniquiladas. Elas são
substituídas por novas indústrias, que não usam mais matérias-primas locais, mas
procedentes das zonas mais remotas, e cujos produtos são consumidos não somente no
país, mas em todas as partes do mundo. Em lugar da auto-suficiência e do isolamento,
em âmbito local e nacional, entra em cena um intercâmbio geral, uma interdependência
geral entre as nações.
Após a 1ª Guerra Mundial o movimento sindical foi intensamente reprimido e
as lutas operárias, com as perspectivas do socialismo, sofreram um revés em seus
espaços de atuação profissional. Daí para a frente, todos os conhecimentos que
defendiam liberdade e organização justa foram controlados ou suprimidos dos
educandários, com a desculpa de que apresentavam a ameaça comunista. Apareceram,
de um lado, sociólogos engajados na administração e ergonomia das indústrias e, de
outro, intelectuais orgânicos (intelectuais que estão dentro dos movimentos sociais
auxiliando na formação de um saber que os organize na luta pelos seus interesses) das
classes populares (quase sempre na clandestinidade), auxiliando os operários na
organização, na movimentação e no enfrentamento da lógica capitalista que está na raiz
dos princípios e técnicas do taylorismo, do fordismo, da reengenharia, do toyotismo,
etc.
De qualquer forma, foram produzidos muitos conhecimentos sobre o mundo
do trabalho da sociedade industrial, com enfoque nas questões universais ou locais,
destacando aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos que estão no entorno do
trabalho. Os estudos desses conhecimentos destacam os vários momentos da
organização da luta dos trabalhadores, em resposta à organização da classe patronal.
Estes estudos mostram que o mundo econômico é caracterizado pelo crescimento do
mercado por meio de empresas multinacionais, contornando ou neutralizando a
regulação nacional das relações de trabalho; pela precarização das relações de trabalho;
pela flexibilização e automatização dos processos produtivos, com a emergência de
novos dinamismos locais e pela expansão do mercado com a crescente diferenciação de
produtos de consumo e pela mercadorização e digitalização da informação. Houve
destruição da solidariedade tradicional (família e território) pelo desenvolvimento
industrial e o alargamento do sufrágio universal (voto, eleições), inserido na lógica
abstrata da sociedade civil e do cidadão formalmente livre e igual; a comunidade é
História ___________________________________________
materializada por meio da emergência de práticas de classe, que passam a estruturar o
espaço político.
Para caracterizar estes aspectos vamos citar parte de um texto de Jürgen
Habermas:
O horizonte do futuro estreitou-se e o espírito da época, como a
política, transformou-se profundamente. O futuro afigura-se
negativamente: no limiar do século XXI desenha-se o panorama
aterrador da ameaça mundial aos interesses da vida em geral: a espiral
armamentista, a difusão incontrolada de armas nucleares, o
empobrecimento estrutural dos países em desenvolvimento, o
desemprego e os desequilíbrios sociais crescentes nos países
desenvolvidos, problemas com o meio ambiente sobrecarregado, altas
tecnologias operadas às raias de catástrofe, são as palavras-chave que
invadiram a consciência pública através dos meios de comunicação de
massa. As respostas dos intelectuais refletem uma perplexidade não
menor que a dos políticos. Não é de forma alguma apenas realismo se
uma perplexidade aceita temerariamente colocar-se cada vez mais no
lugar de busca de orientações que apontem para o futuro. A situação
pode estar objetivamente ininteligível. Contudo, essa imperspicuidade
é também uma função da presteza de ação de que uma sociedade se
julga capaz. Trata-se da confiança da cultura ocidental em si mesma...
A utopia de uma sociedade do trabalho perdeu sua força persuasiva – e
isso não apenas porque as forças produtivas perderam sua inocência ou
porque a abolição da propriedade privada dos meios de produção
manifestamente não resultam por si só no governo autônomo dos
trabalhadores. Acima de tudo, a utopia perdeu seu ponto de referência
na realidade: a força estruturadora e socializadora de trabalho abstrato.
Claus Offe compilou convincentes “indicações da força objetivamente
decrescente de fatores como trabalho, produção e lucro na
determinação da constituição e do desenvolvimento da sociedade em
geral”... Quem abrir uma das raras obras que ainda hoje ousam revelar
já no título uma inspiração utópica – penso em Caminhos para o
paraíso, de André Gorz – encontra ratificado este diagnóstico. Gorz
fundamenta sua proposta de desvincular trabalho e renda por via de um
rendimento mínimo garantindo com o abandono de toda a expectativa
marxiana de que a auto-atividade ainda possa coincidir com a vida
material... Mas por que deveria essa desfalecente força persuasiva da
utopia de uma sociedade de trabalho ter importância para a ampla
esfera pública a e ajudar a esclarecer um esgotamento em geral do
impulso utópico? Porque essas utopias não atraíram apenas
intelectuais. Ela inspirou o movimento dos trabalhadores europeus e
deixou sua marca em três programas muito diferentes, mas que se
fizeram história e mundialmente efetivos em nosso século. Como
reação às conseqüências da I Guerra Mundial e à crise econômica que
se seguiu, lograram êxito as seguintes correntes políticas: o comunismo
soviético na Rússia, o corporativismo autoritário na Itália fascista, na
História ___________________________________________
Alemanha nacional socialista e na Espanha falangista, e o reformismo
social-democrata nas democracias de massa do ocidente (Habermas,
1987).
Embora pareça pessimista e crítico demais, este autor propõe uma nova utopia
baseada na livre comunicação dos indivíduos (Teoria da Ação Comunicativa) que seja
capaz de reunir seus interesses universais e promover a emancipação humana,
controlando o mau uso do poder e o dinheiro do capitalismo.
Estas dimensões mais políticas da sociedade serão tratadas a seguir.
SEÇÃO 1.2 – A Ordenação da Vida Coletiva
Quando estudamos política percebemos que as perguntas mais pertinentes são:
O que poderia originar a causa da ação do homem? Como podemos viver juntos sem
nos digladiarmos? Como um homem pode ser o complemento da construção do outro?
O primeiro ato político do homem foi aquela ação que cometeu em relação
aos outros ou da expectativa que tinha em relação à ação dos outros. Com as
aproximações humanas a política passou a se constituir como os atos especificamente
criados para a vida coletiva. Assim sendo, foi necessário criar um saber específico
sobre estes temas. A ciência política tornou-se este saber autônomo e complexo,
configurando-se em uma diversidade de procedimentos científicos que tenta entender a
confluência de forças existentes em uma coletividade que orientam a vida coletiva.
No início dos estudos políticos a preocupação girava em torno de definir
como o homem poderia ser mais político que a sua dimensão natural, ou seja, o homem
é um ser político por natureza, mas como ele poderia adquirir capacidades para agir de
modo universal, pela coletividade e para coletividade de modo a tornar cada vez mais
justa a vida em sociedade? A esquematização das respostas poderia ser assim
apresentadas:
– EM PRIMEIRO LUGAR, É PRECISO CONHECER O HOMEM: do que necessita,
o que teme, o que deseja e como age?
-NECESSIDADE BÁSICA: alimentos e afeto;
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– SEU MAIOR TEMOR: ser atingido em seu corpo: ferimento e morte (medo do
desconhecido, do maior, do diferente); a proteção de sua integridade física (saúde);
– DESEJO: SER FELIZ: AFETO: instinto de vida: proteção de sua continuidade;
proteção a quem é próximo (parecido-parente); ensinar a defesa da vida;
– REUNIÃO DE TODAS ESTAS DIMENSÕES EM UMA AÇÃO ESPECIAL –
TRABALHO: ação coordenada; ação para transformar a natureza e fazê-la sua;
preparar e criar alimentos; preparar o espaço e o tempo para viver sua afetividade, suas
intuições/instinto de vida – conhecimento e fé.
– ASSIM, TEMOS: a alimentação, a educação, o trabalho, a saúde, a habitação e o
lazer como base da existência humana.
A questão agora é: como tornar isso estrutura fundacional da sociabilidade humana,
ou como garantir esta base a todos os seres humanos de modo igual?
Criando um sistema institucional articulado: a família, a religião, a escola, o trabalho,
os clubes, a arte e os esportes, as leis, o Estado – responsáveis pela
socialização/civilização dos indivíduos e fundamento da esfera pública.
Os elementos deste esquema poderiam ser entendidos como os passos da
evolução da organização política. A política seria, então, a ciência ou a arte de
administrar o espaço universal público (chamado de polis, cidade, sociedade). No
centro do espaço público está o Estado, a instituição mais complexa criada pelo homem
para assegurar a vida coletiva. Ele tornou-se um lugar onde se condensou grande parte
das atividades coletivas e para onde foram canalizados os conflitos sociais e as disputas
dos grupos. Passou a ser a expressão estruturada do poder, tendo elementos coativos e
coercitivos.
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ESTADO
EXPRESSÃO ESTRUTURADA DO PODER COLETIVO
COERÇÃO
COAÇÃO
2
1
1
3
3
2
4
4
5
5
5
5
4
COAÇÃO: Todos os elementos sociais que atuam no convencimento à ordem social.
COERÇÃO: Todos elementos de força que obrigam o indivíduo a seguir a ordem
social.
A história política do homem passa pela história do Estado, das doutrinas
sobre melhor governo, das instituições criadas para assegurá-lo e pelos movimentos
sociais para conquistá-lo.
A história do pensamento social no Ocidente é marcado por muitas
divergências.5 Vamos destacar algumas idéias e outras tantas características que
marcaram os principais momentos em que se afirmaram as compreensões de sociedade
de poder coletivo herdadas pelas ciências humanas.
Iniciamos no século 6 a.C. A cultura política do Mediterrâneo europeu tem como
uma das fontes a civilização grega clássica, como afirma Chatelet (1984). O conjunto
de invenções institucionais, literárias, artísticas, científicas, teóricas e técnicas,
condensadas na forma política da cidade (polis), destacam a grandeza desta civilização
que teve seu período de ouro entre o século 6 a.C e o século 1 a.C. A origem dessa
forma política de vivência está nos acordos feitos pelas populações em conflitos, pois
precisavam criar regras para o jogo das vivências sociais. Drácon e Sólon foram os
5
As grandes influências vêm das seguintes fontes de pensamento: a civilização grega clássica, os textos
sagrados do povo judaico e sua reativação pela cristandade e o islã. Ver Chatelet, François. História do
pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
História ___________________________________________
primeiros legisladores do Ocidente ao enunciarem idéias sobre a participação de cada
um na gestão da cidade, nas decisões das questões de interesses coletivos, bem como a
forma de arbitragem dos conflitos e a punição dos crimes e dos delitos.
A lei passou a ser a orientadora das pessoas, e poderia ser obedecida sem temor,
como era a obediência por medo de quem obedecia a um outro, um senhor. Com textos
claros e conhecidos e que tornavam públicos os julgamentos, a lei era como um
princípio de organização política e, por isso, talvez a invenção política mais notória da
Grécia Clássica (Chatelet, 1984, p. 14).
Se a lei é alguma coisa de alma, de razão, a cidade é algo concreto e espaço onde
vivem os homens, em sua cotidianidade e em sua forma histórica, como animal político
(Aristóteles – A Política). Ou seja, para os gregos a sociabilidade é produzida pela
natureza; no entanto é preciso ordená-la para que a virtude do homem possa realizar-se
em sua plenitude. A cidade é uma comunidade consciente, uma organização fundada
não sobre a força bruta, não sobre interesses passageiros, mas sim uma forma política
que expressa a essência humana, a possibilidade da justiça e da satisfação dos desejos
legítimos dos indivíduos.
Além dessa concepção de cidade como lugar em que os homens, por estarem
próximos uns dos outros, aprenderiam a viver virtuosamente, os gregos também
descrevem como poderia se dar a consistência dessa ordem e a força dessa vida
satisfeita: pela democracia e pela Filosofia (ou seja, poder público em favor da
universalidade dos interesses e pelo amor ao saber, ao conhecimento, à educação).
A democracia, mais idealizada do que vivida, é uma invenção grega que se tornou
um ideal e um porvir que se inscreve até hoje em nossas promessas de vida digna. Seria
o melhor dos regimes políticos por ser uma proposta de organização cívica que situa o
poder político no meio da vida coletiva, recusa que ele seja apropriado por alguém,
impede o aparecimento de tiranos ou castas que dele se apropriem. Para ser verdadeira,
contudo, a democracia requer a constante reflexão de todos os cidadãos. Exige atenção,
cálculo e reflexões para as tomadas de decisão, além da palavra aberta conduzida pelo
princípio da inteligência (o nous), da prudência e da ética (não lesa ninguém). Ou seja,
a democracia tem a ver com a maioria, mas não com a demagogia da quantificação, dos
sentimentalismos e da falta de rigor do pensar para falar. No fundo, não poderemos
entender a democracia separada da Filosofia, da sabedoria e da cidadania.
História ___________________________________________
Por isso, para os gregos, caso não se universalizar as possibilidades educacionais,
não se levar a sabedoria ao povo, ele não se torna povo e sim massa obtusa. Sem que se
cultive o pensar, o refletir e o falar com rigor (argumentos), não há como se aproximar
da vida democrática. O saber é poder, o saber iguala e proporciona viver segundo
nossas aptidões, pois viver segundo nossas aptidões é viver justamente (Platão). Por
isso atribui-se aos gregos as melhores reflexões sobre o social, sendo estas reflexões
reunidas no conhecimento por eles chamado de Filosofia. Delegaram aos filósofos o
papel de governar, porque o filósofo é um sábio e, como tal, possui um saber rigoroso,
democrático e universal. Se temos que obedecer, que se obedeça ao mais sábio, àquele
que não nos cala, àquele que ilumina o espaço público, que torna a razão pública e
àquele que não se move por interesses particulares, que não advoga privilégios para si,
que não explora a humanidade do outro e que melhor sabe trabalhar as capacidades de
julgar o bem comum.
Todo leitor de Platão, Aristóteles, Sócrates, Tucídides, etc, poderá buscar seu
universo muito particular de entendimentos; aliás, essa diversidade de leitura originou
muitas teses contemporâneas. Na leitura se percebe um pensamento livre e original
sobre a sociedade de forma normativa (tentando determinar o que deve ser) que suscita
sempre novas inteligibilidades sobre a realidade social. Abordaremos um pouco desses
clássicos da Antiguidade no sentido de suscitar seu interesse para o entendimento dos
conceitos mais importantes da política atual.
Platão (428-348 a.C.) constrói uma série de reflexões sobre a cidade ideal (que
poderia ser interpretada também como sociedade ideal). Na obra A República, expõe os
meios para se chegar a essa ordem social; em As Leis ele detalha essa sociedade
perfeita; igualmente no conjunto de seus textos podemos ver lições de política e de
Estado, provando que há um mundo das idéias cujo reflexo pode se dar na realidade. O
mundo existe nas idéias; se não estiver nas idéias, o mundo não existe.
Ali se acha a justiça em si, princípio que os seres humanos devem tomar por base
no decorrer de sua vida terrestre, para construir uma cidade ideal e assegurar sua alma.
E aquilo que é justo é a atribuição de status em função da competência própria de cada
indivíduo (aptidão). Mediante um sistema de educação bem rigoroso, é possível
selecionar os indivíduos, segundo suas qualidades, em três grupos diferentes: os
artesãos (encarregados dos problemas econômicos), os guerreiros (responsáveis pela
segurança da cidade) e os guardiães, dotados de sabedoria que os habilite para o
História ___________________________________________
exercício do governo (os filósofos). Esses grupos podem ser mantidos na ordem da
cidade, posto que esta é uma projeção da estrutura da alma humana (desejo, coração e
razão).6 O equilíbrio da alma é o equilíbrio dessas três classes de sujeito, que são o que
são por aptidão e não por imposição deste ou daquele sujeito. Assim, o melhor governo
para a cidade é o governo que se quer para si mesmo. Esta cidade perfeita (chamada de
Callipolis) permaneceu como o tipo por excelência da utopia racionalista que, em nome
da perfeição, submete o poder ao saber e a organização social às exigências da ordem
unificadora (Chatelet, 1984, p. 20).
Aristóteles (384-322 a.C.) produziu uma vasta obra filosófica. De seus escritos
políticos são mais referenciados a Ética a Nicômaco e A Política. Contrapondo Platão,
vai mostrar uma série de preocupações que considera mais fáceis de realizar no seio
dessa cidade ideal. Assim, descreve a sociabilidade natural e a liberdade do cidadão
como os preceitos básicos para essa sociedade justa. Segundo Aristóteles, a cidade é a
unidade de uma multiplicidade, é feita de pequenos grupos que são distintos uns dos
outros e se apegam a essa distinção, tornando impossível aplicar à ordem das idéias a
ordem dos fatos reais.
Os filósofos podem ser governantes, mas atribuir a eles, pelo fato de terem
ordem nas idéias, a competência para governar é querer isolar a parte do todo e querer
medir o todo pela constituição de uma parte. O ser humano é um animal político, dotado
da palavra, apto a deliberar com seus semelhantes de modo que diga o que é justo e o
que é injusto, estabeleça para si mesmo as regras de vida em comum e procure, por
consenso, o melhor governo, o bem-viver em sociedade.
Desta forma pode-se afirmar que não existe nenhum sistema político perfeito em
si, nem regras perfeitas de vida em sociedade, uma vez que até o clima e a demografia
do lugar são importantes para a organização social. Essas diferencialidades de interesses
devem estar codificadas nas leis. Os cidadãos não devem obedecer a um senhor e sim à
lei, que tem a função de garantir a liberdade de todos e realizar a justiça, punindo os
criminosos na proporção dos seus crimes, distribuindo a cada um dos cidadãos o justo e
o merecido (o igual pelo igual e o desigual pelo desigual). A lei é expressão política da
ordem natural, levando em conta a situação da cidade e de sua história, assim como a
6
O escravo ficou fora do esquema político, pois, na época, era fruto da guerra, um estranho que existia
pela natureza do conflito.
História ___________________________________________
composição do seu corpo social. A função da política é diminuir o risco da servidão e
fazer valer a lei como princípio (Chatelet, 1984, p. 22).
A fantástica herança dos pensadores gregos clássicos para os nossos dias é
imensurável.7 Os romanos puseram em prática muitas idéias políticas dos gregos. De
uma forma ou de outra, elas estão presentes nas instituições mais sólidas, como é o caso
do Direito, do Império e da República.
O Direito Romano tinha por base a Lei das Doze Tábuas e se instituía tendo
como objeto primeiro a família. O cidadão, o homem livre, é o pater familias, senhor
absoluto da casa, cabe-lhe representar junto aos juízes quando julgar que ele próprio, os
seus ou suas propriedades sofreram algum dano, bem como exigir reparação e penas
adequadas. Mais tarde, o Direito se estende aos peregrinos; depois a todos os que
adquirirem cidadania. O Direito Romano espalhou-se pelo mundo entremeado pelos
caminhos do Império. Mesmo reduzindo o espaço territorial o Direito ficou onde o
Império estava, pois era fruto de racionalidades e se enraizou como uma forma de
ordenação do mundo, regulamentando o que é e o que não é, e, ainda, propondo um
dever-ser (Chatelet, 1984, p. 23).
Políbio (200-125 a.C.) e Cícero (106-43 a.C.) foram os principais pensadores
sociais que trataram de descrever como deveria ser o Império Romano, mostrando que
era uma comunidade que tinha sua unidade baseada num vínculo jurídico e numa
7
Veja, a seguir, algumas idéias que podem caracterizar a riqueza das idéias deste período:
– Idéias/ razão: fundam a política.
– A grande virtude do homem é ter encontrado formas de cultivar as idéias.
– Polis: cidade: fundação racional que promove a união para o bem-viver e a ordem justa.
– Política: arte de administrar a justiça na polis.
– Cidadão: é o homem que se importa com sua cidade e que promove a qualidade da participação na organização
da sociedade.
– Lei: textos claros e lógicos, frutos da convenção maior da razão – alma da cidade.
– Justiça:tudo aquilo que permite que o homem descubra sua aptidão e aja segundo ela – agir pelo máximo que
sabe sempre procurando saber mais – atribuição e satisfação.
– Democracia: equilíbrio do poder – jogo de interesses em que prevalece a vontade universal – é preciso opinião
rigorosa, palavra firme e persuasiva, a limitação do poder de grupos para que as instituições públicas não sejam
apanágio de ninguém.
– Filosofia – guia do povo – sabedoria – arte de cultuar as idéias e de ensinar a igualdade humana.
– Escola – lugar da filosofia, do cultivo da razão pública, em que se corta os vícios e exalta a virtude.
– O homem é a medida de todas as coisas.
– Se não há nada que garanta a obediência à lei, como obedecer? O que ganho com a obediência?
– A ordem superior só é aprendida por quem se esforça para domar seus apetites.
– A cidade perfeita é fruto da alma bem regrada (saúde, inteligência e beleza), da boa distribuição dos bens e da
possibilidade de cada um cumprir suas funções.
– O Estado tem origem no fato de o indivíduo não bastar a si mesmo.
– A educação escolar extirpa os desejos supérfluos.
– A república justa: equilíbrio da razão, da paixão e do apetite.
– O político ideal: é o sábio, o governante que governa com educação, com honra, que eleva os cidadãos à
sabedoria, à participação nas decisões e à instituição das mesmas. É o sábio obedece à lei e procura sempre
melhorá-la, faz da atividade do Estado uma atividade de todos e não deste ou daquele, cria estruturas em que todos
possam satisfazer suas necessidades.
História ___________________________________________
ordem política bem determinada. Roma é a cidade ecumênica que guarda as melhores
semelhanças da cidade ideal descrita pelos gregos. O imperador e seus cônsules
estavam no topo, eram os governantes, representavam o cérebro governamental; mais
abaixo estavam os guerreiros que defendiam a cidade, mantendo sua glória simbólica;
bem embaixo estão os artesãos e os agricultores, que provêm as necessidades materiais
da cidade.
O problema da sucessão de César, a quebra da cultura de onipotência do
imperador, a expansão territorial e a pregação cristã levaram a um enfraquecimento e à
dispersão do Império Romano. Nos anos 300 d.C. o cristianismo virou religião oficial
do Império. O fim do Império deu-se em 410. Inicia-se, então, uma nova fase de
compreensão sobre o social e o modo de conceber a ordem social, as noções de
liberdade, responsabilidade e ação histórica. Serão o cristianismo e o islamismo que
irão marcar duradouramente as idéias e os costumes posteriores.
Essa nova ordem social é justificada nas proposições filosóficas de Santo
Agostinho (354-430). Sua principal obra, carregada de expressões políticas, foi A
Cidade de Deus.
Para Santo Agostinho há dois tipos de cidades: a cidade terrestre e a cidade de
Deus. Na primeira, os seres humanos vivem no pecado e na dependência mútua,
cultivam o apetite desordenado, a violência e o amor a si mesmos até chegar ao
desprezo de Deus. A segunda é uma cidade cosmopolita em que os seres humanos
vivem no exclusivo amor a Deus, na fé e na humildade. Em nome dessa segunda
forma de vida humana, Santo Agostinho preconiza o desapego aos negócios do
mundo terrestre e à estrita observância das regras, mesmo que injustas, das
instituições existentes (Mondin, 1984, p. 210).
A visão de Santo Agostinho sobre o universo tinha bases platônicas e serviu
para explicações para todos pensadores cristãos (patrística) do período medieval. Foi
relativamente modificada com Santo Tomás de Aquino (1225-1274). A nova visão de
mundo criado pelo cristianismo é algo impressionante e marcante na História universal.
A explicação de que o homem é uma criação de Deus, que deve tudo a Ele e que a vida
é provação para retornar aos céus é uma das expressões da ordenação mais marcantes
do Ocidente. Veja no esquema a seguir como seria esta sociedade perfeita:
História ___________________________________________
FIM: RESSURREIÇÃO
CÉU - DEUS
PROVAÇÃO
INÍCIO A CRIAÇÃO
TRABALHAR
ORAR NA IGREJA
INFERNO - DIABO
PAGAR O DÍZIMO
Assim, o homem sai de suas dúvidas, tão saudáveis à Filosofia, e tem agora
certeza e uma obrigação: obedecer a Deus conforme lhe ensinam seus enviados aqui na
Terra – os santos da Igreja (os pais-padres/papa, que dá idéias da hierarquia natural
divina). O sucesso do mundo poderia ser medido pelo sucesso da Igreja e quanto mais
cristãos existissem maior seria o bem de Deus na Terra. O trabalho seria o sacrifício
para a salvação e para provar que estavam trabalhando deveriam ir à igreja rezar
(rezar... rever-se, reposicionar-se) e levar parte dos resultados do trabalho (o imposto, o
dízimo, o agradecimento a Deus por ter lhe concebido a vida...). Em todo caso, para
ensinar esta doutrina não bastavam somente a Igreja e seus operadores, era preciso criar
instituições coativas – as ordens religiosas (escolas cristãs), os mosteiros – e as
instituições coercitivas –, a lei, o Direito Canônico – e seus operadores –, os soldados
de Cristo que faziam as guerras santas, Santa Inquisição – o Judiciário e o sistema de
julgamento dos pecadores (criminosos).
