A Metaprojetação no Design Sonoro
Meta-designing for Sound
Di Pinto, Charles; Ms; Universidade do Vale do Rio dos Sinos
[email protected]
Scaletsky, Celso; PhD; Universidade do Vale do Rio dos Sinos
[email protected]
Resumo
Nesse artigo aborda-se a metaprojetação no design sonoro. O termo metaprojetação refere-se
a possibilidade de projetar o projeto, agregando uma dimensão estratégica a atividade do
designer. A área do design sonoro integra técnicas para a tangibilização de idéias. Pretendese, aqui, apresentar técnicas que favorecem, ou possibilitam ampliar, esse processo. Em
particular, nosso trabalho enfoca a pesquisa Blue Sky, fazendo uma reflexão sobre seu
potencial no campo do som. Também serão estudados outros métodos utilizados em áreas
acadêmicas de projetação sonora, principalmente no Sonic Interaction Design. A conclusão
do artigo estabelece uma reflexão sobre o papel construtivo do som no modelo mental
utilizado por designers no processo de projetação.
Palavras Chave: Método, sound design, design, metaprojeto.
Abstract
This article studies the practice of meta-designing as part of the discipline of sound design.
The term meta-designing refers to project design, adding a strategic dimension to the
designer's activities. The field of sound design takes into account techniques for the
concretion of ideas – this article presents techniques which support, or allow for the
development of, this process. In particular, we address the Blue Sky Research technique,
reflecting on its potential in the field of sound. We will also focus on other methods found in
academic areas of sound design, particularly in Sonic Interaction Design. In closing, this
paper will establish a reflection on the constructive role performed by sound in regard to the
mental model used by designers during the design process.
Keywords: method, sound design, design, meta-design.
A Metaprojetação no Design Sonoro
O papel do projetista sonoro
Torna-se importante refletir sobre o papel atribuído ao som no processo de projetação de
produtos e serviços contemporâneos. Enquanto o design tradicional tende fortemente para a
criação de soluções visuais, é comum que a dimensão sonora do projeto receba menos
atenção. No entanto, o som pode desempenhar uma variedade de funções enquanto ferramenta
de projetação. Atualmente existem algumas iniciativas acadêmicas que buscam evidenciar a
importância do som no design tradicional. As áreas do design sonoro atualmente estudadas
envolvem o feedback em som que os objetos podem emitir como resultado da interação; a
constituição da identidade do objeto ou serviço; a sinalização; e a música interativa
(FRANINOVIC 2007, 2008; PIRHONEN 2008 ).
No estudo sobre a relevância da projetação do som como integrante da área do design
tradicional, observa-se a existência de uma área formal do sound design, área já reconhecida e
evoluída. O sound design aborda os componentes sonoros não-musicais e artísticos em
produtos multimídia e audiovisuais, e nos fonogramas. No entanto, a relação desse campo
com a área do design tradicional é menos explorada.
A projetação sonora já integra o design de uma variedade de produtos e serviços,
exemplificado no dispositivo Mighty Mouse, da Apple, que incorpora um alto-falante interno
que emite sons relacionados à atividade de scroll (COST, 2006). Assim, o produto agrega
uma característica sonora projetada para comunicar significados específicos.
A integração de componentes sonoros em produtos e serviços é apenas uma das
possibilidades para sua aproximação ao design. Existe também uma série de atividades
anteriores à projetação, de natureza metaprojetual, que buscam a concreção das idéias do
designer. O termo metaprojeto pode ser definido como a possibilidade de realizar um
conjunto de pesquisas projetuais que pretendem fornecer elementos para a organização e
planejamento do projeto propriamente dito. Esse termo é, normalmente, associado ao conceito
de Design Estratégico (CELASCHI, 2006) e amplia as competências do design de maneira a
possibilitar a interferência em todos os níveis organizacionais aonde o designer atua. Pensar
sobre a projetação através do uso do som tem implicações para a cultura do design, já que
explicita uma abordagem que reconhece a importância dessa dimensão do produto.
