UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS (ICSA)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA
RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:
permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal,
em Curuçá/PA.
Belém, 2008
2
MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA
RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:
permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal,
em Curuçá/PA.
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Serviço Social, da Universidade
Federal do Pará, como requisito para a obtenção do
Grau de Mestre em Serviço Social, sob a orientação
dos professores Drs. Ariberto Venturini (UFPa) e
Lourdes Gonçalves Furtado (MPEG)
Belém, 2008
3
Sousa, Maria Alice Martins
Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande: permanência e mudança no
trabalho do pescador artesanal em Curuçá-PA / Maria Alice Martins de
Sousa. – Belém, 2008.
60 f. : il.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-Graduação em Serviço Social –
Universidade Federal do Pará, 2008.
Orientador, Ariberto Venturini; Co-Orientador, Lourdes Gonçalves
Furtado.
1. Pesca na Amazônia – permanência e mudança. 2. Comunidades
pesqueiras - Patrimônio ambiental. 3. Reserva Extrativista Marinha "Mãe
Grande", Curuçá (PA). I. Venturini, Ariberto. II. Furtado, Lourdes
Gonçalves. III. Titulo.
4
MARIA ALICE MARTINS DE SOUSA
RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:
permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal,
em Curuçá/PA.
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação
em
Serviço
Social,
da
Universidade Federal do Pará, como requisito
para a obtenção do Grau de Mestre em
Serviço Social, sob a orientação dos
professores Drs. Ariberto Venturini (UFPa) e
Lourdes Gonçalves Furtado (MPEG)
Data de Aprovação: ______/______/______
Banca Examinadora:
__________________________________
Ariberto Venturini , D. Sc.
Orientador
Doutor em Serviço Social
__________________________________
Lourdes Gonçalves Furtado, D.Sc.
Co-Orientadora
Doutorado em Antropologia – USP
Pesquisador MCT/MPEG/CCH - PPGCS
__________________________________
Nádia do Socorro Fialho Nascimento, D.Sc.
Examinador Interno
Doutor em Serviço Social
5
Aos meus pais, Albano e Célia Sousa, com profunda gratidão e amor.
Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos, pela compreensão e paciência.
Aos meus amores
Eduardo Souza e Matheus Sousa, esposo e filho, com infinita gratidão, amor, ternura
e felicidade.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, que em sua infinita bondade e misericórdia, permitiu-me o dom da vida e
através dele o conhecimento e as possibilidades de pô-lo em prática em prol de um
mundo melhor.
Ao Messias Meishu-Sama, que através do Johrei e de seus ensinamentos
pragmáticos, tem me ensinado a vencer obstáculos e a compreender que tudo tem
um significado e uma essência, e que através do nosso sonen
(razão+sentimento+vontade) e da persistência é possível mudar o rumo de nossa
vida.
Aos meus antepassados, que representam as raízes de minha existência e para os
quais dedico minhas orações e ações. Eterna gratidão!
Aos meus pais, Albano e Célia Sousa, que com amor, dedicação e incentivo me
permitiram trilhar o caminho que hoje percorro. Eterna gratidão!
Aos meus irmãos, Fernando, Geraldo e Albano Jr. e cunhadas, Lucilene e Mônica
pelo apoio e paciência em aturar as rabugices. Muito Obrigada!
Ao meu filho Matheus Sousa, meu presente de Deus, que sempre me apoiou e
incentivou apesar de sentir minha falta e reclamar por isso. Te amo!
Ao meu esposo Eduardo Souza, uma pessoa maravilhosa que Deus colocou em
minha vida e que tem sido meu companheiro de todas as horas, me apoiando e
incentivando a lutar por uma vida melhor. Te amo muito!
Ao meu orientador Ariberto Venturini, que desde a graduação acompanha minha
trajetória e que tem sido um grande amigo em mais esta etapa de minha vida.
Eterna gratidão!
À minha co-orientadora e amiga Dra. Lourdes Furtado que com muita paciência e
atenção vem acompanhando minha trajetória acadêmica nestes oito anos em que
trabalhamos juntas no Projeto RENAS, no qual é coordenadora, e que tem me
apoiado e incentivado a superar os limites, com garra e disciplina. Meu carinho e
gratidão eternos!
Ao Projeto Populações Tradicionais Haliêuticas-Impactos Antrópicos, Uso e Gestão
da Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da Amazônia Brasileira
(RENAS), desenvolvido da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense
Emilio Goeldi, na pessoa da sua coordenadora e co-orientadora deste trabalho,
Lourdes Gonçalves Furtado, pelo acolhimento e apoio recebidos em todas as etapas
da pesquisa. Muito obrigada!
Aos pescadores da comunidade de São João do Abade, pela disponibilidade e
atenção durante a pesquisa de campo. Muitíssimo obrigada!
7
Aos moradores da comunidade de São João do Abade, por terem permitido a
realização desta pesquisa. Muito obrigada!
À presidente da Colônia de Pescadores Z-5, de Curuçá, Maria do Rosário, pela
atenção e informação dispensadas durante a entrevista. Muitíssimo obrigada!
Aos amigos do Museu Goeldi e mais especificamente da Coordenação de Ciências
Humanas pelas contribuições e aprendizado ao longo de minha vida acadêmica.
Obrigada!
Aos amigos do Projeto RENAS, Adriana de Aviz, Elida Moura Figueiredo, Ivete
Nascimento, Graça Santana, Isolda Maciel, Helena Doris, Maria José Oliveira que
com paciência e carinho sempre me guiaram e contribuíram com seus
conhecimentos para minha formação e informação como pessoa e como
profissional. Minha eterna gratidão!
À amiga Denize Adrião, pelas dicas durante nossas conversas informais, as quais
foram de extrema importância para o desenvolvimento deste trabalho. Muitíssimo
obrigada!
A Igreja Messiânica Mundial, na pessoa do Rev. Isaac Ezagüi, ministros e
professores de Ikebana, pela amizade e pelas orientações que me permitem sempre
reflexões mais profundas sobre minha missão e sobre a necessidade que tenho em
melhorar cada vez mais minha condição de ser e através disso ser mais útil às
pessoas. Eterna gratidão.
À Ministra Graça Barata (in memoria) que durante suas orientações sempre me
ajudou a refletir e a buscar uma vida melhor. Sei que mesmo estando no mundo
espiritual continuará torcendo por minha felicidade e pela felicidade de todos aqueles
que estiveram por muito tempo em seu convívio. Eterna gratidão!
Ao Ministro Gimberlândio Oliveira (Gil) pelas maravilhosas orientações, sempre
alicerçadas no carinho, na amizade e na paciência. Orientações estas que têm
contribuído para a superação de meus limites e da persistência frente aos
obstáculos. Muitíssimo obrigada!
À afilhada e madrinha Socorro Velasco, que sempre me ajudou e tem ajudado de
todas as formas possíveis e imagináveis desde que nos conhecemos. Um super
beijo e eterna gratidão!
À amiga Juliana da Silva Cruz, que me viu nascer e crescer e que sempre me
apoiou e me ajudou nos momentos difíceis que passei. Eterna gratidão!
Aos amigos do Johrei Center Umarizal, pelas contribuições em orações, palavras e
gestos. Muito obrigada!
Aos amigos em geral que contribuíram direta e indiretamente para a realização
deste trabalho. Muito obrigada!
8
“O
trabalho
é,
portanto,
inseparável
do
conhecimento, de idéias e concepções de mundo,
isto é, de formas de pensar a vida real. O ser que
trabalha constrói para si, através de sua atividade,
modos de agir de pensar, ou seja, uma maneira
especificamente humana de se relacionar com as
circunstâncias objetivamente existentes, delas se
apropriando tendo em vista a consecução de fins
propostos pelo sujeito na criação de objetos
capazes de desempenhar funções sociais, fazendo
nascer valores de uso”.
LUKÁCS
9
RESUMO
Este estudo insere-se no Projeto Populações Tradicionais Haliêuticas – impactos
antrópicos, uso e gestão da biodiversidade em comunidades ribeirinhas e costeiras
da Amazônia – RENAS Fase III, em seu Componente Número 1 que trata do estudo
sobre patrimônios, usos, mudanças e manejo alternativo de conflitos na pesca, na
região costeira do Pará. O objetivo deste estudo é identificar fatores de mudança e
formas de preservação no contexto do espaço produtivo das populações pesqueiras
tomando por base a comunidade de São João do Abade, no município de Curuçá.
Na referida comunidade, procuramos pontuar as situações relacionadas às questões
que envolvem o trabalho do pescador artesanal, da Zona Costeira do Estado do
Pará. Para isso, tomou-se como fator interveniente a criação da Reserva Extrativista
Marinha Mãe Grande, Unidade de Conservação do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC) que a priori propõe garantir a sustentabilidade ambiental
para uso das comunidades humanas. O que significa dizer que propõe a
reapropriação de uso e a re-organização de espaços utilizáveis pelas comunidades
locais, à medida que estabelece concretamente limites territoriais, incluindo o critério
de extrativismo marinho. A revisão bibliográfica e documental utilizada para esta
pesquisa foi realizada no Acervo Documental do Projeto RENAS, na Biblioteca do
Museu Goeldi, em arquivos públicos, em Universidades, IBGE, IBAMA, SECTAM.
Os dados coletados tiveram por base a observação direta, que nos possibilitou uma
proximidade maior com os sujeitos da pesquisa e nos permitiu as ações dos
mesmos em seu contexto natural (CHIZZOTTI, 2000); as entrevistas tiveram
inicialmente um caráter aberto e não estruturado, para obtenção de informações
preliminares, o que nos possibilitou uma maior flexibilidade de diálogo com os
sujeitos do estudo (MELLO, 1995). Os registros fotográficos, também utilizados
neste estudo, serviram como um aporte para a captação das nuances envolvidas
nas falas dos sujeitos, bem como para a visualização das questões abordadas
durante o trabalho de campo.
Palavras-Chave: Pesca na Amazônia – Permanência e Mudança; Comunidades
pesqueiras - Patrimônio ambiental; Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande,
Curuçá (PA)
10
ABSTRACT
This study one inserts in the Project Traditional Populations Haliêuticas - antrópicos
impacts, use and management of biodiversity in marginal and coastal communities of
the Amazônia - RENAS Phase III, in its Component Number 1 that it deals with the
study on patrimonies, uses, changes and alternative handling of conflicts in fishes, in
the coastal region of Pará. The objective of this study is to identify change factors
and forms of preservation in the context of the productive space of the fishing
populations taking for base the community of Are João of Abbot, in the city of
Curuçá. In the related community, we look for to pontuar the situations related to the
questions that involve the work of the artisan fisherman, of the Coastal Zone of the
State of Pará. For this, the creation of Sea the Extrativista Reserve was overcome as
intervening factor Great Mother, Unit of Conservation of the National System of Units
of Conservação (SNUC) that a priori it considers to guarantee the ambient support
for use of the communities human beings. What it means to say that considers the
reapropriação of use and the reorganization of usable spaces for the local
communities, to the measure that establishes territorial limits concretely, including the
criterion of marine extrativismo. Used documentary the bibliographical revision and
for this research was carried through in the Documentary Quantity of Project RENAS,
in the Library of the Goeldi Museum, in public archives, in University, IBGE, IBAMA,
SECTAM. The collected data had had for base the direct comment, that in them
made possible a bigger proximity with the citizens of the research and in it allowed
the actions them of the same ones in its natural context (CHIZZOTTI, 2000); the
interviews had had initially an open and not structuralized character, for attainment of
preliminary information, what in them it made possible a bigger flexibility of dialogue
with the citizens of the study (MELLO, 1995). The photographic registers, also used
in this study, had served as one arrives in port for the captation of nuances involved
says in them of the citizens, as well as for the visualization of the boarded questions
during the field work.
Key-Words: It fishes in the Amazônia - Permanence and Change; Fishing
communities - ambient Patrimony; Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá
(PA)
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 01: Mapa do Litoral do Estado do Pará..................................................p.27
FIGURA 02: Mapa do Município de Curuçá mostrando Ilhas, rios e
furos......................................................................................................................p.31
FIGURA 03: Croqui da comunidade do Abade, Curuçá-PA.................................p34
FIGURA 04: Delimitação da área da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande,
Curuçá-PA............................................................................................................p.51
FIGURA 05: Manguezal. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de CuruçáPA........................................................................................................................p.54
FIGURA 06: Soterramento do Manguezal e aumento da praia. Praia da Romana, Ilha
dos Guarás, município de Curuçá-PA.................................................................p.54
FIGURAS 07 e 08: Restinga. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de
Curuçá-PA...........................................................................................................p.55
FIGURA 9: Representação esquemática da cadeia produtiva da pesca no Nordeste
Paraense.............................................................................................................p.69
FIGURAS 10,11 e 12: Caminhões-baú nos Portos do Mercado e do jenipapo
aguardando carregamento de peixe para ser levado aos estados do Ceará e do
Maranhão............................................................................................................p.78
FIGURAS 13 e 14: Trecho da PA-136 que liga a sede municipal ao Distrito de São
João do Abade....................................................................................................p.79
FIGURAS 15 e 16: Mercado Municipal antigo e Mercado Municipal novo.........p.80
FIGURA 17: Empresa CAMPASA.......................................................................p.80
FIGURAS 18 e 19: Embarcações no trapiche do Porto do Jenipapo.................p.81
FIGURAS 20 e 21: Bairro Bragantino: área de Mangue ocupada por famílias de
pescadores oriundos do município de Bragança................................................p.83
FIGURA 22: Lixão depositado no mangue. Ausência de coleta seletiva............p.84
FIGURAS 23 e 24: Casas de Alvenaria, entregues as famílias do Abade pelo
AUREMAG, através do Programa de Assentamento do INCRA.........................p.84
FIGURAS 25 e 26: Desenhos do Porto “Terminal do Espadarte” divulgado pela
CDP...................................................................................................................p.89
12
LISTA DE SIGLAS
ALFACIÊNCIA
Experimentação Científico-Pedagógica: construção do Saber
sob a Ótica da Alfabetização Científica
AT
Apoio Técnico
AUREMAG Associação de Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande
CAMPASA Indústria de Processamento de Camarão
CCH
Coordenação de Ciências Humanas
CD
Conselho Deliberativo
CDP
Companhia das Docas do Pará
CONAMA
Conselho Nacional de Meio Ambiente
CP
Colônia de Pescadores
DST
Doenças Sexualmente Transmissíveis
EMATER
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará
FLONA
Floresta Nacional
IBAMA
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMCB
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INL
Instituto Nacional do Livro
MADAM
Mangrove Dynamics and Management
MCT
Ministério de Ciência e Tecnologia
MEGAM
Estudos do Processo de Mudança do Estuário Amazônico pela Ação
Antrópica e Gerenciamento Ambiental
MMA
Ministério do Meio Ambiente
MPEG
Museu Paraense Emilio Goeldi
ONG
Organização Não Governamental
PEC
Programa de Estudos Costeiros
PND
Plano Nacional de Desenvolvimento
PNOPG
Programa Norte de Pós-Graduação
RENAS
Populações Tradicionais Haliêuticas – Impactos Antrópicos, Uso e
Gestão da Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da
Amazônia Brasileira.
RESEX
Reserva Extrativista
REMs
Reservas Extrativistas Marinhas
SECULT
Secretaria de Estado de Cultura
SEMA
Secretaria Especial de Meio Ambiente
SIF
Serviço de Inspeção Federal
SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC
Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDAM
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
UC
Unidades de Conservação
UFPA
Universidade Federal do Pará
UICN
União Internacional para a Conservação da Natureza
UIPN
União Internacional para a Preservação da Natureza
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
13
LISTA DE TABELAS
TABELA 01: Categorias de Unidades de Conservação da Natureza...............p.45
TABELA 02: Reservas Extrativistas no Brasil...................................................p.47
TABELA 03: Dados das Reservas Extrativistas Marinhas do Litoral Paraense
Ibama/CNPT/PA/GEREX I................................................................................p.50
TABELA 04: Seqüência Cronológica do Povoamento Pré-Histórico da Amazônia,
segundo Simões, 1982.....................................................................................p.63
TABELA 05: Seqüência Cronológica do povoamento pré-histórico da Amazônia,
segundo Roosevelt, 1992.................................................................................p.64
TABELA 06 – Diversificação de espécies capturadas na pesca paraense......p.66
14
SUMARIO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................................
15
1.1
INTERESSE PELO ESTUDO.................................................................
15
1.2
O PROBLEMA DA PESQUISA............................................................... 17
1.3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................
2.
O CENÁRIO REGIONAL........................................................................ 24
2.1
A REGIÃO..............................................................................................
24
2.2
ÁREA DE ESTUDO................................................................................
26
20
2.2.1 O município de Curuçá......................................................................... 26
2.2.2 O Distrito de São João do Abade........................................................
3.
A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS EM UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO........................................................................
3.1
UMA SÍNTESE HISTÓRICA...................................................................
3.2
O
SURGIMENTO
DOS
PRIMEIROS
PARQUES
PÚBLICOS..............................................................................................
3.3
3.4
A MUNDIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO E
CONSERVAÇÃO....................................................................................
A IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
NO BRASIL.............................................................................................
AS
UNIDADES
DE
CONSERVAÇÃO
NA
REGIÃO
AMAZÔNICA..........................................................................................
3.6 RESERVAS EXTRATIVISTAS...............................................................
3.6.1 Reservas Extrativistas Marinhas........................................................
4.
A
RESERVA
EXTRATIVISTA
MARINHA
MÃE
GRANDE................................................................................................
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA..............................................................
4.2 A PESCA NA RESEX MÃE GRANDE....................................................
4.3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA ESTUARINA............................
4.4 A PESCA E SUA COMERCIALIZAÇÃO.................................................
4.4.1 O trabalho na pesca.............................................................................
4.5 A COMUNIDADE DO ABADE, HOJE.....................................................
4.6 OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS E SEUS REFLEXOS NA
COMUNIDADE DO ABADE...................................................................
34
37
37
38
39
41
3.5
5.
43
46
49
51
51
57
61
66
71
77
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................