Os preceitos teológicos do Deus Único e a concepção do homem como uma
criatura de Deus vão se afirmando pela Idade Média, quando foram fundadas cidades
cristãs baseadas num vínculo religioso e não nos vínculos jurídicos. Assim, as idéias
aristotélicas de ação política vão ser redirecionadas para demarcar os deveres e os
direitos da cristandade. A dimensão histórica e explicativa agora não é mais natural,
História ___________________________________________
mas fruto da ordem divina: Deus criou o homem. Este ato foi o começo. A morte não é
o fim, mas a ressurreição. O espaço entre o nascer e o ressuscitar é da provação, quando
o cristão paga ao Criador a dívida pela criação. O modo de pagar é rezando e
trabalhando.
Os representantes de Deus na Terra, os homens-santos, os orientam e vão
encomendando a alma deles. Se fizerem como mandam vão para o céu; se não fizerem,
irão para o inferno. O crime passa a ser chamado de pecado. A forma como vai sendo
medido o pagamento da dívida divina é pela presença do homem nos sacramentos da
Igreja e pelo depósito do dízimo.
A Igreja, a exemplo do Império Romano e da cultura grega, vai garantir
algumas estruturas para se afirmar: o Direito Canônico, as ordens religiosas e o exército
de Cristo. Uma série de pensadores cristãos (chamados de Santos) deram o contorno
desta nova forma de entender o mundo (Boécio 480-521; Santo Anselmo 1033-1099;
Santo Abelardo 1079-1142; Santo Tomás de Aquino 1225-1274; São Boaventura 12211274; Duns Scot 1265-1308; Guilherme de Occam 1290-1349; Nicolau de Cusa 14011464; Marcília de Pádua 1275-1313...).
O catolicismo se espalha pelo Ocidente e, à semelhança do Império Romano,
funda cidades, amplia suas instituições e impõe sua ordem com supremacia por toda a
Idade Média (500 a 1500). Veja o texto de Battista Mondin (1981), filósofo cristão,
sobre a contribuição do cristianismo para o pensamento social do Ocidente.
O cristianismo como resposta às necessidades religiosas e às inquietações
filosóficas da época. A figura do Salvador que o cristianismo apresentava
refulgia de incomparável grandeza moral e religiosa; não se tratava de um herói
lendário, mitológico ou alegórico, acessível somente através de cultos grosseiros
e despersonalizantes. Cristo é um personagem histórico... Além disso, a estrutura
da comunidade deu ao cristianismo uma forte unidade e coesão no plano
sociológico, uma unanimidade de consenso... O exercício da caridade fraterna, o
cuidado com os mais abandonados, o delicado culto dos mortos certamente
influíram não pouco no ânimo de inúmeras populações... Entre as principais
verdades trazidas pelo cristianismo merecem ser aqui recordadas, pelo seu
significado filosófico, as seguintes:
1– Criação do mundo: com essa doutrina, resolve-se o problema da origem das
coisas. O mundo não é eterno, não foi criado por divindades malignas ou
indiferentes, não é produto do acaso, não nasce nem morre ciclicamente, mas é
efeito maravilhoso da bondade divina.
2– Espiritualidade e imortalidade da alma: a alma não morre com o corpo, nem
está sujeita a um ciclo de reencarnações, mas é imortal: é criada por Deus à sua
imagem e é destinada a encontrar nele a felicidade sem fim.
3– Nobreza da pessoa humana: todos os homens são imagens de Deus e são
todos irmãos. Esta é a resposta ao problema antropológico. O homem difere do
História ___________________________________________
animal não só somaticamente, mas também espiritualmente. Todos os homens
têm a mesma natureza espiritual. Não há, por isso, divisão de classes, com
separação entre livres e escravos: todos os homens são livres e pertencem a um
nível privilegiado, porque são todos filhos de Deus.
4– Deus, amor infinito: é a resposta ao problema da natureza divina e da
Providência. Deus não é o pensamento de Aristóteles, nem o artesão de Platão,
mas o amor eternamente providente: por amor, cria o mundo e o homem.
5– Origem divina da lei moral: é a resposta ao problema ético. A origem da lei
não é convencional nem puramente natural, mas divina. Criado por amor, o
homem deve viver uma vida de amor, amor a Deus e amor aos homens. Aqui está
a raiz da revolução cristã: impregnar de amor a vida e as ações.
6– Origem do mal moral: o mal moral, historicamente, teve origem com o
pecado do primeiro homem; mas a sua possibilidade está radicada na finitude da
natureza humana. Assim se responde a um dos problemas mais obscuros e mais
árduos que angustiavam os homens na época helenística (p. 217).
Essas explicações têm muitas controvérsias, especialmente quando referidas
aos significados do cristianismo nos processos sociais e econômicos. Os senhores
feudais e eclesiásticos vão adotar o cristianismo como justificativa ideológica para
legitimar suas situações de grupos dominantes nesses longos séculos. Por serem amplos
e fortes, no entanto, muitos reinos não se dobraram ao poder da Igreja, à ordem cristã
com a autoridade papal. Mantiveram a laicidade em seus reinos administrados com
autonomia e com base em uma prática jurídica que, de certa forma, é herdada do
Direito Romano. Na Grã-Bretanha mantiveram-se instituições que garantiam “o direito
da pessoa”: sem dúvida, a tradição feudal, bem como as resistências clericais, retomam
incessantemente em seu favor conquistas dessa primeira configuração do Estado de
Direito (Chatelet, 1984, p. 34).
O conflito entre o poder da Igreja e o poder dos reis continuou por muitos
séculos. Havia momentos em que se separavam radicalmente e outros em que se uniam,
conforme interesses da época. A expressão destes conflitos entre fé e razão também se
dava entre intelectuais que explicavam o mundo, a natureza, os homens, a sociedade,
etc. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) enfrenta estas explicações conciliando os
entendimentos:
Tomás de Aquino estabelece que a cidade é – na ordem da Criação – um fato
natural. Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o
poder, cujo objetivo é assegurar a unidade de uma multiplicidade, é uma questão
humana que faz parte do plano mais geral da providência e não de um desígnio
singular de Deus ou de seu representante. Desse modo, a definição do bom poder é
uma tarefa exclusivamente da Razão. E, se essa indica que tal poder deve respeitar
as prescrições divinas, estipula também que é preciso levar em conta os direitos
História ___________________________________________
inscritos na natureza humana e as vontades da coletividade. É desse modo que
atingirá seu fim, o Bem, na medida em que ele é realizável cá embaixo. Tem como
tarefa facilitar a cada um a realização das virtudes naturais, deixando à Igreja o
cuidado da Salvação Eterna.... (Chatelet, 1984, p. 35).
Nos reinos vão se desenvolvendo noções novas e elaboram-se técnicas de
gestão que substituem as hierarquias tradicionais por relações contratuais. O
desenvolvimento do comércio e dos negócios torna indispensável uma moralização da
atividade mercantil; e o estatuto do sujeito mercantil vai se ampliando na medida em
que ele vai participando do bem-estar da comunidade ou usa as riquezas adquiridas para
o bem comum. A cidade profana amplia-se e se enche de regras e princípios e o poder
de governar passa a ser cada vez mais cobiçado. Os múltiplos abalos do período de
1400-1500 irão radicalizar essa orientação, inclusive passando a ser chamado de
Renascimento.
SEÇÃO 1.3 – A razão aplicada à organização da sociedade
Um dos reforços para a emergência dessa nova fase histórica que se
convencionou chamar Modernidade, em que prevalece no poder coletivo a dimensão
racional, jurídica e científica das relações sociais, é Martinho Lutero. Em 1517, ele
expõe 91 teses denunciando o poder da Igreja de Roma. Havia tráfico de indulgências
para obter ganhos materiais e exercer sobre seus fiéis pressões morais. Isso reforça o
poder dos príncipes nos reinos e faz explodir a Reforma, uma tendência que contestava
o poder da Igreja: a inspiração dos reformadores é, ao mesmo tempo, teológica, moral e
política. Teológica, porque fundamenta-se no cristianismo primitivo com o dogma de
que a essência da religião está na fé e não na idolatria de imagens e riquezas; Moral,
porque se opõe à corrupção do alto clero, mais preocupado com o poder e o luxo,
esquecendo a caridade e a piedade; e Política, porque a palavra de Deus, a Bíblia, passa
a ser experimentada em sua dimensão prática, na língua dos povos que a lêem. Os
espaços que deveriam ser da Igreja e os que deverão ser do Estado têm forte expressão
nas palavras de Lutero:
“ Meu reino não é deste mundo”– tomando a palavra de Cristo ao pé da letra, Lutero
deixa de certo modo o campo livre para a onipotência do Estado no mundo terreno;
confere-lhe o monopólio da decisão e da repressão. Deixa-se ao cristão a
possibilidade de intervir pela palavra e pelo exemplo, a fim de que sejam respeitados
os mandamentos de Deus e afirmada a força espiritual da comunidade dos fiéis...
História ___________________________________________
Lutero, Münzer e Calvino (1536-1559) vão ser reformadores que colaboram para a
afirmação das realidades nacionais e o poder do Estado e abrir um importante
capítulo do pensamento político moderno: o das relações entre comunidades
religiosas e o Estado convertido em potência laica, capítulo que é freqüentemente, ao
mesmo tempo, o das relações entre exigências morais e necessidade política
(Chatelet, 1984, p. 43).
Esse fato inseria-se no contexto da crise da Igreja Católica8 e da emergência do
que foi convencionado chamar de Renascimento, ou seja, o conjunto de transformações
que aconteceram na Europa Ocidental no século 16 e que dão origem à Modernidade.
Entre essas transformações estão as realidades históricas e econômicas praticadas em
civilizações muito urbanizadas, embaladas pelo comércio e a manufatura; a imagem de
mundo que, por um lado, significava a descoberta do mundo novo – a América – e, por
outro, as concepções de Copérnico, Kepler e Galileu; a representação da natureza, que
passa a ser entendida com um lugar para explorar, dominar e usar intensamente; a cultura,
que passa a recolocar o homem como medida de todas as coisas e como um ser natural
criador e não criatura e, ainda, o pensamento religioso que radicaliza a contestação ao
poder e à hierarquia da Igreja Católica.
Entram em cena uma série de pensadores que vão expressar a vida cultural,
política e econômica da época. O esquema a seguir nos dá uma idéia do conjunto dos
pensadores mais destacados pelas Ciências Sociais da época:
8
NICOLAU MAQUIAVEL:
1469-1527
O sujeito: Ação política –
violência contra violência –
Estado-Nação.
THOMAS HOBBES:
1588-1679.
A estrutura: Organizar o
medo e abrir as
esperanças.
JEAN JACQUES
ROUSSEAU: 1712-1778
Proporcionar ao homem o
direito de fazer pacto entre
si: o Contrato; Melhorar a
Vontade Geral;
Desigualdade – Plebiscito.
GEORG F. HEGEL:
1770-1831
Estado Racional –Sociedade
Civil, sujeito moral e
dialética do pensamento.
JOHN LOCKE: 1632–
1704
Garantir propriedade
suficiente para cada um:
Garantir os Direitos
Naturais – Propriedade e
Estado.
KARL HENRIQUE
MARX: 1818-1883
A Teoria da Revolução:
dialética da vida
econômica, da política e
do pensamento.
CHARLES MONTESQUIEU:
1689-1755
Organizar o melhor do espírito
humano na lei: Criar freios para
o poder – Executivo, Legislativo
e Judiciário.
EMMANUEL KANT:
1724-1804
Ação Racional: Maioridade para
a razão – Paz e Ética.
AUGUSTE COMTE:1798-1857
Entender a sociedade de modo
científico para fazer a reforma
moral e ordenar a sociedade
como sistema.
Para entender este momento da nossa história assista ao filme “O nome da rosa”.
História ___________________________________________
De modo especial, para as ciências humanas, assume um papel relevante a obra
de Nicolau Maquiavel, O Príncipe, por conter a passagem dessa fase histórica da Idade
Média para a Modernidade, do feudalismo para o capitalismo. Ganhou fama entre os
pensadores sociais justamente porque nessa época, como agora, a perplexidade em relação
ao poder político e às relações sociais é marca patente. Alguns vêem nele um mal radical
e, outros, que consideram o autor como um pensador rigoroso que ampliou os horizontes
do pensamento político, tendo sido o primeiro teórico da modernidade a encarar o homem
como um ser incompleto a buscar nas relações com os outros um pouco desta ânsia de
ter/manter poder. Maquiavel é um filósofo da ação – “a ação revela oportunidades que a
passividade teria deixado escondidas” -, que dá as primeiras coordenadas daquilo que
mais tarde vai ser a ciência do social, a Sociologia, por conseguir perceber nas relações do
povo com seu governo uma relação racional, de necessidades que se correspondem, uma
forma de representação e um jogo concreto de poder, de conflitos e de fundação da
cidadania. Revelou as estratégias do governante, mas, acima de tudo, mostrou ao povo
como se livrar dos maus governantes. Nisso tudo não há nada de divino ou extraordinário.
O homem está só, ninguém está lhe assegurando, protegendo. Nos outros está aquilo que
precisa, então é ali, nesses interstícios, que nasce a política e o verdadeiro conhecimento:
saber como viver como indivíduo específico e como indivíduo universal, social. O texto a
seguir é recuperado porque mostra a evidência do caráter científico que Maquiavel deu à
política.
Maquiavel e O Príncipe9
O objeto central das preocupações de Maquiavel é o Estado ou, mais precisamente, sua
fundação ou conquista, sua preservação ou defesa. Este tema é o eixo em torno do qual gira
seu pensamento, por isso foi ele o primeiro intelectual moderno a distinguir com nitidez a
autonomia do político. Tudo o que escreveu talvez possa ser enunciado numa afirmação
hoje banal: sem o Estado seria praticamente impensável qualquer vida civilizada, ao menos
como foi legada pelos gregos e os romanos. E se o Estado é a mais importante das
instituições, constitui o tema mais delicado e relevante... A organização estatal é o requisito
mínimo para a ordem, a lei, o dever, a glória e o castigo. Maquiavel diz: “de fato, que é um
governo senão o meio de conter os cidadãos de modo que eles não se injuriem mutuamente?
Meio que consiste em dar completa segurança à população ou em reduzi-la à
impossibilidade de praticar o mal: ou ainda em fazer tantos benefícios ao povo que este não
tenha razão para procurar mudar sua sorte”.
A necessidade do Estado é justificável, uma vez que os homens, entregues a si mesmos,
sem nada que os contenha e regre suas vidas, se estraçalhariam como animais ferozes. Aliás,
Maquiavel nos mostra um mundo sem deuses ou seres transcendentes a que se possa apelar
ou obter uma garantia definitiva. É um mundo brutal, pleno de ameaças e acontecimentos
9
Texto para fins didáticos, adaptado de Hebeche, 1987.
História ___________________________________________
inesperados. O próprio homem não traz inscrito em si nada que o revele com portador da
justiça, da bondade ou da paz. Ao contrário, o homem parece ser mau por natureza. Suas
virtudes só aparecem sob pressão ou na ambição do poder e da riqueza. Se os homens
possuem uma “natureza”, ela é propensa à corrupção e à maldade.
Com o livro O Príncipe, temos uma expressão de como podemos usar essas forças para
a organização política, a paz e a prosperidade civilizacional. Ou seja, se é impossível acabar
com esta característica violenta do homem, temos que usá-la para o bem, para conter o mal.
A violência pode ser contida com algo que é maior que ela, uma outra violência, organizada,
ampla, inviolável e presente: o Estado.
Na verdade a obra do Maquiavel trata dos sujeitos no Estado e em suas relações com os
outros. É uma proposta de filosofia de ação, já que todo homem é político.
Com Maquiavel o estatuto Sujeito sofre uma profunda alteração. Não há mais a garantia
de Providência ou de uma razão natural que atravesse todos os graus do ser. A verdade não
está de antemão inscrita nas coisas. Acompanhando as mudanças filosóficas do
Renascimento, com a contínua descoberta da natureza e a reabilitação do real, o saber do
Príncipe/Sujeito funda-se sobre sua própria atividade prática. A experiência, os fatos, a
resistência da Fortuna, como natureza ou sociabilidade, traçam agora os limites da
racionalidade possível. Portanto, a mudança maquiaveliana, mesmo ao destacar a instância
da política, ocorre simultaneamente com o surgimento da consciência moderna, pois a
alteração do estatuto da política e a questão do Sujeito do conhecimento estão vinculadas
uma à outra e preparam o caminho para a formulação posterior do cogito cartesiano: penso
logo existo (Duvido de tudo, só não duvido que existo, existo porque penso). Mas, diferente
de Descartes, Maquiavel não busca a verdade no interior da subjetividade e sim na ação
(Virtú) sobre as coisas e os acontecimentos sociais e históricos.
A reflexão sobre o acerto e o fracasso dá início à autoconsciência que só pode fundar-se
num constante sair de si para o mundo dos fatos. Na dedicatória de O Príncipe, oferecida a
Lourenço Médici, Maquiavel procura mostrar que seu pequeno tratado não é produto de
pesquisa acadêmica, mas que resulta, ao contrário, daquilo que entre seus cabedais lhe é
mais caro “o conhecimento das ações dos grandes homens, aprendidas através de uma longa
experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas”.
Sem passar pelas experiências do mundo, como se comprovariam os exemplos dos
antigos? De que valeriam? É O Príncipe, mais do que qualquer outro, que terá de ser
habilidoso nos assuntos políticos. Nas obras de Maquiavel encontra-se uma galeria de bons
e maus príncipes. Os elogios recaem sobre aqueles que alcançaram o poder à custa de longo
esforço e sacrifícios e que, vencendo todas as adversidades, retêm os melhores
conhecimentos das relações entre os homens e, portanto, o saber de que o poder não tem
garantias que o transcendam, mas que necessita de uma atividade ininterrupta para garantir
sua legitimação. Assim, não há mais lugar para ilusões metafísicas e os preceitos de uma
moral estabelecida para sempre. O novo sujeito do conhecimento implica a relação teoria e
prática, o que significa que o príncipe destaca-se por perseguir, antes de tudo, a “veritá
efetuale de la cose”.
Como sabemos, o acontecer máximo é a guerra. É quando se decide a sorte dos Estados
e das sociedades, sua fundação e decadência. A arte da guerra é, pois, o conhecimento
privilegiado do príncipe. É o assunto com que o príncipe deve se ocupar na maior parte do
tempo. “A prática da arte da guerra é a única que se espera de quem governa; ela é tão
importante que não apenas resguarda os que nasceram príncipes, como muitas vezes faz
com que homens do mais baixo estrato social se elevem até àquela posição”.
... No entanto, é em meio às relações políticas e sociais e do choque dos diversos
interesses, que com maior nitidez o príncipe se revela como sujeito do conhecimento e como
sujeito político. O príncipe conhece a si mesmo mediado pela sociedade, bem como as
relações da sociedade através de sua atuação sobre ela. O sujeito se constitui pelo Outro à
medida que é posto à prova por ele; neste caso, o Outro é a sociedade dividida
fundamentalmente entre os magnatas “popolo grasso” e os pobres e assalariados “popolo
minuto”. “Porque em toda cidade se encontram estas duas tendências diversas e isso resulta
do fato de que o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam
governar e oprimir o povo; é destes dois anseios diversos que nasce nas cidades um dos três
efeitos: ou o principado, ou liberdade ou desordem”.
A intervenção do príncipe dá-se no sentido de manter um mínimo de convivência entre
as partes tão díspares, impedindo-as que se joguem numa luta genocida. Para isso o príncipe
História ___________________________________________
tem de evitar que os grandes venham a golpeá-lo ou o povo venha a odiá-lo. A virtú está em
equilibrar-se entre essas duas forças. Maquiavel insiste em que não há nada pior a um
príncipe do que ser abandonado por um povo hostil. Mesmo que tenha o apoio dos grandes,
no momento em que perde a confiança do povo abre o caminho de sua perdição. Pode ser
temido, mas nunca odiado. Numa sociedade dilacerada por poderosos conflitos, o controle
que o príncipe possa ter sobre ela depende de seu conhecimento das relações das forças que
a atravessam, impedindo seu crescimento exagerado num grupo ou acentuando na maior
parte aqueles que, por não ter nenhum, possam revoltar-se de modo catastrófico.
Há limites para o sofrimento e a miséria do povo e um príncipe, desconhecendo-os,
estará abrindo espaço para sua própria desestabilização. A necessidade – diz Maquiavel – é
a mãe da coragem. O medo atroz transforma-se em coragem e, em certas circunstâncias, o
desespero transforma-se em revolta ou disposição para a luta, para o uso daquilo que lhes
está mais à mão: a violência, desastrosa e ameaçadora, ansiosa e avarenta... A virtú consiste,
portanto, em prevenir a aparição do mal que, como a tuberculose, no início tem cura fácil
mas é difícil de ser diagnosticada, e quando muito evoluída é de fácil diagnóstico, mas de
cura muito difícil. Assim também vale para o príncipe, que, para prevenir-se, deve guardar o
monopólio das informações recorrendo a conselheiros que o mantenham a par dos
acontecimentos, dos boatos, das opiniões e críticas, e com isto, conhecer, pelo
comportamento do outro, as dimensões de sua ação. Esse saber possibilita ao príncipe evitar
o uso indiscriminado da força. Maquiavel afirma claramente: “Jamais considerei um erro
combater uma opinião com argumentos racionais sem usar força ou a autoridade”. Ocorre
que a posse privilegiada dos conhecimentos dá ao príncipe as condições de ser o grande
articulador entre os diversos interesses e, desse modo, ele pode integrar os conflitos
políticos.
É na compreensão do conflito dos interesses e das forças sociais que Maquiavel analisa,
por exemplo, formas de Estado distintas como a da França e da Turquia. O governo turco se
assemelha a uma tirania, uma vez que o príncipe tem poder absoluto para nomear ou
destituir quem quer que seja segundo sua própria vontade, inclusive sobre a propriedade e a
vida dos súditos. O rei da França, ao contrário, tem de dividir sua autoridade com os
senhores aristocratas, uma vez que estes têm poder sobre seus súditos; a autoridade do rei é
limitada e ele não pode suprimir qualquer dessas parcelas de poder sem colocar em perigo
sua própria autoridade. Assim, o príncipe que tiver intenção de assaltar esses Estados
encontrar-se-á diante de situações adversas: terá muitos empecilhos para conquistar o
Estado turco, mas terá depois facilidade para governá-lo; enquanto que o Estado francês
será difícil de ser conquistado, mas tornar-se-á extremamente difícil de ser governado.
A explicação de Maquiavel é de que no despotismo oriental o povo está unido
rigidamente em torno do soberano, e a ameaça de rebelião de um príncipe é remota. Para
atacar um Estado destes, um príncipe estrangeiro deve contar apenas com suas próprias
forças, pois as cisões internas inexistem. Entretanto, se conseguir uma vitória campal poderá
com mais facilidade desmantelar completamente o poderio do inimigo, extinguindo o
monarca e sua estirpe e, como não encontrará nenhum outro príncipe autóctone com poder e
prestígio comparável àquele que derrotou, terá espaço aberto para consolidar seu governo.
Na França seria mais simples uma invasão, pois o invasor poderia contar com o apoio
de um ou mais príncipes descontentes ou revoltados com o reino, que podem lhe abrir
caminho e facilitar-lhe a vitória, mas disto é que surgem os maiores problemas ao
conquistador: aqueles que o auxiliam na empreitada também desejam dividir com ele os
frutos da vitória e o exercício do poder. E não lhe basta acabar com a estirpe do príncipe,
pois outros senhores reivindicarão para si o reinado e tornar-se-ão, por isso, chefes de
revoltas ou contestações. O príncipe-conquistador, não podendo contentar ou exterminar a
todos, andará sempre na iminência de perder o controle do poder.
Muitas vezes Maquiavel chamara a atenção para os obstáculos quase insuperáveis que
um príncipe encontra ao assaltar uma República, porque numa cidade desse tipo o poder se
distribui pelo conjunto da sociedade e o invasor não tem como inimigo apenas o príncipe,
mas toda a população que retém grande parte das forças políticas. Se o invasor tomar a
cidade onde o povo se acostumou à liberdade, só conseguirá governá-la exterminando ou
espalhando seus habitantes.
Numa sociedade fundada sobre uma dilaceração estrutural e todos os seus
desdobramentos conjunturais, o exercício racional da violência é fundamentalmente retido
pelo príncipe. Os homens almejam a segurança e a paz, mas segundo Maquiavel, sua
História ___________________________________________
natureza não lhes dá condição para bastarem-se a si mesmos, para organizarem as sua
próprias vidas e, por isso, necessitam depositar a autoridade em alguém que lhes garanta a
coexistência social. A função do príncipe é realizar esse serviço, articulando e dosando a
violência potencial ou atual; o que mostra que antes é o conhecimento das relações de força
que seu uso indiscriminado que dá ao príncipe o monopólio do poder político. Assim,
fundada uma “nuovi ordini”, o príncipe tem de acabar o mais rápido possível o terror e as
arbitrariedades. O príncipe, agora, deve conquistar as graças e o reconhecimento do povo e
legitimar sua autoridade sobre ele, o que não é uma tarefa simples, pois a “natura del popolo
é varia” (a natureza do povo é complexa), isto é, há uma variedade de forças sociais que ora
se entrechocam, ora se reforçam ou se anulam. E é à luz dessa oposição entre o “popolo
grasso”, o “popolo minuto” e o governante que se constitui a forma de um regime; é nesse
campo de forças que o príncipe deverá buscar um equilíbrio mínimo.