Pretende-se aqui ingressar em uma discussão que relaciona os processos de
metaprojetação com o design sonoro. Isso será realizado através da análise de ferramentas
desenvolvidas e apropriadas pela área do Sonic Interaction Design, comparando-os com a
pesquisa Blue Sky, técnica utilizada por designers tradicionais.
O estudo da projetação de som
A teorização sobre os objetos que se apresentam às faculdades sensoriais humanas
constitui uma parte fundamental de áreas como o idealismo, a filosofia da mente e da
fenomenologia. No entanto, embora teóricos importantes como Hegel (HEGEL, 1993),
Schopenhauer (SCHOPENHAUER, 1910) e Bloch (BLOCH, 1986) tenham abordado o
fenômeno sonoro nos seus estudos sobre a estética, o mesmo não incide no design – a atenção
à prática de projetação de sons tem sido eclipsada pelo design visual.
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A Metaprojetação no Design Sonoro
Som é igualmente parte do mundo natural, e em alguns casos mais ubíquo do que as
imagens. Por exemplo, enquanto se configura possível o controle em relação aos estímulos
visuais – fechando os olhos ou redirecionando o olhar – não existe facilidade similar para a
audição. Não podemos, então, escolher entre os sons que nos atingem em contextos sociais.
Em comparação aos fenômenos visuais, a possibilidade de “objetificar” o som
aconteceu recentemente, com as inovações do final do século XIX associadas à indústria
fonográfica. Não existia antecedentes para a gravação e reprodução do som. Contudo, a área
progrediu rapidamente, acompanhando a indústria do cinema, da publicidade e, em alguns
casos, integrando a projetação de produtos e serviços. Uma série de setores para a projetação
do som têm emergido para apoiar as artes visuais, e, menos freqüentemente, para o design de
bens de consumo e serviços. Também existem pesquisas acadêmicas que buscam desenvolver
o estudo do som independente dos fenômenos visuais. Schafer descreve o acoustic design, um
estudo interdisciplinar da paisagem sonora e dos objetos sonoros ali presentes (SCHAFER,
1977, p. 4).
A grande parte da base teórica para a projetação do som associada a contextos
mercadológicos é acadêmica – sonification e auditory display, por exemplo, são utilizadas na
representação sonora de informações. Também, conceitos de earcon e auditory icon são
utilizados para descrever representações de fenômenos específicos. Mas, dentre esses estudos,
um destaque pode ser encontrado no âmbito do Sonic Interaction Design (SID) , que pode ser
definido como:
“ [...] a prática e a pesquisa sobre qualquer dos vários papéis que o som pode
desempenhar no ciclo de interação entre usuários e artefatos, serviços, ou ambientes, em
aplicações que abrangem a funcionalidade crítica de um alarme, à significância artística de
uma criação musical” (Rocchesso, Serafin, et al., 2008, p. 3969).
A fundamentação teórica do design sonoro existe como resultado de uma relação com
disciplinas de design, artes e ciências. Áreas como o design visual, a música eletroacústica e a
antropologia contribuem para seu desenvolvimento. Da mesma forma, podemos observar a
aplicabilidade dos conceitos do design tradicional para o som. Por exemplo, na teoria da
semiótica elucidam-se as funções indiciais, simbólicas e icônicas dos objetos sonoros. Assim,
através de processos de associação e significação, o som atribui sentido ao mundo objetivo.
Franinovic e Visell, apontam para abordagem da escola alemã Bauhaus, que descrevia
“elementos abstratos em relação a seus atributos dinâmicos” (2008, p. 2). Os autores
oferecem, então, mais esclarecimento sobre a natureza da abordagem de SID:
Similarmente, o som no cotidiano é criado através da interação física que pode ser
prontamente descrita nesses termos: o som de água sendo despejado, o som de
caminhar, de cortar, teclar, e assim em diante (FRANINOVIC e VISELL, 2008, p.
2).
O som pode resultar em interpretações relacionadas a objetos, caracterizando seus
atributos dinâmicos. Também, pode ser associado a ações suprindo significado às interações
desenvolvidas através do uso.