94
REFERÊNCIAS
97
15
1
INTRODUÇÃO
1.1
INTERESSE PELO ESTUDO
Nosso interesse pelo estudo de populações pesqueiras surgiu quando
bolsista de Apoio Técnico (AT) do Programa Norte de Pós-Graduação (PNOPG), no
Museu Paraense Emílio Goeldi, (MPEG) no âmbito do Projeto Recursos Naturais de
Populações Haliêuticas - RENAS1.
O referido Projeto desenvolve atividades de pesquisa, repasse e difusão junto
às comunidades pesqueiras do litoral amazônico, águas interiores e estuário, desde
o final da década de 1960 como desdobramento dos projetos Marapanim, Quatipuru
e Marajó além de formar parcerias com outros programas: MADAM, MEGAM, PEC e
ALFACIÊNCIA, originando um acervo escrito, fotográfico e videográfico significativo
do ponto de vista informacional e sócio-cultural para a preservação da memória da
região e do segmento de pescadores amazônicos.
Enquanto projeto pluridisciplinar, integrado, de pesquisa/ação, o RENAS,
através da produção do conhecimento visa à interação homem/meio ambiente
ressaltando importância do conhecimento local na minimização dos conflitos e
impactos sócio-ambiental, bem como subsidiar a capacidade das comunidades
ribeirinhas, costeiras e estuarinas em aprimorar, definir, desenvolver e implantar
estratégias de gestão de recursos naturais e territórios em áreas pesqueiras, de
modo durável.
Um ponto importante que despertou nosso interesse e nos instigou a fazer
esta pesquisa intitulada RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA MÃE GRANDE:
1
Primeira Fase – Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e
Estuarinas da Amazônia: estudo sobre as relações do homem com seu meio ambiente; Segunda
Fase – Recursos Naturais e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas –
organização social, desenvolvimento e sustentabilidade em comunidades pesqueiras na Amazônia;
Terceira Fase (atual) - Populações Tradicionais Haliêuticas – Impactos Antrópicos, Uso e Gestão da
Biodiversidade em Comunidades Ribeirinhas e Costeiras da Amazônia Brasileira – RENAS. Durante
sua trajetória, foi viabilizado por diferentes fontes de financiamento, como: IDRC/CRDI-Canada
(primeira e segunda fases), Governo do Estado do Pará/SECTAM, FINEP – CNPq/PNOPG (segunda
fase), PPD/PPG7 e SETEPS.
16
permanência e mudança no trabalho do pescador artesanal na comunidade de
Curuçá/PA foi a oportunidade em acompanhar os pesquisadores e tecnologistas,
componentes do Grupo de Pesquisa RENAS, às atividades de difusão,
primeiramente, na comunidade piloto – a vila de Marudá – município de Marapanim,
e mais recentemente no município de Curuçá, ambas situadas na Microrregião
Homogênea do Salgado, no Nordeste Paraense. Através das ações demandadas
pelas comunidades pesquisadas pudemos observar in loco os problemas
enfrentados pelos pescadores, principalmente no que se refere à sua re-organização
sócio-econômica frente aos reflexos da modernização e das especificidades
ecológicas da região. O trabalho que desenvolvem enquanto pequenos produtores
da pesca, vinculados em maior ou menor escala a um sistema de mercado mundial,
remete-os a um fluxo contínuo de mudanças e reconfigurações em seus espaços
produtivos, que de alguma forma são por eles identificados e delimitados como
“fatias” produtivas do mar. Nesses espaços os pescadores estão sujeitos aos
impactos,
ocasionados
em
sua
maioria
por
ações
governamentais
que
paralelamente aos interesses da sociedade civil pouco se voltam à análise e
compreensão dos saberes nativos.
É nesse contexto que se inserem os resultados da pesquisa em que nos
propusemos pontuar as situações relacionadas às questões que envolvem o
trabalho do pescador artesanal, no município de Curuçá, especificamente na
comunidade do Abade, Zona Costeira do Pará. Para isso, tomou-se como fator
interveniente a criação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Unidade de
Conservação da categoria de Uso Sustentável do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) que a priori propõe garantir a sustentabilidade ambiental para
uso das comunidades humanas. O que significa dizer que propõe a reapropriação de
uso e a re-organização de espaços utilizáveis pelas comunidades locais, à medida
que estabelece concretamente limites territoriais, incluindo o critério de extrativismo
marinho. Ora, isso certamente acentua mudanças que poderão favorecer os
comunitários na sua reprodução sócio-cultural e a gestão pública de recursos
marinhos em áreas costeiras. Uma via de mão dupla para se encontrar alternativa
na fronteira uso de recursos/desenvolvimento, neste novo século.
17
Diante da grande importância que a pesca e a coleta de crustáceos e
moluscos tem para a região amazônica, busquei com esse estudo identificar os
impactos mais recorrentes sobre o trabalho dos pescadores de São João do Abade
e compreender qual a percepção dos pescadores sobre a criação da RESEX e seu
significado para o setor pesqueiro da região, como forma de compreender o universo
mais amplo em que se incluem os valores atribuídos pelos pescadores sobre suas
práticas, o que pensam para o futuro enquanto categoria, agora que estão inseridos
em uma RESEX. Além disso, busquei identificar o nível de participação do pescador,
enquanto categoria, no processo de criação e gestão da RESEX, uma vez que os
saberes nativos são pouco considerados, como contributivos na implementação de
políticas.
A realização deste estudo, particularmente, nos oportuniza uma somatória de
esforços que, em conjunto com outros trabalhos já realizados no âmbito da atividade
pesqueira poderá servir como contributivo à efetivação de novas discussões apenas
aqui iniciadas, visto que, em se tratando de região amazônica, há sempre
descobertas a serem feitas e lacunas a serem preenchidas principalmente no que se
refere a realidade que envolve as populações pesqueiras artesanais.
1.2
O PROBLEMA DA PESQUISA
Durante as três últimas décadas do século XX, os debates em torno da
questão ambiental, em nível global, se acirraram em busca de soluções e/ou
respostas que minimizassem o avanço da degradação ambiental, a qual
compromete a qualidade de vida da sociedade, uma vez que reduz os fluxos de
bens e serviços que a natureza pode oferecer à humanidade.
Na região Amazônica, um dos principais cenários de disputa por recursos
naturais em termos mundiais, grandes mudanças vêm ocorrendo desde a década de
1970, resultantes da aplicação de ações políticas desenvolvimentistas, tanto
econômicas quanto sociais que desconsideraram os povos tradicionais que aqui
viviam, violando o seu patrimônio cultural e genético, incentivando a grande
18
propriedade, o desmatamento, o extermínio de povos indígenas e a extinção de
riquezas naturais (CASTRO, 2004).
Como
reflexo
destas
transformações,
danos
ambientais
e
sociais
incalculáveis são sentidos pelas populações tradicionais2, que pela escassez dos
recursos naturais buscam formas alternativas de sobrevivência, em sua maioria
distantes de seu habitat, contribuindo para a intensificação do processo migratório3
rumo aos centros urbanos, agravando ainda mais os problemas sociais existentes
nestes centros, como: a violência, ausência de moradia e de saneamento básico,
etc. (CASTRO, 2004).
Estas questões, de forma particular, estão relacionadas às populações
ribeirinhas, especialmente as pesqueiras que, ao longo deste processo, foram
afetadas pelo comprometimento de sua qualidade de vida material e social, onde a
falta de emprego, a educação e saúde precárias, além da ausência de apoio, no que
se refere à organização social do pescador4 no desenvolvimento de suas atividades
diárias contribuem para o desestímulo em torno da preservação de seus hábitos
tradicionais (FURTADO, 1987).
Como tentativa para solucionar os problemas resultantes do desequilíbrio
ambiental, a proposta de criação de Reservas Extrativistas – RESEX, adquire
especial relevância, a partir da década de 1980, na Amazônia com a organização do
movimento dos seringueiros, no Acre, cujos objetivos demandados deram início à
modificações importantes na legislação ambiental e à criação do Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como órgão
executor da política ambiental.
2
Expressão aqui entendida “como geradora da noção de simplicidade tecnológica, que remete para
procedimentos e comportamentos em que as relações comunitárias tendem a se sobrepor às
societárias, nas quais a modernidade vai assumindo aos poucos o lugar de tendências mais
tradicionais à medida que escolhem seus substantivos para suas tradições” (FURTADO & FORLINE,
2002 p. 30)
3
Ver os trabalhos de: LIMA, Marta Goreth Marinho. Estratégias de sobrevivência de famílias de
pescadores migrantes num centro urbano da Amazônia: um estudo de caso. Projeto RENAS, Belém,
1996; POTIGUAR JR, Petrônio Lauro Teixeira. Um exercício etnográfico sobre a migração de
pescadores no nordeste do Pará. Projeto RENAS, Belém, 1996.
4
A organização social característica das comunidades tradicionais ribeirinhas, especificamente as
pesqueiras, baseavam-se no predomínio das atividades masculinas, que nos últimos anos vem se
modificando, principalmente no agir e no pensar coletivo, onde a mulher no contexto da organização
social pesqueira, passa a desenvolver atividades antes exercidas pelo universo masculino.
(MANESCHY, 1995)
19
As Reservas Extrativistas se configuram como desdobramento da Ação
Pública que teve início nos anos de 1987, quando projetos de assentamentos
extrativistas foram criados através do Programa Nacional de Reforma Agrária, sob a
responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
como tentativa de resolução de conflitos entre seringueiros autônomos e grupos
antagônicos que, apoiados pelo governo, visavam a implantação de projetos
agropecuários e de madeira na região (CUNHA & COELHO, 2003).
Segundo Allegretti (1994), as Reservas Extrativistas,
[...] são espaços territoriais protegidos pelo poder público, destinados à
exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais
renováveis, por populações com tradição no uso de recursos extrativos,
reguladas por contrato de concessão real de uso, mediante plano de
utilização aprovado pelo órgão responsável pela política ambiental do país.
(ALLEGRETTI, 1994, p.19)
No âmbito das Reservas Extrativistas o conhecimento tradicional que as
populações humanas herdam pela acumulação de saberes de geração a geração ao
longo do tempo, pela oralidade ou mesmo pela participação direta nas experiências
do quotidiano (UETELA, 2006) reforçam o valor da relação dialética que se
estabelece entre homem e natureza alargando o domínio daquele sobre esta, em
constante interação.
Assim, a combinação de desenvolvimento com proteção aos recursos
naturais, proposto pela legislação que cria as Reservas Extrativistas “deve ter como
finalidade a valorização do capital humano para o desenvolvimento, uma vez que
todo o processo depende, por um lado, dos recursos naturais disponíveis e, por
outro, da forma como são utilizados pelo homem” (ISAAC & BARTHEM, 1995,
p.321).
Porém, será que realmente esse “capital humano” é valorizado em se
tratando de desenvolvimento sustentável no âmbito das Unidades de Conservação?
Como estas populações se percebem enquanto habitantes de um espaço que
outrora era regulado apenas pelos limites impostos pelo uso e manejo dos recursos
20
ali dispostos? O que permanece e o que muda no trabalho destas populações? Há
participação efetiva dessas populações no processo de gestão das UC’s?
Diante desse quadro, estudos5 foram realizados no litoral do Nordeste
Paraense, especificamente no município de Curuçá, que atualmente compõem a
Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande e que apontaram problemas sócioeconômicos, ambientais e políticos relevantes ocasionados por diversos fatores
nessa região, tais como a expansão da industrialização de pescado; revitalização
em estrutura e pavimentação da PA 136; a afluência de população migrante de
municípios vizinhos, a criação da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande e, mais
recentemente a construção do Terminal Pesqueiro do Espadarte, que se localizará
na Ilha dos Guarás, na costa norte do município de Curuçá.
Assim, esta proposta se torna relevante uma vez que, pretende, através de
levantamentos
bibliográficos,
pesquisas
e
sistematização
de
informações/conhecimentos gerados anteriormente, e outros ainda em construção,
identificar os impactos da implementação da RESEX Marinha Mãe Grande sobre a
atividade pesqueira no município de Curuçá, particularmente na comunidade de São
João do Abade buscando-se compreender o significado concreto das Unidades de
Conservação de Uso Sustentável na melhoria da qualidade de vida das populações
que nela habitam.
1.3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A definição da área de estudo, do problema e dos objetivos desta pesquisa
foram ações iniciais desenvolvidas à realização da mesma. No entanto, algumas
indagações se fizeram presentes: como trabalhar o tema? Como identificar os
impactos ocasionados pela criação de uma Reserva Extrativista sobre o trabalho do
pescador?
5
FURTADO, L.G et al. Diagnóstico Etno-Ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande – Curuçá, Zona
do Salgado-Pará. Relatório de Pesquisa. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2003a (Inédito); AVIZ, A. A
pesca no Nordeste Paraense: tensões, conflitos e mudanças no município de Curuçá-Pará. Relatório Final de
Pesquisa. Belém: CNPq/MPEG, 2005 (Inédito);
21
Inicialmente buscamos escolher um local, como objeto de estudo que fosse
representativo e que, ao ser analisado, seus resultados contribuíssem para
contextos mais amplos, que no caso remetem-se aos estudos já desenvolvidos pelo
Projeto RENAS/MPEG, no município de Curuçá, onde localiza-se a Reserva
Extrativista Marinha Mãe Grande. A referida Reserva compõe-se de 52 (cinqüenta e
duas) comunidades de acessos diversificados e a escolha pela comunidade de São
João do Abade dependeu de alguns fatores como: a distância de Belém, para
facilitar o acesso e torná-lo mais rápido, ampliando a possibilidade de maior
freqüência à comunidade; a facilidade de acesso à comunidade, uma vez que a área
de abrangência da Reserva Extrativista Mãe Grande é de aproximadamente 37
(trinta e sete) mil hectares e, por se tratar de um entreposto pesqueiro importante
para a região, área de evidente concentração de pescadores.
Após elegermos a comunidade de São João do Abade como área de estudo,
partimos
para
principalmente
o
de
levantamento
trabalhos
já
bibliográfico
e
desenvolvidos
documental
naquela
utilizando-nos,
comunidade
por
pesquisadores e bolsistas do Projeto RENAS e que se encontram disponíveis no
Acervo Documental do referido Projeto. De posse das informações procuramos
destacar
alguns
aspectos
que
consideramos
importantes
na
relação
pescador/ambiente natural: sua organização na busca dos recursos necessários à
sua
sobrevivência;
os
instrumentos
utilizados
por
estes
pescadores
no
desenvolvimento de suas atividades, os impactos mais recorrentes na comunidade
do Abade e no trabalho do pescador, bem como as possíveis ligações desses
impactos com a criação da RESEX Mãe Grande. Além disso, procuramos também
destacar informações históricas sobre a criação e gestão de Reservas Extrativistas e
as questões político-sociais que advém desse processo para as populações
tradicionais amazônicas.
Ao apresentarmos os resultados desta pesquisa, buscamos fazê-lo através da
descrição, e por considerarmos ser esta uma tarefa não tão simples, apenas
destacamos os pontos mais expressivos, à nós perceptíveis, da problemática que
envolve a pesca em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e ambientais no
âmbito da RESEX Marinha Mãe Grande.
22
Em Curuçá, o trabalho de campo foi realizado nos períodos de 14 a 17/
08/2007, 23 a 26/10/2007, 19 a 22/02/2008, 15/04/2008 na comunidade de São João
do Abade onde se concentra a maioria dos pescadores que habitam a RESEX. Ali,
percorremos o bairro Bragantino e a área portuária da comunidade; além disso,
visitamos o bairro Alto, localizado na comunidade de Curuçá, local também de
concentração de pescadores, a Casa do Pescador, que abriga a Associação de
Usuários da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande (AUREMAG), a Colônia de
Pescadores Z-5 e o Pólo da EMATER, localizado em Curuçá - sede.
Os dados coletados tiveram por base a observação direta, que nos
possibilitou uma proximidade maior com os sujeitos da pesquisa e nos permitiu as
ações dos mesmos em seu contexto natural (CHIZZOTTI, 2000); as entrevistas
tiveram inicialmente um caráter aberto e não estruturado, para obtenção de
informações preliminares, o que nos possibilitou uma maior flexibilidade de diálogo
com os sujeitos do estudo (MELLO, 1995). Assim, optamos por conduzir as
entrevistas apenas com uma questão norteadora: “O que mudou no seu trabalho
com a criação da Reserva Extrativista Mãe Grande?”. A partir de uma maior
afinidade com a comunidade, grande parte dos dados foi obtida em conversas
informais com os pescadores e demais sujeitos partícipes da pesquisa. Na maioria
das vezes as entrevistas foram gravadas, porém com permissão prévia dos
entrevistados, respeitando o receio e/ou a inibição dos mesmos. Após o trabalho de
campo, as entrevistas, em sua maioria, foram transcritas e as conversas informais,
não gravadas, escritas em caderno de campo.
A história de vida, outra técnica utilizada nesta pesquisa, nos permitiu captar a
memória e a reflexão dos entrevistados sobre a época vivida em condições sociais
altamente específicas (CHIZZOTTI, 2000). Desta forma, buscou-se entrevistar os
pescadores mais antigos da RESEX tanto os que residem na comunidade do Abade,
quanto os que residem na comunidade de Curuçá, os quais colaboraram de forma
inestimável.
Os registros fotográficos, também utilizados nesta pesquisa, serviram como
um aporte para a captação das nuances envolvidas nas falas dos sujeitos, bem
como para a visualização das questões abordadas durante o trabalho de campo. O
23
objetivo da imagem para a pesquisa científica é superar os limites imediatos ditados
pela paisagem e fornecer “na expressão mais apurada da evidência que transforma
circunstâncias comuns em dados para elaboração de pesquisa” COLLIER (1973, p.
7 apud CAMPOS, 2008 p.34-35) os subsídios necessários à compreensão de
determinada realidade. Além dos registros fotográficos foram utilizados mapas da
região do Nordeste Paraense, do município de Curuçá e das comunidades que a
compõem; mapa do município de Curuçá destacando os limites da RESEX Marinha
Mãe Grande e croqui da comunidade de São João do Abade.
24
2
O CENÁRIO REGIONAL
2.1
A REGIÃO
A descrição das condições naturais do meio envolvente em que alguns
grupos sociais se inserem é de grande relevância à compreensão das formas
culturais de determinada área. Assim, para se compreender a vida dos pescadores
do Nordeste Paraense foi necessário resgatar, na história, as implicações desse
meio natural na vida desse grupo de pescadores do Pará.