O príncipe, para preservar seu poder, deve exercer pressão e dirigir esse conjunto de
forças de tal modo que sua hegemonia não seja contestada. Não resta-lhe uma
transcendência a quem apelar ou a garantia de um saber vinculado às causas últimas, capaz
de orientar sua ação. Há apenas os fatos resultantes das relações entre os próprios súditos,
ou do príncipe em relação a eles e vice-versa. São essas relações que constituem o objeto do
conhecimento do príncipe. É na persistente observação e análise desses fatos que o sujeito
do conhecimento aprende a destacar no particular o universal, a recolher nos
acontecimentos presentes os indícios do que poderá ocorrer e, assim, calcular a dimensão e
o significado dos conflitos futuros que poderão perpassar à sociedade.
Maquiavel, desse modo, afirmando a permanência do conflito, rejeitando a idéia de uma
forma política que carregue em si a estabilidade, reconhece a permanência dos acidentes e,
conseqüentemente, designa a função do príncipe como a de um sujeito que adquire a
verdade num movimento contínuo de racionalização da experiência. Ao mesmo tempo,
arroga-se o direito de conceber as relações de força em sua generalidade, ensina que estas
sempre se instituem pelas operações empíricas dos agentes postos em condições
contingentes. Ao mesmo tempo em que extrai de toda a situação os termos de um problema
e torna sensível a exigência de um método, mostra que os dados desse problema não cessam
nunca de mudar e que a solução nunca é fornecida de antemão.
É por isso que Maquiavel insiste tanto nas mudanças dos tempos. O tempo torna o bem
e o mal em bem: o bom príncipe se diferencia do mau por sua habilidade em se adaptar aos
novos tempos. As mudanças na conjuntura não dão tréguas ao príncipe, que deve fazer o
melhor uso das ocasiões (cazione) que se lhe apresentam na interminável busca da
preservação de sua autoridade.
Nesse processo, em que o príncipe busca permanentemente a legitimidade, instaura-se
um jogo entre o exercício do poder e sua manifestação pública. A relação do príncipe com
os súditos envolve a delicada tarefa da dissimulação – jogo em que o governante
desempenha o papel semelhante a um ator diante de um público sequioso de imagens e de
lances espetaculares. O príncipe, antes de tudo, deve ser um mestre da simulação e exercer o
poder antes pelo engano do que pela força. Maquiavel afirma que os homens se importam
tanto com a aparência das coisas quanto com o que elas realmente são; e muitas vezes se
interessam mais pelas aparências do que pela realidade.
... Maquiavel, desse modo, não trata de um príncipe que apenas represente ter certas
qualidades, mas que de fato as possua. Conselhos judiciosos para um príncipe imbecil são
de todo inúteis. Um príncipe que não é sábio por si mesmo nunca poderá ser bem
aconselhado. Isto porque a garantia última nunca vem dos conselheiros, mas do próprio
príncipe. Há limites para a confiança; o bom conselheiro é um conspirador em potencial. A
qualidade das informações resulta antes da prudência do príncipe e não que sua prudência
resulte bons conselhos. O saber político desloca-se para esse Sujeito onde, prudentemente, é
constituída a verdade possível.
O príncipe é Sujeito do conhecimento porque, simultaneamente, é Sujeito político; é de
sua posição que irrompem na sociedade as mais decisivas ações políticas. Entretanto, a
busca incessante de legitimação revela que nem sempre o poder coincide com o príncipe
(Hebeche, 1986).
História ___________________________________________
Este texto caracteriza bem este tempo de Maquiavel e o período do pensamento
social que se segue entre 1600-1800 é chamado, também, na literatura das ciências
humanas como Racionalismo, Empirismo, Iluminismo, Idealismo, Contratualismo,
Jusnaturalismo, Constitucionalismo, etc. As características desse pensamento sobre o
coletivo eram afetados pelos fenômenos da Revolução Industrial Inglesa e da Revolução
Política Francesa. Apesar de ser muito diverso, os autores dessa época concordam com a
seguinte concepção: o homem é um ser natural que pensa, fala e age (trabalha). Era
preciso fundar a organização social para potencializar estas características naturais, como
um dos grandes objetivos da política. Agora se coloca o homem como um ser social, de
modo que a sociedade constitui a forma de existência do homem. Isso não quer dizer que
em momentos anteriores a questão das relações entre os homens – a sociabilidade – não se
tenha colocado como um problema para a humanidade. Platão e Aristóteles já haviam
formulado com bastante rigor a idéia de que os homens são seres políticos, ou seja, que,
de acordo com a sua própria natureza, vivem coletivamente.
O Iluminismo é a denominação de um movimento cultural que, tendo nascido na
Inglaterra e Holanda em fins do século 17, se estendeu até o início do século 19,
abrangendo o mundo intelectual não só europeu, mas também o russo e o americano. O
cartesianismo, o baconismo, o renascentismo, o humanismo e a Reforma prepararam o
advento do Iluminismo, que vai buscar seus antecedentes remotos na cultura grecolatina e principalmente nos sofistas helênicos que fazem a distinção entre o que o
homem é “por natureza” e o que é “por convenção”. O Iluminismo (do alemão:
Aufklärung), que teve como centros principais a Inglaterra, a França e a Alemanha,
inicia-se como um movimento racionalista que desconfia, critica e procura destruir toda
a ordem preestabelecida. A “Revolução Gloriosa”, que elevou ao trono inglês
Guilherme de Orange e instituiu na nação o regime constitucional, em 1688, pode ser
considerada como o marco inicial da vitória do movimento iluminista. Dando à razão
um valor absoluto, o Iluminismo começa, com Voltaire (1694-1778), a se insurgir,
primeiramente, contra o catolicismo e, depois, contra o protestantismo, o judaísmo, o
islamismo e todas as religiões positivas; prossegue depois com a luta contra a
autoridade política dos reis de “direito divino”, o rompimento com a tradição histórica,
moral e artística e o ataque ao conhecimento filosófico e científico sistemático e
universal. No século 18, o enciclopedismo vem coroar os ideais iluministas, elaborando
uma enciclopédia que, ao mesmo tempo em que expunha, também analisava e criticava
História ___________________________________________
todo o conhecimento até então tido como irrefutável pela intelectualidade ocidental. O
Iluminismo, também denominado Ilustração ou Século das Luzes, por ter sido um
movimento de idéias, formas e sentimentos que modificou o pensamento filosófico,
artístico, político e científico da humanidade, não pode ser determinado nem no tempo
nem no espaço.
Uma referência importante nas Ciências Sociais é o contratualismo, que é
interpretado como uma forma de equacionar o problema da sociabilidade humana, quando
se estabelece a crise e a ruptura do mundo feudal. As referências à concepção política do
contratualismo visam a sublinhar a sua importância para a constituição da sociabilidade
moderna e, ao mesmo tempo, estabelecer um contraponto com o pensamento social
formado no século 19, em que Comte, Marx e Engels são os precursores. Tais reflexões
marcam profundamente as ações humanas na medida em que afirmam a origem social dos
problemas e dos conflitos que marcam a modernidade. As soluções preconizadas,
obviamente, decorrem deste caráter social do mundo humano (Bressan, 2005).
O contratualismo representa um momento fundamental no desenvolvimento da
História humana. Por intermédio dele se elabora uma racionalidade que confere sentido às
transformações sociais que culminam com as revoluções dos séculos 17 e 18. A
incapacidade do sistema produtivo feudal em dar respostas às necessidades materiais das
sociedades européias traduz-se, progressivamente, na crise das instituições políticas e nas
referências simbólicas dominantes. O mundo feudal, organizado segundo um plano divino
e teologicamente justificado, começa a ruir. O homem deixa de ser simples criatura para
tornar-se criador de si próprio. É claro que não se trata de um homem abstrato, mas do
homem vinculado às novas forças produtivas, que estão engendrando as relações de
produção capitalistas.
O contratualismo estabelece uma situação natural (ou uma condição natural)
como pressuposto para a existência humana. Essa condição não implica considerar o
homem como um selvagem, mas como um ser que age racionalmente segundo a
singularidade da sua existência. Logo, a preservação da existência é um ato que decorre
das capacidades de cada um. As inconveniências e as incertezas dessa condição natural da
vida humana colocam a possibilidade de buscar formas mais seguras de produção da
existência. Assim sendo, a superação do estado de natureza significa o surgimento de
formas de sociabilidade reguladas por um poder soberano, instituído por um contrato
celebrado por homens livres, iguais e racionais. O objetivo do poder soberano – a
História ___________________________________________
preservação da vida em Hobbes, a propriedade em Locke ou a constituição da vontade
geral em Rousseau – está diretamente ligado ao conceito de estado de natureza, diferente
em cada um dos pensadores citados. Em todos eles há um elemento comum: a necessidade
de superar os obstáculos e as ameaças determinadas pelo individualismo, que caracteriza a
condição natural da existência humana. O contrato é o ato de criação de regras de
convivência ou de associação que tornam possível (ou mais segura) a vida humana.
As transformações que ocorreram no século 17 e 18 na Europa Ocidental e
América do Norte impulsionaram o aparecimento de muitos estudos sobre os problemas
nas relações sociais. Esses estudos foram chamados de Sociologia, que objetivava a
tematizar o social, a condição social da existência humana, agora de um modo mais
sistemático, científico. Alguns estudos chegam a chamar a Sociologia de ciência que
estuda os problemas da modernidade, ao lado e diferente da reflexão que sempre fazia a
Filosofia. Diferente porque se dedica a estudos empíricos do mundo da produção
(trabalho), das relações de poder (política), das orientações humanas (educação e cultura),
das convivências nas comunidades (social), atravessadas por ações resultantes do mundo
comercial, do direitos sociais, das classes, das racionalidades, da pobreza, etc.
As transformações principais ou mais notáveis se deram no mundo da produção
e arrastaram o desenvolvimento da vida urbana, do tráfego comercial nacional e
internacional, da produção manufatureira, da atividade bancária, etc, assim como
provocaram mudanças nas relações sociais e culturais. Nos centros europeus aparece cada
vez mais o saber econômico, que passa de uma técnica de gerir patrimônios de famílias ou
encher cofres de reinos para uma das ciências complexas que medem, provêm e prevêem
os atos de produção, circulação e consumo em espaços territoriais agora chamados de
nação.
Esses conjuntos discursivos formam a ciência econômica e a teoria política.
Juntos, constituem a economia política, que tratam de definir a ordem econômica e a
organização dos poderes legítimos do Estado Nacional. É dentro desse espaço e dessas
atividades que se define a liberdade. Diante dessas realidades é que aparecem as
principais doutrinas de como deve ser essa organização social.
O mercantilismo é a doutrina econômica que predominou na Europa durante os
séculos 15, 16, 17 e parte do 18. O surgimento da idéia de nacionalidade, o reforço do
poder do Estado em relação às nações estrangeiras e o desenvolvimento do poder
central aliados à intensificação do comércio internacional e à aceitação dos metais
História ___________________________________________
preciosos como medida comum de valores e instrumento geral de trocas, deram origem
a diversas políticas econômicas. Estas receberam o nome genérico de mercantilismo por
se assentarem na premissa de que os metais preciosos constituem a riqueza essencial de
um Estado.
A fim de incrementar o comércio externo, visto como única fonte de
enriquecimento quando “a balança do comércio” favorável fazia com que as
exportações superassem as importações, os governantes tomavam medidas fortemente
intervencionistas mediante o controle dos consumos internos, da sistematização e
incentivo à produção, da proteção aduaneira, dos prêmios à exportação e da reserva do
comércio de matérias-primas das colônias.
Assim, o pensamento mercantilista variou de acordo com as características de
cada Estado. Espanha e Portugal adotaram o “mercantilismo metalista” após seus
descobrimentos na América e o início das explorações de suas minas de ouro e prata.
Esta política monetária consistia em não permitir a saída de ouro e prata do país, ao
mesmo tempo em que proibia a entrada de mercadorias estrangeiras por meio de um
conjunto de leis e regulamentações.
Já na França, os esforços se dirigiram para a “balança do comércio” mediante um
superávit nas exportações, vendendo mais do que comprando, de maneira a causar um
saldo positivo e a obter uma entrada maior de ouro. Esta política foi incentivada pelo
“colbertismo” ou “mercantilismo industrial”, que favorecia a fabricação de mercadorias
exportáveis para os países detentores dos metais preciosos, estimulando a criação de
novas manufaturas e protegendo as já existentes. A exportação de matérias-primas era
proibida, mas a sua importação, facilitada, para que fossem colocadas no exterior como
produtos acabados por um valor maior. Bodin e Montcherestein foram os principais
teóricos do “mercantilismo industrial” na França.
A intervenção, porém, tornou-se tão intensa que provocou o aparecimento, entre
1760 e 1780, da “fisiocracia”, corrente de pensamento econômico que pretendia estudar
a economia baseada ou na “ordem natural” de caráter filosófico, ou na teoria do
“produto líquido”, de caráter econômico. Por meio razão, o homem pode descobrir que
existem leis absolutas, imutáveis e universais na ordem natural que são ideais para
fundamentar o sistema econômico. Assim, para os fisiocratas que adotavam a corrente
filosófica, a função do governo era a de se limitar ao respeito às leis naturais, mantendo
a propriedade e a liberdade.
História ___________________________________________
O mercantilismo na Inglaterra e na Holanda, países escassos em matériasprimas, caracterizou-se pela intermediação e transporte no comércio internacional. A
Inglaterra baseou o seu enriquecimento especialmente na negociação mediante o
princípio da “balança de contratos”, segundo a qual os contratos entre estrangeiros e
nacionais não deveriam permitir a evasão de ouro ou de prata. As funções de
intermediária e transportadora de mercadorias internacionais eram realizadas, no século
17, principalmente pelas companhias regulamentadas por meio de cartas-patentes, como
a Companhia Inglesa das Índias Orientais, que possibilitou a criação do império colonial
da Inglaterra na Índia, e a Companhia Holandesa das Índias Orientais.
O mercantilismo fez com que se desenvolvesse a navegação e se criassem
medidas protetoras ao comércio marítimo. Além disso, a política mercantilista deu
impulso à Revolução Industrial na França e na Inglaterra porque estes países, ao
contrário da Espanha e Portugal, não tinham como obter os metais preciosos para seu
enriquecimento, baseando sua economia na exportação de produtos manufaturados.
Junto ao mercantilismo temos o Colonialismo, que tende a manter sob
domínio, tanto político quanto econômico, as possessões de um Estado. O termo
colonialismo, em sentido restrito, interpreta a situação das colônias que são exploradas
no que diz respeito à produção, principalmente no campo da agricultura, da matériaprima e da mão-de-obra. As colônias são exploráveis porque ocupam um espaço
econômico menos evoluído em benefício de outro mais evoluído e do qual fazem parte.
Economicamente, o que possibilita tal exploração é a carência do capital de um lado, e o
domínio dos que o possuem, de outro. Politicamente, também, o colonialismo implica
um desequilíbrio de forças, atingindo tanto os aspectos culturais como os econômicos e
militares, fazendo com que ocorra um atrofiamento dos mais “fracos” pelos mais
“fortes”. Sociologicamente, o colonialismo atual apresenta aspectos também raciais,
traduzidos por uma atitude de separação ou seleção, baseada no receio da miscigenação
com uma raça considerada inferior ou num “verdadeiro complexo de inferioridade
perante a outra raça”. Além do aspecto racial, o colonialismo, no sentido social,
qualifica-se ainda pela divergência de estruturas filosóficas, disparidade de tipos de
raciocínio e desnível tecnológico, tanto no que se refere à realidade material, quanto à
capacidade intelectual, aspectos estes que são agravados de acordo com o grau de
domínio econômico.
Enquanto organização estrutural, esse processo foi chamado de Capitalismo:
História ___________________________________________
sistema econômico, político e social que nasceu das práticas de comércio e atividades
lucrativas na Europa ocidental, no qual predomina o poder dos detentores do capital. O
capital é um dos fatores da produção, podendo significar tanto uma quantia em dinheiro
como em bens: imóveis, mercadorias, títulos ou outros valores que constituem o fundo
de um empreendimento comercial ou industrial. Quando, em uma sociedade, os
proprietários do capital passam a dominar a política e a economia local tem-se o regime
capitalista.
No campo econômico-social, historicamente, o capitalismo teve como
conseqüência o empobrecimento das classes trabalhadoras, enquanto no terreno político
teve como expressão o liberalismo que, em sua forma extremada, defendida pela Escola
de Manchester, preconizava a completa abstenção do Estado na vida econômica, na qual
devia imperar a livre concorrência.
A origem do capitalismo é assunto controvertido: alguns pensadores negam sua
prática na Antiguidade, enquanto outros defendem sua existência tanto na Grécia como
em Roma. É inegável, entretanto, a influência do capitalismo, desde os tempos mais
antigos, tanto nos destinos do Estado quanto nas decisões do poder. Também no século
17, as idéias da reforma religiosa de Calvino, propagadas pela Europa e América, deram
um grande impulso ao capitalismo, que atualmente se evidencia por meio da luta pela
segurança empresarial e por seu poderio econômico.
Nos tempos modernos o prestígio dos negócios está também associado ao poder.
As receitas de um homem de negócios já não são a medida de seus êxitos, que passaram
a ser um dado secundário; o prestígio de um homem de negócios está invariavelmente
ligado à importância da empresa que o indivíduo dirige. Idealmente, o capitalismo é um
método de economia descentralizador, em que se procura o equilíbrio entre a produção e
o consumo. Enquanto doutrina ele se define como o livre desenvolvimento da
capacidade de cada um: se tens sucesso, é mérito teu; se ocorre o fracasso, a culpa é tua.
Uma das doutrinas que sustentam o capitalismo é o Liberalismo, nome dado a
várias doutrinas e diversas correntes de pensamento que têm uma diretriz comum: a
liberdade é o valor predominante para o homem, que é colocado em destaque como um
ser autônomo diante do Estado, da Igreja e da sociedade. O termo liberalismo deriva do
espanhol liberales, que era usado no singular como sinônimo de “tolerante” para designar,
nas Cortes de Cádiz de 1812, certa tolerância política. Num sentido amplo, a palavra
liberalismo passou a designar uma visão global do mundo e da vida e uma forma de
História ___________________________________________
comportamento social. O fundador do liberalismo foi Locke, com sua filosofia política
que tanto influenciou quanto foi influenciada pelas lutas religiosas da Inglaterra. Sua
grande contribuição foi mostrar a diferença entre Estado e sociedade. Na sociedade estão
os homens livres em ação de produção e circulação. O Estado é apenas expressão destas.
Logo, sociedade é conteúdo e o Estado é forma do mundo social. Assim, passa a se ter o
primeiro princípio do Direito Natural, de onde deriva o Direito Positivo: nada poderia
impedir a livre produção, a livre circulação e o livre consumo e tudo o que o homem
quisesse fazer com suas idéias e com seu corpo – como propriedades naturais – é também
propriedade sua.
A dimensão mais econômica do liberalismo surge na Inglaterra com a “escola
clássica”, representada pelos economistas liberais Adam Smith (1723-1790), David
Ricardo (1772-1823), Malthus (1766-1834) e John Stuart Mill (1806-1873). O
liberalismo econômico defende a prevalência das leis exclusivamente naturais nos
fenômenos da economia, acreditando na existência de uma “ordem natural” que tende a
se estabelecer espontaneamente, conduzindo o sistema econômico ao equilíbrio.
Partindo do princípio de que o homo oeconomicus é um ser racional que deseja
conseguir sempre maior lucro com menor esforço, o liberalismo econômico defende
principalmente a livre iniciativa tanto de indivíduos quanto de grupos, condenando
qualquer intervenção do Estado nos assuntos referentes à economia de mercado.
Historicamente, o liberalismo evoluiu no sentido de criar o espírito e as instituições
fundamentais do capitalismo, com o qual não deve ser confundido, uma vez que este
não é propriamente uma ideologia.
O lado mais político defende que o Estado desempenhe um papel moderador,
restringindo-se a policiar os atentados à ordem pública, reprimindo os excessos da
sociedade civil, sem participar da vida normal dos vários segmentos sociais. Embora
seja essa a tônica da idéia liberal, atualmente, na teoria e na prática, o poder público se
arroga o direito e o dever de tomar medidas que buscam ampliar a ação dos cidadãos na
busca do bem comum. O Estado liberal foi uma reação ao absolutismo estatal dos
séculos 17 e 18. O liberalismo político nasceu na Inglaterra com a “Revolução
Gloriosa” de 1688, que coroou Guilherme III e instituiu o regime constitucional, pondo
em prática a Declaração dos Direitos, “verdadeira constituição formulada pelas velhas
leis do país que estabeleciam o princípio da soberania nacional; dispunha sobre a
separação dos poderes Legislativo, próprio do Parlamento, e do Executivo, confiado ao
História ___________________________________________
rei; mantinha as instituições do habeas corpus e do júri, garantia o direito de petição a
todos os ingleses e substituía, em suma, a realeza de direito divino pela realeza
consentida”. A Revolução Francesa também optou pelo regime liberal. O ideal do
liberalismo predominou na Bélgica em 1830 e na Itália em 1861. Nos demais países,
notadamente na Alemanha, Rússia e Espanha, o liberalismo não teve êxito.
Do liberalismo emergem as concepções desenvolvimentistas: põem em primeiro
plano o desenvolvimento econômico, colocando-o como objetivo social. Para promover
esse desenvolvimento o Estado, geralmente, precisa lançar mão de uma política
econômica e financeira assentada na sua faculdade de fixar objetivos e tomar medidas
compulsórias no sentido de dirigir as atividades econômicas nacionais, afastando-se dos
quadros do pensamento liberal. As reformas estruturais (como a agrária, por exemplo)
de caráter amplo e prolongado, como as exigidas pelo desenvolvimento econômico, só
podem ser feitas mediante a introdução, por via autoritária, de inovações e de uma forte
disciplina na sua execução. O desenvolvimento pode ser promovido tanto pela atuação
direta do setor público, por meio de serviços ou empresas estatais, quanto pela atuação
no setor privado, pela injeção dos capitais públicos e da sugestão de determinadas
diretrizes por via administrativa ou fiscal, ou por estímulos fiscais, apoio técnico,
financeiro ou político, etc. Preconiza a organização de planos globais de economia para
disciplinar os investimentos do setor público e orientar, facultativamente, os do setor
privado, além de recomendar a elaboração de um programa de desenvolvimento
econômico nacional a longo prazo, a cujas projeções deverá se subordinar a atuação
financeira e econômica do Estado.
Por outro lado, houve muitas resistências a estas concepções que defendiam o
capitalismo. É o caso do Anarquismo: doutrina política que postula a anarquia social ou
a ausência de toda autoridade na organização dos interesses humanos, deixando vicejar
a livre iniciativa. Apareceu como teoria social, em 1793, nos escritos do inglês William
Godwin (1756-1836). Defendendo a tese de que o homem pode tornar-se perfeito com o
auxílio da educação e da razão, Godwin preconizava uma sociedade livre de qualquer
governo coercitivo, organizada em pequenos núcleos que livremente gerenciariam seus
próprios negócios pelo consenso geral.
Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) acrescentou à teoria o “mutualismo”,
postulando uma sociedade livre, sem instituições estatais coercivas, no qual o homem
viveria harmoniosamente mediante a troca de produtos e de serviços. O anarquismo
História ___________________________________________
americano não era totalmente contra a coerção, mas acentuava fortemente os direitos
das minorias e a necessidade de restringir ao mínimo a interferência governamental para
reforçar os direitos individuais. Spooner baseou nesta tese sua campanha pela abolição
da escravatura, afirmando que a escravidão feria os direitos humanos. O anarquismo
desenvolveu-se na Europa, principalmente em meados do século 19, sob a influência do
exilado russo Mikhail Bakunin. Sua escola opunha-se fortemente ao socialismo
autoritário de Marx e defendia uma atividade revolucionária espontânea para destruir o
capitalismo e a máquina estatal e substituí-los por uma sociedade organizada localmente
e sem governo estabelecido. Bakunin e seus seguidores eram ateus e antimilitaristas,
vendo Deus como uma concepção autoritária muito próxima do Estado e as forças
armadas como parte essencial do aparato coercitivo governamental. Após a morte de
Bakunin, em 1876, as idéias anarquistas evoluíram para o anarquismo-comunismo,
defendendo a tese de que a propriedade e o controle dos bens de consumo deviam ficar
sob a gerência de comunas locais livres e não sob o comando centralizador do Estado.
A influência do anarquismo-comunismo se fez sentir fortemente na Rússia,
principalmente entre os partidários da Revolução Social e também na Itália e Espanha,
onde a doutrina associou-se à ala esquerda dos sindicatos e passou a ser denominada
anarco-sindicalismo. Seu principal chefe, na Itália, foi Enrico Malatesta, e a associação
com os sindicatos desenvolveu-se com o apoio de Arturo Labriola. Houve adeptos do
anarquismo-comunismo na Suíça, na França e na Inglaterra e, em caráter mais amplo,
formou-se o anarquismo internacional, do qual a principal figura foi Emma Goldman.
