comércio exterior Trading Com panies no Brasil Companies Lia Valls Pereira e Marcelo Boavista O presente artigo é baseado numa pesquisa sobre o setor de trading companies/comerciais exportadoras no Brasil solicitada à FGV pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), cujo objetivo se insere no esforço de promoção da atividade exportadora realizado pelo governo brasileiro no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Mais especificamente, esta pesquisa integra o Projeto Tradings da Apex-Brasil, que tem por finalidade o aumento do número de Pequenas e Médias Empresas (PMEs) na base exportadora brasileira. A inclusão das tradings na agenda de comércio exterior brasileiro não é novidade. O exemplo de sucesso proporcionado principalmente pelas trading companies japonesas no início dos anos 1970 inspirou as autoridades brasileiras na busca para ampliar e diversificar a base exportadora nacional. O objetivo era a inclusão das PMEs e o aumento das vendas de produtos manufaturados. No entanto, após mais de 30 anos, os resultados não foram os esperados. A participação das tradings e das empresas comerciais exportadoras no comércio exterior é pequena (cerca de 8%), e a maioria dos produtos comercializados são commodities agrícolas ou minerais. Diante desse quadro, foi colocada a seguinte questão: por que um veículo como as tradings, com apelo intuitivo tão evidente, não se mostrou eficaz no Brasil? O artigo está organizado em oito seções. A segunda seção Lia Valls Pereira é do Instituto Brasileiro de Economia/Fundação Getulio Vargas e da Faculdade de Ciências Econômicas/UERJ e Marcelo Boavista é economista. RBCE - 103 71 O exemplo de sucesso das trading companies japonesas no início dos anos 1970 inspirou as autoridades brasileiras na busca para ampliar e diversificar a base exportadora nacional apresentará os aspectos conceituais concernentes e o desenvolvimento do setor no Brasil. A terceira seção abordará o cenário atual, a quarta seção se ocupará dos aspectos legais e dos incentivos fiscais, a quinta seção registrará os principais problemas enfrentados pelo setor, a sexta seção apresentará o diagnóstico realizado pelo estudo, a sétima seção trará algumas sugestões para tratamento dos problemas levantados e a última seção concluirá o trabalho. ASPECTOS CONCEITUAIS E O SETOR DE TRADINGS NO BRASIL A observação da experiência internacional e uma análise teórica de custos e benefícios mostram a importância dos intermediários comerciais (trading companies/comerciais exportadoras) no conjunto de possibilidades à disposição dos programas de promoção das exportações dos países. De fato, o exemplo de sucesso proporcionado principalmente pelas tradings japonesas no início dos anos 1970 inspirou as autoridades brasileiras na busca de uma solução microeconômica para o problema da ampliação da base exportadora nacional através da inclusão de Pequenas e Médias Empresas. Apenas para se ter uma ideia, o número de trading companies operando no Japão em 1971 ultrapassava cinco mil – com menos de 1% 1 delas sendo responsável por cerca de 80% das importações e 12% das exportações. O nível de concentração era tal que apenas 12 firmas respondiam por 60% das exportações, 70% das importações e 25% do comércio interno (Milanez, 1974). Em termos gerais, a lógica era simples: incentivar a constituição de grandes empresas de intermediação comercial que eliminassem custos e riscos enfrentados por PMEs no desafio de exportar. Assim, à época da promulgação do Decreto-lei 1.248, de 29 de novembro de 1972 – marco inicial da legislação acerca das trading companies –, a concepção básica do papel de uma trading no Brasil era “apenas” a de um intermediário comercial, cuja especialização na atividade de comercialização de grandes volumes geraria a escala suficiente para sua viabilidade financeira (Coimbra, 1977).1 O que se pretendia era fazer com que a exportação se igualasse a uma venda interna – com toda sua facilidade/praticidade –, colocando o gerenciamento dos custos e riscos envolvidos no comércio exterior a cargo de intermediários comerciais. Ou seja, estava-se fomentando – através de incentivos à demanda e à oferta – um mercado que seria a ponte entre parte de nossa produção e o mercado externo. Na concepção original, a trading era vista basicamente como um É interessante notar que a literatura técnica do período desenvolve sua análise de acordo com a visão de “intermediários comerciais” – que se mostrará limitada ao longo do tempo. 72 RBCE - 103 intermediário comercial. Nesse caso, os principais benefícios que gera para as empresas que utilizam seus serviços são: Eliminação dos custos de prospecção de mercados (selecionar países, importadores, etc); aspectos cadastrais da capacidade financeira e idoneidade da trading, quanto na sua capacidade de, eficientemente, executar os serviços propostos. z Eliminação dos custos de negociação (idioma inclusive); z Eliminação da necessidade de obter informações sobre aspectos econômicos dos países para os quais se tenciona exportar; z Dispensa dos trâmites burocráticos envolvidos no processo de exportação; z Eliminação dos riscos inerentes à movimentação internacional de mercadorias, uma vez que a negociação se dá no mercado interno e em moeda nacional. z Os benefícios elencados acima – consubstanciados na extinção de diversos custos de transação ou de comercialização – são significativos, uma vez que, para a maior parte das PMEs que pensam em produzir para exportar, é praticamente inviável o investimento na montagem de estruturas internas para cuidar desses aspectos. Identificados os benefícios da intermediação comercial, deve-se observar que eles precisam ser comparados basicamente aos custos relativos à qualidade do intermediário comercial, em sentido amplo, ou seja, tanto nos 2 Dado o contexto acima – um amplo leque de benefícios e custos relativamente baixos –, a comercialização via trading traduzir-se-ia em benefício líquido para a empresa e, por extensão, para a sociedade, que pode viabilizar a conquista de novos mercados, com consequente expansão das possibilidades de produção e geração de divisas. Nesse ponto, é interessante notar que podemos encarar o benefício líquido proporcionado pela atuação das tradings como um “alívio cambial” implícito. Ou seja, o ganho de eficiência por elas proporcionado atua favoravelmente sobre a taxa de câmbio real. Ou seja, ao alavancar as exportações, o benefício das tradings equivale a uma desvalorização real da moeda. Posto isso, é importante relatar as discussões que precederam a implantação do sistema no Brasil. O período 1970-1972 – que antecedeu a promulgação do Decreto Lei 