A Amazônia é uma região singular tanto do ponto de vista geográfico quanto
do ponto de vista étnico e cultural. Seu território ocupa aproximadamente 3/5 do
território brasileiro, e abriga uma diversidade de ambientes e de espécies icticas já
registradas em seus mananciais.
Com 6 milhões de quilômetros quadrados a Bacia Amazônica é a maior do
planeta. Calcula-se que, anualmente, essa bacia receba 12x1012 metros cúbicos de
água, que descarregue 5,5x1012 e que recicle para atmosfera 6,5x1012. Daí, a
atmosfera sobre a Amazônia conter grande quantidade de vapor d’água, resultantes
respectivamente da evapotranspiração e do Oceano Atlântico, trazida pelos ventos
alísios NIMER (1977 apud FURTADO, 1993).
As características potamográficas6 que essa região apresenta a torna
propícia “[...] tanto, à existência da diversidade biológica disponível ao homem,
quanto às variações ecológicas da prática ou exploração pesqueira nessa região”.
(FURTADO, 1993, p. 266)
Apesar da vastidão e do volume hidrográfico, os recursos, em espécies
vivas contidos nos mananciais da Amazônia não são inesgotáveis, pois sua
perpetuação depende dos métodos de manejo utilizáveis pelos que ali habitam. A
prática e/ou a exploração dos recursos pesqueiros são determinados, em grande
parte, pelos fatores de ordem histórica e pela contribuição cultural que os índios
nativos e, posteriormente, os colonizadores portugueses trouxeram, quando se
6
Parte da geografia que estuda os rios.
25
instalaram nessa região, nos meados do século XVII. Segundo Furtado (1993)
calculava-se que, na Amazônia, viviam milhares de índios aldeados nas florestas,
quando os colonizadores chegaram. Estes índios aproveitavam os recursos oriundos
da floresta e dos rios, igarapés, lagos e das extensas praias de seu litoral.
Naquela época, em 1616, os portugueses tinham com a terra descoberta
interesses de ordem política, econômica e religiosa uma vez que objetivavam
dominá-la para obter os recursos necessários para alimentar sua economia, em
crise, na Europa. Como primeiro ciclo econômico de exploração dos recursos, a
busca por especiarias teve uma grande repercussão na formação da miscigenação
local, pois através do processo de dominação (política de “descimento”) exercido
pelas ordens religiosas sobre os índios nativos, vindas com anuência de Portugal, foi
possível o desenvolvimento de uma população mestiça, no entorno dos fortes e
aldeamentos missionários.
A formação e desenvolvimento das vilas e cidades amazônicas estão
estreitamente ligados a esse período, pois os índios “descidos” de suas aldeias
prestavam serviços aos colonizadores em diversas atividades, inclusive na pesca.
Desde que chegaram, os colonizadores consumiam largamente o pescado e, para
tanto, contavam com a habilidade e com as técnicas bastantes seletivas utilizadas
pelos índios, como: tapagem dos cursos d’água (pequenos rios e igarapés); a
narcotização das águas e dos peixes através da maceração de plantas, como o
timbó; além de arpões, puçás, anzóis com pontas de osso, técnicas típicas do seu
sistema econômico auto-sustentado. O manejo dos ambientes aquáticos pelos
índios garantia a sua subsistência, mas, além da praticidade havia o simbolismo,
que fazia parte de seu sistema cosmológico e que contribuía para a sustentação e
reprodução dos recursos naturais, bem como para o equilíbrio e para a continuidade
do homem e do patrimônio ambiental.
Para Furtado (1993),
À contribuição indígena para o desenvolvimento da pesca, mesclou-se a
dos colonizadores, que nos deixaram como traços o uso da tarrafa, das
redes de malhar, espinhéis e arrastões. Contribuições essas que
perpassam o processo do crescimento populacional das vilas e cidades
amazônicas por séculos, marcando a atividade dos segmentos sociais, que
praticam a pesca. (FURTADO, 1993, p. 279)
26
As técnicas indígenas passaram a ser adotadas pela população mestiça que
crescia e, assim, com os excedentes produzidos aos poucos, com a pesca de
subsistência, voltada única e exclusivamente à alimentação das unidades de
produção e consumo, passou a existir a pesca para comercialização.
Com o crescimento das vilas e cidades em atividades diversificadas, o
consumo do pescado também cresceu e com ele o trabalho exercido por uma
parcela da população rural que habitava as margens dos rios, igarapés, paranás,
lagos e praias litorâneas. Essa população, que além da pesca dividia seu tempo com
a coleta, a caça, o extrativismo, configuram o setor tradicional da pesca e são
denominados de pescadores artesanais.
2.2
ÁREA DE ESTUDO
2.2.1 O município de Curuçá
O município de Curuçá se situa na micro-região homogênea do Salgado (ou
Zona do Salgado, como é mais conhecida), que juntamente com as micro-regiões
Guajarina, Bragantina, Vizeu e Tomé-Açú, compõe o Nordeste Paraense, em uma
área de 105.720 km2 (IBGE, 2007).
A microrregião do Salgado possui esta denominação em razão de seu
território ser banhado em grande parte pelas águas do Oceano Atlântico. Ocupa
uma área de 6.447 Km2, e além do município de Curuçá abrange os municípios de
Colares, Maracanã, Marapanim, Salinópolis, São Caetano de Odivelas, São João de
Pirabas, São João da Ponta e Vigia.
O clima segundo a classificação de Koppen é Amw’, do tipo “florestas
tropicais com chuvas monçônicas de outono”. A temperatura se caracteriza como
elevada. A umidade relativa e as chuvas enfatizam uma estação com maior índice
pluviométrico.
27
FIGURA1 - MAPA DO LITORAL DO ESTADO DO PARÁ
Fonte: IBAMA, 2007. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/Acesso em: 23/08/07
Quanto à vegetação, apresenta inúmeros tipos que se distribuem “em
ambientes como campinas, campos, dunas, restingas, capoeiras, igapós, várzeas e
áreas remanescentes de florestas primárias de terra firme, todas pouco estudadas
sob o ponto de vista botânico” (BASTOS et all., 2001 p.29).
O povoamento da região se deu no sentido norte-sul, e foi feito de dois
modos: espontâneo, devido a influência do sistema de navegação entre as cidades
de Belém, no Estado do Pará e São Luiz, no Estado do Maranhão, e planejado,
devido a implantação da estrada de ferro Belém-Bragança, concluída em 1914, no
período áureo da borracha. Com a implantação dessa ferrovia, a pretensão do
Governo Federal era colonizar as terras praticamente desocupadas da região e
atrair uma grande contingente de mão-de-obra para o trabalho na extração da
borracha, como de fato ocorreu quando da vinda dos nordestinos, os quais
permaneceram atrelados, após o declínio da economia baseada no extrativismo da
28
borracha, as dividas contraídas com os atravessadores durante o período em que a
atividade era intensa. Assim, muitos encontraram no Nordeste Paraense uma
alternativa de trabalho, onde, segundo Furtado (1987),
[...] desenvolveram a agricultura de caráter intensivo, que durante anos
provocou a destruição da cobertura vegetal da região; em lugar dela, surgiu
uma vegetação pobre e raquítica em relação à anterior, representada por
extensas capoeiras que hoje são visualizadas desde a porção mais interior
da região até a costa atlântica. (FURTADO, 1987 p. 32)
Com a implantação da rodovia Belém-Brasília, a abertura de novas frentes
pioneiras para a agricultura intensiva e para o setor terciário da região foram se
tornando cada vez mais expressivos o que possibilitou a formação de setores
dominantes como a pesca e a agricultura que tem um mercado consumidor local e
extra-local para seus produtos, principalmente com os municípios de Belém e
Castanhal, seus principais consumidores.
O Nordeste Paraense conta com uma infra-estrutura em estradas e
comunicações sem precedentes, o que facilita o acesso as transações comerciais,
políticas e sociais entre o estilo de vida urbano e rural.
Nesse contexto destaca-se o município de Curuçá, sua origem está ligada a
presença dos missionários jesuítas na região, durante o século XVII, quando ali
estabeleceram as missões religiosas. Primeiramente, os padres jesuítas ficaram
acampados na localidade hoje conhecida por Abade7, mas como o lugar não lhes
provia de condições básicas de sobrevivência partiram em busca de um lugar
melhor. Às margens do rio Curuçá, os padres jesuítas encontraram uma feitoria de
pesca que primitivamente era a aldeia dos índios tupinambás, denominada Crussá,
onde acabaram por fundar uma fazenda, batizando-a com o mesmo nome do rio,
Fazenda Curuçá (que na língua tupi significa “cruz”), denominação esta que
perdurou até 1755. A fazenda, erguida sob a devoção de Nossa Senhora do
Rosário, posteriormente deu origem à atual cidade de Curuçá.
Em 1755, com a expulsão dos jesuítas, em decorrência da Lei Pombalina, o
Governador e Capitão-General do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça
7
Superior de ordem religiosa. Pároco de certas freguesias.
29
Furtado, elevou a Fazenda Curuçá à categoria de Vila, com o nome de Vila Curuçá,
constituindo, assim, o Município.
A chegada do ato do Conselho de Governo da Província abalou a Vila Nova
d’El Rei, em 26 de abril de 1833. Este ato, segundo o historiador Palma Muniz
(1917) deu uma nova organização municipal ao Pará e extinguiu o município de
Curuçá sendo o território anexado à área patrimonial do município de Vigia. Este fato
desencadeou sérios conflitos entre os seus habitantes, sendo a ordem restabelecida
com a chegada do tenente Boa Ventura Ferreira Bentes.
Em junho de 1833, a Câmara Municipal é extinta e quem a presidia na
ocasião era José Rufino das Neves, o qual pediu ao presidente da Província,
Machado de Oliveira, a revogação do ato de extinção de Curuçá. A solicitação não
foi aceita e a justificativa era de que não tinha homens capazes de formar o governo
municipal. Assim, a vila de Curuçá foi anexada ao município de Vigia e, somente
retornou a seu predicado de Vila e de Município, em 21 de novembro de 1850,
sendo sua sede transferida para a Ponta do Abade em 1854, fato este não ter sido
concretizado devido a resistência dos habitantes. A Resolução nº 167, de 21 de
novembro de 1850 devolveu a Curuçá a condição de vila e de município, ocorrendo
a sua reinstalação no dia 1º de janeiro de 1853, tendo como presidente o senhor
Teotônio de Brito Chucre.
No período republicano, o Governo Provisório do Pará, dentro das novas
normas, extinguiu as Câmaras Municipais. A Câmara de Curuçá foi extinta no dia 20
de fevereiro de 1890, através do Decreto nº 65, sendo criados, nesta mesma data os
Conselhos de Intendência, através do Decreto nº 66, com a nomeação de seus
integrantes, ocorrendo também a Adesão do Município à República no mesmo ano.
Em 1895, mediante a Lei Estadual nº 236, de 14 de maio, a Vila de Curuçá foi
elevada à categoria de cidade, sob o mesmo nome.
Após a Revolução de 1930, Curuçá teve seu território ampliado em função da
incorporação das terras do município de Marapanim, que foi extinto. Essa extinção
tornou-se sem efeito em 1931, sendo o seu território novamente desmembrando da
área patrimonial de Curuçá. No ano seguinte, é a vez de Curuçá ser extinto,
30
passando o seu território a integrar a jurisdição de Castanhal, sendo restabelecido
em 1933, desanexando-o daquele Município (MUNIZ, 1917).
Em 1932, o município de Curuçá foi extinto, passando o seu território a
integrara a jurisdição de Castanhal, de acordo com o Decreto Estadual nº 680. No
entanto, foi restabelecido em 1933, segundo o Decreto Estadual nº 1.136,
desanexando-o daquele Município.
Em 1935 Curuçá aparece subdividido em 5 distritos: Curuçá, Lauro Sodré,
Monte Alegre, Ponta de Ramos e Terra Alta, na relação dos municípios do Pará. Em
1991, o distrito de Terra Alta desmembra-se de Curuçá e torna-se município.
Em relação às festividades que integram a cultura do município de Curuçá
destacam-se três: a festa em homenagem a São Pedro, no dia 29 de junho, santo de
devoção dos pescadores, os quais pedem boa pesca e proteção; a festa de Nossa
Senhora do Rosário e em louvor a São Benedito, em setembro. Em todas essas
ocasiões há realização de procissões, ladainhas, arraial, leilões, derrubada de
mastros de flores e festas dançantes, todos bastante movimentados.
Ao término do mês de junho, é realizado um festival onde são apresentados
os grupos de folia (romaria musical), quadrilhas juninas, lundu, bois-bumbás,
pássaros e grupos de carimbó, em que se destacam os grupos “Centenário”,
“Samaritanas” e “Brasa Viva”.
O artesanato local não se constitui em elemento de identificação do
Município, mas marca uma produção de peças com caráter utilitário, como pequenas
embarcações e apetrechos de pesca (espinhéis, tarrafas e currais).
Apesar de sua tradição, Curuçá não possui um aparelhamento cultural
adequado, contando apenas com uma Biblioteca Pública, mantida em um convênio
entre a Prefeitura local, a Secretaria de Estado de Cultura (SECULT) e o Instituto
Nacional do Livro (INL).
31
Figura 2 - Mapa do município de Curuçá mostrando as ilhas, rios e furos.
Fonte: FIGUEIREDO (2007, p.47 apud Aviz, 2005)
A sede municipal de Curuçá tem as seguintes coordenadas geográficas: 00º
43’ 48’’ de latitude Sul e 47º 51’ 06’’ de longitude a Oeste de Greenwich. Seus limites
são: ao Norte com o Oceano Atlântico; a Leste, com o município de Marapanim; ao
Sul faz fronteira com o município de Terra Alta; e a Oeste, com o município de São
Caetano de Odivelas e São João da Ponta.
32
As características do solo do referido município são predominantemente de
solo latossolo amarelo8 textura média, Concrecionário Laterítico9 e solos
indiscriminados de mangue.
A cobertura vegetal original do município, formada pela floresta primitiva, foi
removida em conseqüência dos desmatamentos ocorridos de forma intensiva e
extensivamente, objetivando o plantio de espécies agrícolas de subsistência, ou
mesmo simples ocupação dos terrenos ao longo da PA-136 e em áreas de florestas
de mangues ou manguezais próximas aos vilarejos do município que ocupam as
porções litorâneas e semi-litorâneas, onde existe a influência da salinidade da água
do mar. Devido a isso, atualmente, o predomínio da cobertura florestal do Município
é formado por florestas secundárias, que são aquelas resultantes de um processo
natural de regeneração da vegetação, em áreas onde no passado houve corte raso
da floresta primária. Nestes casos quase sempre as terras foram temporariamente
usadas para agricultura ou pastagem e a floresta ressurge espontaneamente após o
abandono destas atividades.
O município de Curuçá possui uma diversidade de ilhas, praias, furos,
recantos e igarapés em que se destacam respectivamente: Mariteua, Sino, Romana,
Cipoteua, Guarás, Praia do Furo; Furo Muriá ou Maripanema, Furo Grande, Praia do
Furo, Araguaim, Cajutuba, Macajuba, Ipomonga, Mutucal, Pacamorema, Santa
Rosa, Cipoteua, João Lopes, Bagre; Arapiranga de dentro, Bosque da Igualdade e
Bosque Centenário; Cachoeira, São José, Dos Porcos, Salomão, Andiroba, Da
Prata, Braço Grande, Pau Amarelo, Tucumã, Santa Maria, etc. (FIGUEIREDO, 2007)
O rio Mocajuba é um dos mais importantes do Município, formado pelo
igarapé Pimenta e por outros sem grande expressão, servindo de limite natural, a
oeste, entre os municípios de Curuçá e São Caetano de Odivelas; o rio Mocajuba
corre na direção Sudeste-Noroeste até desembocar no Oceano Atlântico. Durante
sua trajetória, o referido rio atravessa os povoados de Nazaré do Mocajuba e Murajá
e recebe vários afluentes, sendo os da margem direita os de maior importância para
o Município, como os rios Tijoca, Candeua, e o furo Maripanema ou Muriá, que
8
Solos que apresentam baixos teores de Fe2O3, em sua maioria, abaixo de 7% (SANTOS et al,
2006).
9
Fase pétrica de Oxissolo.
33
banha o povoado de São João do Abade, objeto de estudo desta pesquisa. O rio
Curuçá é o segundo mais expressivo do Município, mas é no afluente da margem
esquerda, o rio Baunilha, que se encontra a sede municipal.
Em relação a topografia do município há uma inexistência de acidentes
expressivos, devido a altitude média de 5 a 15 metros na área e com sua cota mais
elevada de 63 metros em seu centro.
O clima do Município insere-se na categoria equatorial Amazônico, do tipo Am
da classificação de Köppen. Caracteriza-se pelas temperaturas elevadas, com
média de 27º C, pequena amplitude térmica e precipitações abundantes que
ultrapassam os 2.000 mm anuais, sendo os meses mais chuvosos de janeiro a
junho, e menos chuvosos, de julho a dezembro.
2.2.2 O Distrito de São João do Abade
Oceano
Atlântico
M angue
CROQUI DO DISTRITO DE SÃO JOÃO DO ABADE
MUNICIPIO DE CURUÇÁ, LITORAL DO ESTADO DO PARÁ
BRASIL
Pr aça
Mercado
Municip al
Beco
Trav. Tiradentes
Trav. Prof. Camilo Ataíde
Portinho
Área do manguezal já
em processo inicial de
degradação
Bairro construído
no mangue
Mangue
Mangue
Mangue
Mangue
Mangue
Mangue
Ig. Grande
Ponte sobre o Igarapé Grande
Limite entre Curuçá sede
e Abade
Curuçá sede
e sv
io p
a ra
M angue
Buraco
M angue
Trav. Carl os Bri to
Trav. Paulo Sant os
R
Trav. Novo Abade a l do D
am
Cu
á
ru ç
Figura 3 - Croqui da comunidade do Abade, Curuçá-PA.
FONTE: FIGUEIREDO, 2007, p.49.