Essa doutrina foi muito hostil à União Soviética e às democracias sociais da Europa
Ocidental. O anarco-sindicalismo foi um movimento entre trabalhadores industriais que
visava à extinção do capitalismo e do Estado capitalista e sua substituição por grupos de
trabalhadores
denominados
“unidades
de produção”.
Os
sindicalistas
foram
influenciados por Pierre Joseph Proudhon e Sorel, cuja obra Reflexões sobre a Violência
foi publicada em 1908. Defendendo a ação direta, especialmente greves gerais, tiveram
uma atuação considerável no início do século 20, principalmente na França, Itália,
Espanha, Rússia e EUA. A crescente complexidade da organização industrial e a
propagação do comunismo reduziram sua influência após 1918.
As reações mais conseqüentes ao capitalismo e ao liberalismo, no entanto,
vieram dos socialistas e da teoria marxista.
Primeiramente aparecem os socialistas utópicos que, em 1830, com uma
História ___________________________________________
espécie de movimento de idéias tentavam afirmar concepções políticas que fossem
diferentes das concepções capitalistas. Por serem diversas e idealistas foram chamadas,
mais tarde, de utópicas.
O socialismo contempla uma ampla perspectiva política que defende o
planejamento e regulação conscientes da vida social, segundo metas coletivas ou gerais
(por oposição, por exemplo, aos princípios liberais de busca de vantagens individuais).
O termo é também empregado para designar os regimes políticos ou formas de
organização social e econômica baseados nessas idéias que, por isso, envolvem
tipicamente a limitação da propriedade privada dos meios de produção. Como corrente
político-ideológica, abrange um amplo espectro de posições, desde o comunismo, em
um extremo, à social-democracia (atualmente uma espécie de "socialismo moderado")
no outro, e é, portanto, difícil de definir com precisão. É mais fácil caracterizá-lo em
função daquilo a que se opõe, a saber, a superação do capitalismo. Este, aos olhos dos
socialistas, enriquece os detentores do capital à custa do trabalho (quando não da
pobreza) das classes despossuídas; não fornece nenhuma garantia aos pobres e sacrifica
o bem-estar da sociedade em nome dos interesses do lucro privado.
A grande maioria dos socialistas defendia a propriedade comum dos bens de
produção, seja sob forma estatal ou como propriedade dos trabalhadores mesmos (por
exemplo, no sindicalismo10). Além disso, os socialistas freqüentemente pregam a
substituição da economia de mercado por alguma forma de economia planejada, com o
objetivo de criar uma indústria socialmente responsável, voltada para as necessidades
coletivas e capaz de propiciar maior qualidade de vida. Eles também insistem na
necessidade de diminuir as desigualdades sociais e de responder às carências das
parcelas mais pobres da população (sob forma, por exemplo, do Estado de bem-estar).
Uma questão que gerou fortes dissenções entre os socialistas foi a forma pela qual
deveria realizar-se a transição do capitalismo para o socialismo: por meio de métodos
revolucionários, ou se de modo gradual, por métodos parlamentares.
Todas estas idéias e práticas podem ser sintetizadas em dois grandes
paradigmas de compreensão do mundo social que aparecem no século 19, no auge da
afirmação da modernidade: o positivismo e o marxismo. Na próxima unidade vamos
tratar especialmente destas duas visões científicas e políticas que marcam o pensamento
10
Para ampliar a compreensão destes termos tratados nas últimas páginas pesquisar em: http://cf.uol.br/
enciclop/verbete.cfm?.
História ___________________________________________
social atual.
Veja primeiro este quadro que sintetiza as concepções de homem e sociedade
no Pensamento Grego Clássico, no Teocratismo Cristão e na Modernidade.
Concepções
HOMEM
Grego Clássico
É um ser político que
pensa e entende suas
necessidades e as formas
de satisfazê-las. Quanto
mais estende suas idéias
e as concretiza na ação,
mais poder tem.
SOCIEDADE
É criação humana, uma
estrutura que resulta da
justa
idéia
e
da
disposição
de
viver
juntos
de
modo
civilizado.
Teocratismo Cristão
É criatura de Deus,
dependente
de
Sua
vontade e tem uma dívida
com seu Criador. Quanto
mais pagar essa dívida
(rezar e trabalhar: ir à
Igreja e pagar o dízimo),
mais chance tem de ser
perdoado e voltar ao seu
Criador (Céu).
É o conjunto dos fiéis que
contribuem
para
o
sucesso da Igreja; é a rede
de relações religiosas que
cumprem
as
ordens
divinas e lugar de
provação.
Modernidade
É um ser natural criador: pensa,
fala e age (trabalha). Por
convenção ou pacto, obedece a
uma ordem criada por ele: Direito,
Estado e Ciência.
É a organização criada pelo
homem para melhor desenvolver e
potencializar sua natureza: pensarciência; falar – contratos/pactos;
agir – trabalhar/usar seu corpo.
Assim é o conjunto dos indivíduos
instituições dispostos de forma
mais ou menos lógicas para se
viver bem.
UNIDADE 2 – A SOCIEDADE EM PROPOSIÇÃO
Nesta Unidade vamos tratar de duas concepções do mundo social que
marcaram todas as reflexões do século 20: o positivismo e o marxismo. São dois
grandes paradigmas que temos a obrigação de conhecer quando estamos estudando
sociedade, cultura, política, etc.
O termo positivismo foi criado no início de 1800, por um pensador político
chamado Saint-Simon e era uma proposta política bem objetiva para reordenar a
sociedade francesa da época. É uma proposta absolutista, considerada verdadeira
revolução espiritual que salvaria a sociedade das ilusões e asseguraria a felicidade e a
virtude à humanidade. É uma teoria que reivindica a ciência para a abordagem de todos
os problemas humanos, como verdades pesquisadas e experimentadas, sem
especulações abstratas. É a matematização de tudo, a busca da certeza, a busca do útil,
do empírico e a decorrente aplicação dessas verdades nos atos humanos: a sociedade
não é uma simples aglomeração de seres vivos... pelo contrário, é uma verdadeira
máquina organizada, cujas partes, cada uma, contribui de uma maneira diferente para o
História ___________________________________________
avanço do conjunto. Para Saint-Simon, o homem é máquina, resultado das leis de causa
e efeito e, na sociedade, cumpre funções a ele designadas. Por isso, todos deveriam ser
preparados para ser um elemento do conjunto, uma célula do corpo social, uma parte do
todo. Conforme as funções que desempenhavam, exerciam sua moral e sua autoridade
sobre os demais.
Essas idéias vão influenciar fortemente o grande pensador francês Auguste
Comte, que traça todo um projeto para o desenvolvimento da sociedade industrial. A
influência de seu pensamento está marcada em muitas instituições atuais. Vamos nos
dedicar a essa teoria porque ela é um desaguadouro de pensamentos da modernidade nas
quais se fundamenta a ideologia de “racionalidade” da sociedade capitalista.
Já o marxismo é fundado como um crítica ao capitalismo e uma resposta aos
fundamentos do positivismo. Vieram da Alemanha as bases desta linha de pensamento.
Foi Karl Heinrich Marx (1818-1883) quem construiu essa teoria, segundo a qual no
mundo real o fator econômico condiciona todas as instituições e o modo de ser pessoais,
que não só evolui como também determina a luta de classes que causa as
transformações sociais. Esta teoria é chamada na literatura das Ciências Sociais de
materialismo histórico, que pode ser compreendido por intermédio de três idéias: as
condições econômicas determinam a História; a realidade evolui continuamente,
modificando as condições da produção e fazendo variar as superestruturas ideológicas;
o fator decisivo da evolução são as lutas de classe e os contrastes econômicos. A
aplicação destes princípios à estrutura social, segundo Marx e Engels (1820-1895),
levaria à destruição da sociedade capitalista e libertaria o germe do comunismo que, por
sua vez, desenvolveria novas formas de relações sociais.
Por serem teorias amplas e profundas, vamos nos dedicar especialmente a
essas duas visões de mundo. Iniciaremos pelo positivismo e, depois, retornaremos ao
marxismo.
SEÇÃO 2.1 – Concepções de Mundo do Positivismo – A Concretização da
Modernidade
O positivismo é uma referência a um modo de entender as vivências humanas
com base em critérios científicos, partindo do pressuposto de que era possível conhecer
o homem, suas ações, seu pensamento, de modo exato e, inclusive, prever as
conseqüências do pensar e do agir. Essa concepção estava impregnada em todos os
História ___________________________________________
pensadores sociais a partir de 1500, que desvinculavam o conhecimento do mundo dos
preceitos religiosos e percebiam a natureza, a vida e a sociedade como algo possível de
ser conhecido, controlado e planejado. Agora o homem não é criação de Deus e sim um
ser natural sujeito à lei de causa e efeito. Bastaria conhecer essas leis e, a partir delas,
fundar a sociedade humana.
O positivismo foi uma das doutrinas e um dos métodos científicos que
dominaram o pensamento durante os séculos 18 e 19 na sociedade ocidental. Como
método, estava embasado na compreensão de que a verdade só poderia existir a partir da
busca rigorosa dos fatos da experiência como fundamento do pensamento; como
doutrina, é uma espécie de revelação própria da ciência, ou seja, a forma racional que
deveria orientar toda a vida individual e coletiva.
Auguste Comte (1798-1857) filiava-se a esse pensamento. Foi este autor quem
elaborou os traços de uma reflexão positivista que pudesse criar leis para a vida social,
para o desenvolvimento da civilização e para vida moral e prática do homem civilizado.
O positivismo de Comte esboça não só uma história e uma topografia administrativa do
mundo industrial, da sociedade moderna, mas também sua política, seu saber e sua nova
religião. Segundo Comte, as sociedades modernas estavam em uma situação caótica, em
“anarquia”, em “desordem,” e era preciso afirmar a nova sociedade que nascia, criando
uma racionalidade que fizesse a adequação dos homens aos novos tempos de produção
industrial. Um pensamento sistemático e positivista deveria ser, também, o intérprete da
sociedade moderna, marcada pelo desenvolvimento da vida urbana, do tráfego
comercial nacional e internacional, da produção manufatureira, da atividade bancária,
assim como pelas transformações nas relações sociais, migrações de populações e
presença constante do econômico nos reinos da Europa Ocidental.
O positivismo de Auguste Comte propunha que o conhecimento, para ser
considerado científico, deveria ser elaborado a partir da observação, comparação e
experimentação entre os fenômenos, de modo a descobrir as leis ou as relações
constantes e, ainda, por isso, considerava a ciência como a única forma de
conhecimento ideal e válida. Essas perspectivas eram próprias de um tempo em que os
pensadores (século 18), fascinados pelo progresso científico, esperavam obter os
mesmos resultados dos métodos científicos, geométricos e matemáticos. O positivismo
se propõe a realizar o desejo de estender o domínio do homem sobre a natureza por
meio da ciência e, também, de organizar o mundo humano. Isso só seria possível com o
História ___________________________________________
emprego de métodos semelhantes aos das Ciências Naturais, uma vez que estas teriam
se mostrado aptas a formular leis relativas ao controle da natureza. A partir deste
pressuposto é que Comte cria o termo Sociologia como sendo uma “física social” que
estudaria a sociedade.
A época da Filosofia positivista comteana era marcada pelo racionalismo
moderno e pela crise social provocada pelo surgimento da sociedade burguesa, tendo
como fenômenos expressivos a Revolução Industrial Inglesa e a Revolução Francesa.
Pensadores como Montesquieu, J. J. Rousseau, J. Locke, Saint-Simon, Comte, Charles
Darwin, Herber Spencer, John Stuart Mill, Ernest Mach e outros procuravam entender a
realidade social dos homens de um modo novo e criar uma ordenação para a nova
sociedade, à qual “todos deveriam se adaptar”. As ciências que tentavam fundar tinham
uma única missão: fazer uma reforma moral.
Saint-Simon (1760-1825) dizia que a crise de transição da sociedade feudal para
a sociedade moderna não poderia ser resolvida sem pôr à frente da sociedade os grandes
industriais e os homens da ciência, pois o interesse da indústria coincidia com os
interesses de todos, posto que nenhum homem é capaz de satisfazer suas necessidades
sozinho. A indústria, a empresa racional, o comércio, junto com a ciência, seriam, então,
a salvação do homem moderno e, por isso, nenhum obstáculo ao seu desenvolvimento
deveria existir. Especialmente a indústria deve ao processo das ciências o seu contínuo
desenvolvimento e a sua crescente influência na vida social. Assim, a direção espiritual
deveria passar aos cientistas e o cuidado pelos interesses materiais para os
industrialistas e comerciantes.
Auguste Comte sintetizou as idéias predominantes da época e concordava com a
posição sobre a necessidade de organização da sociedade em que viviam. Para isso,
entretanto, seria necessário o conhecimento da vida material e concreta dos homens. Na
sua abordagem sobre a história da sociedade, Comte argumentava que o homem era um
produto da evolução da matéria, como já defendiam os evolucionistas. Ou seja, quando
a evolução atingiu o estágio humano, teve início a História, em que as fases principais
seriam a Religiosa, que, comparada a um corpo humano, significa a fase infantil, em
que se entende a realidade de forma sobrenatural; a Filosófica (ou metafísica), que seria
aquela fase juvenil do homem (quando se sonha muito e se substitui o concreto pelo
abstrato), e a Positiva, em que o homem estaria adulto, quando tudo poderia ser
entendido de modo científico com bases concretas, conforme já faziam as Ciências
História ___________________________________________
Naturais. Comte ressaltava a necessidade de o homem se dar conta dessa fase adulta da
sociedade e entender-se como um ser adulto que precisa entender os fenômenos sociais
de modo científico, sem metafísicas ou abstrações. As verdades e as leis criadas pelas
ciências precisariam, então, ser acreditadas para poderem, conseqüentemente, ser
seguidas por todos. O desenvolvimento desta cultura de viver segundo as leis era o que
Comte chamava de moral social.
A grande tarefa da Sociologia fundada por Comte seria contribuir para criar essa
moral e preparar o homem moderno em sua adaptação a essas verdades científicas, de
forma a não necessitar de imposições externas para essa obediência, esse respeito às
leis. Na sua proposta de sociedade, Comte propôs a substituição do culto aos santos pelo
culto à humanidade, aos homens que foram capazes de criar coisas para melhorar a
vivência do homem (grandes homens, vultos de nossa história), que trouxeram razões
(idéias) fortes, que criaram instituições para organizar a sociedade. Os governantes que
organizaram comunidades, respeitaram e aperfeiçoaram instituições, proporcionaram
felicidade ao povo, deveriam ter um busto em praça pública para veneração. A
sociedade, para Comte, é o conjunto dos seres passados, presentes e futuros que
concorrem para o aperfeiçoamento da ordem universal. A humanidade é guiada – diz
Comte – por uma só lei, “viver para os outros,” e por essa razão não haveria nada mais
santificado de que aqueles que viveram para os outros (Mondin, 1981).
Nesse sentido, para a doutrina positivista, uma das mais importantes instituições
fundadas pelo homem foi a escola, porque ela cria no ser novo a subjetividade
necessária para a vida racionalizada, iniciando por se adaptar à ordem escolar, à
recepção do ensino dos adultos, até abrir a mente das crianças e jovens aos valores dos
que já viveram. Na sociedade moderna, a escola deveria ser reforçada e nenhum homem
deveria ficar sem freqüentá-la. A educação positivista deveria desenvolver os instintos
coletivos, para a socialização de todos os homens, pondo fim ao egoísmo e despertando
o homem para uma vocação, uma profissão. Assim, as funções da educação escolar
seriam: desenvolver o altruísmo; despertar vocações inatas; fortalecer a personalidade
individual; criar o espírito de competência e especialização; impor os valores do tempo;
gerar a força da autodisciplina, combinada com a moral social; selecionar os mais aptos
para a ocupação das posições centrais de comando; treinar a mente para a busca da
harmonia e assentar as pessoas no seu lugar social (lugar/profissão).
História ___________________________________________
O bom exercício da profissão proporcionaria moral ao homem; sua
especialização, em funções, criaria a dependência e, assim, os laços de solidariedade e
de respeito, cimentando o princípio da autoridade e da moral social. Assim como a
educação, todas as instituições existentes e as que seriam criadas deveriam trabalhar
integradas, para que a sociedade funcionasse em “Ordem” e acontecesse o “Progresso”.
Cada homem deveria crescer na vida e isto só seria possível se ele tivesse uma
disciplina, uma ordem em si mesmo e em relação aos outros. Cada homem deveria
encontrar o seu lugar na sociedade e não sair dele para não perturbar a paz, uma vez que
é a própria Ordem e Progresso que lhe proporciona esse lugar. Deve-se sempre conhecer
esse lugar para ampliá-lo, contribuindo, assim, para o progresso geral, provando-se
como homem bom e, por isso, eleito para aproveitar os bens que a vida civilizada lhe
proporcionaria. A grande moral do homem é expressa no trabalho e vem da profissão e,
desta, deveria vir toda a riqueza capaz lhe propiciar satisfação nos melhores lugares
sociais. Quem não tem profissão não tem moral e, por esse motivo, precisa ser cuidado
pelo Estado, que iria criar formas coativas e coercitivas de punir ou compensar os
indivíduos.
Do ponto de vista do positivismo, é natural a existência de classes sociais, a
divisão entre ricos e pobres, patrões e empregados, uma vez que o lugar que cada um
ocupa é um espaço propício à criação do equilíbrio, bastando que se unam e se integrem
para que cada um colabore com o outro e todos para com a sociedade. Comte, porém,
previa a necessidade de se fazer pactos, sistemas de contratos que assegurassem a
integração dos homens entre si e em suas funções. Esse pacto estaria expresso na lei, na
constituição do que ele chamava de “Grande Pacto Social”. O Estado teria a função de
aplicar as leis e cuidar para que fossem cumpridas. O homem que obedecesse às leis
seria considerado um homem do bem e mereceria a proteção, e quanto aos maus,
aqueles que não as cumprissem, deveriam ser castigados, pois seriam “marginais”. O
castigo e a recompensa servem de exemplos para que todos vivam em união, tendo,
portanto, funções pedagógicas.
Na parte mais avançada de sua carreira Comte elaborou planos ainda mais
ambiciosos para a reconstrução da sociedade francesa em particular, e para as
sociedades humanas em geral, baseado no seu ponto de vista sociológico. Ele propôs o
estabelecimento de uma “religião da humanidade”, que abandonaria a fé e o dogma em
favor de um fundamento científico. A Sociologia estaria no centro dessa nova religião.
História ___________________________________________
Comte estava profundamente consciente do estado da sociedade na qual vivia; ele
estava preocupado com as desigualdades que iam sendo produzidas pela
industrialização e com a ameaça que elas impunham à coesão social. A solução a longo
prazo, em sua opinião, era a produção de um consenso moral que ajudaria a regular, ou
a manter unida, a sociedade, a despeito dos novos padrões de desigualdade. Ainda que a
visão de Comte para a reconstrução da sociedade nunca tenha se concretizado, sua
contribuição para sistematizar e unificar a ciência da sociedade foi importante para a
profissionalização posterior da Sociologia como uma disciplina acadêmica (Giddens,
2005, p. 28).
Seguindo as pegadas de Comte, Emile Durkheim vai reforçar a perspectiva
empírica do conhecimento. Dedica-se mais ao estudo do indivíduo, à formação de uma
ordem social e à condição moral para se viver em sociedades complexas. A civilização
madura proposta por Comte ainda não havia chegado. Em seu livro A Divisão do
Trabalho Social, mostra as relações de solidariedade que são possíveis de criar em
muitas das atividades econômicas. Propõe uma reforma moral com base numa racional
divisão do trabalho. As funções da divisão do trabalho propostas por Durkheim eram:
Produzir civilizações: A divisão do trabalho torna as funções especializadas
solidárias entre si, gerando uma interdependência que se estende por todo o corpo
social, desde o nível das relações interpessoais mais simples, como as familiares, até as
mais complexas, como as existentes entre empregados e sindicatos ou entre estes e as
empresas, criando grupos sociais que geram civilizações. Sem a divisão, os indivíduos
seriam independentes.
Organizar a sociedade: Em uma sociedade na qual a divisão do trabalho
encontra-se em alto grau de evolução, cada indivíduo tem sua função definida; desse
modo contribui para a coletividade com seu trabalho e exerce seu papel nos diferentes
âmbitos sociais. Isto leva o organismo social a uma maior organização, pois as células
(indivíduos) deste encontram-se dispostas de forma a otimizar seu funcionamento.
Criar a solidariedade social: A divisão do trabalho gera a especialização do
indivíduo: por só lidar e sobreviver com um determinado nicho de atividade, este é
obrigado a entrar em contato com os demais. Nesse processo, é criada uma nova
solidariedade entre os membros da sociedade, a solidariedade orgânica, que aumenta
proporcionalmente com a evolução da divisão do trabalho.
História ___________________________________________
Aumentar a força produtiva: A divisão do trabalho propicia um maior
dinamismo no processo produtivo. A modernização das linhas de produção pósfordismo prova que o trabalho dividido em etapas especializadas é mais eficaz que
aquele em que uma pessoa concentra diversas funções.
Aumentar a destreza do trabalhador: A divisão do trabalho opta pela
especialização em detrimento da multidisciplinaridade. Assim potencializa o saber
especializado do trabalhador, aliando educação voltada ao desenvolvimento profissional
e a busca pela eficiência produtiva dos atores sociais, levando a um conseqüente
aumento do saber específico destes e da capacidade produtiva total da coletividade.
Durkheim classifica as críticas que falam da superespecialização como teorias
particulares dos críticos que não condizem com a realidade e, ainda, defende que o
sociólogo deve despir-se das opiniões pessoais para analisar imparcialmente os fatos em
si.
Reorganização moral da sociedade: A divisão do trabalho gera o
aparecimento da corporação, que, de acordo com Durkheim, deve assumir o papel
integrador, coercivo e moralmente organizador, antigamente exercido pela religião,
família e Estado. A sociedade industrial é centrada na economia e esta não estabelece
limites morais. Assim, como as demais instituições perderam essa função, resta à
corporação reintegrar o indivíduo à sociedade.
Organização educacional da sociedade: A educação específica ensinada
pelas escolas é vista como um modo de despertar no indivíduo uma pré-disposição à
especialização, que será futuramente aprofundada no mundo profissional. Na escola é
socializado o entendimento de que não cabe a um homem querer fazer tudo, mas sim
escolher uma função e, por meio desta, ser útil à sociedade.
Equilibrar a hierarquia social: Com a divisão do trabalho, cada ator social
assume seu papel no "organismo social", agindo conforme este para o funcionamento
correto da sociedade. A hierarquização social está diretamente ligada ao conceito de
ordem social. Neste ponto Durkheim encontra-se novamente com o positivismo de
Comte, e dá espaço aos críticos que o acusam de ignorar o embate de classes como fato
social relevante.
Fortalecer instituições sociais: Assim como os indivíduos assumem, na
concepção de Durkheim, o papel de células no organismo social, as instituições
assumem o papel de órgãos, agrupamentos sociais com funções específicas. Essas
História ___________________________________________
instituições (escola, corporação, Estado) tornam-se importantes dentro de seu campo de
atuação, pois incutem e reforçam as premissas da divisão do trabalho como fato
indispensável ao desenvolvimento e à manutenção da sociedade.
Todas estas funções são vistas pelo autor como uma necessidade de repostas às
conseqüências danosas produzidas pela sociedade industrial sobre os indivíduos e não
podem ser explicadas pela divisão do trabalho. As críticas que o acusam de reduzir o
indivíduo à condição de máquina são equivocadas porque seus autores não percebem
que essa divisão poderia ser fonte de sociabilidade e não o contrário. Nesse sentido, de
nada adiantaria dar aos trabalhadores, além de conhecimento técnico, uma cultura geral.
A crítica de Durkheim se dirige também aos economistas, que reduziram a divisão do
trabalho a um “meio de aumentar o rendimento das forças sociais”. Compreender a
verdadeira natureza da divisão do trabalho significa, portanto, considerar que os seus
efeitos negativos não são uma imposição da sua natureza, mas de circunstâncias
anormais e excepcionais (Bressan, 2005).
Essa situação, de guerra social ou de anomia, pode ser superada somente com o
desenvolvimento de uma moral profissional, em fase ainda rudimentar. A
regulamentação moral ou jurídica depende da existência de um grupo que se possa
constituir o dito sistema de regras. Esse grupo não pode ser o Estado, porque a vida
econômica constrói cada dia mais a sua autonomia em relação à instituição política.
Assim, o grupo com condições de promover essa regulamentação, por conhecer bem a
natureza e o funcionamento das profissões, é a corporação ou o grupo profissional, que
reúne e organiza todos os agentes de uma mesma indústria em um mesmo corpo (Idem).