1.248/72 – foi de muita reflexão e debates.2 O desejo do governo era mudar a concepção do empresariado em relação à atividade exportadora, fazendo com que ela contemplasse o investimento em projetos de exportação, ou seja, ampliação da capacidade instalada voltada ao comércio Nesse contexto, é importante registrar o “Simpósio Nacional sobre Trading companies” realizado em São Paulo nos dias 27, 28 e 29 de setembro de 1972, organizado pelo Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) e pela FIESP-CIESP, em colaboração com o International Management Cooperation Committee (IMCC) de Tóquio. Um evento de grande porte do qual participaram diversos empresários, consultores e representantes do governo brasileiro. exterior, e não mais se baseasse na exportação de excedentes. Os aspectos debatidos no período compuseram uma vasta agenda. Temas como tamanho das empresas, faturamento mínimo requerido, participação do capital externo, tipos de produtos e/ou mercados, tradings gerais ou especializadas, entre outros, estavam presentes no debate (Colaiacovo, 1986). Outro dado importante do processo que culminou com o Decreto-lei 1.248/72 foi a contratação, pelo governo brasileiro, da empresa de consultoria inglesa Peter Wards Associates para a realização de um estudo sobre a viabilidade da implantação do sistema, o que demonstra o grau de comprometimento e preocupação que havia com o desenvolvimento de um modelo realmente adequado. Duas sugestões extraídas desse relatório e apresentadas em Colaiacovo (1986) servem como exemplos adicionais das discussões realizadas à época: exigência de capital mínimo de US$ 15 milhões e a constituição de apenas quatro ou cinco grandes tradings. Não são evidenciadas as justificativas para as sugestões, mas as razões nos parecem claras e podem ser resumidas em: garantia de uma estrutura para exercer as atividades e ganhos de escala proporcionados pela concentração do volume de operações. Como veremos na seção subsequente, o governo acatou parcialmente a primeira recomendação e rejeitou a segunda. RBCE - 103 73 A análise teórica de custos e benefícios mostra a importância dos intermediários comerciais no conjunto de possibilidades à disposição dos programas de promoção das exportações dos países É interessante notar que tanto as discussões em curso no Brasil citadas, quanto as recomendações da consultoria inglesa ratificam a percepção de que o ambiente estava impregnado pelo exemplo japonês. De fato, além do tema da concentração de mercado, as principais características das tradings no Japão eram: i. Presença em quase todos os mercados externos; ii. Alto grau de diversificação de produtos e serviços; iii. Negociações com produtos de outros grupos; e iv. Vasta estrutura para operações comerciais e financeiras. No caso brasileiro, entretanto, um ponto teve pouca atenção. A experiência internacional das tradings, relatada em IDORT (1972), mostra que as importações constituem-se em importante ponto de apoio comercial para essas empresas, concedendo-lhe poder de barganha. No entanto, o foco das autoridades estava nas exportações, o que fez com que essa importante face das tradings fosse negligenciada. O Decreto-lei 1.248/72 Em linha com a concepção desse mercado em voga no início dos anos 1970 e com as discussões analisadas na seção anterior, o Decreto-lei 1.248, de 29 de novembro de 1972, vem a se constituir no “marco zero” da legislação para o setor no Brasil. Conforme mencionado 74 RBCE - 103 previamente, esse dispositivo legal, que ainda está em vigência, ocupou-se apenas do serviço de intermediação comercial de uma trading, equiparando a transação comercial entre produtor-vendedor e intermediário comercial a uma exportação direta – com todos os seus benefícios e incentivos. Deve-se ressaltar que antes do advento dessa legislação já existiam empresas comerciais exportadoras. Logo, a contribuição da legislação foi estabelecer uma categoria específica de comerciais exportadoras – as que se enquadrassem no disposto no art. 2º do referido Decreto-lei. Este determinava exigências quanto ao capital mínimo e à organização societária das tradings, que pretendiam: i) minimizar a probabilidade de as firmas não honrarem seus compromissos; ii) influenciar esse mercado com a visão de que a escala mínima eficiente para essas empresas deveria ser mais elevada (em linha com a experiência japonesa); e iii) facilitar a fiscalização. Ao mesmo tempo, como um incentivo adicional para a constituição dessa categoria de comerciais exportadoras – desde então designadas como trading companies –, ficou estabelecida no art. 7º a possibilidade de, por tempo determinado, “abater do lucro sujeito ao imposto de renda uma quantia igual à diferença entre o valor dos produtos manufaturados comprados de produtores-vendedores na forma do artigo 1.º e o valor FOB em moeda nacional das vendas dos mesmos produtos para o exterior”. Logo, a distinção entre trading company e comercial exportadora, à época da promulgação do Decreto-lei 1.248/72, dizia respeito a determinadas características dessas empresas – porte e estrutura societária requeridos pelo art. 2º – e aos benefícios fiscais por elas auferidos e por elas possibilitados aos produtores-vendedores. Como ficará claro quando abordarmos a legislação vigente, a distinção atual entre tradings e comerciais exportadoras diz respeito apenas ao seu porte, uma vez que os benefícios fiscais envolvidos são rigorosamente os mesmos, com as tradings especializando-se em operações de maior porte e as comerciais exportadoras ocupando-se daquelas de menor monta. Desenvolvimento do setor: de 1972 a meados dos anos 1980 A literatura disponível cobre o período entre a promulgação do Decreto-lei 1.248/72 e meados dos anos 1980 – sendo importante registrar a lacuna existente desde a metade dos anos 1980, fato também observado por Kuzler (2000). Após dois anos do decreto que criou as tradings, ainda não havia indícios de que o principal resultado esperado – trazer à base exportadora nacional um número significativo de empresas de pequeno porte e de exportações não tradicionais (não commodities) – estivesse se materializando. No rol de explicações, encontra-se desde a falta de conhecimento por parte do público-alvo – dado que a estratégia de divulgação não havia sido adequada –, até o fato de que grande parte das empresas que operavam no setor externo não possuía experiência e estrutura para assumir a nova tarefa (Colaiacovo, 1986). Ou seja, alguns problemas naturais de implantação desse novo modelo ainda não haviam sido superados, o que se poderia reputar como normal. Outra hipótese discutida na época era se o crescimento do