Trav. Jerusalém
PA-136
Rua Nova
Pass. Bar to lomeu Dias
BAIRRO NO VO
P ass. Marc ili o Dias
bó
T im
já
io Co sta
P ass. Jul
ue l
S. M ig
Pass .
R ua
uc a
oM
Fonte: Pesquisa de Campo, 2006.
Elaboração: Elida Figueiredo & Adriana de Aviz, 2006.
PA-136
Av. Raimundo Pinheiro
Invasão
Bigolândia
Buraco
Telemar
Pass. O scar Araújo
COSAMPA
R ua dos Milagres
Rua Marechal Deodoro
Rua Feliz
ad
Ru
P ss. Sem Nom e
Pss. Rdo. P inheiro
PA-136
Rua Timbó
Av. Raimundo Pinheiro
CAMPASA
Mangue
BAIRRO COERA
Trav. Canaã
Mangue
BAIRRO CARIRI
Mangue
Ig. Grande
P ass. Júpter Maia
P ass. C anguru
Igreja
Adventista
PA-136
Av. D. P edro I
Pa ss. Sta. Rosa
Mangue
Rua sem nome
Beco
B AIRR O PEDREIRA
RIO MURIÁ
Trav. D. Bosco
B AIRR O B RA GANTINO
Povoado
das P edras
Rua B eira R io
Av. P res. Getuli o Varga s
PA-136
Portinho da
CAMPASA
BA IR RO C EN TRO
Porto do
Mercado
M angue
Porto do
Jenipapo
Rua Epaminondas
De acordo com o historiador Palma Muniz (1917) a primeira referencia que se
tem da comunidade do Abade está relacionada com a criação do núcleo suburbano
de Curuçá, prescrito na Lei nº 284, de 15 de julho de 1895, instalado às
proximidades da antiga povoação daquela comunidade. Desde essa época a
importância econômica do Abade já se fazia notar como ponto estratégico para o
desembarque pesqueiro do município, como explicitam as informações existentes no
Relatório do Engenheiro Santa Rosa
[...] Situada à margem de um rio de difícil navegabilidade, a cidade de
Curuçá, uma das que mais tem progredido ultimamente na região do
Salgado, mantém seu maior movimento comercial pelo porto do Abade, que
oferece franco acesso às embarcações, e que está ligada por uma estrada
de rodagem de 4.653 metros de extensão e 6 metros de largura [...] SANTA
ROSA (1898 apud PALMA MUNIZ, 1917 p. 87)
O núcleo denominado Magalhães constituía-se de 44 (quarenta e quatro)
lotes, que posteriormente foram incorporados ao patrimônio municipal de Curuçá
(PALMA MUNIZ, 1917, p. 87).
Até o ano de 1900 foram enviados para aquela área 90 imigrantes, sendo 33
brasileiros
e
57
espanhóis,
cujo
trabalho
contribuiu
para
um
razoável
desenvolvimento de Curuçá, principalmente no setor pesqueiro, destacando-se
nesse aspecto a comunidade do Abade.
O surgimento do Abade originou-se de uma fazenda instaurada pelos
Jesuítas Regulares da Companhia de Jesus e tinha como principal atividade, a
pesca. Daí, sua importância portuária para o município de Curuçá, do qual situa-se a
4 km do centro municipal.
De acordo com Torres (2004) a conexão entre a cidade de Curuçá e o Abade,
por via terrestre, contribuiu e vem contribuindo para a expansão dessas
comunidades, principalmente no que se refere ao crescimento longitudinal da
população onde se observa o “encontro” de ambas as cidades. Nesse aspecto a
estrada constitui-se em um fator contributivo para o desenvolvimento econômico e
de comunicações do Abade, tanto em nível regional, quanto em nível nacional,
principalmente entre as capitais do nordeste e sudeste do país.
36
As casas que anteriormente eram feitas de barro e se aglomeravam no centro
de Curuçá vem aos poucos sendo reformadas para alvenaria ocupando atualmente
quase toda a extensão da estrada que liga ao Abade. A vegetação outrora
abundante nesse trecho aos poucos vem cedendo espaço para moradia e para as
conseqüências daí originárias, como o lixo que assoreia o Igarapé Grande e o rio
Muriá, alvo de conflitos constantes entre os moradores e autoridades locais.
A estrada segue em direção ao Abade e seu destino final é uma praça em
que se localiza a Igreja Matriz, o mercado, o comércio de alimentos, e alguns poucos
de utensílios e vestuário.
A relação da comunidade com o meio aquático é bastante visível em diversos
pontos da comunidade, as redes, os apetrechos de pesca, os barcos, os peixes, os
caminhões frigoríficos o que denota uma tradição pesqueira secular, inicialmente
desenvolvida pelos índios e, posteriormente, até os nossos dias por uma sociedade
mestiça que além do consumo doméstico visa o abastecimento do mercado local,
nacional e internacional (Japão, Estados Unidos).
A mescla entre os índios primitivos e os colonizadores portugueses contribuiu
para uma nova formação no Abade em que hábitos, costumes e tradições foram
sendo modificados emergindo daí uma combinação de técnicas e conhecimentos
tradicionais voltados às necessidades das instituições.
37
3
A PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURIAS EM UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO
3.1 UMA SÍNTESE HISTÓRICA
A evolução da delimitação de áreas voltadas à preservação dos recursos
naturais vem sendo bastante perceptível ao longo da história, cuja raiz encontra-se
nas ações e nas práticas das primeiras sociedades humanas (MILLER,1997 apud
VALLEJO, 2003). A manutenção dessas áreas se justifica pela necessidade do uso
imediato e futuro dos recursos que ali estão disponíveis, bem como por
representarem “espaços de preservação de mitos e ocorrências históricas (...) que
funcionavam – e ainda funcionam em muitos casos – como reguladores de acesso e
uso dessas áreas especiais” (IBDEM).
O autor, citando Oliveira (1999) e Bennett (1983), destaca que além das
finalidades descritas anteriormente em relação ao uso dos espaços especiais, outras
finalidades com registros históricos bem mais remotos se fazem presentes, como é o
caso, segundo ele, das reservas de caça e de leis de proteção de áreas surgidas no
Irã por volta de 5.000 anos a.C. Também na Mesopotâmia, às proximidades das
regiões da Assíria e da Babilônia, foram encontradas as primeiras evidências sobre
o conceito de parque e que podem ter sido provenientes da situação de escassez
das populações animais.
Em relação ao ocidente, a prática de delimitar espaços especiais é mais
recente e remonta à Idade Média, onde “as classes dominantes da antiga Roma e
da Europa Medieval destinavam áreas para uso exclusivo e alguns reis separavam
pequenas áreas para proteção de determinadas espécies” (ROCHA, 2002 apud
VALLEJO, 2003 p. 10). Na Inglaterra há registros dessas áreas nos tempos da
invasão Saxônica, por volta de 1066; na Suíça, em 1569, há também registros da
criação de uma reserva para proteção do antílope europeu; no séc. XVIII, na França,
há registros da abertura de Parques Reais ao público, e na Inglaterra, no séc. XIX, a
criação de reservas conhecidas como “Forest” que se destinavam à caça e
ocupavam grande parte do território inglês (IBDEM).
38
Tais dados históricos mostram que em diferentes períodos o objetivo da
preservação da maioria daquelas áreas voltava-se aos interesses da realeza e da
aristocracia rural que visavam ao exercício da caça e de preservação dos recursos
florestais particulares para fins imediatos e/ou futuros, não comportando, portanto,
nenhum outro sentido social mais amplo, como a subsistência, o laser e a recreação
para o público em geral (VALLEJO, 2003).
Com o advento da revolução industrial, as transformações políticas, culturais,
econômicas, sociais e ambientais daí originárias propiciaram a acumulação
capitalista e a expansão dos mercados que foram fundamentais nesse processo de
mudanças. Nesse período
“a agricultura tornou-se mais especializada para suprir as demandas da
indústria Européia. No século XIX, as premissas capitalistas centradas nos
significados da produção (terra, trabalho e capital) foram se consolidando e
a economia clássica, ao tratar os recursos da Terra como mercadoria,
considerava irrelevante a degradação ambiental. Tais idéias aliadas ao
incremento industrial promoveram grande avanço da degradação dos
recursos naturais e, concomitantemente, redução dos espaços nativos. Os
problemas ambientais, além de atingir as colônias por conta da intensiva
exploração de recursos, manifestavam-se também nas sedes dos próprios
países industrializados” (OLIVEIRA, 1998 apud VALLEJO, 2003 p. 3).
A intensificação dos movimentos de proteção de áreas naturais como espaço
de uso público somente começou a acontecer após a revolução industrial. Isso,
segundo Milano (2000) possivelmente se relaciona ao crescente aumento de
pessoas cuja rotina de trabalho fabril intensa buscava nestes espaços uma forma de
recreação ao ar livre.
3.2 O SURGIMENTO DOS PRIMEIROS PARQUES PÚBLICOS
De acordo com Arruda (1997) os parques públicos têm origem no conceito
adotado pelos Estados Unidos, no século XIX sobre áreas protegidas que são
definidas pela World Conservation Union (UICN), como “uma superfície de terra e/ou
mar especialmente consagrada à proteção e à manutenção da diversidade biológica,
assim como dos recursos naturais associados e manejados através de meios
jurídicos ou outros meios específicos” (GUIDELINES, 1994, p.7). Em 1872, após a
39
realização de vários estudos, foi criada a primeira área com status de Parque
Nacional do mundo, o de Yellowstone, passando a ser uma região reservada e
proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis americanas
(MILLER, 1980, apud DIEGUES, 1993).
A partir da década de 1960, tal modelo foi adotado pelo Canadá e por
diversos países europeus, tornando-se então um padrão mundial. Sua base de
sustentação constitui-se na necessidade de conservar espaços da natureza, em
estado original, antes da intervenção humana, transformando-os em lugares “onde o
ser humano possa reverenciar a natureza intocada, refazer suas energias materiais
e espirituais e pesquisar a própria natureza”. (DIEGUES, 1994 p. 25)
O modelo preservacionista adotado pelos Estados Unidos, considera que a
presença humana nessas áreas é sempre devastadora para a natureza, e, isso não
se adequou a certas especificidades dos países em desenvolvimento, como na
América do Sul e África, devido segundo Diegues (1994) ao efeito devastador sobre
os diferentes modos de vida das chamas “populações tradicionais” que mantém uma
relação com a natureza diferenciada daquela analisada pelos ideólogos dos parques
nacionais norte-americanos.
Com a chegada do Século XX diversos parque e reservas similares foram
sendo criados agregando novas motivações como a preservação da biodiversidade
florística e faunística e dos bancos genéticos (GHIMIRE, 1993 apud BRITO, 2000b).
Assim, as áreas naturais passaram a servir também como laboratório para a
pesquisa básica em Ciências Biológicas, fato este que, posteriormente, acabou
reforçando a idéia de que a presença humana nestes tipos de áreas só deveria ser
permitida em situações muito particulares e restritas (VALEEJO, 2003).
3.3
A
MUNDIALIZAÇÃO
CONSERVAÇÃO
DAS
POLÍTICAS
DE
PRESERVAÇÃO
E
Por possuírem objetivos diversificados, dentre eles proteger a natureza
ameaçada pelo avanço da sociedade urbano-industrial, as áreas protegidas podem
ser dispostas em diversas categorias, considerando seus aspectos conceituais.
Assim, foi necessário, em nível mundial, estabelecer conceitos e diretrizes mais
40
gerais e, para tanto, diversos encontros em escala mundial e continental foram
realizados, tais como:
•
A Convenção para Preservação da Fauna e Flora em Estado Natural
(Londres, 1933);
•
A Convenção Panamericana de Proteção da Natureza e Preservação da Vida
Selvagem do Hemisfério Oeste (Washington, 1940);
• O Congresso organizado pelo governo Francês e pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 1948, quando foi
fundada a União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN), posteriormente
denominada de União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN),
englobando agências governamentais e não-governamentais, e que passou a
coordenar e iniciar trabalhos de cooperação internacional no campo da conservação
da natureza;
•
As Assembléias Anuais da UICN, realizadas a partir de 1960 e os I, II, III e IV
Congressos Internacionais de Parques Nacionais, respectivamente nos EUA
(Seattle, 1962 e Yellowstone, 1972) Indonésia (Bali, 1982) e Venezuela (Caracas,
1992).
Tais encontros trouxeram como resultados mudanças conceituais e de
perspectivas na criação e gestão das unidades de conservação pelo mundo, além
de desempenharem um papel organizador e coordenador de políticas de
conservação. Assim, foram surgindo novas categorias de manejo como as Reservas
Naturais, Monumentos Naturais, Reservas Silvestres, Reservas da Biosfera, etc.
(VALEEJO, 2003).
O desenvolvimento científico entre as décadas de 30 e 60, paralelamente
ao incremento dos impactos da extração de recursos naturais, atividades
industriais e redução da biodiversidade mundial, motivou o surgimento de
uma nova perspectiva para as unidades de conservação, que foi a da
conservação10, estimulando o uso racional de recursos naturais e o manejo
de espécies (IDEM, IBDEM p. 4)
10
Segundo o autor, a perspectiva conservacionista difere do preservacionsimo, na medida em que
envolve a possibilidade de manejo das espécies e do ambiente em geral, ao passo que o
preservacionsimo é mais protecionista. Por exemplo, o manejo reprodutivo de uma espécie
ameaçada de extinção (conservação) pode recuperar sua densidade demográfica a ponto e salvá-la
do extermínio, enquanto o simples isolamento (preservacionismo) poderia resultar também em seu
desaparecimento.
41
Em 1982, a partir do III Congresso Mundial de Parques Nacionais, uma
nova estratégia foi firmada: “os parque nacionais e outras unidades de conservação
só teriam sentido com a elevação da qualidade de vida da população dos países em
vias de desenvolvimento” (VALEEJO, 2003 p. 4). A partir de então,
Reafirmaram-se os direitos das sociedades tradicionais e sua determinação
social, econômica, cultural e espiritual, recomendado-se aos responsáveis
pelo planejamento e manejo das áreas protegidas que respeitassem a
diversidade dos grupos étnicos e utilizassem suas habilidades. As decisões
de manejo deveriam ser conjuntas com as autoridades, considerando-se a
variedade de circunstâncias locais (IDEM, IBDEM)
Atualmente, a política mundial de criação de unidades de conservação
tem por propósitos a serem alcançados, os seguintes pontos, considerando as
diferentes categorias de manejo:
a) Pesquisa científica;
b) Proteção da vida selvagem;
c) Preservação de espécies e da diversidade genética;
d) Manutenção dos serviços de meio ambiente;
e) Proteção de aspectos naturais e culturais específicos;
f) Recreação e turismo;
g) Educação;
h) Uso sustentável de recursos de ecossistemas naturais; e
i) Manutenção de atributos culturais tradicionais.
3.4
A IMPLANTAÇÃO E GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO
BRASIL.
No Brasil, em 1876, por sugestão do engenheiro André Rebouças – inspirado
na criação do Parque de Yellowstone, nos Estados Unidos – foram criados dois
parques nacionais: um em Sete Quedas, localizado e outro na Ilha do Bananal. Mas,
somente em 1937 ocorreu de fato, a criação do primeiro Parque Nacional Brasileiro:
o Parque Nacional de Itatiaia (QUARESMA, 2003). Seguindo o modelo dos Parques
Nacionais brasileiros, foram conceituados partindo-se da idéia de territórios e/ou
monumentos naturais, que por suas especificidades, possuíssem valor cientifico
42
e/ou estético. Isso implicou, segundo Campos (2008, p. 251) “na retirada das
populações locais sem ouvir seus clamores”. O autor, citando Silveira; Kern e
Quaresma (2002) ressalta, ainda, através de exemplos, o caso da Floresta Nacional
(FLONA) de Caxiuanã, localizada no município de Melgaço, no Estado do Pará, da
qual cerca de 300 famílias forma expulsas quando de sua criação.
A partir da década de 1960, a pressão dos movimentos ambientalistas torna
mais evidente a preocupação com a questão ambiental que se amplia com a
publicação dos relatórios preliminares da Conferência de Estocolmo, em 1972,
“quando a questão da degradação ambiental começou a sensibilizar mundialmente a
opinião pública” (CAMPOS, 2008 p. 247). Mesmo assim, de acordo com a avaliação
de Maimon (1992 apud Campos, 2008) em relação a política ambiental brasileira
implementada pelo governo federal a partir da Conferência de Estocolmo em 1972
[...] a ausência de uma política ambiental ocorria em função do modelo de
internacionalização da economia, notadamente a expansão das
exportações, a abundância de recursos naturais – que propiciaram
investimentos na área de mineração – e a política de ocupação do território
mediante incentivos fiscais, principalmente para a Amazônia. A posição do
governo brasileiro em Estocolmo era o desenvolvimento de modo
predatório, com preocupações secundárias em relação à natureza, porque,
para o Brasil, o problema ambiental fora criado pelas grandes potências
com fins de coibir o avanço dos países em desenvolvimento (IDEM,
IBDEM)
Em 1973 foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), ligada ao
Ministério do Interior, como uma tentativa de atenuar a imagem do Brasil que foi
difundida em Estocolmo, e, posteriormente, em 1975, a questão ambiental é
contemplada através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
Na década de 1980 há o
aumento das associações ambientalistas, com a criação do Partido Verde;
a definição da Política Nacional de Meio Ambiente, com a criação do
Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do Conselho Nacional
de Meio Ambiente (CONAMA), que estabeleceu as diretrizes para os
estudos de impactos ambientais. Além disso, a Constituição de 1988 previu
a avaliação dos impactos ambientais (MAIMON, 1994, QUARESMA, 2003
apud CAMPOS, 2008 p. 248).
Na década de 1990, no governo Collor (1990-1992) as ações se voltaram
para o Programa Nacional de Meio Ambiente e mesmo com a ECO 92 não houve,
43
na prática, avanços na política ambiental. Mesmo assim, foi neste governo que o
Brasil iniciou uma política ambiental de criação de Unidades de Conservação para
resolução de problemas e promoção da conservação dos ecossistemas (Campos,
2008).
3.5
AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA
A região amazônica, cenário de disputas e conflitos por suas riquezas, desde
a chegada dos colonizadores vem, ao longo de todo esse período, passando por
diversas experiências desenvolvimentistas, as quais têm no Estado o seu maior
facilitador. (CAMPOS, 2008).