Em síntese, além do progresso da indústria, das artes, da ciência e dos serviços
econômicos que a divisão do trabalho pode prestar, seu efeito maior é o da formação de
uma moral, integrando o corpo social, permitindo a ordem social, a coesão e a
solidariedade, tão necessárias à formação das personalidades individuais.
Duas expressões que mostram as semelhanças na compreensão de como se
formaria a ordem social entre Comte e Durkheim
AUGUSTE COMTE: “Um sistema social em
extinção; um novo sistema chegado à
maturação, e que tende agora a constituir-se...
Dois movimentos agitam a sociedade: um de
desorganização, outro de organização. No
primeiro, a sociedade se arrasta para uma
anarquia moral e, no segundo, a sociedade é
EMILE DURKHEIM: “...A vida econômica da
sociedade moderna se encontra em um estado de
anomia moral e jurídica. Nesta esfera de funções,
com efeito, a moral profissional não existe
verdadeiramente senão no estado rudimentar...
Tal anarquia vai contra a própria finalidade de
toda a sociedade, que é a de suprimir ou, pelo
História ___________________________________________
conduzida para o estado definitivo da espécie
humana, para a prosperidade... Devemos
travar o progresso da anarquia e determinar às
nações civilizadas que tomem a direção
orgânica e conduzam seus esforços na
formação do novo sistema social e para o qual
tudo quanto se fez até agora não passou de
mera preparação... Os homens da ciência estão
preparando o sistema positivista...” (Para
Reorganizar a Sociedade, 1977).
menos, moderar a guerra entre os homens,
subordinando a lei física do mais forte a uma lei
mais alta, a autoridade da norma e a liberdade do
indivíduo. Não posso ser livre senão na medida em
que outrem é impedido de se beneficiar da
superioridade física, econômica ou outra de que
dispõe, para sujeitar a minha liberdade, e a norma
social, só ela, pode tornar-se obstáculo a estes
abusos de poder... A corporação cultiva a moral
de auto-regulação...” (A Divisão do Trabalho
Social).
SEÇÃO 2.2 – A Concepção Marxista – A Crítica da Modernidade
A crítica ao positivismo e à modernidade tem sua melhor síntese no pensamento
Karl Marx (1818-1883), porque este é um autor que vai reunir as manifestações de
quem percebe as contradições da sociedade capitalista, vai reler os principais ideólogos
defensores da modernidade e vai propor teses para uma outra sociedade, diferente da
moderna. É uma proposta teórica ampla que tem a perspectiva de criticar a maneira
burguesa de ver o mundo (pensamento), o modo como a sociedade industrial produz a
mercadoria (economia) e o modo como os atores sociais planejam e organizam o mundo
social e cultural (política). Seria, como dizem os marxistas (aqueles que partem do
pensamento de Marx para propor novas formas de sociabilidade), uma revolução nos
elementos constitutivos da sociedade: na economia (base), na ideologia (concepções de
mundos) e na política (na gestão do poder coletivo).
Interpretar o pensamento de Marx, no entanto, é uma tarefa muito difícil dada a
profundidade de seu pensamento e devido à exagerada politização que sofreu alguns
textos do autor. Chegamos, inclusive, a criar preconceitos em relação às pessoas que
diziam que sua prática política seguia às idéias marxistas. É certo que há muitas
energias práticas no pensamento de Marx, mas jamais podemos dizer que ela é doutrina
para alguém. Trata-se de um pensamento aberto, rigoroso, e que nos traz muitas
inspirações humanas, pois nos coloca em pé e de frente para nossa humanidade ao
perguntar pelo sentido que estamos dando a nossa vida, ao nosso trabalho, às nossas
relações sociais e à organização de nossa sociedade.Tira-nos da dormência e nos coloca
vivos diante das reais condições humanas em que vive a maioria da população e nos
alerta para o sentido coletivo de nossa existência.
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É uma teoria forte que tem sentido no entendimento que podemos criar do
contexto geral de sua teoria da sociedade mediante os conceitos de materialismo
histórico, método dialético, trabalho, modo de produção, mercadoria, mais-valia,
proletariado e emancipação social, entre outros.
A expressão “materialismo histórico” surge para dar significado a um
entendimento que parte do pressuposto de que a base de toda a ordem social é a
produção e o intercâmbio. Marx, ao construir reflexões sobre a realidade social dos
séculos 18 e 19, iniciou essa compreensão: “Minhas investigações me levaram à
conclusão de que tanto as relações jurídicas quanto as formas de governo não podiam
ser compreendidas por si mesmas e nem pela chamada evolução do espírito humano, já
que, ao contrário, estão enraizadas nas condições materiais de vida” (1983).
A esse discurso se acrescenta um entendimento de que a sociedade possui sua
materialidade alicerçada sobre o processo de trabalho dos homens. O homem, porém, ao
trabalhar, concretiza suas idéias, suas forças físicas, seus sentimentos, sua natureza e, ao
assim fazer, constrói relações sociais, elabora a história, produz a sociedade. Assim, as
gerações vindouras se deparam com a produção das gerações anteriores e se utilizam
das construções existentes para sobreviverem e, conseqüentemente, reproduzem a
história ou constroem uma nova história.
A teoria de Marx pressupõe que a estrutura social seja resultado do modo de
produção e das superestruturas que a sustentam. Essa dialeticidade entre produção
(economia), organização social (política) e o conjunto de idéias que a sustenta
(Filosofia), forma os elementos constitutivos da realidade da sociedade, que só podem
ser entendidos por um método que seja capaz de captar a essencialidade desse
movimento, dessa reciprocidade: “os homens são produtores de suas representações,
idéias, etc., e precisamente os homens condicionados pelo modo de produção de sua
vida material, pelo intercâmbio material e o seu desenvolvimento posterior na estrutura
social e política ” (Marx, 1983, p. 34).
Este é o Método Dialético, responsável por inverter interpretações que
acreditavam que a sociedade fosse fruto apenas das idéias ou da evolução natural das
ações dos homens, sem perceber as relações mais amplas que a constituíam. Neste
processo amplo de produção da sociedade, nem todos os homens estão nas mesmas
condições de vida. Uns só utilizam os meios de produção e, na maioria das vezes, são
obrigados a fazer isso, enquanto outros controlam ou são donos de tais meios. O
História ___________________________________________
conjunto das forças produtivas e dessas relações de produção constitui o modo de
produção e suas contradições produzem as lutas entre as classes, que nem sempre se
manifestam claramente. Somente um esforço metódico científico é capaz de captar os
momentos fluidos dessas lutas, dessas forças que tornam a História um processo, um
palco de lutas.
Karl Marx fundamentou seu método de análise da sociedade na Dialética (termo
surgido na Grécia clássica e recuperado por vários pensadores do Renascimento e que
significava: “arte do diálogo”, ou arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de
argumentos, e de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão).
A dialética, na teoria de Marx, tem por base a Filosofia de G. F. Hegel (1770-1831) e é
empregada especialmente para entender a realidade política, ideológica e econômica do
homem.
A dialética marxista constitui-se um método rigoroso de investigação científica
que constrói dimensões essenciais sobre o movimento da realidade e do pensamento,
inclusive sobre a própria condição de estudar esses processos. No pensamento de Marx,
a dialética está presente como método e diluída no conjunto de suas obras, na própria
exposição das idéias, na articulação interna de seus discursos. Em raros momentos,
porém, ele é expresso abertamente “...eu me movo com rara liberdade na matéria
empírica ... e este movimento livre na matéria não é outra coisa senão a tradução
integral do método de tratamento da matéria: o método dialético” (Cartas a L.
Kugelmann). Serão os marxistas, contudo, que vão extrair variadas formas de expressar
o método dialético (Engels, Lenin, Lukács, Gramsci, Marcuse, Lefébvre, Althusser,
Sartre...).
A dialética materialista parte do princípio de que a matéria e o pensamento estão
em profunda relação e formam uma unidade inseparável e contraditória. Isso significa
que o pensamento não existe separado de sua realidade material. A dialética, no entanto,
permite perceber que a realidade e o pensamento existem sob a forma de movimento. O
movimento é mais do que o simples deslocamento dos corpos; é a forma de existência
da matéria e do pensamento.
A dialética é, portanto, um método de estudo do movimento da natureza, da
sociedade e do próprio pensamento, em suas relações, em suas transformações, em suas
contradições e em suas negações. É o método que nos permite perceber que a matéria, o
História ___________________________________________
pensamento, a natureza e a sociedade não podem ser pensados isoladamente do
movimento de suas transformações históricas.
O método dialético não pode ser empregado de forma dogmática, fixa ou
artificialmente. Ele permite que conheçamos a nós mesmos no e pelo processo de
conhecimento da sociedade em que vivemos. A dialética é o movimento recíproco entre
teoria e prática, entre sujeito e objeto e é um processo de constante passagem fluida de
uma determinação a outra no processo histórico.
O uso da dialética, por Marx, tinha como objetivo central a construção de
entendimentos sobre a realidade histórica do homem, a busca da essência do real que
pode estar por trás das aparências e na própria aparência. Ela busca a unidade do todo.
Busca os fatos nos seus determinantes, nas suas características históricas, nas suas
estruturas internas, nas estruturas de suas relações, nas suas contínuas mudanças, nas
estruturas de suas objetividades para a época que os determinam, seus conflitos e
representações. Ou seja, a dialética busca relacionar os diferentes fatos da vida social
numa totalidade para o conhecimento da realidade concreta, produto das relações do
mundo da produção, do trabalho. Com o estudo do trabalho, Marx pretendia construir
um conhecimento mais profundo do homem. Em outras palavras, todo o esforço da
teoria de Marx foi para buscar, para descobrir a humanidade do homem no processo de
trabalho. Nesse sentido, a contribuição de Hegel para o estudo do trabalho do homem
foi importante para Marx.
Hegel, ao estudar o sujeito humano em seus movimentos e nas atividades
políticas e econômicas, percebe que o trabalho é a força que impulsiona o
desenvolvimento humano e que é pelo trabalho que o homem produz e se produz a si
mesmo. Ou seja, foi com o trabalho que o ser humano se desgrudou (se afastou, se
distanciou) um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, contrapor-se como sujeito
ao mundo dos objetos naturais. Nesta relação do homem-natureza, o trabalho é ação
transformadora recíproca (Konder, 1986).
Marx concordava com a observação de Hegel sobre o trabalho, mas criticou a
unilateralidade de sua concepção, que dava muita importância ao trabalho intelectual e
não enxergava a significação do trabalho físico, material: “O único trabalho que Hegel
conhece e reconhece – observou Marx – é o trabalho abstrato do espírito”. Marx dizia
que Hegel não analisou os problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades
divididas em classes sociais (idem), o lado negativo do trabalho.
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O trabalho, admite Marx, é a atividade pela qual o homem domina as forças
naturais e humaniza a natureza; é a atividade pela qual o homem cria a si mesmo.
Trabalhar é impor à natureza nossa face, é um exercício metabólico entre o homem e o
meio. Nos produtos do trabalho estão nossas subjetividades. Por que, no entanto, o
trabalho chegou a se transformar em uma “atividade que é sofrimento, uma força que é
impotência, uma procriação que é castração?” – pergunta-se Marx, e ele mesmo
responde: “porque surgiu na história a divisão do trabalho, as classes sociais e a
propriedade privada”.
Após o aparecimento desses fenômenos sociais, muitos homens não mais
trabalham para assegurar e sustentar a sua vida, mas a vida de muitos outros. Obrigado a
trabalhar sem saber por que e para quem, o homem alienou sua vida, perdeu a liberdade
e sua humanidade se perdeu nos produtos que faz. Como esclarece Rousseau,
...quantos crimes, guerras, assassinatos misérias e horrores não teria poupado o
gênero humano se alguém tivesse impedido o primeiro homem de cercar um terreno
e dizer “isto é meu”... se alguém tivesse dito “defendam-se deste impostor e não
esqueçam que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém”...aí se
introduziu a propriedade e o trabalho tornou-se necessário; as vastas florestas
transformaram-se em campos regados pelo suor dos homens e logo se viu a
escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas” (Rousseau, 1991).
O capitalismo, como modo de produção baseado na propriedade privada e na
divisão do trabalho, deformou ainda mais a situação do trabalho. É esta sociedade
moderna, é o capitalismo que Marx se dedicou a entender para transformá-lo,
entendimento este que só pode ser construído com o método dialético, que permite
compreender a realidade material e histórica em que vivem os seres humanos nas suas
épocas.
Estas formas objetivas aparecem coisas e relações entre coisas, encobrindo as
relações humanas, que as produzem, com o véu da coisicidade ao qual a dialética
possibilita desvelar, possibilitando também o conhecimento da realidade como devir
social, realidade que se põe, se produz e se reproduz em um processo concreto e
histórico. Ou seja, no capitalismo as relações das pessoas são tratadas como relações
entre coisas, como mercadoria. O homem é um ser social que atua na produção da
realidade e é sujeito-objeto do devir histórico e social. Existem, porém, alguns homens
que são vítimas da história. A esses homens a dialética é uma arma revolucionária que
permite conhecer a realidade histórica para transformá-la (Gramsci, 1994).
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Marx percebia, na sua época, que o capitalismo se alastrava por todos os lugares,
transformando, enquanto modo de produção, todas as formas de expressão humana. Era
preciso captar a essencialidade do capitalismo de forma dialética, isto é, na sua
expressão mais concreta. O caráter fundamental da sociedade capitalista foi estudado
por Marx por meio da categoria Mercadoria. As diferentes formas de manifestação da
sociedade burguesa podem ser descobertas com a categoria mercadoria, principalmente
nas estruturas das relações mercantis e das suas formas de objetividade e subjetividade.
A estrutura das relações mercantis tem como essência principal tornar as
relações entre homens em relações de coisas, fazendo do fetiche da mercadoria a base
ideológica do capitalismo. Isto é, a reificação torna a mercadoria misteriosa, pois torna
os produtos do trabalho do homem coisas estranhas a ele. O trabalho é a essência da
vida do homem, mas quando ele se resume a uma atividade para produzir mercadorias,
como no capitalismo, torna-se um processo de prisão e destruição do próprio homem. A
mercadoria em circulação no mercado ganha forças insuperáveis, fazendo com que os
indivíduos não as reconheça em seu processo real e objetivo. As ações dos homens
tornam-se ações para suprir necessidades, que muitas vezes não são as suas, mas do
próprio mercado (falsas necessidades, muitas vezes), como se fosse ele mesmo uma
coisa mercantil.
No capitalismo o trabalho do homem se objetiva na mercadoria (esta
mercadoria, circulando no mercado, é a transfiguração do próprio homem que circula e,
ao assim fazer, se divide, se desintegra) e o valor do homem está relacionado com a
capacidade de produzir e fazer circular as mercadorias. O homem torna-se um ser
dependente (alienado) do todo que não conhece, submetendo-se às leis do mercado (leis
racionais), preso ao espaço e ao tempo concedidos pelas necessidades objetivas da
racionalização, apagando-se diante de seu trabalho. Marx mostra-nos que o trabalho
alienado, como no capitalismo, destrói a humanidade do homem e faz dele um ser que
apenas existe para cumprir hora na execução da produção do próprio modo de produzir.
O tempo é tudo e o homem não é nada, é quando muito a carcaça do tempo, estranho a
sua própria personalidade espectadora e impotente.
A sociedade capitalista é um complexo de homens isolados; é uma sociedade de
proprietários cuidando de seus negócios (a burguesia proprietária dos meios de
produção e o proletariado proprietário da força de trabalho). Não resta ao proletariado
outra alternativa: para sobreviver precisa vender a força de trabalho:
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... O patrão, ao que parece, compra-lhes, portanto, o trabalho com dinheiro.
Mas isso só ocorre na aparência. Na realidade, o que vendem ao capitalista é
sua força de trabalho... e com essa mesma quantia, com a qual comprou a
força de trabalho, poderia ter comprado açúcar ou outra mercadoria
qualquer... A força de trabalho é, pois, uma mercadoria, ... só que não é
medida com balança, mas sim com o relógio (Marx, 1982).
Enquanto a vida do proletariado vai se esvaindo no trabalho, os capitalistas vão
construindo seu império de capital, que lhes oferece o poder concreto de influenciar em
todos os modos da vida social, conferindo-lhes privilégios jamais vistos (...as vitaminas
que os americanos dos EUA gastam com seus animais domésticos em um ano daria para
tirar do estado de desnutrição toda a África pobre durante 15 anos... as 375 pessoas mais
ricas do mundo, em 1995, possuíam renda superior a 23 milhões de pessoas...).
Em O Capital, Marx estabelece as leis econômicas que governam a sociedade
de sua época. O desenvolvimento social estaria na razão direta do capital e a História
constataria o crescimento, a culminância e a queda final do capitalismo. O
desenvolvimento completo do capitalismo e o poderio das classes possuidoras dos
meios de produção envolvem, também, o crescimento do socialismo e da classe dos
proletários, que possui para vender apenas o seu trabalho. O capitalismo cresce pela
apropriação e pelo acúmulo do trabalho excedente não remunerado, o qual Marx
chamou de mais-valia e na qual baseou sua teoria econômica. Qualquer que seja a fonte
de riqueza da sociedade, é sempre produto do trabalho humano e o valor de todos os
bens é gerado por esse trabalho, que pode ser medido em horas.
Os meios essenciais de trabalho, no entanto, são a terra e o capital e estes
pertencem a uma classe específica: a burguesia. A esta classe o operário é obrigado a
vender sua força de trabalho por um preço que apenas garanta a própria subsistência e a
da sua família, sem levar em conta a diferença entre o valor dos bens produzidos e os
salários recebidos. Daí nasce a luta entre as duas classes: a capitalista que absorve a
mais-valia e a proletária que a produz. Na seqüência da História, os grandes capitalistas
destroem os menores e formam monopólios aptos a acumular um enorme capital. De
um lado, a extrema pobreza e, de outro, a riqueza exagerada conduzem à luta de classes,
que acaba inevitavelmente numa revolução declarada.
Se o proletariado fosse alertado para o que vinha acontecendo, poderia tomar a
iniciativa convertendo-se de “espoliados” em “espoliadores”, apoderando-se dos meios
de produção. Esta grande revolução, acreditava Marx, inauguraria uma nova era do
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socialismo, em que a produção seria carreada em benefício de todos, trazendo com ela a
sociedade sem classes. Transpondo-se para a política, Marx acreditava que o Estado, tal
como existe em uma sociedade capitalista, é instrumento de espoliação; ele é o meio
pelo qual os proprietários do capital oprimem e exploram o proletariado livres de
julgamento. Quando a revolução proletária tivesse estabelecido uma sociedade sem
classes, não mais haveria necessidade do Estado na sua antiga concepção.
Por essa razão, os trabalhadores deveriam se organizar num partido político
classista internacional, dado que o proletariado não tem pátria, e, aproveitando as
guerras entre os países capitalistas, transformá-las em guerras civis para facilitar a
tomada do poder. Seguindo as idéias de Hegel, Marx aplicou a noção do processo
dialético à História, no qual um estágio em desenvolvimento (tese) entra em choque
com o seu oposto (antítese) e o conflito entre ambos eventualmente dará lugar a um
terceiro estágio (síntese). Marx acreditava que a estrutura econômica da sociedade e as
forças das mudanças econômicas determinavam a vida social, política e cultural dessa
mesma sociedade. Para efetuar uma mudança social e política era necessário haver
primeiro uma mudança econômica. Marx acreditava ainda que a mudança histórica era
inevitável. À sua interpretação materialista da história ele acrescentou a teoria do
materialismo dialético e a doutrina do determinismo materialista. Condenava todo o
socialismo utópico e todos os movimentos que procurassem resistir ou interpretar mal o
fluxo irresistível da evolução social, argumentando que o melhor que os trabalhadores
podiam fazer era se unirem num esforço para enfrentar e aliviar os sofrimentos desse
processo. Marx preconizava uma revolução mundial por acreditar que o capitalismo
tendia a arruinar a velha ordem social, provocando um completo caos. Essa crença
representa o elo entre suas obras de economista e seu trabalho como político
internacional que deu ao socialismo uma organização sistemática e uma Filosofia
positiva. A vida de Marx foi marcada por uma rara unidade e firmeza de propósitos.
A grande vítima dessa sociedade é o proletariado e é nesse sentido que Marx diz
que a verdade só é possível do ponto de vista do proletariado, porque ele é a maioria, é o
produtor efetivo da sociedade. A dialética vai nos levar a um entendimento que torna
possível revelar e libertar a vida porque ela é possível ser de outro modo. O método
dialético, diz Marx, torna possível ultrapassar o limite do pensamento da burguesia, que
está atribuída de falsa cientificidade, pois não vai ao substrato de sua própria ciência e
se torna verdades formalistas que camuflam a realidade concreta. A burguesia possui
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um limite em seu conhecimento sobre o mundo que não ultrapassa a representação
imediata dos fatos. Em cima desses fatos traçou leis eternas, verdades absolutas e
imutáveis. Ele prende-se à exterioridade dos fatos e não foge deles, atribuindo valor de
verdade. A imediatidade é a falsidade; é a própria objetividade da burguesia; é o seu ser
social e condição da própria sobrevivência.
O proletário, neste sentido, precisa conhecer sua realidade, para moldá-la, cria-la
sob seus interesses. Quando o proletariado se reconhecer no trabalho, estará no começo
do processo de mediações que tem por finalidade o conhecimento da sociedade como
totalidade histórica (Lukács, 1986, p. 27).
O método dialético torna possível que: o proletariado se reconheça na totalidade;
permite reconhecer o movimento histórico das coisas, da vida e do próprio pensamento;
possibilita reconhecer que o proletariado, por sua relação com o trabalho, é uma classe
revolucionária. Se o capitalismo trata o proletariado como mercadoria, é possível
mostrar que ele tem possibilidade de criar consciência de si pela fuga da imediatidade
da sua situação e se orientar para a totalidade da sociedade, superando-se
constantemente. Isto é, se no capitalismo o homem fica reduzido a um pressuposto do
capital e se o movimento do capital impõe ao homem ser objeto ou parte deste
movimento geral, a consciência da totalidade é modificar esta coisa em movimento,
percebendo que forças são estas que movimentam a História, nossa consciência, nossas
ações, etc. O método dialético permite que se perceba que o pensamento burguês,
explica Marx, fixou uma essência para a sociedade e a tornou estranha ao homem,
justamente, e esta estranheza é a consciência de mundo que rodeia o homem alienado
que vê a realidade como algo incompreensível, fantasmagórico e isolado em suas partes:
“... a classe dominante tem a noção de que suas idéias (liberdade, igualdade,
solidariedade, fraternidade...) dominam todas as representações e as apresentam como
verdades eternas...” (Marx; Engels, 1996).
Percebe-se, no entanto, que o proletariado do qual fala Marx é um sujeito que
pertence a uma classe e não um indivíduo isolado, ou seja, a classe é a medida de todas
as coisas, e não o indivíduo, como quer a burguesia. A classe pode relacionar-se com a
totalidade da realidade de uma maneira revolucionária. O indivíduo em si não percebe a
totalidade. Esta é percebida pela classe, que é produto do ser social dos indivíduos. Ou
seja, para que o proletariado se liberte de sua situação, é preciso unir-se (“Proletariado
de todo mundo, uni-vos”) e esta união será tanto mais forte quanto mais se perceber as
História ___________________________________________
condições imediatas da situação concreta em que vive. Marx escreve no Manifesto de
1848: “...De todas as classes que hoje em dia se defrontam com a burguesia, só o
proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes vão se
arruinando e sucumbem com a grande indústria: o proletariado é o produto
característico desta grande indústria...” (1996). O lupemproletariado, os miseráveis,
são arrastados para todos os lados, pois sua condição de existência lhes permite apenas
pensar em si mesmos, na sua sobrevivência.
Em resumo: a dialética é um método que nos desafia a conhecer, a conhecer
para transformar, tendo como base desta transformação a vida. A vida só será livre
quando o trabalho for livre, quando o homem perder de vista o caráter de propriedade da
sociedade burguesa, ou seja, quando o trabalho for criador. Marx acreditava na
inevitabilidade de uma revolução dos trabalhadores, que poderia derrubar o sistema
capitalista e introduzir nova sociedade na qual não haveria classes – nem divisões em
larga escala entre ricos e pobres. A sociedade não seria mais dividida entre uma
pequena classe que monopoliza o poder econômico e político e uma grande massa de
pessoas que pouco se beneficia com a riqueza que seu trabalho produz. O sistema
econômico centraria sob a propriedade comunal e uma sociedade mais humana do que
esta que conhecemos no presente seria estabelecida. Marx acreditava que, na sociedade
do futuro, a produção seria mais avançada e eficiente do que a produção sob o
capitalismo. Essa perspectiva de Marx que não se apaga e é o horizonte do futuro, um
sentido que deverá ânimo ao esforço da geração do presente em melhorar o seu modo de
vida e de construir conscientemente um novo modo de vida para as gerações vindouras.
COMPREENSÃO DO POSITIVISMO E DO MARXISMO SOBRE AS SEGUINTES QUESTÕES
QUESTÕES
POSITIVISMO
MARXISMO
a) Como se deu Evolução
natural;
competição; Pelo trabalho: formas de produção e distribuição. Pela luta
de classes.
a História da adaptação; complexificação.