comércio de tradings não estaria se dando através do simples deslocamento de negócios já existentes e que ocorreriam de qualquer forma – uma vez que a maior parte das tradings continua exportando commodities. É importante registrar que grande parte dos negócios das tradings se dava na intermediação de operações de countertrade – que têm como exemplo a relação comercial do Brasil com África e Oriente Médio nas décadas de 1970 e 1980. Nesse contexto, a Nigéria foi o primeiro país africano a estabelecer um contrato dessa modalidade. Nele, o Brasil, à época grande importador de petróleo, comprava cerca de 100 mil barris de petróleo por dia e exportava o equivalente a 40 mil barris diários em veículos, peças e outros produtos, por intermédio da Cotia Trading – a mais importante parceira comercial privada brasileira na Nigéria (Santana, 2003). A importância das operações de comércio associadas às importações do petróleo é ilustrada pela criação da Interbrás (uma trading da Petrobrás), em 1976. Essa empresa passa a intermediar as compras brasileiras de petróleo dos países do Oriente Médio e as exportações brasileiras de um conjunto variado de produtos, como aço, frangos e plásticos, por exemplo. As operações de countertrade dominam esse intercâmbio. Logo, seja no setor privado ou no estatal, a ampliação do volume de comércio e da pauta de exportações das tradings não contemplava um universo significativo de bens produzidos por empresas de pequeno porte e se concentrava em commodities no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 (Santana, 2003). A Tabela 1 mostra a evolução, entre os anos de 1976 e 1984, da participação das trading companies nas exportações brasileiras, que aumenta de 6,8%, em 1976, para 31%, em 1983. O último dado disponível do ano de 1984 registra uma participação de 30,5%. A Tabela 2 apresenta a composição das exportações das tradings no período 1976/1984. Tabela 1 PARTICIPAÇÃO DAS TRADING COMPANIES NAS EXPORTAÇÕES DO BRASIL (%) Ano Total Básicos Manufaturados 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 6,8 8,5 9,9 13,8 18,7 19,6 30,3 31 30,5 8,3 11,1 13,2 16,2 25,4 26,6 28,9 30,8 39,7 4,9 5,3 7,1 12,3 14,2 15,7 31,2 31,9 26,5 Fonte: Abece (1984). RBCE - 103 75 A abertura de mercado, no início dos anos 1990, seguida do período de valorização cambial do Plano Real, fez com que as tradings migrassem da atividade exportadora para a importadora Há um aumento na participação das exportações de manufaturas, que passa de 22,4% para 52% entre 1976 e 1984. No entanto, os produtos básicos continuam a ter um peso importante — o percentual na pauta foi de 42%, em 1984. A Tabela 3 apresenta o universo das tradings por setor de origem após dez anos do Decreto-lei 1.248/72. O setor industrial explica 42% da origem das tradings, porém a agroindústria/pecuária responde por 29% desse setor. Segundo Colaiacovo (1986), até meados da década de 1980, as tradings não haviam preenchido Tabela 2 EXPORTAÇÃO DAS TRADING COMPANIES BRASILEIRAS - 1976/1984 (%) Ano Café Básicos 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 16,2 38,1 39,3 31,9 31,1 18,3 15,6 14,0 --- 74,3 74,8 63,0 50,4 57,2 51,9 39,0 38,6 42,2 Industrializados Total Geral Manufaturados Seminanufaturados 22,4 3,3 21,1 4,1 27,9 9,1 43,0 6,7 35,1 7,7 40,1 8,0 54,7 6,3 49,8 11,6 51,8 5,9 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Abece (1984). Tabela 3 TRADING COMPANIES POR SETOR DE ORIGEM - 1983 Setor Financeiro Comércio de Produtos Primários Café Cacau Comercial Comércio lojista e supermercados Setor importador Demais Serviços e Construção Civil Industrial Textil Madeira e papel Agroindustria e agropecuária Automobilistica e auto-peças Metalúrgica e siderúrgica Mineração Outros Consórcios e cooperativas Estatal Independentes Não Identificados Total Fonte: Abece (1984). 76 RBCE - 103 N° de empresas Participação (%) 13 17 12 5 29 8 7 14 6 66 7 5 19 6 6 3 20 6 2 9 9 8,2 10,8 7,6 3,2 18,5 5,1 4,5 8,9 3,8 42 4,5 3,2 12,1 3,8 3,8 1,9 12,7 3,8 1,3 5,7 5,7 157 100,0 de forma satisfatória os objetivos de diversificação da pauta e inclusão das PMEs. Algumas das razões citadas pelo autor e que explicariam esse resultado estão presentes no debate atual sobre o papel das tradings no Brasil. Destacam-se os seguintes problemas: As tradings tinham uma visão de curto prazo sobre a lucratividade do seu ramo de negócios, faltando-lhes, portanto, uma estratégia de longo prazo; z Experiências negativas no relacionamento com as tradings, que eram vistas como preocupadas apenas com seus interesses, não estabelecendo uma relação de parceria; z Havia, do lado dos produtores, falta de visão de comércio exterior como estratégia permanente; z Na linha do tópico anterior, a maioria das empresas que se envolvia em atividades de exportação o fazia de forma eventual e acidental, atendendo apenas a pedidos recebidos através de cartas ou de compradores que chegavam às empresas. Assim, um número significativo de empresas nacionais não estaria realmente exportando, e sim vendendo ao exterior através do sistema de marketing nacional; z As empresas produtoras, em sua maioria, não exportavam como forma de diversificação de riscos, e sim como forma de resolver problemas internos de curto prazo; z 3 Ainda do lado dos produtores, as tradings se ressentiam de cuidados com qualidade e prazos de entrega; z Salvo o caso das tradings de maior porte, havia falta de estrutura no exterior; z Do faturamento total das tradings, as operações de exportação são o componente fundamental, com escassa participação das operações de importação. Nesse contexto, as tradings reivindicam maior espaço para a realização dessas operações; z z Falta de mão-de-obra qualificada; Reduzido leque de serviços oferecidos aos clientes. z A partir da metade dos anos 1980, as tradings continuaram a se especializar e a se consolidar como braço exportador das empresas brasileiras – porém não no sentido desejado pelo governo, uma vez que era baixa a participação de empresas de pequeno porte no portfólio das tradings, e os produtos básicos ainda desempenhavam papel relevante. No entanto, a abertura de mercado, no início dos anos 1990, seguida do período de valorização cambial do Plano Real, fez com que as tradings migrassem da atividade exportadora para a importadora. Dada a extensão desse período de valorização cambial, as estruturas de exportação foram sendo desmontadas, sobrando apenas algumas empresas especializadas em produtos tais como fertilizantes e açúcar. Pesquisa realizada através de questionário com 204 empresas (tradings e comerciais exportadoras) e entrevistas com um subconjunto de 44. O que se pode especular preliminarmente