A partir da década de 1960, a abertura de estrada Belém-Brasília, propiciou
uma ocupação desordenada na região, e isso se deve as políticas públicas adotadas
pelos governos militares os quais se pautavam no modelo de internacionalização da
economia através da expansão das exportações, da abundância dos recursos
naturais e da política de ocupação do território mediante incentivos fiscais (MAIMON,
1992). Entretanto, por desconsiderarem os aspectos sociais e ecológicos da região,
tais políticas deram início a efetivação da degradação ambiental, com reflexos
negativos para o desenvolvimento social e que são bastante perceptíveis nos dias
atuais, quando crises como a da biodiversidade (MCGRATH, 1997 apud CAMPOS,
2008) e do aquecimento global (LEGGETT, 1992 apud CAMPOS, 2008)
comprometem a qualidade de vida das populações em nível mundial.
Como
principal
responsável
pelos
problemas
ambientais
da
região
amazônica, coube e cabe ao Estado novas estratégias que garantam um
desenvolvimento mais sustentável para a região em questão. “E assim, criaram-se
as Unidades de Conservação como uma nova forma de intervenção com o meio
ambiente, pautada igualmente em nova legislação que vem legitimando a atuação
do Estado frente às questões de gestão e proteção dos recursos” (CAMPOS, 2008
p. 250).
As Unidades de Conservação são áreas especialmente designadas pelo
poder público para a efetivação dos objetivos de conservação do meio ambiente, de
44
acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em geral, estas áreas são
consideradas especiais e de grande interesse ecológico, cultural, científico e
paisagístico, uma vez que são utilizadas com o objetivo maior de conservar e
preservar a biodiversidade, além de serem áreas produtivas e potencialmente úteis
aos seres humanos, nas diversas categorias de manejo, educação ambiental,
recreação e turismo, de acordo com as vocações naturais e condições sócioeconômicas dos seus ecossistemas.
Apesar da criação de UC, no Brasil estar prevista na Constituição Federal de
1988, em seu art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII e representar uma das melhores
estratégias de proteção aos atributos e patrimônios naturais, cuja importância
fundamental incide sobre a proteção e preservação da biodiversidade nacional, do
ponto de vista prático há um grande desafio a ser vencido na efetivação das
intenções públicas. Os problemas sociais, econômicos, ambientais e legislativos que
emergiram com o processo de criação das UC levaram a criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)11 como forma de “consolidar as
várias normas relativas às UC e estabelecer diretrizes mais eficazes na criação das
mesmas”. (CAMPOS, 2008 p. 254).
Os órgãos executores do SNUC são: o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBIO)12 e o IBAMA, em caráter supletivo, os
órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as
propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais
e municipais, nas respectivas esferas de atuação (Redação dada pela Lei nº 11.516,
2007). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19985.
O SNUC estabeleceu duas categorias de UC: as Unidades de Proteção
Integral ou uso indireto e Unidades de Uso Sustentável ou de uso direto que tem
como finalidade, respectivamente: a) a exploração ou aproveitamento dos recursos
naturais estão totalmente restringidos, sendo somente admitido o aproveitamento
indireto dos seus benefícios; b) a exploração e o aproveitamento direto são
permitidos, porém de forma planejada e regulamentada.
11
12
Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000.
Lei nº. 11.516, de 28 de agosto de 2007.
45
As unidades inseridas em ambas as categorias, podem ser mais bem
visualizadas no quadro, a seguir:
Tabela 01 – Categorias de Unidades de Conservação da Natureza
UNIDADES DE PROTEÇÃO
INTEGRAL
Estação Ecológica
Reserva Biológica
Parque Nacional
Parque Estadual
Monumento Natural
Refúgio de Vida Silvestre
UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL
Área de Proteção Ambiental
Área de Proteção Ambiental Estadual
Área de Relevante Interesse Ecológico
Floresta Nacional
Floresta Estadual
Reserva Extrativista
Reserva de Fauna
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Reserva Particular do Patrimônio Natural
FONTE: Pesquisa Ambiental/MMA, 2005.
Ao serem criadas estas áreas são classificadas em categorias através de um
diploma legal, no qual estão explicitadas as suas denominações, área, limites
geográficos, objetivos, diretrizes, restrições, proibições de uso do espaço e dos seus
recursos naturais. Em geral, as de domínio público são aquelas com maior número
de restrições e proibições, prevalecendo nelas o caráter de preservação.
Segundo Campos (2008, p. 254) “o SNUC tenta articular uma relação que
tem sido conflituosa desde que surgiram as primeiras UC no Brasil, que é a relação
entre biodiversidade e sociodiversidade”. Sobre esta questão, Santilli (2005) ressalta
que o art. 5º item III da lei que cria o SNUC assegura a participação efetiva das
populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação e
que isso ocorreu devido a prevalência do socioambientalismo13 no SNUC.
13
(...) O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas
ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e
promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração
dos recursos naturais. (SANTILLI, 2005 p. 35)
46
3.6
RESERVAS EXTRATIVISTAS
O Art. 18 do SNUC conceitua reserva extrativista como
[...] áreas utilizadas por populações tradicionais cuja subsistência baseia-se
no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na
criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o
uso sustentável dos recursos naturais da unidade. (SNUC, Art. 18, 2000).
Segundo Allegretti (1994) a concepção de reservas extrativistas surge no final
da década de 1980, a partir dos violentos conflitos envolvendo legitimidade e
regularização fundiária dos antigos seringais na Amazônia.
As crises econômicas sucessivas que caracterizam a história da borracha, na
região amazônica, resultaram, segundo Allegretti (1994) em dois processos
específicos: o abandono dos seringais e a inserção dos ex-seringueiros na força de
trabalho urbana regional ou de outras áreas do país, e da permanência dos
migrantes nordestinos na floresta e a introdução de modificações nas formas sociais
de exploração econômica dos seringais nativos.
Assim, dois grupos sociais distintos exploram, hoje, na região amazônica, a
borracha nativa: um, formado pela empresa seringalista e outro caracterizado pelo
produtor autônomo denominado posseiro. No primeiro grupo, ações ainda se pautam
no modelo implantado no começo do século passado, onde o controle da força de
trabalho era mantido através do endividamento permanente do trabalhador e na
exclusividade da atividade extrativista; no segundo grupo, a exploração e a
comercialização são realizadas por conta própria, este último com intermediários
locais, que completa sua sobrevivência com atividades agrícolas e com a criação de
animais domésticos.
Neste contexto, surge especificamente entre este último grupo social o
conceito de Reserva Extrativista visando à garantia de direitos de posse sobre as
áreas de floresta ocupadas por gerações seguidas, pois,
[...] se baseavam essencialmente na idéia de que a reforma agrária na
Amazônia deveria seguir um modelo que levasse em consideração a
enorme diversidade cultural e biológica da região, já que o modelo
47
tradicional de assentamento do Incra era inadequado (SANTILLI, 2005 p.
32).
Tanto as reservas, quanto os projetos de assentamento extrativistas,
implementados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
através do Programa Nacional de Reforma Agrária respondiam às demandas dos
seringueiros que pretendiam resolver os conflitos entre seringueiros autônomos e
grupos antagônicos favorecidos por incentivos do governo para a implantação de
projetos de agropecuária e madeira na Amazônia (CUNHA & COELHO, 2003).
A primeira Reserva Extrativista brasileira criada foi a Reserva Extrativista do
Alto Juruá, em 1990, no estado do Acre. Atualmente, após dezoito anos, o número
de Reservas Extrativistas se ampliou bastante, como mostra o quadro a seguir, o
que corrobora com Santilli (2005) quando destaca o socioambientalismo
predominante, hoje, no SNUC.
TABELA 2 – Reservas Extrativistas no Brasil
NOME
UF
Reserva Extrativista Alto Tarauacá
Estado do Acre, nos municípios de
Jordão e Tarauacá.
Reserva Extrativista CazumbáIracema
Estado do Acre, nos municípios de Sena
Madureira e Manoel Urbano
Estado do Acre, nos municípios de Assis
Brasil, Brasiléia, Xapuri, Capixaba,
Reserva Extrativista Chico Mendes
Senador Guidomard, Rio Branco e Sena
Madureira.
Reserva Extrativista Chocaré-Mato
Estado do Pará, no município de
Grosso
Santarém Novo.
Reserva Extrativista de Jaci-Paraná
Reserva Extrativista do Alto Juruá
Reserva Extrativista do lago Cuniã
Reserva Extrativista do rio Cajari
Reserva Extrativista do rio Jutaí
Reserva Extrativista do Rio Ouro
Preto
Reserva Extrativista Marinha Mãe
Grande
Estado de Rondônia, nos municípios de
Porto Velho e Campo Novo de Rondônia.
ANO
DE CRIAÇÃO
08 de novembro de
2000
19 de Setembro de
2002
03 de dezembro de
1990
13 de dezembro de
2002
17 de janeiro de
1996.
Extremo oeste do Estado do Acre, no
município de Marechal Thaumaturgo de
Azevedo, fronteira dom o Peru e com as 30 de dezembro de
terras indígenas das tribos Campa,
1999
Jaminaua, Arara e Kaximinaua.
10 de novembro de
Estado de Rondônia, no município de
1999
Porto Velho
Estado do Amapá, nos municípios de
Laranjal do Jarí, Mazagão e Vitória do 12 de março de 1990
Jarí.
16 de julho de 2002
Estado do Amazonas, no município de
Jutaí.
Extremo oeste do Estado de Rondônia,
no município de Guajará-Mirim junto à 13 de março de 1990
fronteira com a Bolívia.
13 de dezembro de
Estado do Pará, no município de Curuçá
2002
48
Reserva Extrativista Marinha de
Maracanã
Estado do Pará, no município de
Maracanã
Reserva Extrativista de São João da
Ponta
Estado do Pará, no município de São
João da Ponta
Reserva Extrativista TapajósArapiuns
Estado do Pará, nos municípios de
Santarém e Aveiro como parte integrante
das Glebas Tapajós, Arapiuns e IgarapéAçú.
Reserva Extrativista Arióca Pruanã
Estado do Pará, no município de Oeiras
do Pará
Reserva Extrativista ChocoaréMatogrosso
Estado do Pará, no município de
Santarém Novo.
Reserva Extrativista Marinha AraiPeroba
Reserva Extrativista Marinha CaetéTaperaçu
Reserva Extrativista Marinha Gurupi
Piriá
Estado do Pará, no município de
Augusto Correa.
Estado do Pará, no Município de
Bragança.
13 de dezembro de
2002
13 de dezembro de
2002
06 de novembro de
1998.
16 de novembro de
2005
13 de dezembro de
2002
20 de Maio de 2005
20 de Maio de 2005
Estado do Pará, no município de Vizeu
Reserva Extrativista Marinha de
Soure
Estado do Pará, no município de Soure
Reserva Extrativista Marinha de
Tracuateua
Estado do Pará, no município de
Tracuateua
Reserva Extrativista Riozinho do
Anfrísio
Estado do Pará, no município de
Altamira
Reserva Extrativista Verde para
Sempre
Estado do Pará, no município de Porto
de Moz
Estado do Amazonas, no município de
Carauarí
Estado do Acre, nos municípios de
Reserva Extrativista Riozinho da Cruzeiro do Sul, Marechal Thaumaturgo,
Porto Walter e Tarauacá e, no Estado do
Liberdade
Amazonas, no município de Ipixuna
Reserva Extrativista do Lago do
Estado do Amazonas, no município de
Capanã Grande
Manicoré
Estado do Amazonas, no município de
Reserva Extrativista Auatí-Paraná
Fonte Boa
Reserva Extrativista Barreiro das
Estado de Rondônia, no município de
Antas
Guajará-Mirim
Estado do Amazonas, nos municípios de
Reserva Extrativista do Baixo Juruá
Juruá e Uarani
Estado de Rondônia, no município de
Reserva Extrativista do rio Cautário
Guajará-Mirim
20 de Maio de 2005
22 de novembro de
2001
20 de Maio de 2005
8 de Novembro de
2004
8 de Novembro de
2004
Reserva Extrativista Médio Juruá
Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho
4 de março de 1997
17 de fevereiro de
2005
3 de junho de 2004
7 de Agosto de 2001
7 de Agosto de 2001
1º de Agosto de 2001
Estado do Pará, no município de Baião
7 de Agosto de 2001
14 de junho de 2005
FONTE: http://www.ibama.gov.br/ecossistemas/ Acesso: 10 de outubro de 2007.
As RESEX’s, enquanto áreas de interesse ecológico, social e de conservação
têm por objetivo básico proteger os meios de vida e a cultura das populações
49
tradicionais que nela habitam e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais
da unidade (BENATTI, 2006).
[...] A Reserva é de domínio público, com uso concedido às populações
tradicionais por meio do contrato de concessão de direito real de uso, onde
é permitida a pesquisa científica. O plano de manejo é obrigatório,
chamado de Plano de Utilização, no qual está prevista a proibição da
exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional,
entre outras proibições que podem constar. (BENATTI, 2006 p. 159)
As reservas extrativistas consideradas como áreas de exploração autosustentável e de conservação dos recursos naturais por populações nativas,
passaram a ser utilizadas em outros biomas, para abrigar outras populações
tradicionais e não somente os seringueiros como proposto inicialmente. Assim, a
ampliação do número de Reservas Extrativistas vem se consolidando em diversas
regiões do país abrigando quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores
artesanais entre outros.
3.6.1 Reservas Extrativistas Marinhas
Em muitas comunidades de pescadores artesanais, tradicionalmente, o
sistema de direitos, as regras, as responsabilidades e as penalidades fazem parte
de sua atividade e os ajudam no controle do uso dos recursos naturais, bem como
nas regras de acesso ao território marinho e limites e marcações de áreas
produtivas (CUNHA, 2001).
Até a criação de reservas extrativistas marinhas, a
delimitação dos territórios marinhos como propriedade de grupos específicos, em
que se incluem os pescadores artesanais, possuía pouca legitimidade diante das
instâncias legais (SIQUEIRA, 2007).
De acordo com Chamy (2004), as Reservas Extrativistas Marinhas (REMs)
foram criadas como solução mais simples e eficiente para a gestão dos recursos
pesqueiros, buscando, assim, respeitar a multiplicidade dos grupos de pescadores
artesanais, bem como suas diferenças culturais e distintas trajetórias históricas.
Assim, ao serem instituídas, as Reservas Extrativistas Marinhas reconhecem que os
pescadores artesanais possuem direitos consuetudinários sobre os territórios
marinhos e sobre as formas de arranjos e representações simbólicas de tradição
50
pesqueira secular, que as torna um veículo de co-manejo quando associa usuários e
a administração pública na gestão do uso e manutenção dos recursos naturais.
A primeira reserva extrativista marinha criada no Brasil foi a RESEX Marinha
de Pirajubaé, em 1992, localizada no estado de Santa Catarina (RS). Atualmente,
mais de vinte (20) RESEXs Marinhas já foram criadas em território nacional, nas
quais incluem-se nove (9) somente na Região Norte, especificamente no litoral do
estado do Pará, como mostra a Tabela 03:
TABELA 03 - Dados das Reservas Extrativistas Marinhas do Litoral Paraense
Ibama/CNPT/PA/GEREX I
ÁREA
MUNICÍPIO
NOME DA
RESEX
ÁREA TOTAL
ÁGUA
NÚMERO DE
COMUNIDADES
NÚMERO DE
PESCADORES
MANGUE
Soure
Soure
27.463, 58 ha
12.176,744 ha
15.286,836 ha
12
1.300
Santarém Novo
ChocoaréMato Grosso
2.785,72 ha
810,7084 ha
1.975,0026 há
13
800
Curuçá
Mãe Grande
de Curuçá
37.064, 23 ha
17.873,3536 ha
19.190,8764 ha
52
6.000
Maracanã
Maracanã
30.018,88 ha
15.444,7504 ha
14.574,296 ha
75
5.000
São João da
Ponta
São João da
Ponta
3.203,24 ha
720,8458 ha
2.482,3942 ha
13
600
Augusto Correa
Arai Peroba
11.479,953 ha
3.827,0104 ha
7.652,9424 ha
05
1.300
Bragança
CaetéTaperaçu
41.761,72 ha
16.014, 824 ha
25.746,363 ha
39
6.000
Tracuateua
Tracuateua
27.153, 67 ha
8.113, 802 há
19.039,868 ha
36
1.500
Viseu
Gurupi-Piriá
74.081,81 ha
31.039,6576 ha
31.039,6576 ha
39
6.000
255.012, 80 ha
106.021, 69 ha
148.984,50 ha
282
28.500
TOTAL
FONTE: EMATER-Curuçá, 2007
As reservas extrativistas marinhas foram criadas para assegurar os recursos
pesqueiros para as populações tradicionais, no caso os pescadores artesanais, em
áreas costeiras, mas nem sempre os objetivos da criação correspondem a realidade
vivenciada por estas Unidades.
51
4.
A RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA “Mãe Grande”
4.1
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA
Figura 04: Delimitação da Área da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande, Curuçá-PA
FONTE: FURTADO, Lourdes G. et al. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha
Mãe Grande, Curuçá, Zona do Salgado-Pará. Relatório de Viagem. Belém: Museu Paraense Emilio
Goeldi, 2003. (Inédito)
52
A Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande é uma das mais importantes
Unidades de Conservação localizadas na costa amazônica, especificamente no
estuário14 abrigando inúmeras espécies ictiológicas (peixes, caranguejos, camarão e
crustáceos) para a reprodução, além de vegetais e animais que são utilizados como
produtos alimentícios e medicinais dos aproximadamente seis mil pescadores que ali
habitam.
Situada no município de Curuçá, região do Salgado, Nordeste Paraense, a
referida RESEX ocupa uma área de aproximadamente 37.064, 23 ha, abrigando 52
comunidades tradicionais de pescadores e agricultores, com uma população
estimada, em 2007, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 11
mil habitantes. Sua criação datada em 13 de dezembro de 2002, através do decreto
4.340 tem por objetivo conciliar a manutenção dos meios de vida da população
tradicionalmente instalada à conservação dos recursos naturais renováveis locais
(IBAMA, 2004).