Sociedade
b)Papel
da Revelar; conhecer de modo exato; Promover a liberdade da vida, a emancipação humana.
História ___________________________________________
Ciência
c) Método de
Conhecimento
d) Fundamento
da Ordem Social
e) Conceito de
Sociedade
f) Como se
formam
as
Classes Sociais
g) Origem das
Crises Sociais
h) Papel
Estado
do
i) Papel
Educação
da
j) Proposta de
Sociedade Ideal
orientar; dominar a natureza; criar
sistema lógico.
Positivista: observar, comparar e
experimentar.
A Moral Social – cada indivíduo no
seu devido lugar.
Conjunto de partes funcionalmente
complementares.
Pelas competências, pela natureza
do sujeito, pelo bom uso das
capacidades.
Falta de leis e racionalidades; no
instinto natural incontrolável; pela
corrupção das funções ou falta de
funções claras para as instituições e
indivíduos.
Impor a ordem; vigiar e punir;
prever e prover as necessidades
coletivas; manter os símbolos
nacionais; criar leis; aplicar a lei;
manter os pactos sociais; fazer valer
os contratos.
Despertar
vocações,
criar
o
altruísmo; preparar para o trabalho;
interiorizar no indivíduo a moral
social, selecionar os mais aptos...
SISTEMA
SOCIAL
–
ORGANISMO.
– Todos devem estar integrados ao
sistema social, estando sempre
fortalecendo a família, escola,
empresa e cultura; cada um deve
encontrar a sua função e cumprir
conforme a moral social; obedecer
às leis e à hierarquia.
Base do saber: Materialismo: a vida social tem por base
o processo de produção = trabalho; Histórico: a história é
um porvir – as esperanças do presente são as mesmas do
passado. O passado prometeu, o presente promete e o
futuro é uma promessa. Tudo tem história. Tomar
consciência da história que estamos fazendo pelo
conhecimento da história que foi feita; Dialético: Muitos
pensadores se dedicaram a interpretar a História e fizeram
isso de diferentes maneiras, no entanto a grande questão é
transformá-la, no sentido dos seus principais atores: os
operários (proletários). O método dialético é empregado
para conhecer profundamente a realidade da vida humana
e construir a consciência do nosso valor na vida.
O sentimento de igualdade e liberdade econômica,
política e social.
É o complexo de relações sociais interdependentes e
contraditórias.
Pela dominação do homem pelo homem, pela exploração
e alienação...
Pelo aumento das contradições; a lógica do sistema
contra a lógica dos indivíduos. No aumento das
diferenças entre proprietários e não proprietários; no
aumento da miséria humana.
O Estado de classes sociais garante as relações de
dominação. Em uma nova esfera pública ele elucida a
igualdade e é expressão das vontades dos iguais.
Promover os potenciais emancipatórios à vida humana, à
autonomia.
Fim da exploração do homem pelo homem; trabalho igual
distribuição igual; fim das classes sociais; fim dos
privilégios dos lugares sociais; fim do Estado – nova
esfera pública; trabalho como livre disposição de iguais;
planejamento universal do processo produtivo =
autogestão e co-gestão; fim da propriedade privada; livre
desenvolvimento cultural do homem – promoção da
igualdade da totalidade do gênero humano: divisão do
trabalho por ramos produtivos não-antagônicos –
camponeses, operários e intelectuais.
História ___________________________________________
UNIDADE 3 – A SOCIEDADE E REMODELAÇÃO – A CULTURA
Andréa Becker Narvaes
O tema central desta unidade é a cultura. A dimensão cultural da vida social na
passagem da modernidade para a contemporaneidade será nosso enfoque central.
Trataremos de alguns dos traços fundamentais da cultura originada na sociedade
moderna que influenciam mais ou menos o desenho da cultura que hoje presenciamos e
que denominamos de cultura contemporânea.
Nós humanos somos seres ao mesmo tempo biológicos e culturais. Somos
originários da natureza e pela nossa capacidade de constituir cultura distanciamo-nos da
natureza. Enquanto seres vivos somos animais com condições especiais de produzir
nossos próprios modos de vida, produção esta que só se torna possível na interação com
os outros. O ser humano tem uma natureza biológica, físico-química, que é terrena e
cósmica. Por outro lado o humano é um ser de cultura, do universo da linguagem, do
mito, da razão, da consciência.
Os indivíduos humanos só podem realizar-se na sociedade. Cada indivíduo é
único, mas o que possibilita cada um constituir sua unicidade, sua identidade são as
relações com os outros, as relações sociais. O processo de individualização da espécie
humana só ocorre na vida social. As palavras de Edgar Morin (2005, p. 54) explicitam a
relação entre indivíduo, cultura e sociedade: “As interações entre indivíduos produzem a
sociedade, que testemunha o surgimento da cultura, e que retroage sobre os indivíduos
pela cultura.”
Cada um de nós, como indivíduo humano é único, nos diferenciamos uns dos
outros, e ao mesmo tempo, igualmente fazemos parte de um todo: cósmico, terrestre,
natural, humano e sociocultural. A cultura, grosso modo, refere-se às formas de vida dos
membros de uma sociedade ou de um grupo social. Posto que também somos seres de
cultura e é esse o tema desta unidade, passamos agora a problematizar algumas
definições de cultura. O conceito de cultura é objeto de muitos debates acadêmicos, mas
sem a pretensão de esgotar este debate apresentamos algumas noções de cultura como
ponto de partida dos nossos estudos.
História ___________________________________________
A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas,
proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de
geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da
sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade
humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é
singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas cada cultura é
singular (Morin, 2005, p. 56).
Um dos pontos a destacar na definição de Morin é a questão da diversidade
cultural. Conteúdos culturais que caracterizam diferentes sociedades variam no tempo e
no espaço. Como exemplo, podemos pensar agora sobre a religiosidade, como prática
social que faz parte de todas as sociedades que conhecemos até hoje. Não podemos
esquecer, contudo, que as crenças religiosas são altamente diferenciadas ao logo da
História e entre diferentes sociedades. Por exemplo, se diferenciam as religiões por
variados aspectos, e um desses aspectos é a crença na existência de um Deus
(monoteístas) ou de vários deuses (politeístas) ou até mesmo na não existência de
deuses.
Outro ponto que a definição anterior afirma é que não existe grupo social
desprovido de cultura, como muitas vezes o senso comum faz crer. Todos os grupos
sociais ou sociedades produzem cultura. Como a cultura é uma criação coletiva de
significados, ela é variável. O modo de significar a vida é uma produção humana, por
isso a cultura transforma-se na medida em que a própria humanidade varia. O que
ocorre, na maior parte dos casos, é uma dificuldade dos grupos sociais em reconhecer o
outro na sua igualdade e diferença. Como exemplo, podemos pensar nas relações
interculturais nas sociedades contemporâneas, em que a linguagem escrita e a virtual
são predominantes e os grupos sociais que dominam estas linguagem tendem a
desqualificar os grupos que não tem acesso a elas como os analfabetos textuais e
digitais, como grupos “sem cultura”.
Quando os sociólogos se referem à cultura estão preocupados com aqueles aspectos
da sociedade humana que são aprendidos e herdados. Esses elementos culturais são
compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a
comunicação. Formam o contexto comum em que os indivíduos numa sociedade
vivem suas vidas. A cultura de uma sociedade compreende tanto os aspectos
intangíveis – as crenças, as idéias e os valores que formam o conteúdo da cultura –
como também aspectos tangíveis – os objetos, os símbolos, os símbolos ou a
tecnologia que representam esse conteúdo (Giddens, 2005, p. 38).
História ___________________________________________
Na definição anterior uma idéia central é a de que toda a cultura é criação
humana. Valores e normas que orientam nossa ação na vida cotidiana aparecem como se
fossem naturais e, portanto, inquestionáveis, imutáveis, mas muito pelo contrário,
valores e normas não são naturais, mas produzidos pela cultura nas relações sociais. O
“normal” é visto pelo senso comum e algumas vezes como natural, sendo por isso
considerado imutável. Por exemplo, o casamento monogâmico é a forma de
relacionamento tida como normal na nossa sociedade, por isso a única legal e
legitimamente aceita. Embora saibamos ser a poligamia a norma para o casamento em
outras sociedades, tendemos a classificar os casos de casamentos não-monogâmicos
como anormais. O conhecimento das múltiplas diferenças no modo de viver a vida e ver
o mundo presente entre grupos, comunidades e sociedades nos possibilita compreender
o caráter de construção histórica das formas da vida coletiva.
As sociedades complexas contemporâneas têm alto grau de heterogeneidade
cultural. Múltiplas culturas convivem. Em muitas situações culturais variadas se
defrontam e se mesclam, e a diferença cultural é tratada positivamente, como
enriquecimento da experiência individual e coletiva que proporciona. Relativizar é uma
postura de abertura de mundo, pois nos permite aprender e crescer com o diferente. Na
maioria das situações, porém, o choque provocado pelo encontro dos diferentes leva à
rejeição, menosprezo e exclusão do outro, efeitos da postura etnocentrista (aqueles que
valorizam apenas a cultura de sua nação, que não imaginam diferentes culturas, ou não
aceitam as diferenças culturais).
Para Everardo Rocha (1990, p.18), relativizar é: “não transformar a diferença
em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão
de riqueza por ser diferença”. O preconceito e a discriminação são comportamentos
típicos dessa postura etnocêntrica, muito comum nas sociedades multiculturais
contemporâneas ou no encontro entre sociedades com diversas tradições culturais, como
entre colonizadores e colonizados. Segundo o antropólogo Rocha, o choque cultural
gerador do etnocentrismo é na verdade um mal-entendido sociológico. A diferença é
vista como perigosa na medida em que põe em xeque a nossa identidade. A visão do eu
é tratada como a única possível, como natural, normal, a melhor, a correta. O outro, o
diferente, é visto como absurdo, anormal ou inferior. Um exemplo claro da postura
etnocêntrica é o modo como a sociedade capitalista ocidental trata as populações
indígenas. Conhecemos de perto a forma como são vistos os índios brasileiros a partir
História ___________________________________________
de estereótipos como selvagens, passivos, preguiçosos, atrasados, etc. Para superarmos
esta tendência tão comum de atitudes etnocêntricas e podermos assumir posturas
relativistas, precisamos aprender a olhar o outro como igual, a diferença como uma
opção possível.
Trazemos agora uma última definição de cultura de base antropológica:
...entendida como um sistema de comunicação que dá sentido a nossa vida, as
culturas humanas constituem-se de conjuntos de verdades relativas aos atores
sociais que nela aprenderam por que e como existir. As culturas são versões da
vida; teias, imposições, escolhas de uma “política” dos significados que orientam e
constroem nossas alternativas de ser e estar no mundo. Todas as dimensões de uma
cultura – da comida à música, da arquitetura à roupa e tantas mais – são pequenos
conjuntos padronizados que trazem dentro de si algum tipo de informação sobre
quem somos, o que pensamos e fazemos. Estes conjuntos são logicamente
entrelaçados e compõem o código, o sistema de comunicação mais amplo, que seria
a própria cultura de determinada sociedade (Rocha, 1990, p. 89).
Podemos nos desafiar a conhecer e reconhecer os códigos que orientam a
cultura contemporânea com a qual aprendemos por que e como existimos para que
possamos adquirir mais elementos para a construção de nossa autonomia enquanto
sujeitos. Autonomia entendida como margem de escolha consciente que podemos ter
diante das imposições sociais.
A Modernidade. Para melhor compreendermos a sociedade da qual fazemos
parte e a cultura que compartilhamos no presente, voltaremos um pouco ao tempo
passado, pois o mundo social e cultural é sempre historicamente constituído. Todo
elemento cultural foi criado na dinâmica da vida coletiva, em algum tempo e lugar.
Assim, como toda cultura é produzida por uma sociedade ou grupo social, situaremos as
culturas nos respectivos contextos sociais de sua produção para tentar compreendê-la.
Podemos formular algumas questões como ponto de partida para nossa
reflexão:
1) O que caracteriza a vida social e cultural da modernidade?
2) Que relações podemos estabelecer entre a cultura e a sociedade
contemporânea?
3) O que marca a cultura contemporânea?
Podemos iniciar imaginando nossa sociedade algumas décadas atrás, no tempo
da infância de nossos avós. Como eles viviam antes das novas tecnologias se
História ___________________________________________
incorporarem aos meios de comunicação e informação, antes do computador e da
Internet, do celular, do satélite e da epidemia de Aids, da reprodução humana em
laboratório? Como foram educados, como organizavam a família, como se deslocavam,
como trabalhavam, quais eram suas práticas religiosas, que opções de lazer possuíam,
como participavam politicamente da vida social?
Certamente se compararmos a infância de nossos avós com a nossa
encontraremos algumas semelhanças e outras tantas diferenças. Algumas décadas
representam um tempo longo na vida individual, mas um tempo curto para a vida social.
Mudanças profundas vêm ocorrendo em um tempo cada vez mais curto,
desestabilizando modos de ver e de viver até então consolidados.
Mesmo em um tempo socialmente curto (uma década, por exemplo),
constatamos a presença de certas mudanças na sociedade, mas nem sempre temos a
compreensão das razões que levaram a elas ou de suas conseqüências. Partimos da
premissa de que as mudanças sociais devem ser entendidas como não-naturais, mas
como fruto das opções dos grupos sociais, como caminho traçado pela humanidade e
não como necessárias ou dadas, como, às vezes, o senso comum nos faz crer.
As maiores contribuições das Ciências Humanas são aquelas que nos
permitem construir uma vida, social e individual, melhor. Estudar o ser humano e a
sociedade como mundo humano é também estudar a si próprio e ao mundo que nos
circunda. Encarar a si próprio como parte da humanidade, da sociedade e da cultura
permite ampliar nossa autocompreensão. Pessoas mais esclarecidas têm mais chance de
construírem projetos de vida de sucesso, não apenas cumprirem projetos traçados por
outros. Como ressalta Giddens, o conhecimento sociológico propicia a melhoria da
compreensão das circunstâncias sociais em que estamos envolvidos e possibilita
maiores chances de controlarmos os problemas vinculados a essas circunstâncias.
A partir da segunda metade do século 20 as mudanças sociais ocorrem de
modo cada vez mais intenso e mais veloz. Não que anteriormente a esta época não
houvesse mudanças, mas elas se processavam mais lentamente. Aliás, ao longo da
história das sociedades as transformações sempre existiram em cada tempo e lugar:
sociedades caçadoras e coletoras, as pastoris e agrárias, as civilizações tradicionais, as
modernas sociedades industriais e as atuais pós-industriais são alguns dos tipos sociais
que expressam estas transformações. Continuidade e descontinuidade caracterizam a
dinâmica histórica do mundo social. A cultura é aqui encarada como perspectiva
História ___________________________________________
fundamental para compreensão dos fenômenos sociais. A dimensão cultural, foco
central desta unidade, é vista como fundamental para a reorganização que a sociedade
contemporânea vem atravessando.
Podemos apontar, novamente, algumas características da modernidade.
Mudanças ocorrem com bastante freqüência e com grande intensidade,
constituindo-se em fatores sociológicos marcantes da era moderna. Não que no período
pré-moderno não tenha havido mudanças, mas o que é típico da modernidade é o caráter
que as mudanças assumem. Segundo Giddens (1991, p. 115), a passagem das
sociedades tradicionais para as modernas é marcada, primeiramente, por mudanças
constantes e rápidas, as tradições são postas em questão, o velho é rejeitado em busca de
um “eterno novo”. O tradicional é visto como antiquado e o novo passa a ser sempre a
opção preferencial. As tradições orientaram a vida das sociedades e dos indivíduos por
muito tempo. A tradição define uma verdade que deve ser seguida sem grandes
questionamentos. Com a modernidade a tradição começou a ser encarada como atraso,
ignorância. As sociedades modernas não extinguem a tradição, mas modificam seu
papel social. Percebemos, por exemplo, que de certa forma muitas tradições religiosas
seculares persistem para muitos grupos sociais.
O autor anteriarmente citado nos ensina: “À medida que o papel da tradição
muda, contudo, novas dinâmicas são introduzidas em nossas vidas. (...) Ali onde a
tradição recuou somos forçados a viver de uma maneira mais aberta e reflexiva.
Autonomia e liberdade podem substituir o poder da tradição por uma discussão e um
diálogo mais abertos” (Giddens, 2005, p. 55). Vivemos em uma sociedade que exige
tomadas de decisão cotidianamente, é preciso então se preparar bem para poder fazer as
escolhas que temos de fazer a todo momento na vida privada e pública. A educação tem
um papel fundamental na formação de sujeitos com capacidades de fazer boas escolhas.
Como herdeiros que somos da modernidade ainda temos um fascínio em
relação ao novo, qualquer que seja ele, em detrimento do velho. Qualquer novidade nos
parece atraente e apresenta-se como necessidade, em contrapartida, aquilo ou aquele
que é velho é de antemão julgado ultrapassado, desnecessário. Essa é uma das
justificativas da supervalorização da juventude como fase ideal da vida em detrimento
da rejeição da velhice como fase indesejada e adiada por todos. O historiador francês
Ariés (1981) denominou o século 20 de “século da adolescência”... Na Idade Média a
juventude como uma das idades da vida não apresentava a centralidade de hoje, uma
História ___________________________________________
diferenciação marcante entre a infância e a fase adulta. A criança passava de infante a
adulto. No intuito da modernização da sociedade, na ânsia pelo novo, o jovem é eleito
figura representativa, assim, a adolescência é quase eternizada, a infância é abreviada e
a maturidade adiada. A adolescência começa cada vez mais cedo e a juventude é
prolongada.
Nesse sentido, a modernidade constitui-se em um novo período histórico que
acarreta mudanças em todas as dimensões da vida humana: social, cultural, política e
econômica. As novas formas de vida moderna foram sendo gestadas aos poucos ao
longo dos séculos, por isso tomamos aqui como referência temporal para situarmos este
período o século 18 e como referência espacial a Europa ocidental.
A partir da Revolução Industrial (Inglaterra, 1780) o modo de produzir a vida
material modifica-se radicalmente. As sociedades pré-modernas que produziam de
modo artesanal e baseavam sua economia na exploração da terra foram aos poucos
sendo substituídas pela economia industrial. A industrialização introduziu a máquina no
sistema de produção, o que possibilitou um aumento de riqueza nunca antes imaginado
e que graças ao constante aperfeiçoamento tecnológico não cessou mais de crescer
desde então. A forma do trabalho passou de artesanal para manufatureira e finalmente
fabril. Muitos camponeses e artesãos transformaram-se em trabalhadores assalariados
nas fábricas que se localizavam nos centros urbanos.
O processo de industrialização da sociedade significa a adoção da
mecanização da produção, que emprega fontes mecânicas de energia. O processo de
urbanização cresceu junto com a industrialização e pode ser definido como o
deslocamento da população da área rural para a área urbana. Enquanto nas sociedades
pré-modernas a maior parte das pessoas trabalhava na terra, na produção agrícola, a
industrialização imprime uma mudança radical empregando a maior parte da população
no setor industrial e de serviços e concentrado-a nas cidades.
Os novos instrumentos de trabalho tornam-se propriedade da elite burguesa.
Consolida-se o capitalismo industrial, traço central da modernidade. Na visão de Karl
Marx, o capitalismo é um modo de produção com duas características básicas:
Ele produz os seus produtos como mercadorias. O fato de que produz mercadorias
não o distingue de outros modos de produção; o que o distingue é a circunstância de
que o ser mercadoria constitui o caráter dominante e determinante dos seus
produtos. Isto implica, antes de tudo, o fato de que o próprio operário somente
aparece como vendedor de mercadorias, ou seja, como trabalhador livre assalariado,
História ___________________________________________
de tal maneira que o trabalho aparece, em geral, como trabalho assalariado. (...) Os
principais agentes deste modo de produção, o capitalista e o operário assalariado,
não são, como tais, senão, encarnações do capital e do trabalho asssalariado,
determinados característicos sociais que o processo social de produção imprime nas
pessoas, produtos destas relações determinadas de produção.(...)
A segunda característica do modo capitalista de produção é a produção de mais
valia, como a finalidade direta e o móvel determinante da produção. O capital
produz essencialmente capital e isto na medida em que ele produz mais-valia
(Marx, apud Ianni, 1996, p. 8).
O crescimento rápido da industrialização e da urbanização traz também muitos
problemas e conflitos sociais. As cidades atraem cada vez mais emigrantes do campo –
camponeses – que procuram trabalho remunerado nas fábricas, sem oferecer os serviços
mínimos para viabilizar as necessárias condições da vida urbana (saneamento,
habitação, serviços de saúde, educação, por exemplo), fato que gera o crescimento
expressivo de doenças, da fome, da violência e da criminalidade. Todas estas mudanças
não ocorreram sem resistência da população atingida. Diante da miséria, da exploração
e das más condições de vida e de trabalho alguns grupos protestam, em um primeiro
momento de forma dispersa e violenta e em seguida de modo cada vez mais organizado,
por meio das associações e sindicatos. O movimento operário obteve muitas conquistas
em benefício dos trabalhadores assalariados: diminuição da jornada de trabalho, salário
mínimo, férias, entre outros. As conquistas trabalhistas foram obtidas depois de muita
luta e negociação da classe operária com a classe capitalista. O movimento operário
torna-se um agente social fundamental a partir do qual nasce uma crítica radical à
sociedade capitalista e às bases do pensamento socialista.
Outro processo social marcante da modernidade foi a Revolução Francesa
(França, 1789). Assim como a Revolução Industrial se apresenta como uma mudança
econômica, a Revolução Francesa é o estopim da nova organização política moderna. O
Estado monárquico foi substituído pelo Estado republicano e a classe dominante,
composta pela aristocracia e o clero, foi substituída pelos representantes da burguesia. O
Estado proclamou sua separação do poder eclesial e passou a efetivar ações que
incentivassem o desenvolvimento da empresa capitalista. Segundo Aléxis de
Tocqueville, importante pensador francês:
A Revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo a cabeça do monstro,
descobre-se que, após ter destruído as instituições políticas, ela suprime as
instituições civis e muda, em seguida, as leis, os usos, os costumes e até a língua;
após ter arruinado a estrutura do governo, mexe nos fundamentos da sociedade e
História ___________________________________________
parece querer agredir até Deus; quando esta mesma revolução expande-se
rapidamente por toda parte com procedimentos desconhecidos, novas táticas,
máquinas mortíferas, poder espantoso que derruba as barreiras dos impérios, quebra
coroas, esmaga povos e – coisa estranha – chega ao mesmo tempo a ganhá-los para
sua causa; à medida que todas estas coisas explodem, o ponto de vista muda. O que
à primeira vista parecia aos príncipes da Europa e aos estadistas um acidente
comum na vida dos povos, tornou-se um fato novo, tão contrário a tudo que
aconteceu antes no mundo e no entanto tão geral, tão monstruoso, tão
incompreensível que, ao apercebê-lo, o espírito fica que perdido” (Tocqueville apud
Martins, 1991, p. 25).
A sociedade moderna traz mudanças econômicas, políticas e culturais. As
mudanças soam perturbadoras, surgem muitos problemas sociais. O clima social gera
preocupação e permite colocar a sociedade como objeto de estudo e pesquisa. Os
primeiros pensadores sociais eram intelectuais práticos, desejavam produzir um
conhecimento sobre o social que permitisse orientar suas ações e intervenções na
sociedade. Só mais tarde surge a preocupação de produzir ciência sobre a vida social.
Uma das transformações no universo da cultura diz respeito às formas de
conhecimento. Aos poucos o modo de pensar foi substituindo a explicação sobrenatural,
típica do pensamento religioso, pela perspectiva racional do conhecimento científico. O
método científico se estabelece a partir da incorporação da observação e da
experimentação como o procedimentos para produção de conhecimento. Nascem assim
as primeiras disciplinas científicas do estudo da natureza. O conhecimento científico
não cessa de crescer e a ciência torna-se o modo de conhecimento legítimo nas
sociedades modernas. De acordo com Giddens, na medida em que a modernidade
avança a autoridade da tradição decai e se eleva a autoridade da ciência. Por exemplo,
as relações entre pais e filhos devem seguir princípios ensinados pela Psicologia,
Pedagogia, Medicina, Nutrição, e não mais pelo saber tradicionalmente aplicado por
sucessivas gerações familiares.
Como demonstrou brilhantemente Max Weber, a racionalização da vida
moderna passa além do âmbito da vida privada, por outros espaços da vida social, pela
economia e pela política. Segundo Weber, o capitalismo moderno é a organização
racional da empresa, do trabalho e da produção com objetivo de obtenção de lucro. É a
racionalização burocrática com características como: eficiência, rapidez, precisão no
cálculo, impessoalidade e rotinização dos processos.
No entanto, Weber não estava inteiramente otimista quanto à conseqüência da
racionalização. Ele temia a sociedade moderna como um sistema que esmagaria o
História ___________________________________________
espírito humano ao tentar regular todas esferas da vida social. Weber estava
particularmente preocupado com efeitos sufocantes e desumanizantes da burocracia
e suas implicações no destino da democracia. A agenda do iluminismo do século
XVIII, de progresso crescente, de riqueza e de felicidade por meio da rejeição do
costume e da superstição em favor da ciência e da tecnologia, produz, por si só,
perigos (Giddens, 2005, p. 34).