é que a questão crucial da cultura exportadora em empresas de pequeno porte ainda não foi resolvida. Nos anos 1990, abertura comercial e a valorização cambial não favoreceram a atividade exportadora. Nesse contexto, o boom do comércio mundial entre 2004 e 2007/08 atuou no sentido de tornar mais fácil a vida de exportadores diretos, ao apresentar mercados mais receptivos e francamente compradores – o que poderia diminuir tanto a demanda quanto a oferta pelos serviços de tradings. A demanda seria reduzida por uma atitude mais ativa dos compradores externos – buscando, eles mesmos, as empresas nacionais, prescindindo da intermediação das tradings. A oferta se reduziria por conta da elevação da receita das tradings através da elevação de preços, demandando menos trabalho de busca de fornecedores. Outras interpretações para explicar a redução da participação das tradings nas exportações seriam: i) redução dos trâmites burocráticos do comércio exterior brasileiro, como a introdução do Siscomex na década de 1990; e ii) facilitação para venda de manufaturas no mercado sul- americano, que cresceu muito nesse período. CENÁRIO ATUAL O relatório da Funcex (Funcex, 2008)3 e Grisi (2003) mostram que as trading companies/ comerciais exportadoras hoje são empresas multifacetadas, que “buscam adequar-se à realidade e às necessidades próprias das empresas produtoras ou RBCE - 103 77 O boom do comércio mundial entre 2004 e 2008, ao apresentar mercados mais receptivos e francamente compradores, facilitou a vida dos exportadores diretos exportadoras do país” (Grisi, 2003). Assim, os termos trading company e comercial exportadora têm, no Brasil, uma dimensão conceitual maior do que quando foram estabelecidos. Ou seja, não cabe mais a associação do termo trading apenas à exportação indireta, pois essas empresas atuam tanto na compra de mercadorias para exportação quanto no auxílio a outras empresas que pretendem exportar diretamente – oferecendo uma gama de serviços de exportação que ultrapassa em muito a simples atividade de intermediação comercial, caracterizando-as como facilitadoras, ou mesmo consultoras, de exportação. Os serviços oferecidos atualmente pelas tradings são: z Intermediação comercial; Prospecção comercial: estudos de mercado, identificação de clientes, canais de comercialização etc.; z Ações de promoção comercial: feiras, material promocional, propaganda, encontros de negócios etc.; z Suporte logístico: preparação de documentação, contratação de transporte doméstico e internacional, armazenagem, serviços alfandegários etc.; z Apoio à organização da produção e à adaptação de produtos (regulamentos e normas técnicas, design, etiquetagem, embalagem etc.); z Serviços financeiros: gerenciamento de risco e seguros, estruturação de z 78 RBCE - 103 operação de financiamento, pagamento a fornecedores etc. A apreciação comparativa de estruturas de incentivo internacionais, embora extremamente útil, foge ao escopo deste trabalho. No entanto, acreditamos ser de grande utilidade avançar, mesmo que muito superficialmente, no exemplo norte-americano, no sentido de buscar indícios de que a concepção original embutida nos mecanismos de incentivo brasileiros pode ter contribuído para um desenvolvimento do setor aquém do esperado. O arcabouço legal que formaliza o tratamento das trading companies nos EUA está centrado na Export Trading Company Act of 1982 – dez anos após o estabelecimento da nossa primeira diretriz –, cujo objetivo declarado é: “incentivar exportações mediante a simplificação da constituição e operação de empresas de comércio exterior, associações comerciais de exportação e da expansão dos serviços de comércio exportador em geral (grifo nosso).” Essa lei, em sua seção 103 (a), define: (3) “O termo “serviços de comércio exportador” inclui, sem a isso se limitar, consultoria, pesquisa de mercado internacional, propaganda, marketing, seguros, pesquisa e projetos de produtos, assistência jurídica, transportes, inclusive documentação comercial e despacho de fretes, comunicação e processamento de pedidos estrangeiros de e para exportadores e compradores estrangeiros, armazenamento, moeda estrangeira, financiamento e aquisição de direito a bens, quando fornecidos a fim de facilitar a exportação de bens ou serviços produzidos nos EUA. (4) O termo “empresa de comércio exportador” significa uma pessoa, sociedade, associação ou organização similar, quer operada com fins lucrativos ou sem fins lucrativos, que realiza negócios nos termos da legislação dos Estados Unidos ou de algum de seus Estados e que seja organizada e operada principalmente com o objetivo de: (A) exportar bens ou serviços produzidos nos Estados Unidos; ou (B) facilitar a exportação de bens ou serviços produzidos nos Estados Unidos por pessoas não filiadas mediante o fornecimento de um ou mais serviços de comércio exterior.” É interessante notar que a lei norte-americana, desde o nascedouro, já apresenta uma visão completa do que se pode pensar como o papel de uma trading company. É claro que expressar determinado ponto de vista em lei não é condição necessária nem tampouco suficiente para o alcance de seus objetivos. Porém, trata-se de um movimento importante para que as ações de fomento por parte do governo sejam sempre tomadas sob um ponto de vista que possa contemplar o setor da forma mais abrangente possível. É importante registrar a falta de dados sobre as tradings a partir do final da década de 1980. Isso dificulta a análise do tema, inclusive o teste de algumas hipóteses acerca dos impactos dos ambientes macroeconômico e microeconômico sobre a dinâmica de operação dessas empresas. Essa lacuna começou a ser resolvida recentemente, com a formação de um banco de dados das tradings companies/comerciais exportadoras desenvolvido pela Funcex para a Apex, o Diretório Tradings do Brasil.4 Não obstante, o objetivo do banco é fornecer informações para facilitar e estimular o comércio das tradings, e não elaborar estatísticas temporais sobre o desempenho de tais empresas. A seguir, são apresentados alguns dados disponibilizados pela Apex no âmbito do projeto citado. A Tabela 4 apresenta o número de empresas registradas como trading company e como comercial exportadora em 2008, segundo a definição do Decreto-lei 1248/72 e Tabela 4 NÚMERO DE EMPRESAS Tipo de empresa Quantidade Trading (S/A) DL 1248/72 Comercial Exportadora CNAE/IBGE* Totais 241 5.553 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas do IBGE. O total de empresas é de 5.749. No entanto, a entrada de uma empresa no Diretório das Tradings da Apex obedece a critérios como um número mínimo de anos que a empresa esteja realizando operações, por exemplo. Logo, a informação do número de empresas (tradings e comerciais exportadoras) era de 639, em maio de 2010. A Tabela 5 mostra os valores exportados por cada uma das classes de empresas entre 2007 e 2008. É importante observar que cerca da metade do valor registrado pelas tradings (DL 1.248/72) em 2008 refere-se a empresas que não registraram operações em 2007. Em termos de taxa de variação do agregado formado por tradings e comerciais exportadoras, a taxa de crescimento de 27% supera a taxa registrada pelas exportações totais do país no período, que foi de 23%. A participação desse agregado nas exportações totais do Brasil foi de 8% em 2007 e de 8,2% em 2008. Um percentual inferior ao observado nos anos iniciais da década de 1980, quando somente as tradings chegaram a responder por 31% (ano 1983) do total exportado. 