A RESEX Mãe Grande possui como curso fluvial mais expressivo o rio
Curuçá, cuja extensão é de aproximadamente 20 km, com nascente(s) localizada(s)
no município homônimo. Constitui-se em um canal aluvial do tipo levemente
meandrante, em seu alto curso, tendendo a retilinearizar-se na zona sob influência
marinha, quando, então, inflete para NW e desemboca no Oceano Atlântico,
desenvolvendo foz estuarina do tipo afunilada, dando origem à baia de Curuçá
(FURTADO, et al, 2003).
Na foz do Estuário do rio Curuçá há diversas ilhas, aparentemente
construídas em terrenos da Formação Barreiras, bordejados por bosques de
manguezais bem desenvolvidos. A ilha de Fora ou do Mutucal, em frente ao distrito
de Abade, é a maior delas, abrigando uma série de pequenas comunidades
tradicionais. Além desta, ocorrem as ilhas Ipomonga, Prainha e a Ilha dos Guarás,
entre outras, separadas por uma profusão de furos (ex: Areuá, Taperebá, etc). A ilha
dos Guarás abriga as praias da Romana, Cai n’Água e Marinteua, bem como a
Ponta da Tijoca, onde cogita-se a construção de um super porto no litoral paraense.
14
Segundo Barthem (1995 apud TORRES, 2004) o estuário amazônico abrange a parte externa da
foz dos rios Amazonas e Pará; a costa ao longo do nordeste da América do Sul (desde a Baia de São
Marcos, no Estado do Maranhão até a foz do Rio Oiapoque, no extremo norte do Estado do Amapá).
53
Em frente a Ilha dos Guarás, mais precisamente às proximidades da Ponta da
Tijoca as condições de navegabilidade são excepcionais, uma vez que detecta-se na
análise da carta náutica, um prolongamento do Canal do Espadarte, com
profundidades superiores a 20 metros. Não há nenhum registro sistemático sobre o
regime de ondas neste setor do litoral paraense. A amplitude de maré varia de 3.5 a
4.5m (mesomaré).
A RESEX Mãe Grande abrange uma área litorânea que abriga ecossistemas
de grande beleza cênica e importância ambiental como manguezais e restingas.
Esses ecossistemas, ao mesmo tempo em que revestem-se de alta relevância
ecológica, caracterizam-se por sua alta fragilidade frente as intervenções antrópicas
mal planejadas.
Segundo relatos de pescadores que a décadas utilizam a praia da Romana
para construir seus ranchos de pesca, esse local sobre constantes modificações na
sua fisiografia. Tais modificações se dão em decorrência da interação de processos
marinhos (ondas, correntes e marés) e atmosféricos (ventos, chuvas e tempestades)
que atuam sobre os elementos terrestres.
Do ponto de vista do meio físico, o problema de maior freqüência e magnitude
é a erosão costeira, evidenciada principalmente na Ilha dos Guarás e na praia da
Romana. Trata-se de um fenômeno de ocorrência mundial, segundo Bird (1999) e
que é observado em cerca de 75% das praias arenosas do planeta.
A planície costeira do Nordeste Paraense apresenta ecossistemas
litorâneos, que em termos regionais são diferenciados morfologicamente: o
ecossistema manguezal e o ecossistema de restinga, ambos predominantes na área
da RESEX Mãe Grande. Além destes são também dominantes, os igapós, matas
(secundárias) de terra firme, campos e campinas.
O ecossistema manguezal faz parte das zonas úmidas de importância
internacional definidas pela convenção de RAMSAR,em 1971, da qual o Brasil é
signatário. (Prost et al, 2001). Por manguezais, lato sensu, define-se como
[...] um sistema ecológico costeiro tropical, dominado por espécies vegetais
típicas, às quais se associam outros componentes microscópicos da flora e
fauna, adaptados a um substrato periodicamente inundado pelas marés, com
54
grandes variações de salinidade. SCHAFFER-NOVELLI (1999 apud Prost et
al, 2001 p. 76).
O litoral paraense abriga uma parcela bastante significativa dos manguezais
brasileiros “que, em conjunto com os bosques do Amapá e do Maranhão, perfazem
um dos maiores, se não o maior, conjunto de manguezais do planeta, o que denota
ao espaço litorâneo paraense riqueza significativa em recursos naturais e,
consequentemente, de potencialidades aos mais variados usos” (Prost et al, 2001 p.
76)
Os manguezais para a RESEX Mãe Grande, constituem-se no ecossistema
mais representativo e importante no contexto sócio-econômico da área. Eles podem
ser encontrados ao da costa marinha e ao longo da foz dos cursos de rios e as
espécies que mais se destacam são: Rhizophora mangle L. (mangueiro ou manguevermelho), Avicennia germinans HBK (Siriúba) e Laguncularia racemosa Gaertn.
(tinteiro). A espécie Acrostichum aureum L. também se localiza nas margens do rio
representando, segundo Prost et al. (2001) o limite geobotânico para o estuário, ou
seja, uma zona transicional estuário-rio (Figuras 5 e 6).
Figura 5 – Manguezal. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-Pará
Figura 6 – Soterramento do manguezal e aumento da praia. Praia da Romana, Ilha dos
Guarás, município de Curuçá-Pará.
FONTE: FURTADO, L.G. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande Curuçá, Zona do Salgado-Pará.
No Estado do Pará a cobertura de restingas está distribuída em oito
formações vegetais distintas. Segundo Bastos (1996 apud Furtado et al,2003) as
restingas mais próximas da praia, apresentam uma dinâmica intensa, regulada pela
ação de marés, onda e ventos. As mais internas e que apresentam uma cobertura
vegetal herbácea predominante, encontram-se fortemente reguladas pelo regime
55
pluviométrico e variação vertical do lençol freático, o que lhes confere uma forte
sazonalidade de espécies, enquanto as de porte arbóreo são reguladas, mas
intensamente, pelas edáficas do solo. As espécies encontradas na planície litorânea
da RESEX são: as halófilas Sesuvium portulacastrum L e Blutaparon portulacoides
(St. Hill.) Mears, entre outras.
As restingas são encontradas apenas nas regiões costeiras sob um substrato
predominante de areias quartzosas marinhas. Apresenta uma grande diversidade de
habitats, o que a torna um dos mais complexos ecossistemas e lhe confere especial
interesse e valor sendo esta característica, em parte, responsável por sua fragilidade
e extrema susceptibilidade ás perturbações causadas pelo homem (Araújo &
Lacerda, 1987 apud Bastos, 2003). Em função de suas peculiaridades, as restingas
e manguezais necessitam de atenção especial quando submetidas a impactos
ambientais que causem a ruptura do equilíbrio existente entre as planícies costeiras
arenosas e lamosas, sob pena de resultados desastrosos para o ecossistema e
comunidades humanas da RESEX.
Figuras 7 e 8 – Restinga. Praia da Romana, Ilha dos Guarás, município de Curuçá-Pará
FONTE: FURTADO, L.G. Diagnóstico etno-ecológico da Reserva Extrativista Marinha Mãe
Grande - Curuçá, Zona do Salgado-Pará.
Assim, como todas as Unidades de Conservação, no que tange as etapas de
criação, implantação e desenvolvimento, de acordo com a Lei, a RESEX Marinha
Mãe Grande, atualmente é presidida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMCB) e tem como vice, a Associação de Usuários da Reserva
Extrativista Marinha Mãe Grande (AUREMAG); é administrada por um Conselho
Deliberativo (CD) composto por 27 membros, representantes titulares e respectivos
56
suplentes de instituições públicas de acordo com a sua portaria de criação, sendo
assim constituído:
I – Órgãos Federais;
II – Órgãos Federais de Ensino e Pesquisa;
III – Órgãos Estaduais;
IV – Órgãos Municipais;
V – Sociedade Civil, Organizações Não-Governamentais (ONG’s);
VI – Instituição Religiosa;
VII – Associações Comunitárias da RESEX Mãe Grande de Curuçá
Na condição de vice-presidente a AUREMAG, pode como atribuições a)
substituir o presidente do Conselho em seus impedimentos; b) fornecer o suporte à
presidência, ao plenário e aos Grupos de Trabalho criados. Tais atribuições vêm
sendo desenvolvidas pela sua Diretoria quase sempre, devido a ausência de
reuniões regulares com o CD.
De acordo com a presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá, “o papel
do Conselho é trabalhar, fiscalizar, vê de que maneira ta acontecendo o trabalho da
Reserva [...] é administrar as pessoas que são ligadas à Reserva” (depoimento de
Maria do Rosário, presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá – Z5). Mas,
segundo ela, as dificuldades em reunir o Conselho estão nos problemas burocráticos
em Brasília, alegados pelo Instituto Chico Mendes, em relação a deliberação do
documento de aprovação do regimento interno que autoriza tais reuniões. Sendo
assim, as pouquíssimas reuniões realizadas desde a criação do Conselho são
consideradas irregulares e inválidas.
A ausência regular das reuniões do CD tem agravado ainda mais os
problemas sócio-ambientais enfrentados pelas comunidades integrantes da RESEX
Mãe Grande, que em geral tem como principal ponto de conflito a forte pressão
predatória e especulativa sobre os recursos aquáticos, dos quais dependem direta e
indiretamente.
57
4.2
A PESCA NA RESEX MÃE GRANDE
Na RESEX Mãe Grande, diversas categorias de pescadores desenvolvem
atividades de pesca e coleta, destacando-se entre os pescadores: os redeiros, os
espinheleiros, os tarrafiadores, os curralistas, os camaroeiros, e os catadores de
mexilhão, e entre os coletores: os caranguejeiros, os tapadores, os tiradores de turu
e de sururú.
No Abade, principal entreposto pesqueiro da região amazônica cerca de
1.800
pescadores
desenvolvem
as
atividades
supracitadas
e
em
média
descarregam em seus principais portos 700 toneladas de pescado que abastece os
principais centros comerciais do Estado e do país. Mas, a pesca no Abade traz em
seu âmbito diversos problemas que são, em geral, resultantes dos conflitos
estabelecidos entre pescadores artesanais e industriais. Esses conflitos tendem a se
agravar na medida em que a pesca predatória praticada pelas redes de arrasto das
embarcações industriais invadem os espaços da pesca artesanal causando
problemas sérios aos pescadores, pois além do peixe graúdo trazem cerca de 15 a
20 toneladas de outros tipos de peixes de diversos tamanhos, denominados de
fauna acompanhante.
De acordo com o relato da presidente da Colônia de Pescadores de Curuçá,
Maria do Rosário, esta fauna acompanhante tem gerado diversas reclamações por
parte dos pescadores artesanais e, os relatos já formam encaminhados para a
AUREMAG e Instituto Chico Mendes, já que se trata de uma Reserva Extrativista
Marinha, mas nada foi resolvido. Diante disso, os pescadores estão pensando em se
reunir e “usar da força antes que seja tarde demais”.
Os barcos industriais geralmente são de fora do Estado, principalmente do
Maranhão e do Ceará, e estão sempre em busca de espécies de maior valor no
mercado, como Cambéua, Pescada Amarela para extração da grude, cujo preço
chega a R$ 200,00 o quilo.
Além deste, outros problemas relatados pelos pescadores se fazem presente
como:
58
a)
A falta de peixe, ou o peixe falhando como expressam geralmente os
pescadores. Este problema é resultante da intensa e desordenada pesca predatória
industrial e também pela utilização de técnicas predatórias pelos próprios
pescadores e coletores;
b)
Falta de caranguejo, pela utilização de técnicas predatórias e
exploração intensa do produto com intuitos comerciais, sem considerar e respeitar
os estoques naturais;
c)
A presença dos Piratas ou ratos d’água como denominam os
pescadores que roubam petrechos dos pescadores e, muitas vezes matam os
pescadores, atuando em áreas de maior fluxo como os pesqueiros;
d)
O uso de timbó, uma técnica indígena que consiste em tapar o rio e
amassar um cipó venenoso denominado timbó. Essa técnica além de matar o peixe
contamina a água;
e)
A tapagem dos rios e igarapés, técnica utilizada geralmente para pegar
camarão e peixes graúdos; os peixes menores são jogados fora;
f)
A fuzaca, técnica predatória que mata uma grande quantidade de
peixes, sobretudo os menores. Essa técnica foi introduzida pelos pescadores da
Praia de Romana, onde muitos pescadores possuem ranchos de pesca.
Tais problemas são freqüentes e antigos no município de Curuçá.
Antigamente, há cerca de 15 anos o referido município, apesar de possui um circuito
de comercialização economicamente expressivo, o cotidiano dos pescadores
funcionava de acordo com uma dinâmica pautada em demandas e necessidade
socioeconômicas não tão subordinadas às influências da sociedade de consumo.
Era bastante comum a troca de produtos pesqueiros com produtos agrícolas e,
também, a facilidade em se encontrar o peixe “ali na frente” como dizem os
pescadores. [...] Eu pescava aqui na frente e sempre tinha peixe...muito peixe...ai eu
dava, trocava e vendia... (Manuel, 62 anos, pescador)
O destino que os pescadores davam à produção pesqueira apontava para a
lógica que permeava seus objetivos de produção, pois ao mesmo tempo em que
supria as necessidades básicas de alimentação familiar, também, se voltavam à
venda, o que representava parte das estratégias utilizadas pelos pescadores para
sobreviver.
59
Devido a localização geográfica propícia à atividade pesqueira, como exposto
anteriormente, os pescadores do Abade acabavam por desenvolver-la como única
possibilidade de trabalho e de sustento, já que poucos tinham acesso aos estudos.
Era um caminho que os filhos acabavam por perseguir já que era a atividade mais
expressiva na comunidade.
Havia pescadores que se dedicavam aos trabalhos agrícolas, principalmente
ao cultivo da mandioca para a fabricação de farinha, como mecanismo de
manutenção de suas vidas no período em que a produtividade do pescado era
baixa. Mesmo que a atividade pesqueira fosse complementar a outros ramos
produtivos, como a agricultura, ser pescador era um ideal a ser alcançado como
melhoria de qualidade de vida, com chances de sair da precariedade e
possibilidades de mudar o rumo de sua história.
De acordo com os entrevistados o trabalho como pescador iniciava aos nove
ou dez anos de idade e, aos poucos na medida em que ia se socializando com a
atividade os costumes, as crenças, os valores e a solidariedade iam se consolidando
permitindo a formação de suas identidades particulares e ao mesmo tempo
comunitárias. “[...] eu pesco desde os nove anos e hoje tenho 27 anos” (Ivanildo, 27
anos, pescador). Quando indagado sobre o grau de escolaridade disse ter apenas a
3ª série do ensino fundamental e que não tinha tempo, pois “passo de15 a 20 dias
pescando e quando chego o cansaço é muito e já perdi muitas aulas...”.
Esse
problema se verifica não só entre os mais jovens, mas principalmente entre os
pescadores mais velhos cuja troca dos bancos escolares pelo trabalho na pesca
implica em auxiliar o pai no sustento da família.
A questão educacional do pescador no Abade é um obstáculo a ser vencido,
e que pode ser observado em quase todas as comunidades que tem a pesca como
atividade produtiva. No primeiro mandato do governo Lula, o Programa “Pescando
Letras” foi desenvolvido com o objetivo de melhorar os índices educacionais entre os
pescadores e, apesar dos esforços não conseguiu ser desenvolvido devido ao ritmo
de trabalho diferenciado que o pescador desenvolve. Nesse caso, as políticas
educacionais deveriam ser revistas e adequadas à realidade do pescador e não o
contrário, como vem ocorrendo.
60
No Abade, a pesca era realizada em canoas (reboques), casco e barco à vela
dependendo da demanda, e como petrechos, a linha de mão (na maioria das vezes
em algodão), o espinhel, a tarrafa, a rede de manilha ou de tucumã. As viagens
duravam em média 24 horas, 6 horas e, as vezes de 4 a 5 dias e a mão-de-obra
utilizada era a familiar e, algumas vezes em companhia de colega de pescaria ou
parceiro.
Os locais mais freqüentados pelos pescadores do Abade são: Romana,
Araquaim, Valentim, Murajá, Mutucal15 e dependendo da demanda e da embarcação
se deslocam para o Marajó e/ou para outros pesqueiros às proximidades que antes
não freqüentavam.
As reclamações dos pescadores mais antigos se voltam para o “sumiço do
peixe”. Essa expressão é bastante freqüente até mesmo entre os pescadores mais
jovens que muitas vezes trazem apenas o “quinhão”, como expressa o pescador
Ivanildo, 27 anos “tem dias que só trago pra comer, e mesmo assim divido com
minha mãe, com um visinho que sempre ajudo e com minha sogra. Às vezes não dá
nem pra fazer isso, só dá pra comer...”.
Percebe-se na fala do pescador que no passado, apesar da atividade na
comercialização ser expressiva, não havia uma submissão tão intensa imposta pelo
processo de circulação/comercialização como ocorre atualmente. As dinâmicas
impostas pelo mercado capitalista ao pescador, que vão desde a construção e/ou
melhorias das estradas ao mercado internacional, e isso vem provocando um
aumento expressivo na jornada de trabalho do pescador e, em alguns casos, o
abandono da atividade em busca de outras atividades que garantam o sustento de
sua família.
Mas, para termos uma compreensão melhor sobre o os conflitos que
envolvem o setor pesqueiro nesta área procuramos resgatar alguns subsídios
15
De acordo com os dados fornecidos pela Colônia de Pescadores de Curuçá, Mutucal representa o
segundo maior produtor e exportador de pescado, depois de São João do Abade. O tipo de pesca ali
desenvolvido é de curral (cerca de 76 currais) e a produção de pescado no período de safra por maré
é de 400 quilos de peixe. No verão, a produção cai muito e fica em torno de 150 quilos por maré. As
espécies capturadas é a pescada amarela, a piraba, a piramutaba, a corvina, a uritinga. São currais
instalados “lá fora” já praticamente no oceano. O trabalho é desenvolvido por família, ou seja, cada
membro da família (pai e filhos) tem um curral próximo um do outro.
61
histórico-sociais e suas ligações com o processo de ocupação humana na
Amazônia.
4.3
ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA ESTUARINA
A vocação do trabalho na pesca, na RESEX Marinha Mãe Grande,
especificamente, no Abade tem no processo de ocupação da Amazônia sua origem.