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Anterior ao SID, a prática do sound design já existe desde a introdução do fonógrafo,
como componente das produções visuais e para a realização de sonoplastia. Define-se o sound
design como a alteração intencional das características do som pelo projetista. Essa definição
contrasta com o conceito de distorção sonora, ou a alteração não-intencional no som
transmitido que ocorre como resultado da redução de fidelidade em sistemas de mediação.
A manipulação do som acontece de forma mediada – não projetamos fenômenos
acústicos ou psicoacústicos através da interação direta com o meio de propagação. Por isso,
uma variedade de ferramentas é utilizada para a produção sonora, como instrumentos
acústicos, elétricos e eletrônicos. Hoje, esse trabalho freqüentemente é realizado com o
auxilio de sistemas informatizados.
É evidente que a projetação de som faz uso de inúmeras abordagens e ferramentas. Esse
artigo não propõe explorar a abrangência da área, e sim propor sua legitimidade como
dimensão sine qua non para o design. Com esse objetivo, apresentamos a seguir uma
correlação entre instrumentos de metaprojetação utilizados pelo design e pelo SID. Sendo o
objetivo principal desse artigo observar como os recursos sonoros podem participar como
ferramentas de auxílio a etapa metaprojetual, é importante um olhar mais detalhado sobre
alguns recursos já consolidados desse processo.
A etapa Metaprojetual e a Pesquisa blue sky
A metaprojetação, conforme comentado anteriormente, representa uma etapa de
contextualização do projeto que orienta os processos criativos do designer, e é desempenhada
anterior a projetação. Segundo Scaletsky e Parode (2008), integra a dinâmica da projetação
como método de produção de “conceitos, visões e cenários”. Assim, envolve uma variedade
de ferramentas que fortalecem a construção de novos significados para o posterior uso do
designer. A etapa metaprojetual pode ser dividida em dois grande grupos. Por um lado existe
o conjunto de pesquisas que visam identificar e representar o contexto aonde um determinado
projeto estará inserido. Por outro lado, existe um conjunto de pesquisas que visam ampliar o
olhar do projetistas para referências não diretamente ligadas ao problema de projeto mas que
possam, de alguma forma, fornecer respostas inovadoras ao mesmo. Esse conjunto de
pesquisas receberá o nome de Pesquisa Blue Sky. A pesquisa blue sky se destaca pela sua
forte e explicita ligação com a imagem. O que é proposto nesse artigo refere-se a identificar o
som como mais um elemento que possa nela intervir. Idealizada pelos pesquisadores da
Faculdade de Design do Politecnico de Milão e POLI.design, Consorzio del Politecnico di
Milano, utiliza instrumentos como storyboards e brainstorming no desenvolvimento de novos
conceitos relacionados ao repertório referencial do designer.
A construção de pesquisas blue sky poderia ser associada a um processo de busca e
externalização de um conhecimento tácito trazido pelos designers que trabalham sobre um
projeto, decorrente de suas experiências e modelos mentais. (SCALETSKY e PARODE,
2008, p. 2)
Não existe uma “fórmula mágica” para a construção da pesquisa do tipo Blue Sky. Um
aspecto, no entanto, já é bastante aceito: seu caráter essencialmente iconográfico que é
discutido nesse artigo. Mesmo que as imagens contidas em uma pesquisa Blue Sky não
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estabeleçam uma relação direta com o problema de projeto, certamente algum tipo de vinculo
com o mesmo deverá existir. Por esta razão, Cabirio Cautela (CAUTELA, 2007) propõe seja
mantido um vinculo fundamentado na continuidade tecnológica, no ritmo de inovação, na
direção de inovação ou na complementariedade de uso entre o problema de projeto (aonde se
quer chegar ou target) e o elemento fonte de referência, as imagens. Para o professor Flaviano
Celaschi (Scaletsky, XXXX) as imagens que compõem uma pesquisa Blue Sky partem da
identificação de uma super constante que possa ser associada ao projeto. Super constante seria
um tipo ou padrão comportamental que se repete ao longo da história da humanidade e que
seria revestida diferentemente de acordo com sua época. Exemplos de super constante seriam
a permanente busca do homem pela liberdade e, ao mesmo tempo, sua necessidade de
segurança. Outro exemplo seria a relação entre o indivíduo e o coletivo ou mesmo entre o
mundo natural e o mundo artificial. O homem como um ser que altera a natureza e ao mesmo
tempo busca, eticamente, preservá-la. Caberia ao designer, segundo Celaschi, a tarefa de
identificar qual a super constante que melhor se adequaria a projeto de design que busca
resolver e, a partir dessa definição, buscar as imagens que melhor a representam na
contemporaneidade.