5.749 Fonte: Secex/Funcex. 4 http://dtb.apexbrasil.com.br Tabela 5 VALOR DAS EXPORTAÇÕES EM US$: ANOS 2007 E 2008 Tipo de empresa 2007 2008 Trading (S/A) DL 1248/72 Comercial exportadora CNAE Totais 2.966.704 12.805.911.255 12.808.877.959 23.239.492 16.244.050.518 16.247.290.010 Fonte: Secex/Funcex. RBCE - 103 79 É comum na literatura a menção à falta de “cultura exportadora” de boa parte das empresas brasileiras, em especial das pequenas e médias ASPECTOS LEGAIS E INCENTIVOS FISCAIS vendedores, com os respectivos normativos disciplinadores. O objetivo desta seção é preencher uma lacuna no que diz respeito à consolidação das informações sobre o marco normativo legal e fiscal relativo às tradings/comerciais exportadoras. Os benefícios fiscais atinentes à operação doméstica de venda do produtor a trading companies/ comerciais exportadoras, com o fim específico de exportação, são os seguintes: A apreciação do arcabouço legal que circunscreve o setor de trading companies/comerciais exportadoras no Brasil revela um emaranhado de leis, decretos, medidas provisórias, comunicados, convênios, instruções e regulamentos, listado a seguir: A suspensão do pagamento do Imposto de Produtos Industrializados (IPI); Decreto-lei 1.248, de 29.11.1972; z z Lei 9.532, de 10.12.1997; Lei Complementar 87/1996, Lei Kandir; z Medida Provisória 2.158-35, de 24.08.2001; z Convênio Nacional (CONFAZ) 113/1996, de 13.12.1996; z Convênio Nacional (CONFAZ) 61/2003, de 04.07.2003; z Instrução Normativa 241 da Receita Federal, de 06.11.2002; z Portaria Secex Nº 25, de 27 de novembro de 2008; z Regulamentos de ICMS de cada estado. z Essa lista de normas sugere que uma revisão da legislação e consolidação das regras é um passo desejável para a criação de um ambiente favorável ao crescimento das tradings. A seguir, são apresentados os incentivos fiscais a que fazem jus trading companies/comerciais exportadoras e produtores80 RBCE - 103 z A não incidência do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); z z A isenção da contribuição do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS); z A manutenção dos créditos fiscais de IPI e ICMS originários de compras de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem efetivamente aplicados aos produtos remetidos a trading companies/comerciais exportadoras. Na venda para o exterior de produto adquirido no mercado interno, com o fim específico de exportação por trading companies/ comerciais exportadoras, vigoram os seguintes incentivos: z A isenção do pagamento do IPI; z A não incidência do ICMS. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO SETOR Com o intuito de melhor caracterizar a exposição dos problemas com os quais se defrontam as comerciais exportadoras, eles foram especificados pelo ponto de vista a que se referem, ou seja, do lado da demanda e do lado da oferta.5 exportações uma estratégia comercial de longo prazo, e sim uma válvula de escape para momentos em que o mercado interno se mostra desfavorável. Questões da demanda B. Visão negativa por parte das PMEs/falta de informações A. O problema da “cultura exportadora” das PMEs. Essa questão se reflete na dificuldade de se estabelecer parcerias estáveis entre as comerciais exportadoras e as PMEs – uma vez que a maioria delas não está inclinada a incorporar exportações como uma estratégia permanente –, ou mesmo de se estabelecer qualquer parceria. A relação entre PMEs e exportações é importante na avaliação do setor, porque por mais que se equacionem os problemas do lado da oferta – tributos, procedimentos aduaneiros, exigências operacionais etc – se não houver, por parte dos produtores, a visão de que o comércio exterior é uma opção a ser seriamente considerada, as comerciais exportadoras não terão seus serviços demandados, ou os terão de forma intermitente – comprometendo a necessária estabilidade dos seus fluxos de caixa. É bastante comum na literatura a menção à falta de “cultura exportadora” de boa parte das empresas brasileiras – notadamente as pequenas e médias –, significando que elas simplesmente não exportam, ou não veem nas A visão negativa das PMEs está associada à divulgação de episódios em que tradings não honraram compromissos. Destaca-se principalmente a avaliação negativa em relação às comerciais exportadoras de pequeno porte, que são vistas como “atravessadoras” no lugar de facilitadoras de comércio. Existem indícios de que um universo considerável de empresas produtoras ainda não conhece esse mercado e as possibilidades por ele abertas. Isso pode ser evidenciado pelo trabalho da Associação Comercial de São Paulo de levar as comerciais exportadoras ao interior do estado, para apresentá-las aos produtores. Questões da oferta A. Disponibilidade de crédito A questão tratada aqui se refere à disponibilidade de crédito a custos competitivos para as empresas comerciais exportadoras. Nesse particular, apenas o BNDES dispõe de uma linha de crédito de baixo custo, chamada de “Pré-embarque – Empresa Âncora”. Essa linha de crédito permite o financiamento da comercialização de tipos 5 As questões destacadas nesta seção derivam de entrevistas realizadas com representantes das tradings e comerciais exportadoras e associações de comércio do Rio de Janeiro e São Paulo. 