De acordo com dados fornecidos por FURTADO (2006) a pesca desenvolvida
na região do estuário remonta a as origens pluriétnicas que formaram a sociedade e
a cultura amazônica, proporcionando a coexistência de diversos grupos humanos,
como índios, brancos e negros que resultaram no intercâmbio de valores e saberes,
com reflexos no cotidiano de trabalho e no manejo dos recursos ambientais. Este
intercâmbio permitiu e permite ainda hoje seu uso por segmentos da sociedade
amazônica, como as populações pesqueiras, que atuam em ambientes marcados
pela presença da água, e que, atualmente, do ponto de vista prático representam um
dos setores produtivos mais significativos da economia regional e nacional,
considerando sua relação material e social tanto com a água quanto com a terra.
Com a descoberta de sítios arqueológicos e através de fontes históricas e
antropológicas é possível perceber que as formas de exploração dos recursos
aquáticos, como a pesca e a coleta estão entre as atividades humanas mais antigas
no mundo (LEROI-GOURHAN, 1983).
Segundo Furtado (2006) ao longo da calha do rio amazonas (várzea, terra
firme e zonas costeiras) as culturas humanas, como os grupos indígenas habitavam
as margens de rios, lagos, igarapés e,
[...] organizavam-se social e politicamente em aldeias de tamanho e
longevidade variáveis, valorizando o meio ambiente segundo suas
concepções culturais e geográficas. Os sistemas produtivos pareciam estar
em íntima relação e dependência à natureza e seus recursos ecossistêmicos,
nos quais a pesca e a coleta reportavam como primado de uma economia
extrativista, seguidas da agricultura através de roçados (derrubada,
queimada). (FURTADO, 2006 p. 20).
Segundo Simões (1982 apud PEREIRA, 1996) Roosevelt (1992 apud
PEREIRA, 1996) as seqüências cronológicas do povoamento pré-histórico da região
62
Amazônica revelam as diversas formas das práticas de pesca e de coleta
desenvolvidas pelos grupos de caçadores, coletores e ceramistas, nas diversas
fases ou formas de ocupação, como descritos nas Tabelas 04 e 05 a seguir:
63
TABELA 04 - SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA DO POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA SEGUNDO SIMÕES, 1982.
FORMAS DE POVOMENTO
•
Caçadores - coletores
10.000 a 1.000.a.C
Coletores- pescadores – ceramistas
3.200 – 200 a.C
(Coincide com aumento do nível do mar.)
Agricultores incipientes
1.100 – 200 a.C
Agricultores de Selva Tropical
0 – AD 600
Agricultores Subandinos
AD 1000 – 1.300
•
•
•
CULTURA
Caça coleta de raízes e frutos, pesca e
coleta de moluscos fluviais;
Artefatos de pedra;
Assentamentos provisórios a céu aberto;
Ocupação mais prolongada em grutas e
abrigos
FASES E LOCAIS
Complexo Dourado - Rondônia
Vilhena - Rondônia
Jatobá - Mato Grosso
Rio Tapajós - Pará
Ilha de Cotijuba - Pará
• Recursos do Mar;
• Cerâmica;
Ocupação do Litoral
• Artefatos de pedra, ossos de dentes de
Mina – Litoral do Pará
animais;
Castalia – Alenquer
• Enterramentos em Sambaquis
Macapá – Baixo Xingu
Uruá - Quatipuru
• Sedentários;
• Caça, coleta e cultivo de raízes;
• Sambaquis (Lago Grande de Curuá)
• Roçados, caça, pesca e coleta;
• Grandes aldeias ribeirinhas e lacustres.
Ocupação do Marajó e Baixo Amazonas.
Ananatuba - Marajó
Javari - Alenquer
Mangueiras - Marajó
Manacapuru - Médio Amazonas
Caiambé - Médio Amazonas
Santarém - Rio Tapajós
• Agricultura mais desenvolvida;
• Maior complexidade cultural;
Marajoara - Marajó
• Cerâmica elaborada, tecido, cestaria,
Tefé, Guarita, Apuaú, Itacoatira, Maraca,
plumárias, artefatos líticos, canoas.
Samanbaia, Pirapitinga, Mamelos, Pupunhas,
• Alta densidade populacional
São Joaquim (Ocidental da Amazônia).
FONTE: PEREIRA, 1996.
64
TABELA 05 - SEQUÊNCIA CRONOLÓGICA DO POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA SEGUNDO ROOSEVELT, 1992
FORMAS DE POVOMENTO
Paleoíndio
(Plestoceno tardio e início do Holoceno)
Caçadores – coletores nômades
11.000 – 5.000 a.C.
Arcaico
5.000 – 2000 a.C.
Formativo
CULTURA
• Caça, pesca e coleta frutos;
• Artefatos de pedra;
•
Abrigos, grutas e sambaquis;
•
Artefatos líticos (pontas de flecha);
•
Pinturas rupestres.
•
•
•
•
Tecnologia pré-cerâmica
Sambaquis litorâneos e fluviais;
Coleta de agricultura incipiente
Peixes e mariscos
• Agricultura mais intensivo;
• Assentamentos ribeirinhos;
FASES E LOCAIS
Complexo Dourado - Mato Grosso
Rhome - Santarém
Gruta de Pedra Pintada – Monte Alegre
Mina – Litoral do Pará
Taperinha – Santarém
Castália – Alenquer
Gruta do Gavião
Gruta de Pedra Pintada
Paituna - Monte Alegre
Ananatuba - Marajó
Jauari - Alenquer
Poço - Nhamundá, Trombetas.
Gruta de Pedra Pintada
Aroxi - Monte Alegre
Chefaturas
1.000 a. C – 1000 d.C.
•
•
•
•
•
Aparecimento de chefia ou cacicados;
Coleta intensiva;
Concentração nas Várzeas;
Contato com europeus;
Cerâmica altamente elaborada
Santarém - Baixo Amazonas
Itacoatira - Médio Amazonas
Gruta de Pedra Pintada - Médio Amazonas
Paricó - Monte Alegre
FONTE: PEREIRA, 1996.
As evidências pré-históricas descritas nas Tabelas 1 e 2 revelam que os
povos que aqui habitavam se adaptavam aos locais e às características do meio
ambiente de acordo com suas necessidades contribuindo para o estabelecimento de
grandes aldeias em solos ricos e águas produtivas cuja sobrevivência de seus
habitantes dependia da captura intensiva de peixe, moluscos e de espécies arbóreas
favorecendo a construção da história da população pesqueira (FURTADO, 2006)
No período colonial, foram realizadas diversas tentativas de ocupação da
Amazônia por estrangeiros, mas somente com a chegada dos portugueses, em 1616
se consolidou tal intento. A partir de então, não de forma contínua mais através da
exploração, da resistência e da assimilação foram fundadas fortalezas e feitorias ao
longo da costa, rios e igarapés da região amazônica, por jesuítas, que propiciaram
um longo processo de integração entre índios, mercadores portugueses e colonos
resultando na formação de núcleos populacionais mestiços cuja economia baseavase no manuseio e uso dos recursos naturais aquáticos e terrestres, contribuindo
assim para o surgimento de sociedades agropesqueiras. Tais sociedades, segundo
Furtado (2006) evocam os hábitos sócio-culturais, as características e a influência
desse período resultando no surgimento dos primeiros núcleos coloniais da região,
atualmente centros urbanos onde habita a maioria dessas sociedades.
A aculturação entre índios e colonos portugueses influenciou e modificou
profundamente o modo de vida social, ambiental e econômico anteriormente
existente na região amazônica, pois, além do sangue misturaram-se os hábitos,
comportamentos, técnicas e conhecimentos, principalmente em relação ao manejo e
uso dos recursos naturais. Como conhecedores natos de tais recursos, os índios
além da pesca, caçavam e coletavam crustáceos e moluscos, suas únicas formas de
subsistência, para atender aos interesses econômicos do comércio português, tanto
interno quanto para exportação. Eis a finalidade da criação dos pesqueiros reais
durante o século XVII, que nada mais eram que aldeias que objetivavam prover o
Estado com produtos oriundos da fauna e flora local.
A partir de então, no desenvolvimento da história, observa-se que os modos
de fazer diferenciados exigem da relação homem/meio um trabalho mais complexo,
que corresponda as inovações propostas por cada momento histórico (SANTOS,
66
1997). Assim, a aquisição de novas técnicas, bem como a substituição de uma
forma de trabalho por outra e, de um espaço territorial por outro contribuíram para a
expansão das atividades econômicas na Amazônia, via novos gêneros extrativos,
como a borracha e a Castanha-do-Pará influenciando e modificando a sociedade
regional tanto do ponto de vista urbano, quanto do ponto de vista rural, com a
multiplicação das vilas e povoados, provocando novas relações sociais e políticas.
4.4
A PESCA E SUA COMERCIALIZAÇÃO
A pesca na região amazônica, particularmente no Estado do Pará, possui
grande importância na vida de sua população, não só pela produção de alimentos
dela retirados, mas por ser uma das atividades que contribui para que determinadas
comunidades que dela dependam, se reproduzam socialmente enquanto grupo de
pescadores (Furtado, 1993).
De acordo com dados fornecidos pelo IBAMA (2004)16 o Pará é responsável,
isoladamente, por 63% da produção pesqueira, o que representa em nível nacional
15,5% , constituindo-o no maior produtor de pescado do país. Em, praticamente,
todos os municípios do Estado a pesca artesanal é desenvolvida e corresponde a
77,2% de sua produção. Isso gera uma pauta de espécies bastante diversificadas,
como mostra a Tabela 3
TABELA 06 – Diversificação de espécies capturadas na pesca paraense
16
NOMENCLATURA POPULAR
NOMENCLATURA CIENTÍFICA
Bagre
Arius sp.
Bandeirado
Bagre bagre
Cação
Carcharrhinus spp
Cambéua
Ariidae
Ressaltamos que os dados fornecidos pelo IBAMA correspondem a Estatística Pesqueira realizada
em 2004 e, que até o presente momento não há indícios de atualização dos mesmos.
67
Corvina
Ctenosciaena gracillicirrhus
Gurijuba
Arius parkeri
Pescada Amarela
Cynoscion acoupa
Pescada Go
Macrodon ancylodon
Pratiqueira
Mugil sp.
Serra
Scombridae
Tainha
Mugil spp.
Uritinga
Arius proops
No tocante ao segmento industrial, a captura e processamento geram uma
relação mais reduzida que se concentra em três espécies mais especificamente: o
camarão-rosa (Farfantepenaeus spp), a lagosta (Panulirus spp.) e a piramutaba
(Brachyplatystoma sp.), cujo foco central é o comércio exterior.
Na diversidade de domínios existentes na região em questão como: o
marítimo, o fluvial e o lacustre, a atividade pesqueira se desenvolve em dupla
dimensão: como uma atividade complementar na vida da população e/ou como uma
atividade central, que ocupa grande parte do tempo do pescador.
Na comunidade do Abade observa-se que a segunda dimensão é a que
ocorre com mais freqüência: o pescador ocupa grande parte de seu tempo nas lidas
da pesca, embora em algumas comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande
haja uma dedicação de parte de seu tempo em outras atividades fora do âmbito da
pesca, como a agricultura.
Quando o pescador não está desenvolvendo a pesca, geralmente está
consertando ou repondo peças em seus instrumentos de trabalho, o que segundo
Furtado (1993) o faz ter a denominação, nos discursos oficiais, de “pescador
artesanal” ou pescador monovalente.
Os pescadores artesanais, segundo Furtado (1993),
[...] são todos os agentes individuais que, na atividade pesqueira, manipulam
com uma tecnologia simples, de base manual, organização de trabalho
baseada em relações primárias, cujas equipes de trabalho são,
consequentemente, constituídas à base das relações de parentesco
(consangüíneo e/ou afins) e vizinhança, sem mediatizações de ordem
capitalista; a orientação da navegação e das técnicas de captura são
68
fundadas no saber e habilidade empíricos transmitidos de geração a geração.
(FURTADO, 1993 p. 280)
A pesca artesanal é uma atividade produtiva ligada ao setor primário da
economia e envolve relações sociais, tecnológicas e financeiras que se estabelecem
a partir da fabricação de insumos, passando pela produção de matérias-primas e
processamento, até chegar ao mercado consumidor (SANTOS, 2005) (Figura 9)
AMBIENTE E INFRA-ESTRUTURA INSTITUCIONAL
PESCA
ARTESANAL
INSUMOS
PRODUÇÃO
DE PESCADO
ARMAZENAMENTO E
PROCESSAMENTO
TRANSPORTE E
DISTRIBUIÇÃO
PESCA
INDUSTRIAL
AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Figura 9. Representação esquemática da cadeia produtiva da pesca no Nordeste Paraense.
Fonte: Santos (2005 p. 64)
MERCADOS
Local
Regional
Nacional
Internacional
A representação esquemática apresentada por Santos (2005) descreve o
circuito realizado pela cadeia produtiva da pesca no Nordeste Paraense, em que se
inclui a comunidade de São João do Abade. Ali, a atividade pesqueira é bastante
intensa e, cada vez mais vem se tornando expressiva uma vez que gera ocupações
e empregos para a população local e de outros municípios, em diversos setores,
dentre eles: o de transporte, o industrial, através do processamento dos produtos
pesqueiros e o de bens e serviços ligados à pesca no município.
Neste circuito o que predomina é o “modo capitalista de produção pesqueira”
no qual, segundo Mello (1984 p. 36) “[...] o trabalho deixou de pertencer aos
pescadores, sendo agora posse de alguns proprietários que, mediante privatização
dos meios e produtos de trabalho, utilizam o esforço produtivo daqueles
(expropriados) em seu proveito”.
Ainda, segundo Mello (1984) a pesca passou a ser comercializada e o
pescador a ser considerado um “profissional”, tal como hoje o concebemos, a partir
da segunda metade do século XX como resultado da penetração de interesses
capitalistas do setor, na região amazônica, cuja origem, do ponto de vista histórico,
se pauta no surgimento da comercialização intensiva do peixe, quando do processo
político de incentivos exploratórios ocasionados pela exploração das drogas do
sertão que teve como conseqüência
[...] a proliferação de inúmeros aglomerados populacionais que vieram logo
a constituir-se em centros comerciais, vilas e cidades, além de exercerem
também o papel de locais para estabelecimento de unidade burocráticas
representativas do governo provincial e central. Em conseqüência deste
processo teremos não apenas uma mesclagem étnica entre o elemento
indígena e o europeu [...] mas também o início das transformações dos
costumes locais (indígenas), onde organizar a pesca passou a significar,
paulatinamente, não apenas uma satisfação de necessidades alimentícias
das próprias comunidades, mas recurso de abastecimento dos centros
urbanos e de opção de sustento do grande contingente humano
empregado em atividades econômicas e burocráticas centrais. (MELLO,
1984, p. 25)
A partir de então, a economia de mercado penetra nas relações humanas
estabelecidas no interior da região e provoca revoluções na tradição indígena, cuja
71
pesca voltada à subsistência, irá paulatinamente perder o seu papel para a
intensificação da comercialização que inicia com a chegada das geleiras17.
A introdução maciça do motor nas embarcações, que no Pará ocorreu por
volta do final da década de 1940; a expansão do sistema rodoviário, que segundo
Furtado (1987) permitiu não somente a facilitação do transporte de passageiros,
mas, também as transações de mercadorias da capital com bens locais e o
surgimento dos primeiros compradores de peixe para revenda em outros locais que
regionalmente se denominam marreteiros; e a urbanização acelerada, decorrente da
transformação de algumas localidades situadas no litoral em balneários são alguns
dos acontecimentos que, segundo Mello (1984) contribuiu para a revolução
comercial no setor pesqueiro.
4.4.1 O Trabalho na Pesca
A pesca, independente do modo de produção no qual se insere, é um
processo efetivo de trabalho (MELLO, 1984). Sendo assim, “possui componentes
próprios que fazem com que, em qualquer época ou lugar, detenha certas
características inerentes a todo tipo de atividade laborista” (IDEM. IBDEM).
O trabalho, segundo Marx (1978 apud MELLO, 1984 p. 34) “é um processo do
qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua
própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”
transformando-a para a satisfação de suas necessidades materiais e assim, recriar
sua própria vida e sua história.
Desta forma, as atividades desenvolvidas no âmbito dos ecossistemas
aquáticos, são influenciadas pelas realidades socioambientais de cada região do
país. Isto significa que as populações que se utilizam dos recursos existentes
nesses ecossistemas, realizam atividades diversificadas, e no caso da pesca, estas
atividades se voltam para a pesca industrial e para a pesca artesanal.
17
De acordo com Mello (1984) são canoas toldadas, movidas a vela e com um porão contendo caixas
com gelo picado para o acondicionamento do pescado.
72
Na pesca industrial, o padrão e a qualidade do produto são ditados pelas
exigências do mercado consumidor nacional e, principalmente o internacional o que
impõem um rígido controle no processo de trabalho, bem como de sua forma
tradicional de tratamento (MELLO, 1993). Segundo o autor,
[...] A captura industrial representa, em termos tecnológicos, uma produção
mais organizada em molde tipicamente mecanizado, onde a maquinaria
desempenha o papel dentro do processo produtivo. A força de trabalho é
empregada para desempenhar a função de “colaboradora” numa atividade
onde o instrumental de trabalho não depende mais, para ser acionado, da
força e destreza do trabalhador, mas deste está “emancipado”
(IDEM.IBDEM)
Na pesca artesanal, a atividade é realizada através do emprego de
tecnologias tradicionais como: o espinhel, a tarrafa, e de embarcações como as
canoas à vela e a remo, bem como por instrumentos considerados mais
modernizados como o barco a motor e a rede malhadeira. Tais instrumentos são
utilizados de acordo com as condições físico-ambientais da região em que se
desenvolve e são respaldadas pela utilização da mão-de-obra familiar, de parentes e
de amigos, através do sistema de parceria.
Na região do estuário, os métodos de pesca desenvolvidos pelos pescadores
são: a pesca de rede, a pesca de espinhel, a pesca de matapi e a pesca de tapagem
(MOREIRA & ROCHA, 1995), e dependem da demanda e do tipo de
comercialização a ser realizado, assim como as embarcações utilizadas durante o
trabalho do pescador.