Uma das contribuições da Filosofia das Luzes (em outra unidade tratamos do
Iluminismo/Ilustração) foi para o nascimento das Ciências Sociais. O conhecimento
científico se propõe a desvendar tanto as leis de funcionamento da natureza quanto as
leis que regem o mundo social. A partir do século 19 a ciência não cessa de
desenvolver-se e ao mesmo tempo cresce a crença de que o conhecimento científico é o
único modo de chegarmos à verdade e ao progresso. A mentalidade moderna é marcada
pela noção de progresso, racionalismo e controle da humanidade sobre a natureza e a
sociedade.Veja o que diz Morin (2001, p. 81):
Europa espalhara a fé no progresso sobre a terra inteira. As sociedades, arrancadas
às suas tradições, iluminavam o seu devir não já seguindo a lição do passado, mas
avançando para um futuro prometedor e prometido. O tempo seguia um movimento
ascencional. O progresso era identificado com a própria marcha da história humana
e impulsionado pelos desenvolvimentos da ciência, da técnica, da razão. A perda da
relação com o passado era substituída e compensada pelo ganho da marcha para o
futuro. A fé moderna no desenvolvimento, no progresso e no futuro espalhara-se
sobre a Terra inteira. Esta fé constituía o fundamento comum à ideologia
democrático-capitalista ocidental, onde o progresso prometia bens e bem–estar
terrestres, e à ideologia comunista, religião de salvação terrestre, quase prometendo
o “paraíso socialista”.
Mudanças radicais transformam as sociedades modernas a partir das últimas
décadas do século 20: é a chamada crise da modernidade. Para alguns tem início esse
tempo/espaço que vivemos, a contemporaneidade. Vamos ver algumas das explicações
sobre nossa época oferecidas pela teoria social contemporânea.
Este processo complexo de mudanças que estamos vivendo denomina-se
globalização. A globalização diz respeito a processos sociais que assumem escalas
globais, que ultrapassam fronteiras nacionais e interconectam grupos e organizações em
novas dimensões da vivência do espaço e do tempo (Hall, 1997, p. 71). A cultura tem se
expandido mediante o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação.
A centralidade dos meios de comunicação e informação na sociedade globalizada
permite a proliferação rápida das trocas econômicas, culturais e políticas mundialmente.
História ___________________________________________
Outro exemplo destas mudanças globais são os transnacionalismos, ou seja,
movimentos de populações produzidos por migrantes que escolhem viver em outra
nação, mas não abandonam totalmente as relações com seu país de origem, como
brasiguaios (brasileiros que vivem no Paraguai), os brasivianos (brasileiros que vivem
na Bolívia), brasileiros que vivem no EUA, brasileiros que vivem no Japão (Ribeiro,
2000, p. 27). Não só as trocas de bens materiais e simbólicos marcam o tempo presente,
mas a troca de pessoas.
O fenômeno denominado de globalização vem modificando as formas de
convívio e de organização social. A globalização diz respeito aos processos que
atravessam fronteiras nacionais, integrando comunidades e organizações, aproximando
o mundo. Alguns denominam de modo diverso nossa época: neomodernidade, pósmodernidade, modernidade tardia. Essas diferentes denominações têm por trás
diferentes abordagens sobre a sociedade contemporânea, mas parece ser inegável a
tendência ao globalismo.
Uma das importantes transformações contemporâneas ocorre no tempo-espaço
que é extraído do seu contexto local (Giddens). Há um achatamento do tempo-espaço.
Para Harvey (1993), o mundo tende a se tornar uma “aldeia global”, o espaço encolhe e
o tempo encurta, estão agora comprimidos em nossos mundos espaciais e temporais.
Tudo é cada vez mais rápido, a velocidade não cessa de aumentar.
A comunicação pessoal, as trocas econômicas, os sistemas de informação
tornam-se instantâneos, imediatos e por isso mesmo intensificam-se. Imagine a época da
infância de seus avós, quando a comunicação com um parente que residia em outro país
se dava por cartas. Quanto tempo levava desde a escrita da carta, a postagem, o
recebimento e a resposta: dias, semanas, meses? E hoje se quisermos mandar notícias a
um amigo que reside na Europa? Temos à disposição instrumentos que nos permitem
estabelecer uma conversa virtual com ele em tempo real.
A globalização refere-se à intensificação das relações de interdependências
globais (Giddens, 2004). Sentimo-nos cada vez mais parte do mesmo mundo, embora
isto não signifique dizer que o mundo é o mesmo, pelo contrário, as diferenças
prevalecem, pois a globalização carrega a contradição entre a homogeneização e a
diferenciação. Se por um lado o fast-food faz parte da dieta alimentar cotidiana de parte
da população, a culinária étnica cada vez mais se populariza. A tendência à
História ___________________________________________
padronização e o fortalecimento das diferenças é uma contradição dos processos
globalizadores.
Principalmente após os anos 70 do século 20 tanto o alcance quanto o ritmo da
integração global aumentaram. O consumismo global cria identidades partilhadas entre
diferentes consumidores no mundo inteiro, para os mesmos “clientes”, os mesmos
“bens”, por exemplo, para a juventude: jeans, rock-n’-roll, Coca-Cola e tênis. Mesmas
mensagens, imagens e produtos para pessoas que se encontram em espaços e tempos
distantes (Hall, 1997, p. 79). No fim do século 20 e início do 21 a cultura de consumo
ganha lugar de destaque. A importância desta “revolução cultural” está na sua
abrangência global. O local passa a ser constantemente deslocado de sua
contextualização no espaço e tempo por tudo aquilo que é global.
Mesmo trazendo estas novidades e tantas outras, a globalização não é um
fenômeno totalmente novo, ele nasce na própria modernidade, desestabilizando-a. O
capitalismo, formação social típica das sociedades modernas, se organiza tanto a partir
das economias nacionais quanto mundiais. “Assim tanto a tendência à autonomia
nacional quanto à globalização estão profundamente enraizadas na modernidade”
(Wallerstein apud Hall, 1997, p. 72). Na modernidade é que nascem os Estados –
Nação, como instâncias políticas que têm a finalidade de organizar a vida de uma
população delimitada pelas fronteiras nacionais. O capital, porém, embora necessite do
Estado e de suas políticas para se estabelecer não tem a pátria como limite e cada vez
mais se internacionaliza.
Como vimos anteriormente, a globalização não é um fenômeno recente, de
acordo com Giddens a modernidade é globalizante. Marx já afirmava que a tendência do
capitalismo (ícone da modernidade) é transformar o mundo em um grande mercado. A
modernidade, ao mesmo tempo que faz surgir o Estado-Nação, fortalece o nacional e
também se caracteriza pela internacionalização das relações econômicas, políticas e
culturais.
As mudanças intensas e extensas que experimentamos não ocorrem sem
conflito. Veja a perspectiva de Morin (2001, p. 18) sobre este processo histórico que ele
denomina planetarização:
A era planetária inicia-se e desenvolve-se, na e pela violência, destruição,
escravatura, exploração feroz das Américas e da África. É a idade de ferro do
planeta, na qual ainda nos encontramos. (...) Se cada parte do mundo faz cada vez
História ___________________________________________
mais parte do mundo, também o mundo, enquanto todo, está cada vez mais presente
em cada uma das suas partes. Isso acontece não só com nações e povos, mas
também com indivíduos.(...) Assim, o europeu acorda todas as manhãs abrindo seu
rádio japonês e através dele recebe a informação dos acontecimentos mundiais;
erupções vulcânicas, tremores de terra, golpes de Estado, conferências
internacionais chegam-lhe à mesa em que toma seu chá da Índia ou China ou
Ceilão, a menos que seja um café moka da Etiópia ou arábico da América Latina;
mergulha num banho espumoso de óleos taitianos e utiliza um after–shave com
perfumes exóticos; veste sua camisa e cuecas de algodão do Egito ou Índia; depois
puxa do casaco e das calças em lã da Austrália... Seu relógio é suíço ou japonês. A
armação de seu óculos de tartaruga de Galápagos.(...) O africano, no seu bairro de
lata, não está integrado neste circuito mundial de conforto, mas nem por isso deixa
de fazer parte dele. Sofre, na sua vida cotidiana, os contragolpes do mercado
mundial que afetam as cotações do cacau, açúcar, das matérias–primas que seu país
produz. Foi expulso da sua aldeia por processos mundializados saídos do Ocidente,
nomeadamente da monocultura industrial, de camponês auto-suficiente tornou-se
um suburbano à procura de salário, suas necessidades são agora traduzidas em
termos monetários. Aspira ao bem-estar.Utiliza louça de alumínio ou plástico, bebe
cerveja ou coca-cola.... Assim, para o melhor ou para o pior cada uma de nós, rico
ou pobre, traz em si, sem o saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo
tempo evidente, subconsciente e onipresente.
A sociedade global não é um todo homogêneo. Os diversos setores sociais se
inserem de modo desigual e combinado no processo de globalização. Apesar de todo o
suposto desenvolvimento científico e tecnológico até hoje alcançado, e do estreitamento
das trocas no mundo todo, não só não resolvemos o problema da desigualdade social,
como o processo globalizante vem acirrando as desigualdades entre sociedades e dentro
delas concentrando a riqueza e expandindo a pobreza.
Segundo Boaventura Sousa Santos (2000, p. 15), “todos os passados estão
conosco”! A versão hegemônica da globalização que estamos vivenciando é uma forma
de capital global, que tem origem na expansão européia dos séculos15 e 16, no
capitalismo que se espalha por todos os lugares do mundo, submetendo tudo e todos à
lei do mercado.
O autor alerta que vivemos no tempo da repetição e do conflito. A repetição
pode ser entendida como “eternização” do presente e negação do passado. O passado é
visto como reacionário, inútil, descartável. O tempo atual é o da estagnação que
dificulta pensar a transformação social. Que supõe o futuro como mera reprodução do
presente. Que propaga a teoria do fim da História. A teoria do fim da História eterniza a
vitória da burguesia, afirma como verdade a repetição do presente capitalismo global.
Será possível, no entanto, a eterna repetição em termos históricos? É possível acreditar
em um futuro diferente do presente?
História ___________________________________________
Boaventura Sousa Santos propõe outra teoria da História que se volte para o
passado para com ele aprender, que valorize os conflitos e o sofrimento humano para
gerar a capacidade de indignação, de inconformismo para que seja possível outro futuro.
A globalização, todavia, não opera apenas nas esferas gerais produzindo redes
mundiais, mas age intensificando as relações locais também. É um fenômeno que se
apresenta tanto no âmbito social geral quanto na vida cotidiana. Stuart Hall relaciona
algumas destas transformações: redução do trabalho no setor industrial e crescimento no
setor de serviços, para alguns o aumento do tempo livre e um vazio de sentido nas
atividades de lazer, declínio da perspectiva das carreiras profissionais, da estabilidade
do emprego, que vem sendo substituída pela flexibilização das relações de trabalho,
mudança na organização da família, declínio do casamento, aumento dos divórcios,
diminuição do número de filhos e o envelhecimento da população.
Embora a dimensão econômica da globalização seja a mais conhecida pelo
senso comum, as dimensões políticas e culturais que precisam ser conhecidas e
analisadas.
Na seqüência, vamos apresentar uma parte da visão de Boaventura de Sousa
Santos sobre as experiências da modernidade de onde pode brotar uma pósmodernidade, ou, ao menos, poderá servir de inspiração para pensamentos que pensam
alternativas sociais, políticas, econômicas e culturais para além do que existiu até agora.
SEÇÃO 3.2 – Demodiversidade, Multiculturalismo e Ecodiversidade
Enio Waldir da Silva
Todo o pensador social que detecta em suas pesquisas uma situação de crise só
faz isso porque buscou os elementos que deram origem a essa crise, motivado pela
perspectiva de sua superação. Assim é o fundamento de toda a verdadeira crítica: se
você nega uma situação é porque você indica uma outra para superá-la, ou, ao menos,
tem uma percepção de não-crise. Ou seja, se você nega a sociedade em que vive é
porque imagina ou sabe como poderia ser uma sociedade diferente desta; se critica a
ação dos políticos é porque sabe como deve ser a ética política do político; se estranha
uma determinada manifestação cultural é porque tem uma compreensão de que existem
culturas que se manifestam de outra forma. É isso que vamos exercitar agora:
pretendemos mostrar como alguns autores da teoria social e da Filosofia detectam a
História ___________________________________________
crise da modernidade que elementos indicam para sua superação. Tomaremos por base
o autor Boaventura de Sousa Santos, já que é um sociólogo de leitura imprescindível
hoje.
Boaventura de Sousa Santos11 dedica-se a recuperar as boas experiências de luta
pela liberdade na modernidade que foram desperdiçadas, destruídas ou esquecidas. Com
essas experiências, que o autor chama de anti-hegemônicas, procura traçar um novo
mapa para configurar novas perspectivas de pensamento alternativo que atinjam as
ansiedades do tempo atual e motivem para o novo, porque, para ele, o que existe não é
medida para o que possa existir.
Para Boaventura de Souza Santos (1985), a modernidade estrutura-se em dois
pilares fundamentais, quais sejam: o da regulação ou da ordem e o da emancipação ou
da liberdade. O pólo ou pilar da regulação é orientado pelos princípios do Estado
(Hobbes), pelo princípio do mercado (Locke) e pelo princípio da comunidade
(Rosseau). Já o pólo da emancipação é orientado por três lógicas: a racionalidade
estético-expressiva da arte e da literatura, a racionalidade moral-prática do Direito e a
racionalidade cognitiva-instrumental da ciência e da técnica.
A articulação entre os dois pólos, seus princípios e suas lógicas fazem do projeto da
modernidade um projeto ambicioso para o devir humano. A modernidade busca, com
essa vinculação, uma estruturação de valores tendencialmente opostos e contraditórios,
11
O professor Boaventura de Sousa Santos: doutor em Sociologia do Direito pela
Universidade Yale, professor titular da Universidade de Coimbra, é hoje conhecido
como um dos principais, senão o principal intelectual da língua portuguesa na área de
Ciências Sociais. Entre seus diversos livros, dois deles, publicados recentemente no
Brasil, merecem destaque: Pela Mão de Alice e A Crítica da Razão Indolente. Nascido
em Portugal, Boaventura teve a sua trajetória intelectual intimamente ligada ao Brasil.
Desde a pesquisa sobre pluralismo legal feita nas favelas do Rio de Janeiro nos anos 70
as suas constantes visitas a Porto Alegre para estudar o Orçamento Participativo, o país
sempre esteve associado às preocupações do autor. Atualmente o professor Boaventura
está envolvido em uma pesquisa sobre a reinvenção da emancipação social. Para ele,
existe no mundo atual uma enorme dissociação entre a experiência e a expectativa. Cada
vez temos experiências mais avançadas nas áreas de democracia participativa, produção
alternativa e multiculturalismo, entre outras. Nessa última modernidade, porém, os
indivíduos desistiram de associar experiência com expectativa de mudança social. A
grande sensação, nesse período pós-muro de Berlim, é a do desperdício da experiência.
Boaventura acredita que é possível reconstruir a idéia de emancipação social justamente
a partir de experiências bem-sucedidas em áreas como produção alternativa e
democracia participativa. Para ele, essas experiências estão localizadas nos países do
Sul e precisam ter os seus elementos emancipatórios explicitados e conectados.
História ___________________________________________
como da justiça e da autonomia, da solidariedade e da identidade, da emancipação e da
subjetividade, da igualdade e da liberdade.
Assim, as diferentes formas de articulação entre os pilares da modernidade,
estabelecidos nas sociedades européias, ligam-se ao desenvolvimento do capitalismo,
sendo que, em cada período de seu desenvolvimento, as diversas articulações
implicaram diferentes arranjos sociais que, conseqüentemente, acarretaram o
desenvolvimento de ordenamentos jurídicos peculiares a cada período:
Primeiro período: o capitalismo liberal: Inicia-se no século 16 e chega ao seu
auge no século 19, apresentando as seguintes características:
a) Pólo da regulação: não se concretiza o desenvolvimento harmonioso entre
os princípios do Estado, do mercado e da comunidade. Prepondera o princípio do
mercado de maneira quase absoluta, diante do desenvolvimento ambíguo do princípio
do Estado e de uma atrofia quase total do princípio da comunidade; limitação da
intervenção estatal; o Estado protege os direitos individuais, por meio da crescente
monopolização dos meios de violência e do poder Judiciário; ocorre a distinção entre
Estado e sociedade civil.
b) Pólo da emancipação: domínio da racionalidade cognitivo-instrumental,
acarretando um enorme desenvolvimento da Ciência, que é convertida em força
produtiva, vinculando-se ao princípio do mercado; a racionalidade moral-prática
caracteriza-se pelos processos de autonomização e especialização, manifestando-se na
elaboração de uma microética liberal e no formalismo jurídico exacerbado; no domínio
da racionalidade estético-expressiva ocorre uma crescente elitização em direção à
chamada alta cultura.
Segundo período: o Welfare State: O segundo período corresponde ao
Welfare State no mundo capitalista e à constituição do bloco socialista. Tem início no
final do século 19 e seu auge nas primeiras décadas após a 2ª Guerra Mundial. Possui as
seguintes características:
a) Pólo da regulação: o princípio do mercado continua em expansão no pólo
da regulação, pela concentração do capital industrial, financeiro e comercial e com o
aprofundamento da luta imperialista pelo controle de mercados e matérias-primas;
acelera-se a destruição de laços de solidariedade tradicionais (família e território)
mediante o desenvolvimento industrial e a ampliação do sufrágio universal, inserido na
lógica abstrata da sociedade civil e do cidadão formalmente livre e igual; a comunidade
História ___________________________________________
é materializada pela emergência de práticas de classe, que passam a estruturar o espaço
político; o Estado passa a ser um agente ativo, interferindo na comunidade e no mercado
e reduzindo a capacidade auto-regulatória da sociedade civil.
b) Pólo da emancipação: passagem da cultura da modernidade ao modernismo
cultural, representando o ápice da tendência de especialização e diferenciação funcional
dos diversos campos da racionalidade; a racionalidade moral-prática está presente na
forma política do Estado, que penetra na sociedade por meio de soluções legislativas,
institucionais e burocráticas que afastam os cidadãos, aos quais solicita uma obediência
passiva no lugar da mobilização ativa; também se expressa na consolidação de uma
ciência jurídica dogmática e formalista, formulada por Kelsen; a racionalidade
cognitivo-instrumental é o ápice da epistemologia positivista, com a constituição de um
ethos científico ascético e autônomo perante os valores e a política.
Terceiro período: capitalismo desorganizado: O terceiro período inicia-se
no final da década de 60 e continua até hoje, sendo chamado de período do capitalismo
desorganizado. Tem as seguintes características:
a) Pólo da regulação: predominância total do princípio do mercado, que
extravasa o econômico para colonizar tanto o princípio do Estado como o princípio da
comunidade; seu plano econômico é caracterizado pelo crescimento do mercado por
meio de empresas multinacionais, contornando ou neutralizando a regulação nacional
das relações de trabalho; ocorre a precarização das relações de trabalho; há
flexibilização e automatização dos processos produtivos, com a emergência de novos
dinamismos locais; e pela expansão do mercado com a crescente diferenciação de
produtos de consumo e pela mercadorização e digitalização da informação; no plano do
Estado ocorre a perda acentuada da capacidade e da vontade política de regulação, com
privatizações, retração das políticas sociais, devolução à sociedade civil de
competências e funções que o Estado havia assumido no segundo período; aumenta o
autoritarismo, por intermédio de microdespotismos burocráticos, que, combinados com
a sua ineficiência, resultam na perda da lealdade devida ao Estado como garantidor de
liberdade e segurança pessoais.
b) Pólo da emancipação: o pólo da emancipação chega ao seu esgotamento
enquanto promessa inconclusa; na lógica da racionalidade cognitivo-instrumental, as
promessas da modernidade parecem se esvanecer diante dos perigos da proliferação
nuclear e dos riscos de catástrofe ecológica; agravam-se as injustiças sociais,
História ___________________________________________
paralelamente ao crescimento econômico; a racionalidade moral-prática enfrenta os
dilemas do divórcio entre autonomia e práticas políticas cotidianas; a regulação jurídica
da vida social alimenta-se de si própria; o cidadão é esmagado por um conhecimento
jurídico especializado e hermético e pela sobrejuridicialização de sua vida (tudo passa
pelo jurídico, pelo burocrático), é confinado a uma ética individualista, incapaz de
conceber a responsabilidade coletiva da humanidade pelas conseqüências das ações
coletivas em uma escala planetária; no plano da racionalidade estético-expressiva ocorre
o esgotamento da alta cultura modernista, com a crítica radical do cânone modernista,
da normalização e do funcionalismo.
O Estado capitalista concentrou seus investimentos em mecanismos de
dispersão, no núcleo central da dominação, em que Estado e não-Estado são claramente
distintos. Isso representa a trajetória histórica do capitalismo, que busca a hegemonia
por meio de um poder central forte e massificador da sociedade, na qual é investido todo
o conhecimento profissional, e da dominação cognitiva. Ao mesmo tempo, é
incrementada a difusão do conhecimento não-profissional nas áreas de dominação
periféricas.
Conseqüentemente, o poder central torna-se cada vez menos acessível pela
concentração de um conhecimento profissional não universalizado, enquanto na
periferia há a proliferação de um conhecimento trivial. Na periferia, a distinção entre
Estado e não-Estado não é tão clara.
Essa assimetria, incrementada a partir dos anos 70, por meio da
desregulamentação e informalização da Justiça, tem um certo potencial
emancipador. Segundo Boaventura, não existe uma total manipulação dessas reformas,
mas a informalização e comunitarização da Justiça estariam associadas ideologicamente
a símbolos com forte penetração no imaginário social e com forte carga utópica,
contendo um elemento potencialmente emancipatório.
Na terceira fase do desenvolvimento do capitalismo fica evidenciado o esgotamento e os
limites do projeto da modernidade e a necessidade de uma transformação paradigmática
na análise social e sociojurídica.
Os fenômenos da desregulamentação e da informalização, ocorridos a partir da década
de 70, levam as Ciências Sociais a questionarem o monopólio estatal da produção do
Direito. Seria possível admitir a pluralidade de ordens jurídicas nas sociedades
complexas do fim do século, ao mesmo tempo em que se reconhece o ocultamento ou
História ___________________________________________
mesmo a supressão de outras juridicidades como estratégia de dominação do Estado
capitalista.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (1985, p. 46), neste novo contexto, o Direito
deve ser pensado de forma a superar as dicotomias fundantes do pensamento ocidental
moderno,
quais
sejam:
Natureza/Sociedade,
Estado/Sociedade
Civil,
Formalismo/Comunitarismo.
Assim, a recontextualização do Direito deve partir do reconhecimento de que
todos os contextos em que se realizam práticas e discursos sociais são produtores de
Direito, sendo tarefa das Ciências Sociais (neste caso o autor revela claramente o papel
da Sociologia Jurídica) a identificação dos contextos sociais cuja produção jurídica seja
suficientemente significativa para pôr em causa o monopólio estatal. Ao mostrar-se a
ficção do monismo estatal também é possível perceber o abalo na dogmática jurídica,
que absorveu muitas das reivindicações democráticas dos movimentos emancipatórios
da modernidade, ocultados pela política liberal e pelo despotismo das demais ordens
jurídicas.
Com essa perspectiva, Boaventura argumenta que se faz necessário fazer a
abertura e democratização de todas as esferas de produção do Direito. Para isso, no
entanto, propõe uma revolução cultural que desmascare as diversas formas de poder
difusas na sociedade, estabelecendo uma luta cultural pelo desocultamento dos
mecanismos de poder.
Esse poder despótico se fez sentir na esfera do Estado especialmente com as
experiências do fascismo e das ditaduras militares em todo o Ocidente pobre nos anos
60 e 70. Hoje, este fascismo é sentido nas relações sociais mais simples da vida
doméstica (famílias com seu patriarcalismo em suas práticas machistas), no mundo da
produção (no trabalho com Fordismo/Taylorismo/Toyotismo), no mercado (com o
monopólio da oferta e da procura pelos grandes conglomerados corporativos), na
cidadania (com a falsificação da democracia participativa e a corrupção na democracia
representativa) e no espaço mundial (globalização com seus mecanismos de controle
financeiro dos países pobres: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional – FMI –,
Acordo Mundial de Investimentos –AMI –, Organização Mundial do Comércio – OMC
–, etc.).
Temos assim a predominância da exclusão sobre a inclusão; irresponsabilização
sobre o compromisso com nossa coletividade; despersonalização sobre a dignidade do
História ___________________________________________
indivíduo; o caos sobre a ordem; o estranhamento sobre o reconhecimento dos sujeitos
entre si; a concorrência sobre a complementaridade e a solidariedade. Em dimensões de
sistemas de contratos a situação atual é de um pré-contratualismo (exclusão dos
incluídos, confisco de direitos conquistados) e um pós-contratualismo (bloqueio do
acesso a direitos de cidadania a antes candidatos e ameaças de jamais incluir). Nas
sociedades periféricas passa-se do pré-contratualismo ao pós-contratualismo (quase
Estado-providência, quase cidadãos, e que agora sabem que não serão mais).