6 As empresas relataram que os últimos três meses são utilizados para projetar os próximos seis meses. específicos de bens produzidos por micro, pequenas e médias empresas (faturamento anual de até R$ 60 milhões), através de empresa exportadora (empresa âncora). Quanto à demanda e à oferta por essa linha, cabem alguns comentários. No que concerne à oferta, merece destaque o fato de os bancos repassadores, via de regra, dizerem aos seus clientes que não têm disponível esse produto – mesmo ele estando disponível. A explicação é de que essa linha concorre com um Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) e é menos lucrativa, o que faz com que os bancos não tenham apetite em oferecê-la. Em relação à demanda, a informação é de que ela sempre foi muito baixa e que já há muito tempo tem sido nula. B. Habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) As habilitações são classificadas em simplificadas e ordinárias e envolvem aspectos financeiros e documentais. A ordinária não impõe limites de valores para as operações de exportação e importação. No entanto, é necessário que sejam avaliadas as capacidades financeira e operacional das comerciais exportadoras. Essa avaliação se baseia no volume de operações realizado no passado recente,6 que é utilizado para projetar as operações futuras – não levando em conta flutuações no volume de negócios nem as possibilidades de expansão no volume de negócios das empresas comerciais RBCE - 103 81 Existem indícios de que um universo considerável de empresas produtoras ainda não conhece o mercado das comerciais exportadoras e as possibilidades por ele abertas exportadoras. No que concerne à questão documental, as empresas reclamam que essa modalidade requer um extenso e redundante conjunto de documentos. Além disso, as empresas afirmam que se, eventualmente, o valor estimado pela Receita Federal para as operações de determinada empresa na modalidade ordinária for excedido, e ela solicitar revisão de seus limites, esse processo demorará cerca de 30 dias, o que pode inviabilizar o negócio. Registra-se também que ter o limite excedido pode deflagrar um procedimento especial de fiscalização – uma vez que a Receita Federal pode alegar a existência de indícios de operações fraudulentas.7 A explicação para esses problemas estaria, segundo as empresas, numa visão distorcida por parte da Receita – que parte da premissa de que todo contribuinte é, em princípio, um potencial sonegador. A modalidade simplificada apresenta um trade-off entre exigências documentais e limites operacionais em relação à versão ordinária: aqui se requer menor número de documentos, mas são impostos limites operacionais específicos – US$ 300 mil para exportações (FOB) e US$ 150 mil para importações CIF. A crítica dos empresários é de que os limites não são condizentes com as práticas de mercado e constituem importante entrave para que sejam aproveitadas oportunidades de negócios que exigem agilidade para sua concretização. 7 82 RBCE - 103 C. Consolidação de cargas O Decreto-lei 1.248/72 estabelece que, para que as mercadorias sejam consideradas com o propósito específico de exportação – e estejam, portanto, aptas a auferir os benefícios tributários –, é necessário que sejam remetidas para “embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora” ou “para depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime extraordinário de exportação”. Na raiz desse procedimento está a necessidade de fiscalização da efetiva saída da mercadoria do país, evitando que o produto seja reintroduzido no mercado interno, com consequente burla ao fisco. As comerciais exportadoras apontam que os custos embutidos nesse procedimento obrigatório de consolidação de cargas em terminal alfandegário elevam os custos e, logo, reduzem a lucratividade das operações. Chamam a atenção para o fato de que, em face dos controles paralelos que comprovam a exportação dos produtos existentes hoje em dia, esse procedimento não é tão necessário como era na época da criação das tradings. D. Continuidade do fluxo de fornecimento Uma questão ligada à dinâmica do parque produtivo brasileiro é a que envolve a continuidade do fornecimento de produtos às comerciais exportadoras. Isso se Esse problema é relatado em ambas as modalidades. dá ou por causa da taxa de mortalidade das pequenas e médias empresas no Brasil, ou pelo fato de essas empresas preferirem descontinuar a relação comercial com as comerciais exportadoras quando o mercado interno se fortalece, elevando a incerteza do negócio. E. Atendimento aos padrões de qualidade Outro ponto importante que foi relatado nas entrevistas diz respeito ao atendimento, por parte das PMEs brasileiras, aos padrões de qualidade impostos pelos compradores externos. As tradings/comerciais exportadoras atentam para os custos adicionais que precisam incorrer no controle da qualidade dos produtos que lhes são fornecidos, uma vez que, de maneira geral, as exigências de compradores externos é maior do que aquelas encontradas no mercado doméstico. OBSERVAÇÕES GERAIS Dadas as questões analisadas, é oportuno registrar que, especificamente no que concerne à habilitação no Siscomex e à consolidação de cargas em terminal alfandegário, as empresas acreditam que a legislação fiscal embute uma percepção negativa do governo em relação às trading companies/ comerciais exportadoras. Os representantes do setor acham que o governo/fisco está impregnado por uma visão de que está lidando com “atravessadores” – algo que vai de encontro ao espírito da legislação que criou as comerciais exportadoras (Decreto-lei 1.248/ 72). Tal visão, segundo as comerciais exportadoras, também permeia as relações com os produtores/vendedores. Ao que parece, uma parte dessa visão negativa se deve ao desvio de finalidade das trading companies no período de alta inflação, quando o governo permitiu que elas atuassem no desconto de títulos. As comerciais exportadoras acreditam que essa visão acerca das tradings contaminou todo o setor. Outro aspecto a ser observado através da análise das informações – e que também foi comprovado nas entrevistas – é que as tradings/comerciais exportadoras têm que ser pró-ativas no sentido de elas mesmas ajudarem na estruturação/otimização dos processos produtivos. Um exemplo emblemático nos foi dado pela experiência da Sertrading. A empresa não só identificou um mercado potencial no setor de lácteos – através da análise da pauta de exportações brasileira –, como organizou os produtores (de grande porte, registre-se) de forma a obter padrões adequados de qualidade de produto e de fornecimento. PROPOSTAS PARA O SETOR DE TRADINGS O diagnóstico do mercado de trading companies/comerciais exportadoras permitiu concluir que: (i) A missão iniciada em 1972 pelo Decreto-lei 1.248 ainda está longe de ser concluída e deve ser perseguida, dados os benefícios que o mercado de tradings e comerciais exportadoras pode gerar às exportações brasileiras – e aí está a pertinência da iniciativa da Apex; (ii) Justificando o tópico acima, muitos problemas enfrentados por esse mercado no início de sua formalização ainda não foram equacionados; (iii) A interação de questões de natureza macro e microeconômica constituiu