A questão que estamos procurando refletir, nesse momento, refere-se como sons, e não
somente imagens, podem participar desse tipo de organização de referências ao projeto de
design? Essa pesquisa parte do pressuposto de que designers também disponibilizam de um
conhecimento tácito relacionado ao som. Se a pesquisa Blue Sky produz representações
mentais orientadas para a solução de problemas de design, então, conseqüentemente,
manifestações sonoras são igualmente pertinentes como output do processo.
Durante a prática da pesquisa Blue Sky em um contexto que utiliza o som para
concretizar conceitos, uma diferença distinta que se apresenta tange a forma dessa concreção.
Diversas possibilidades existem. Para a tangibilização de conceitos sonoros, podemos
considerar as sugestões oferecidas por Pirhonnen e Murphy (2008), em que apontam para o
uso de ferramentas para testar idéias sonoras – instrumentos acústicos percussivos de fácil
utilização. Franinovic, Hug e Visell também apontam para objetos de simples manuseio,
como sinos, chocalhos, peças de bicicleta e hardware de computador (FRANINOVIC, HUG e
VISELL, 2007, p. 338).
A importância do uso de síntese sonora – as tecnologias que possibilitam a criação de
sons em plataformas informatizadas – para a tangibilização sonora é apontada por uma
variedade de autores que estudam a projetação de sons (FRANINOVIC, HUG e VISELL,
2007; FRANINOVIC e VISELL, 2008; ROCCHESSO, SERAFIN, et al., 2008; PIRHONEN
e MURPHY, 2008). A utilização dessa ferramenta possibilita criar sons novos, ou emulações
de sons existentes, através da manipulação de parâmetros constitutivos sonoros, como altura,
duração, intensidade e timbre.
Conclusões
Muitas técnicas atualmente utilizadas pelo design tradicional exploram a criatividade do
designer através da imagem – esse é o caso de técnicas como storyboard e brainstorming, e da
pesquisa blue sky, apresentados aqui. Contudo, constata-se no mundo da vida e na
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subjetividade, a relevância do papel desempenhado pelo som e das experiências sonoras
associadas aos objetos projetados. Essa situação apresenta inúmeras possibilidades para a
pesquisa acadêmica.
Para que a projetação sonora tenha mais representatividade dentro do estudo e da prática
do design tradicional, e para que o designer contemple a projetação de objetos sonoros com
mais freqüência, acredita-se na importância de desenvolver um pensamento sonoro.
Tradicionalmente, atividades metaprojetuais buscam tangibilizar as idéias do designer através
de processos visuais. Exercitar as habilidades sonoras do projetista não apenas proporciona
insight sobre as características sonoras dos produtos e serviços, mas desenvolve capacidades
naturais de pensar sobre essas características.
As técnicas apresentadas nesse artigo representam apenas uma amostra das práticas de
metaprojetação desempenhadas em áreas como SID. Práticas da teoria da música
eletroacústica, como soundwalking e audição analítica, são particularmente úteis para a
educação sonora do designer, e já são usados. Através de exercícios como esses, o
pensamento projetual evolui em sua relação com o som, podendo também contribuir para a
metaprojetação de produtos visuais. Assim, estaria desempenhando uma de suas funções
fundamentais da metaprojetação, sustentando o design através do desenvolvimento de
capacidades criativas.
A área acadêmica da projetação sonora encontra-se em uma fase de construção. Esse
processo formativo valoriza as inúmeras colaborações de áreas do som, da música e do
design. Configura-se uma rara oportunidade em um momento formativo para contribuir com
uma disciplina destinada a integrar-se como componente importante do design tradicional.
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