Boaventura de Sousa Santos (1999) caracteriza esta situação como um Novo Estado de
natureza para os excluídos, pois prevalece a ansiedade permanente em relação ao
presente e ao futuro, desgoverno de expectativas, o caos permanente nos atos mais
simples de sobrevivência e convivência, preocupação em busca de trabalho, ansiedade
em manter trabalho, ansiedade dos trabalhadores autônomos em continuar no mercado
que eles mesmos criaram, falta de opção individual ou coletiva.
Resta, então, uma situação de caos – Caosmos – que está aberta ao
aparecimento de situações e vivências violentas, em que todos lutam contra todos e
ninguém sabe para onde ir. Este retrato social é chamado de fascismo societal ou
Fascismo de Apartheid Social: cartografia urbana que segrega em zonas selvagens e
zonas civilizadas, com suas cidades privadas, condomínios fechados, gated
communities, submetidos à ação estatal e ação não-estatal; Fascismo de Estado
Paralelo: uma discrepância entre os direitos escritos e a ação estatal prática –
instituições que atuam como microestados, ou seja, para as zonas civilizadas o Estado é
protetor, para as zonas selvagens o Estado é predador. Fascismo Paraestatal – atores
sociais muito poderosos usam de coerção, coação social com a conivência do Estado.
Este fascismo pode ser:
Contratual, em que os fracos aceitam as condições dos fortes;
Territorial, controle colonial de pessoas dentro de um território por outras de
forte capital patrimonial;
Populista, democratiza o que é indemocratizável no capitalismo: formas de
consumo e estilos de vida que estão fora do alcance da população – espetacularização
do consumismo e falsa participação em outra classe;
Insegurança, produzir níveis de ansiedade e de insegurança quanto ao presente
e ao futuro, manipulando discricionariamente a insegurança das pessoas e criar
disponibilidade para suportar altos encargos por segurança, acentuar a ineficácia dos
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serviços estatais para programas sociais, valorizar a eficácia do setor privado
(segurança, serviços de saúde, fundo de pensões privadas...);
Financeiro, uma economia de cassino que articula a moeda e a especulação
financeira cultuando os rendimentos instantâneos de valores (ameaça sempre a
economia real e estabilidade dos países – de cada 100 dólares que circulam diariamente
no mundo, apenas 2 pertencem à economia real). Criaram-se novas instituições para
operacionalizá-la: AMI– Acordo Mundial de Investimentos (feitos pelos países
desenvolvidos), acordos feitos em segredo e muito impositivos, uma constituição de
investidores; Rating – empresas internacionalmente acreditada em avaliar a situação dos
Estados nacionais para os investidores.
Embora a força dominante mantenha sua hegemonia, as lutas contra elas foram e
continuam sendo muito intensas e deixam marcas pelas quais podemos traçar novos
caminhos anti-hegemônicos. Essas lutas foram travadas de formas diferenciadas em
cada contexto social.
Um exemplo mais universal dessas lutas é destacado por Boaventura: a defesa dos
direitos humanos. Esses são entendidos como expressão avançada de lutas pela
reciprocidade, que até agora ficaram confinadas ao direito territorial estatal, no qual
todos são formalmente iguais perante a lei, mas com potencialidade para se estender a
outras esferas do mundo social.
Sousa Santos identifica a prática dos direitos humanos como uma prática contrahegemônica que se opõe à tradição da aplicação técnica (violência ou burocracia),
dominante no direito territorial. Seria uma aplicação edificante do direito, uma
aplicação em que o know-how técnico se subordine ao know-how ético. Contra a
tradição da aplicação violenta informal (violência sem burocracia), dominante, propõese uma aplicação retórica informal.12
A condição humana torna-se cada vez mais limitada pela realidade fáctica
incontrolada. Para superá-la é preciso fazer o resgate do sonho emancipatório libertário,
que premia a participação e fortalece o diálogo para buscas de alternativas democráticas
e jurídicas que sejam expressão da autogestão e da solidariedade social. Para Sousa
Santos, “o que quer que falte concluir da modernidade, não pode ser concluído em
termos modernos, sob pena de nos mantermos prisioneiros da mega-armadilha que a
12
Azevedo interpreta que a atual fase do Estado torna imprecisa a separação entre a esfera pública e a privada. A
autonomia da sociedade civil diante do Estado é abalada pela dissolução deste em uma infinidade de instâncias de
promulgação e aplicação das regras jurídicas (Azevedo, 2000).
História ___________________________________________
modernidade nos preparou: a transformação incessante das energias emancipatórias em
energias regulatórias.”
Para Boaventura de Sousa Santos (2001), a saída estaria na reinvenção de um
espaço-tempo que favoreça e promova a deliberação democrática; pensamento
alternativo de alternativas; conhecimento como emancipação; epistemologia da
solidariedade; ação rebelde que investe desde os movimentos espontâneos resultantes da
ansiedade dos excluídos que pretende reduzir a ansiedade de todos; no lugar de saídas
globalizantes saídas locais, que fortaleçam experiências democráticas e democratizantes
mediante uma tripla transformação: do poder em autoridade compartilhada, do direito
despótico em direito democrático, do conhecimento-regulação em conhecimentoemancipação.
Tudo isso dentro de uma sustentabilidade democrática que integre as
soberanias dispersas (espaço mundial) pressupõe um novo padrão de sociabilidade
transnacional democrática ecosocialista, um novo sistema de relações internacionais
orientado pelo princípio da globalização contra-hegemônica (cosmopolitismo e o
patrimônio comum da humanidade, sul não imperial – sul em desenvolvimento e que
não colonizou outros países), novas instituições não-governamentais transnacionais,
democráticas e participativas, fortalecendo autoridades compartilhadas, promovendo o
direito democrático e pluralista e transformando o conhecimento que só servia para
regulação em conhecimento que promova a emancipação.
ESQUEMA DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS SOBRE A MODERNIDADE13
A SOCIEDADE MODERNA É UMA SOCIEDADE CONTRATUAL – RAZÕES DO CONTRATO
MODERNO: Para ampliar a liberdade, com o pressuposto de que essa liberdade é fruto da
racionalidade humana, expressa em normas. Era preciso assegurar que todos fossem incluídos, ou, ao
menos, os que estivessem dentro fossem protegidos.
COMO SERIA OPERADO: Estado nacional, o direito e a educação: a nação é um espaço que agrega
interesses, integra populações e gerencia a organização da vida. Ali é possível definir as obrigações
políticas dos cidadãos; o direito codifica os interesses e a educação os padroniza – valores.
DIFICULDADES PARA OPERACIONALIZAÇÃO E LEGITIMAÇÃO: Como o contrato não teve
ampla abrangência, para operar, manteve muitos excluídos e, por isso, para ser legitimo, teria de
incluir todos: ex: direito de propriedade – para incluir uns precisa excluir outros.
POR QUE ENTROU EM CRISE: Houve aumento da exclusão: o trabalho não ficou acessível a todos;
não houve a solidariedade entre os mesmos; privatização da esfera estatal; o crime ecológico;
etnocídio; epistemicídio do nacional; países centrais e periféricos com ênfase de contratos diferentes
– violência.
COMO É A NOVA CONTRATUALIZAÇÃO: Liberal individualista; intervenção estatal mínima; fim
da estabilidade; não-reconhecimento do conflito e das lutas; privatização; controle da inflação;
13
Texto Reinventar a democracia – do pré-contratualismo ao pós-conralualismo. In: OLIVEIRA,
Francisco; PAOLI, Maria Célia (Org.). Os sentidos da democracia – políticas do dissenso e a hegemonia
global. Petrópolis, RJ: Vozes; Brasília: Nedic, 1999.
História ___________________________________________
globalização; liberação dos mercados; primazia da exportação; redução do déficit público; corte nas
despesas pessoais; novos direitos internacionais (investidores); jurisdicialização; reforço do Banco
Mundial, FMI e OMC.
QUEM TEM O PODER: O mercado é orientador de toda a vida social. Passamos de uma situação de
pré-contratualismo para um pós-contratualismo; ou aceitamos ou ficamos excluídos, nem mesmo a
promessa de inclusão existe; a cidadania foi bloqueada; voltamos ao Estado de Natureza. O fascismo
não é mais do Estado, mas societal.
SAÍDAS: Despertar o interesse por buscas de alternativas; conhecer aquilo a que se resiste; definir os
termos do novo cosmopolitismo; reinvenção democrática do trabalho; reinvenção do sindicalismo;
Estado como novíssimo movimento social; novo contrato social (direito democrático); separar
economia real da financeira; tornar a economia em uma forma de socialização e cidadania;
reconhecer a poliformia do trabalho; equilíbrio trabalho e natureza; redução das horas/trabalho;
promover internacionalização proletária e fim da concorrência entre eles; desnacionalização da
cidadania; imposto Tobim; reconfigurar as dimensões da autoridade compartilhada; reforçar a
participação qualificada; ampliar os espaços para diálogo e decisão.
Em síntese, a demodiversidade é “ A coexistência pacífica ou conflituosa de diferentes modelos e
práticas democráticas”. Quer dizer que não houve apenas o modelo liberal de democracia, mas foi a
pressão do Banco Mundial e do FMI que criaram a condição política única. Essa era a condição para
conceder empréstimos ou ajuda financeira. A democracia tem um valor intrínseco a muitas
constelações culturais. Hoje elas precisam dialogar entre si, diálogo intercultural, sem subjugações,
com força prático-argumentativa e argumentação da prática. Não é possível sustentar a caricatura da
democracia. O nome desta deverá ser democracia participativa de fato.
.A articulação contra-hegemônica São articulações transnacionais das diferentes experiências de
democracias participativas locais e que tenham interesse em promover a democracia participativa. Isso
fortalece e dá credibilidade aos locais nos globais, pela formação de redes de solidariedade
internacionais, regionais e locais, pela aprendizagem recíproca, pelo fortalecimento da cultura de paz e
pela legitimidade de práticas cada vez mais democráticas. É princípio sem fim e corta os perigos que a
cercam: burocratização, clientelismo, instrumentalização partidária, silenciamento e manipulação
participativa.
Experimentalismo democrático, significa que é possível ir aos poucos experimentando a democracia,
pois em algumas culturas é difícil adquirir paciências e motivações para que ela avance da mesma
forma. É preciso avançar escalas misturando democracia participativa com democracia participativa,
no entanto a democracia representativa terá que aceitar a nova institucionalidade que brota de novas
culturas plurais e das lutas pela inclusão. Assim, na medida em que vai dando certo a participação, a
coexistência e a complementariedade, vai motivando cada vez mais a participação, tornando-se
novíssimo movimento social, mudando inclusive as regras do jogo, regras mais inclusivas.
TESES DO AUTOR PARA UM PENSAMENTO ALTERNATIVO
Livro: Democratizar a democracia – os caminhos da democracia participativa:
1ª tese – Fortalecimento da demodiversidade;
2ª tese – Fortalecimento da articulação contra-hegemônica entre o local e o global;
3ª tese – Ampliação do experimentalismo democrático.
Livro: Reconhecer para libertar – os caminhos do cosmopolitismo multicultural:
Tese 1 – Reconhecer que existem diferentes concepções de mundo;
Tese 2 – As variadas formas de segregação, opressão ou dominação geram formas de
resistência e mobilização, de subjetividade e de identidade coletivas também distintas;
Tese 3 – A incompletude das culturas e das concepções de igualdade humana, do direito e da
justiça exige o desenvolvimento de formas de diálogos que promovam a ampliação dos
círculos de reciprocidade.
Tese 4-As políticas emancipatórias e a invasão de novas cidadanias jogam-se no terreno da
tensão entre igualdade e diferença, entre a exigência de reconhecimento e o imperativo da
redistribuição.
Tese 5– O sucesso da lutas emancipatórias depende das alianças que seus protagonistas são
capazes de forjar.
Livro: Semear outras soluções – os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos
rivais:
Tese 1 – A diversidade epistemológica do mundo é potencialmente infinita. Todos os
conhecimentos são contextuais e tanto mais o são quanto mais se arrogam não sê-lo.
História ___________________________________________
Tese 2 – Todo conhecimento é parcelar e as práticas sociais só raramente assentam-se
numa forma de conhecimento.
Tese 3 – A relatividade dos conhecimentos não implica o relativismo.
Tese 4 – O privilégio epistemológico da Ciência moderna é um fenômeno complexo
não explicável apenas por razões epistemológicas.
Tese 5 – O pluralismo epistemológico começa pela democratização interna da ciência.
Tese 6 – A descolonização da Ciência assenta-se no reconhecimento de que não há
justiça social global sem justiça cognitiva global. A justiça cognitiva global só é
possível mediante a substituição da monocultura do saber científico pela ecologia dos
saberes.
Tese 7 – A transição da monocultura do saber científico para a ecologia dos saberes
torna possível a substituição do conhecimento-regulação pelo conhecimentoemancipação
Livro: Produzir para viver – os caminhos da produção não-capitalista:
Tese 1. As alternativas de produção não são apenas econômicas:
Tese 2. O êxito das alternativas de produção dependem da sua inserção em redes de
colaboração e de apoio mútuo.
Tese 3. As lutas pela produção alternativa devem ser impulsionadas dentro e fora do
Estado.
Tese 4. As alternativas de produção devem ser vorazes em termos de escala.
Tese 5. A radicalização da democracia econômica são dois lados da mesma moeda.
Tese 6. Existe uma estreita conexão entre as lutas pela produção alternativa e as lutas
contra a sociedade patriarcal.
Tese 7. Ampliar as formas alternativas de conhecimento de fontes de produção.
Tese 8. Os critérios para avaliar o êxito ou o fracasso das alternativas econômicas
devem ser gradualistas e inclusivos.
Tese 9. As alternativas de produção devem entrar em relações de sinergia com
alternativas de outras esferas da economia e da sociedade.
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História ___________________________________________
EVOLUÇÃO SOCIOPOLÍTICA E CULTURAS DO OCIDENTE –
ALGUMAS MARCAS NO TEMPO
Vida de Sócrates, que
desenvolve as grandes
questões sobre o ser e a
filosofia.
397 a.C.
Platão
funda
a
Academia em busca do
conhecimento
343 a.C.
Aristóteles, discípulo de
Platão,
torna-se
preceptor de Alexandre.
336-323 a.C
Alexandre
Magno
expande seu império.
306 a.C.
Epicuro funda o jardim
e ensina que o prazer é
o supremo bem do
homem.
300 a.C.
Zenão de Cicio elabora
a filosofia estóica,
segundo a qual o
homem
deve
permanecer indiferente
às circunstâncias e
aceitar
a
condição
humana.
300 a.C.
Euclides escreve Os
elementos,
sistematizando
a
Geometria.
250-200 a.C
Investigações
científicas
de
Arquimedes
Século 1.
Guerras sociais e civis
em Roma
46-44 a.C.
Cícero, outro estóico,
escreve De Finibus
(dos fins).
27 a.C.
Otaviano recebe o título
de Augusto e consolida
o Império Romano
4 a.C.-29 d.C.
Datas atribuídas ao
nascimento e morte de
Jesus
27 17 d.C.
Tito Lívio escreve
História Romana
1651
Hobbes, em Leviatã,
afirma que o poder
político origina-se de
um pacto social
1657
Boyle desenvolve a
bomba pneumática
1661-1657
Espinosa escreve Ética,
afirmando
ser
a
liberdade o objetivo da
Filosofia.
1664-1685
Newton e Leibniz,
separadamente,
desenvolvem o cálculo
diferencial.
1670
Publicação póstuma de
Os Pensamentos de
Pascal, em que ele
critica o otimismo
racionalista
de
Descartes: “O coração
tem razões que a
própria
razão
desconhece”.
1683
Halley, observando um
cometa,
prevê
seu
retorno em 76 anos.
1687
Newton, em Princípios
Matemáticos
de
Filosofia
Natural,
estabelece as leis da
mecânica.
1690
O filósofo empirista
John Locke escreve
Ensaio
sobre
o
Entendimento
Humano e lança as
bases do liberalismo
com Dois Tratados
sobre o Governo Civil,
definindo a propriedade
como
um
direito
natural.
1710
Tratado dos Princípios
da Natureza Humana
do empirista Berckeley.
1714
Leibniz, o filósofo do
1830
Comte, que mais tarde
fundaria
a
Igreja
Positivista, inicia seu
Curso de Filosofia
Positiva.
1836-1879
Tocqueville escreve A
democracia
na
América.
1840
Cabet, considerado o
introdutor do termo
“comunismo”, publica
Viagem pela Içaria,
em que descreve uma
sociedade
perfeita
imaginária.
Proudhon, considerado
o pai do anarquismo,
publica O que é a
Propriedade:
“A
propriedade
é
um
roubo”
1848
Revolução por toda a
Europa,
mesclando
idéias
liberais,
socialistas
de
emancipação nacional;
Marx
e
Engels
publicam o Manifesto
do Partido Comunista,
afirmando ser a história
uma história de luta de
classes e conclamando
a união internacional
dos trabalhadores.
1859
Darwin
publica
A
origem das espécies,
em que estabelece a
teoria evolucionista de
seleção natural.
1861-1865
Guerra de Sessão nos
Estados Unidos.
1866-1867
Mendel elabora a teoria
da hereditariedade.
Marx
publica
o
primeiro volume de O
capital.
1872
Nietszche escreve A
origem da tragédia,
1939
Hitler invade a Polônia
e começa (a 1º de
setembro) a 2ª Guerra
Mundial.
1945
A bomba atômica é
utilizada pela primeira
vez, pelos EUA, e mata
cerca de 100 mil
japoneses
em
Hiroshima (a 6 de
agosto) e Nagasaki (a 9
de agosto). Entre abril e
agosto os países do
Eixo (Alemanha, Japão,
Itália) são derrotados
pelos aliados (EUA,
URSS, Grã Bretanha e
outros).
1957
A União Soviética
lança
o
Sputnik,
primeiro
satélite
artificial. Quatro anos
depois, Yuri Gagarin
faz o primeiro vôo
espacial tripulado da
história.
Sartre, Merleau-Ponty e
Simone de Beauvoir
fundam Les Temps
Modernes, revista que
discute não apenas as
questões
filosóficas,
mas principalmente os
temas políticos que
emergiram
com
a
experiência do nazismo,
do stalinismo e da 2ª
Guerra.
1958
Lévy-Strauss
publica
Antropologia
Estrutural, expondo o
método estruturalista.
1960
Sartre publica Crítica
da razão dialética,
tentando conciliar o
Existencialismo
(a
“filosofia da liberdade)
e o Marxismo
1963
Habermas, continuador
da Escola de Frankfurt,
História ___________________________________________
37-95
O
apóstolo
Paulo
escreve Epístolas.
150
Investigações
astronômicas
de
Ptolomeu, que defende
a teoria geocêntrica: a
Terra é o centro do
universo.
161-180
Um imperador filósofo
em
Roma:
Marco
Aurélio, adepto do
estoicismo, que escreve
Solilóquios.
323
Conversão
de
Constantino
e
a
proclamação
do
Cristianismo
como
religião
oficial
do
Império Romano.
395
Cisão dos Impérios do
Ocidente e do Oriente.
Séculos V e VI
As invasões bárbaras
enfraquecem Roma.
413-427
Santo
Agostinho
escreve A Cidade de
Deus,
procurando
conciliar a fé cristã e a
Filosofia.
476
Queda do Império
Romano do Ocidente.
482-565
O Direito Romano
desenvolve-se
no
Império do Oriente, sob
Justiniano. Promulga-se
o Corpus Júris Civilis,
base
do
Direito
moderno.
Século VII
Maomé
funda
o
Islamismo,
que
se
expande pelo mundo
árabe, na Ásia e no
norte da África.
800
Carlos Magno constrói
o
Sacro
Império
Romano Germânico.
Séculos XI-XIII
Sucessivas Cruzadas da
Europa
contra
os
otimismo, segundo o
qual Deus criou o
melhor dos mundos
possíveis,
escreve
Monadologia
1725
Vico,
em
Nova
Ciência, formula uma
nova concepção de
História
1738
Invenção da máquina
de tecer por Wyatt.
1748
Em Ensaio sobre o
Entendimento
Humano, Hume leva o
empirismo ao impasse
ao mostrar que o
conhecimento,
que
estabelece a relação
entre causa e efeito, é
em última instância um
fruto do hábito.
Montesquieu escreve O
espírito
das
leis,
estabelecendo
uma
correlação entre as
formas de governo e as
condições geográficas e
históricas.
1751
É publicado na França o
primeiro volume da
Enciclopédia,
obra
coletiva que sintetiza o
pensamento iluminista.
1754
Rousseau
escreve
Discurso
sobre
a
Desigualdade, no qual
mostra
que
a
desigualdade entre os
homens tem origem na
propriedade.
1781
Imannuel Kant escreve
Crítica da Razão Pura
1805
Hegel
escreve
sua
primeira grande obra, A
fenomenologia
do
Espírito,
em
que
descreve a totalidade do
mundo como história
das
manifestações
efetivas e sucessivas do
Espírito.
1809
iniciando sua crítica
demolidora da tradição
filosófica
1873
Bakunin, anarquista e
adversário de Marx na I
Internacional, escreve
O
estado
e
a
Anarquia.
1876-1896
Spencer
escreve
Princípios
de
Sociologia, adaptando a
teoria evolucionista às
relações sociais.
1882
Koch descobre o bacilo
da tuberculose.
1884-1885
Na Conferência de
Berlim, as potências
européias
fazem a
partilha da África.
1992
Golpe de Estado de
Mussolini institui o
regime
fascista
na
Itália.
1924
Piaget desenvolve seus
estudos de psicologia
genética. Fundação, na
Alemanha, do Instituto
de Pesquisas Sociais,
mais conhecido como
“Escola de Frankfurt”.
Dela
participariam
Horkheimer, Adorno,
Benjamin e Marcuse,
que
retomam
o
marxismo como Teoria
Crítica.
1927
Heidegger, discípulo de
Husserl,
funda
o
Existencialismo como
Ser e Tempo.
1928
Carnap, figura central
do Círculo de Viena –
que se dedica à
investigação
da
linguagem científica –
publica A Estrutura
Lógica do Mundo.
1929
O crack da Bolsa de
Nova York provoca a
publica
Teoria
e
Práxis.
1965
Althusser
realiza
seminários
de
que
resulta Ler o Capital,
obra
coletiva
que
retoma o marxismo sob
um enfoque que muitos
considerarão
“estruturalista”.
1966
Foucault publica As
Palavras e as Coisas,
expondo uma inovadora
história do pensamento
em que a idéia de
homem aparece como
uma invenção recente
que já está em vias de
morrer.
1969
Os americanos Edward
Aldrin
e
Neil
Armstrong pisam o
chão da lua, após uma
viagem de 109 horas e
20 minutos na Apollo
X1.
História ___________________________________________
“infiéis” muçulmanos
na África.
1120-1204
No mundo islâmico,
Averroés e Maimônides
realizam uma primeira
síntese filosógica e
religiosa
entre
Aristóteles,
o
cristianismo
e
o
islamismo.
1513
Maquiavel escreve “o
Príncipe”.
1630
Galileu escreve Diálogo
sobre os dois grandes
sistemas do mundo,
em que reafirma a
teoria heliocêntrica de
Copérnico.
1632
Condenado
pela
Inquisição, Galileu é
obrigado à retratação
pública de suas idéias.
1637
Descartes
escreve
Discurso do Método,
mostrando
que
a
existência do mundo e a
possibilidade
de
conhecê-lo tem como
base a única certeza
irrefutável de “penso,
logo existo”.
1642
Pascal desenvolve uma
máquina de calcular
1644
Torricelle inventa o
barômetro.
Lamarck, em Filosofia
Zoológica, elabora uma
teoria de evolução das
espécies.
1814
Napoleão abdica após
uma longa campanha
militar (as guerras
napoleônicas).
O
Congresso de Viena
estabelece uma nova
ordem na Europa.
1817
Ricardo
publica
Princípios
de
Economia
Política.
Saint-Simon,
um
“socialista
utópico”,
propõe uma sociedade
baseada na organização
industrial
em
A
indústria.
1818
Schopenhauer, em O
Mundo como Vontade
e
Representação,
inaugura a guinada na
filosofia que constituía
a base do sistema
hegeliano.
1819
Agitações operárias na
Inglaterra contra más
condições de vida dos
trabalhadores.
1821
Stuart Mill publica
Elementos
de
Economia Política.
1824
Carnot estabelece as
leis da termodinâmica.
Grande Depressão. A
crise econômica assume
proporções mundiais.
1933-1936
Hitler sobe ao poder e
instaura
o
regime
nazista na Alemanha.
Em
conseqüência,
inúmeros intelectuais –
entre eles Freud e os
membros da Escola de
Frankfurt – partem para
o exílio.
1938
Sartre
publica
A
náusea, uma exposição
em forma literária do
existencialismo.
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Sociedade, pólitica e cultura