elemento potencializador das dificuldades enfrentadas pelo setor; (iv) As trading companies e as comerciais exportadoras não são mais apenas intermediários comerciais – atuam também como consultorias de exportação; (v) O item anterior mostra que esse mercado serve aos propósitos das exportações diretas e indiretas, em uma evolução daquilo que era sua concepção original; (vi) O setor apresenta problemas tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda; (vii) Como problemas do lado da oferta, temos: dificuldade de viabilizar operações de crédito; exigências burocráticas; dificuldade de as PMEs manterem adequadamente o fluxo de fornecimento de produtos e de atenderem adequadamente aos padrões de qualidade; (viii) Como problemas do lado da demanda, temos: a falta de cultura exportadora das PMEs e a visão negativa e a falta (crucial) de informações dos produtores sobre as comerciais exportadoras; (ix) Foi observado que o esforço de monitoramento e avaliação do RBCE - 103 83 A Apex deve centrar suas atenções nas comerciais exportadoras de médio porte, pois estas, embora menores do que as tradings, dispõem de uma estrutura que pode ser reforçada setor passou a ser negligenciado – o que pode ser atestado pelo fato de que se encontrou uma boa quantidade de trabalhos continuados de importantes instituições de pesquisa só até meados dos anos 1980; (x) O trabalho da Apex como promotora de disseminação de informações poderá ter um impacto importante na aproximação das PMEs com as tradings/comerciais exportadoras. Antes da apresentação das sugestões, são necessárias algumas observações. A primeira delas diz respeito ao grupo de empresas que será objeto das propostas ora apresentadas. O grupo de trading companies – empresas de grande porte – não parece se defrontar com problemas específicos – ou seja, seus entraves parecem ser aqueles que afetam todo o mercado exportador brasileiro, como, por exemplo, tributação e câmbio. No que concerne às comerciais exportadoras (empresas de pequeno ou médio porte), exatamente em virtude do menor tamanho e escala, existe uma gama de problemas específicos, os quais serão nosso objeto. Em segundo lugar, observamos que, por razões pertinentes à natureza dos problemas observados – e, consequentemente, das sugestões propostas –, utilizaremos de agora em diante as designações trading company e comercial exportadora de forma distinta, em razão do porte. A terceira observação é que as sugestões aqui apresentadas se 84 RBCE - 103 referem apenas a aspectos idiossincráticos do mercado de tradings e comerciais exportadoras – e, particularmente, aos problemas específicos enfrentados pelas comerciais exportadoras. Desse modo, não nos ocupamos de pensar de forma sistêmica o conjunto de incentivos às exportações brasileiras. Propostas para as questões da demanda As ações do lado da demanda têm como característica principal o fato de trabalharem aspectos relacionados à informação. Ou seja, antes de tudo, é fundamental que haja por parte dos demandantes um amplo conhecimento das opções que lhes são abertas por esse mercado. As sugestões se referem, evidentemente, aos problemas antes observados: A. No que se refere à falta de cultura exportadora das PMEs O trabalho do governo/Apex passa pela conscientização das PMEs acerca dos benefícios de se incorporar as exportações como estratégia empresarial permanente. Desse modo, caberia enfatizar as possibilidades abertas pelo mercado de tradings/comerciais exportadoras. Uma sugestão é a organização de cursos ou workshops direcionados às MPEs, que colocariam em discussão mais aprofundada as principais questões envolvidas nas relações comerciais entre os produtores e as tradings/ comerciais exportadoras. Essa sugestão deriva de experiência da São Paulo Chamber of Commerce da Associação Comercial de São Paulo. B. Em relação à visão negativa e à falta de informações sobre as comerciais exportadoras Em linha com o tópico acima, o caminho que se apresenta mais promissor nesse primeiro momento seria a implantação de um cadastro positivo e a organização de eventos, como feiras e palestras, que aproximassem produtores e comerciais exportadoras. A Apex poderia, evidentemente, se valer dos eventos já estruturados, acoplando módulos que se encarreguem de promover esse encontro entre os produtores e os comerciantes. O que ora designamos por cadastro positivo é uma iniciativa que aprimore a ideia já posta em prática no Diretório Tradings do Brasil (DTB) da Apex, desenvolvido pela Funcex. As empresas que constam do diretório são aquelas que, além de desejarem participar, preenchem os requisitos de: z Ser comercial exportadora ou trading company; z Ser exportador de produtos de terceiros alheios a seu grupo empresarial; z Ter dois anos de atividade exportadora ininterrupta; z Apresentar exportações mínimas de US$ 40 mil por ano. Aqui a sugestão seria a de depurar os parâmetros/requisitos necessários à participação no DTB, de forma a que as empresas que nele constem já tenham passado por um primeiro filtro de requisitos que forneça aos potenciais usuários dos serviços um bom indicador inicial de confiabilidade. O objetivo é melhorar a probabilidade de se estar diante de uma empresa que possa satisfatoriamente prestar os serviços desejados. C. O Diretório Tradings do Brasil (DTB) no papel de disseminador de informações Aperfeiçoar os elementos de comunicação do site do DTB, com mais informações e conexões com outras instituições governamentais que prestam apoio ou incentivem a exportação. D. Sistema de avaliação continuada Como observado na fase anterior do projeto, o esforço de monitoramento e avaliação do setor passou a ser negligenciado – o que pode ser atestado pelo fato de que só se encontrou uma boa quantidade de trabalhos continuados de importantes instituições de pesquisa até meados dos anos 1980. Como é amplamente documentado, negligenciar processos de avaliação continuada de quaisquer projetos – e em particular de políticas públicas, por envolver recursos da sociedade – é algo particularmente danoso, tanto para a consecução dos objetivos propostos, quanto para os custos de se atingir esses objetivos. É, portanto, de fundamental importância que se tenha, a exemplo do que já ocorre com seus outros projetos, um programa de avaliação das propostas que forem efetivamente postas em prática no âmbito do Projeto Tradings. Propostas para as questões da oferta Uma sugestão é que a Apex deva centrar suas atenções nas comerciais exportadoras de médio porte. Essas empresas, apesar de não apresentarem o porte das tradings, dispõem de uma estrutura que pode ser reforçada pelas ações que serão discutidas abaixo. A. No que concerne à dificuldade de viabilizar operações de crédito Foram destacadas no relatório de diagnóstico as questões atinentes à linha de crédito do BNDES designada de “empresa-âncora”. Para o tratamento dessa questão, o encaminhamento que nos parece mais profícuo envolve uma articulação, em nível de governo, no sentido de se trabalhar com a cooperação dos bancos públicos – Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Ambos poderiam, dentro de uma estratégia de política pública, suprir a lacuna deixada pela falta de empenho dos bancos privados. Esta seria uma linha de ação que percebe a existência de uma falha de mercado e utiliza os meios à disposição do setor público. Outro aspecto desse problema diz respeito às garantias. O que se pôde observar, e foi apresentado na fase de diagnóstico, é que o BNDES RBCE - 103 85 As tradings e comerciais exportadoras precisam criar uma entidade representativa – que reúna, portanto, empresas de grande e pequeno porte – para facilitar o acesso e o diálogo junto ao governo tentou atingir as PMEs através de um agente (empresa-âncora) que pudesse apresentar melhores condições de oferecer garantias. No entanto, as empresas que poderiam se enquadrar na oferta de melhores garantias – as trading companies strictu sensu – não têm incentivos para trabalhar com PMEs. Posto o parágrafo acima, o entrave que nos foi relatado é que as comerciais exportadoras, na maior parte dos casos, não têm condições de oferecer as garantias bancárias necessárias, inviabilizando essa importante iniciativa do BNDES. Uma maneira de quebrar esse círculo seria a possibilidade de utilização, por parte das comercias exportadoras, do fundo de garantia de exportações para empresas de pequeno porte, recentemente anunciado pelo governo federal. B. Em relação às exigências para a habilitação no Siscomex O que se sugere é que a Receita Federal – ouvindo as empresas em um processo capitaneado pela Apex – racionalize e flexibilize os procedimentos de habilitação no Siscomex – reduzindo a documentação exigida e ampliando ou extinguindo os limites para exportação. Nesse momento, é oportuno registrar que a Receita Federal já vem respondendo aos questionamentos analisados neste tópico. A sua linha de argumentação refere-se às discussões sobre a revisão de procedimentos/documentação que poderá vir a ser adotada a partir do desenvolvimento do Projeto de Análise de Risco e Inteligência Artificial Aplicada (Harpia). Em adição, a questão dos limites de importação e exportação será tratada no âmbito do Harpia. A exigência da prévia aprovação dos limites em valor das operações no Siscomex deve ser destacada, pois pode inviabilizar oportunidades de negócios. Se o objetivo é expandir as operações das PMEs, esse é um tema crucial. A Receita deve pensar em mecanismos de verificação ex-post das operações e punir os possíveis infratores. A Receita Federal é um organismo arrecadador e deve, portanto, zelar pela eficiência da arrecadação. No entanto, a criação de mecanismos que protejam a arrecadação deve se dar pari passu com a manutenção de um ambiente que permita às empresas agir com a desenvoltura necessária à realização dos seus negócios, pois, se por um lado a Receita Federal beneficia a sociedade ao proteger a arrecadação de impostos, por outro pode, eventualmente, impor-lhe um custo desnecessário em termos da geração de emprego e renda. C. O problema da consolidação de cargas em armazéns alfandegados. O tratamento dessa questão requer alteração legal. Ou seja, é 8 Vale registrar que as discussões acerca da criação (ou re-criação) de uma entidade representativa já estão em curso. 86 RBCE - 103 necessário que a o problema seja discutido e encaminhado no âmbito do Congresso Nacional, pois faz-se mister a revogação da exigência expressa no Decreto-lei 1.248 de 1972, o que requer a elaboração de um projeto de lei. Neste momento, é importante enfatizar a necessidade de as tradings e comerciais exportadoras criarem uma entidade representativa – que reúna, portanto, empresas de grande e pequeno porte – para facilitar o acesso e o diálogo do segmento junto aos organismos governamentais competentes, como a Receita Federal e o Congresso Nacional.8 D. As dificuldades das PMEs de manter adequadamente o fluxo de fornecimento de produtos e de atender adequadamente aos padrões de qualidade exigidos pelos importadores Uma dificuldade é que muitas comerciais exportadoras não dispõem de habilidades gerenciais que lhes permitam dar conta dessas questões de uma maneira que minimize custos. Logo, é sugerido que o encaminhamento dessa questão passe pela capacitação gerencial das PMEs – em um processo capitaneado pela Apex. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho realizado evidenciou a pertinência da preocupação da APEX com o segmento de trading companies e comerciais exportadoras como veículo de inserção do parque produtivo brasileiro de pequeno porte nas exportações. O que se pôde perceber é que o desenvolvimento do setor – que seguia lentamente e não livre de problemas – foi truncado tanto pela adversidade econômica dos anos 1980 quanto pelo período de valorização cambial que acompanhou o processo de estabilização econômica da década de 1990. Outro aspecto percebido na execução do estudo foi que, mesmo considerando o período em que havia um processo de monitoramento por instituições de pesquisa de alto nível, o segmento careceu de medidas de governo que atacassem os pontos fracos levantados por essas avaliações. Posto isso, o conjunto de soluções aqui apresentado visa a sistematizar uma estratégia de dinamização desse segmento que ataque os entraves detectados, colocando-os sob a ótica de um mercado – que só se viabiliza se houver demanda e oferta a custos competitivos. Nesse ponto, é importante destacar a dificuldade de se dimensionar o impacto de tais medidas, uma vez que isso envolve, entre outros elementos, um esforço para a difusão de informações e um processo de mudança cultural do empresariado nacional, notadamente do lado das PMEs. Finalmente, devemos enfatizar novamente a necessidade de que não se cometa o erro de se negligenciar o monitoramento das ações implementadas, ainda mais quando estão sendo mobilizados recursos humanos e financeiros da Apex. Bibliografia ABECE. 1984. As trading companies no comercio exterior brasileiro. Rio de Janeiro, Associação Brasileira das Empresas Comerciais Exportadoras. Filho, C, B. 1977. Comércio Exterior e trading companies no Brasil. 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Revista Brasileira de Política Internacional. JulhoDezembro, Vol. 46, No 002, pg. 113-137. Brasília. RBCE - 103 87