No exercício de sua atividade, o pescador visa como finalidade, o pescado,
que lhe servirá de alimento e que se constituirá num valor de uso e, para atingir seus
objetivos, utiliza-se dos meios disponíveis que possui, em que se inclui o saber “[...]
saber este que assume as formas de costumes, hábitos, tradições desdobrando-se
em procedimentos racionalizados (LUKÁCS, 1978 apud IAMAMOTO, 2006 p. 42)
Assim, o trabalho na pesca só é possível como atividade coletiva e somente
“se realiza mediante o consumo de instrumentos, matérias e conhecimentos legados
por gerações anteriores. [...] É neste sentido que o indivíduo concreto é em si
mesmo, um produto histórico-social” (IAMAMOTO, 2006 p. 43-44).
73
Mas, segundo Godelier (1981) observando-se mais atentamente as forças
produtivas de que uma sociedade dispõe para agir sobre a natureza que a cerca,
percebe-se a existência de dois componentes intimamente interligados: uma parte
material, onde se inserem o homem e os utensílios, e uma parte ideal, onde estão as
representações da natureza, as regras de fabricação e de uso dos utensílios, etc. A
estas representações ele chama “processos de trabalho”. Um processo de trabalho
muitas vezes traz em si atos simbólicos através dos quais é possível uma ação
sobre os poderes invisíveis que controlam a reprodução da natureza, sendo assim,
constitui-se em
[...] uma realidade social tão real como as ações materiais sobre a
natureza, mas sua finalidade, suas razões de ser e sua organização interna
constituem igualmente realidades ideais, cuja origem é o pensamento que
interpreta a ordem escondida do mundo e organiza a ação sobre as
potências que o controlam. Meios materiais estão, muitas vezes,
implicados na realização destes rituais (objetos sagrados, argilas para
pintar os corpos, etc.), mas só possuem sentido e eficácia no interior do
sistema de interpretação da ordem social e cósmica que os selecionou.
(GODELIER, 1981 p. 186)
Assim, o homem tem uma história porque transforma a natureza, organizando
a vida social num processo de produção de novas formas culturais (GODELIER,
1984).
A identidade de uma sociedade pesqueira “advém das representações e
interpretações e significados que estabelece para as relações sociais, econômicas,
culturais que por sua vez são o suporte para sua ação sobre a natureza” (TORRES,
2004, p.57).
Pois,
Uma sociedade pesqueira define-se por realizar primordialmente o
trabalho de pesca, captura de espécies existentes no meio aquático
(oceano, mar, rio, lago, poço ou manguezal) que lhes fornecem
alimentos; que lhes proporciona meios de comercialização externa de
produtos (peixes, camarões e caranguejos); que produz uma organização
social e práticas culturais associadas à pesca; finalmente a existência do
grupo produz a identidade de pescador/pescadora, pescadores. (IDEM.
IBDEM)
74
A mobilidade espacial que a atividade pesqueira possui possibilita ao
pescador sua realização continuada, pois devido o produto com o qual trabalha ser
móvel e imprevisível, o deslocamento a procura do mesmo nos meses de
entressafra18 lhes garante a comercialização e a subsistência; além disso, lhes
permite contatar com cidades vizinhas e, mesmo com a capital do estado onde
ampliam suas relações comerciais e pessoais.
No âmbito da atividade pesqueira, os conflitos sociais e ambientais se fazem
presentes na medida em que a organização do trabalho deixa de ser simplesmente
técnico e/ou econômico e passa a ser também político como conseqüências do
próprio jogo de poder que se estabelece entre capital e trabalho.
De acordo com Furtado (2003) os conflitos da pesca na região amazônica
assumem características diferenciadas e são resultantes de um processo de
transformação mais abrangente que atinge a sociedade brasileira. Portanto, estão
expressos na condição social das comunidades humanas sob diversas formas:
tensão, desconfiança entre vizinhos ou mesmo parentes, e, também, sob a forma de
enfrentamentos, litígios, interditos, emboscadas, disputas de territórios, o que na
pesca remete aos conflitos ambientais.
Os conflitos, em geral envolvem categorias antagônicas como os pescadores
artesanais e os pescadores industriais, os pescadores artesanais e os fazendeiros,
os pescadores artesanais e os marreteiros, os pescadores artesanais e o Estado.
Tais categorias emergem do processo de transformação pelo qual vem passando o
setor pesqueiro artesanal, e, sobretudo, pela reestruturação produtiva do mercado.
(FURTADO, 1993)
A atividade pesqueira na Amazônia, e consequentemente no Abade está
politicamente marcada pelo conflito entre dois setores produtivos: a pesca artesanal
(tradicional) e a pesca industrial (moderno).
18
No Nordeste Paraense o período de safra corresponde aproximadamente os meses de julho a
dezembro, quando ocorre o “verão” amazônico.
75
A exploração dos territórios de pesca, ou pesqueiros, como se denominam no
Pará, segundo Maneschy (2002), depende ainda, principalmente, daqueles que
aprenderam a localizá-los pela prática e pela transmissão dessa prática.
O trabalho do pescador, então, exige um aprendizado prévio (SANTOS, 1997)
para que a apreensão que ele tem sobre estes elementos se concretize e se
perpetue ao longo de sua vida laboral. A manutenção do conhecimento contínuo,
adquirido durante o processo de aprendizagem, mantém o pescador em constante
movimento de interação e integração com a natureza, e lhe permite a reprodução de
seu trabalho e a perpetuação desse conhecimento, através da ancestralidade,
pautado nas relações sociais emergentes em seu cotidiano.
A
territorialidade
na
pesca
constitui-se,
portanto,
num
espaço
de
complexidade de relações que,
[...] vai além da concepção de limite físico, envolvendo fatores que a
definem como um patrimônio acumulado de quem a constrói” (...), “onde se
inclui o saber nativo, passado de geração à geração, no seu traçado geral,
na detecção e definição dos cardumes; a escolha do recorte dos
pesqueiros ou pontos de pesca por parte desses usuários para captura das
espécies desejadas segundo suas necessidades (de consumo e de
comercialização); as condições de acesso aos mananciais e ao trabalho
disponíveis que permitam ter acesso aos pesqueiros a descobrir ou já
descobertos; o código de direito costumeiro que norteia o uso dos
territórios e seus recursos em diferentes estações do ano (de enchente,
cheia, vazante e seca) ou segundo o regime de marés em áreas de litoral e
estuário e o código de ética elaborados no seio da sociedade
agropesqueira a que pertencem (FURTADO, 2003 p. 2)
Ainda, segundo Furtado (IDEM, IBDEM),
A territorialidade torna-se então, um espaço de trabalho, um patrimônio
capitalizado pelo pescador em sua faina cotidiana e com a tecnologia
simples que dispõe, levando-o a crer numa posse por direito costumeiro de
uso; a pleitear reconhecimento por parte de outros segmentos econômicos
que buscam os ditos recursos comuns, móveis (pescadores das indústrias
de pesca sediadas nas capitais dos Estados e nos centros urbanos do
interior (Óbidos, Santarém, Maracanã, Bragança, para citar exemplos); a
denunciar situações que venham infringir seus códigos (invasão de barcos
da frota industrial e da frota comercial externa em lagos, estuários
protegidos por lei como é o caso do estuário do rio Amazonas protegido por
Portaria da antiga SUDEPE); e a reivindicar participação efetiva no
processo de gerenciamento dos recursos ambientais, de ordenamento de
bacias e versão de políticas públicas para o setor pesqueiro nacional e
regional. (Idem. Ibidem)
76
A sociedade e a natureza são totalmente interligadas e assim, a
sustentabilidade não se volta somente aos recursos e ao meio ambiente, mas inclui
as formas sociais de apropriação e uso desses recursos e desse ambiente
(ACSERALD, 2000 p. 97).
Na visão de Sachs (1993) a sustentabilidade pode ser desenvolvida em cinco
dimensões necessárias ao planejamento do desenvolvimento das comunidades:
a) a sustentabilidade social, que objetiva a construção de uma civilização do
Ser, abrangendo assim todos os aspectos de necessidades materiais e nãomateriais;
b) a sustentabilidade econômica, possibilitada por uma alocação e gestão
mais eficientes dos recursos;
c) a sustentabilidade ecológica, em que os propósitos sociais e a redução de
danos aos sistemas de sustentação da vida devem ser priorizados e devem nortear
as ações;
d) a sustentabilidade espacial, voltada para uma configuração rural-urbana
mais equilibrada e para uma melhor distribuição territorial de assentamentos
humanos e atividades econômicas;
e) a sustentabilidade cultural, que busque uma pluralidade de soluções,
respeitando a pluralidade e as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura
e de cada local.
Porém, enquanto as populações ditas tradicionais como os pescadores não
tiverem suas características peculiares respeitadas não haverá possibilidades de
implementação de uma sustentabilidade nos moldes propostos por Sachs. Estas
características expressam, segundo Diegues e Arruda (1999 apud SILVA et al 2007)
uma rica diversidade cultural e de conhecimentos tradicionais que associados à
biodiversidade tornam-se práticas, costumes e crenças destas populações.
De acordo com a Medida Provisória nº 2.186 – 16, de 23 de agosto de 2001,
o conhecimento tradicional se define como a “informação ou prática individual ou
coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou
potencial, associado ao patrimônio genético”.
A Constituição Federal de 1988, mesmo não apresentando um tratamento
específico a estas populações e aos direitos oriundos de seus conhecimentos,
77
expressa seu contributivo na perspectiva de diretos coletivos referentes à cultura
traços da proteção desses conhecimentos, que podem ser observados nos Art. 215
§ 1º, § 2º e Art. 216 § 1º e § 2º.
Assim, os bens de natureza material e imaterial são amplamente
estabelecidos na Constituição, sendo estes últimos os que
[...] abrangem as mais diferentes formas de saber, fazer e criar, como
músicas, contos, lendas, danças, receitas culinárias, técnicas artesanais e de
manejo ambiental. Incluem, ainda, os conhecimentos, inovações e práticas
culturais de povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais, que vão
desde formas e técnicas de manejo de recursos naturais até métodos de
caça e pesca e conhecimentos sobre sistemas ecológicos e espécies com
propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas – os conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade. (SANTILLI, 2007 p. 121).
A ampliação da noção de patrimônio cultural, a valorização da pluralidade
cultural e a democratização das políticas culturais estão presentes em todos os
dispositivos constitucionais dedicados à proteção da cultural (SANTILLI, 2007 p.
119). Desta forma, a Constituição procura “abandonar a perspectiva elitista,
monumentalista e sacralizadora de patrimônio cultural e valorizar a cultura viva,
enraizada no fazer popular e no cotidiano das sociedades” (SANTILLI, 2007 p. 120).
4.5
A COMUNIDADE DO ABADE, HOJE
A comunidade de São João do Abade, destaca-se no âmbito da RESEX
Marinha “Mãe Grande” como a principal responsável pela produção pesqueira em
grande escala. Por se localizar geograficamente no estuário amazônico, na foz do
rio Muriá, este tipo de atividade se torna propício na comunidade e, isso representa
uma importância expressiva para a economia do Município e do Estado do Pará.
Atualmente, a comunidade recebe cerca de 700 toneladas de pescado por
dia, através de seus principais portos: Jenipapo, do Mercado Central e da
CAMPASA, trazidas por embarcações pesqueiras locais e de outros municípios,
como Bragança, Vigia, São Caetano de Odivelas e também da Costa do Marajó, que
se destinam, em grande parte, aos Estados do Maranhão e Ceará, através de
78
caminhões frigoríficos (baús, como denominam os moradores localmente) que
aguardam os peixes eviscerados e acondicionados em gelo (Figuras 10, 11 e12).
Figura 10, 11 e 12: Caminhões-baú nos Portos do
Mercado e do Jenipapo aguardando carregamento
de peixe para ser levado aos Estados do Ceará e
Maranhão.
Fonte: Trabalho de Campo, 2008.
O Abade dista da sede municipal, Curuçá, cerca de 4km e, durante o
percurso é possível perceber o número expressivo de casa construídas em alvenaria
e/ou em construção (Figuras 13 e 14).
79
Figuras 13 e 14: Trecho da PA-136 que liga a sede municipal ao Distrito de São João do Abade
Fonte: Trabalho de Campo, 2007.
O que dantes era somente vegetação, agora, com a estrada asfaltada,
paulatinamente vem se tornando um “encontro” entre a sede e a comunidade do
Abade permitindo em ambas uma projeção de suas relações econômicas em âmbito
regional e nacional, o que denota também a ampliação da comunicação entre si e
com o mundo. O limite entre a Sede municipal e a comunidade do Abade é feito por
uma ponte sobre o Igarapé Grande, que em 2007 foi refeita em concreto e entregue
à população local.
A estrada, como impacto de grande relevância às mudanças locais, permitiu
um acesso mais rápido e fácil para a população fixa e flutuante, como os turistas e
visitantes, e isso se expressa na fala da maioria dos moradores os quais consideram
a melhoria da estrada uma benesse principalmente do ponto de vista da saúde, pois
“não tinha como chegar rápido no hospital porque a ambulância não entrava... era
tudo mato e lama” (morador, 62 anos).
Ao entrarmos no Abade percebemos, ao longo da orla, apetrechos de pesca
(redes) e de captura de camarão (matapi) pendurados em árvores e/ou em frente
das casas, alguns pescadores consertando e/ou confeccionado redes, embarcações
coloridas atracadas nos portos, e ao fundo os manguezais, que em conjunto formam
uma bela imagem do lugar, ressaltando sua intimidade com o meio aquático.
Nas proximidades do Porto do Mercado estão instalados o Mercado Municipal
antigo (Figura 15) e o Mercado novo (Figura 16), inaugurado este ano de 2008,
segundo informações locais, realiza uma reivindicação antiga dos moradores que
80
não dispunham de um local adequado para a venda do peixe e de demais produtos
alimentícios, como frango, carne, verduras e legumes. Além destes, há a empresa
CAMPASA (Figura 17) que comercializa e processa o produto dos pescadores
artesanais (filetado). Esta empresa possui uma fábrica de gelo que abastece o
município de Curuçá, e outros da Zona do Salgado como Marapanim.
Figuras 15, 16: Mercado Municipal Antigo e Mercado Municipal Novo, inaugurado em março/2008
Figura 17: Empresa CAMPASA. Fonte: Trabalho de Campo, 2008.
Por se tratar de um entreposto pesqueiro, a movimentação na comunidade é
bem maior nas proximidades dos trapiches, em um fluxo quase contínuo, devido
comercialização expressiva do pescado trazido pelas embarcações (Figuras 18 e
19). Estas, estão constantemente em atividade nas águas do rio Muriá, entrando e
saindo dos Portos do Abade, em tamanhos que variam de acordo com a diversidade
81
que a atividade oferece. As embarcações motorizadas percorrem distâncias
consideráveis, e em geral, possuem um tamanho maior para armazenar uma grande
quantidade de pescado; outras embarcações como as canoas (montarias) e os
pequenos barcos a vela desenvolvem uma pesca em menor escala devido sua
capacidade de armazenamento ser menor.
A mobilidade constante dos cardumes bem como as facilidades do comércio
em relação a compra e venda, o clima e a aquisição de combustível e gelo para
suas embarcações exige do pescador também uma mobilidade que quase sempre o
coloca na condição de itinerante, seja ele nativo ou de outras comunidades.
A mão-de-obra utilizada na pescaria do Abade, em geral é familiar a qual se
utiliza de petrechos de pesca como a rede grossa, ferreira , coveira, espinhel. A
pesca de curral também é desenvolvida, mas em menor escala. Os pescadores
utilizam o malheiro 70 que pega a pescada, a dourada; utilizam também o malheiro
30 que pega a pescada gó, o malheiro 40 que pega a tainha e o malheiro 50 que
pega o peixe serra. Os pescadores trabalham mais para o norte, no Marajó.
Figura 18 e 19: Embarcações no trapiche do Porto do Jenipapo
Fonte: Trabalho de Campo, 2007
As espécies mais capturadas pelos pescadores no Abade são: a arraia
(Dasyatidae); o bagre (Arius sp.); o bandeirado (Bagre bagre); o cação
(Carcarrhinidae), a cambéua (Ariidae); a corvina (Ctenosciaena gracillicirrhus);
82
Gurijuba (Arius parkeri); o mero (Epinephelus sp.); o peixe-pedra (Genyatremus
luteus); a pescada amarela (Cynoscion acoupa); a pescada branca (Plagioscion
squamosissimus); a pescada go (Macrodon ancylodon); a pratiqueira (Mugil sp.); a
tainha (Mugil sp.); a Uricica (Chatorops spixii); a uritinga (Arius proops) e a serra
(Scombridae). Em geral, são espécies que possuem alto valor no mercado e
destinadas ao mercado externo, como é o caso do cação e da pescada amarela.
Quanto a participação da mulher na pesca, poucas atuam na pesca “lá fora”.
Em geral, trabalham mais na parte de marisco, dentro do rio, e em atividade de
conserto de rede, e no período de safra se mudam com os maridos para os ranchos
localizados nas proximidades, como é o caso da Praia da Romana. No Bairro Alto,
em Curuçá, muitas mulheres trabalham na atividade de mariscagem e integram o
quadro de associados da Colônia Z-5 na condição de pescadoras e não de
marisqueiras. De acordo com os dados fornecidos pela Colônia isso se deve as
questões previdenciárias que em seu cadastro não reconhecem outro tipo de
atividade que não seja a de pescador extrativista. Assim, as mulheres são
cadastradas na categoria de pescador extrativista, mas com uma observação
ressaltando a real atividade que exercem na pesca.
Atualmente a Colônia de Pescadores conta com 3.000 pescadores
cadastrados, dados estes em fase de atualização, segundo informações da
presidente da Colônia, Maria do Rosário. Destes, 1.500 já estão aposentados, mas
muitos continuam a exercer a profissão e poucos participam das reuniões realizadas
pela Colônia. Há também os familiares de pescadores já falecidos que recebem
uma pensão. Desta forma, o número de pescadores cadastrados exercendo a
profissão gira em torno de 1.300.
Em relação a faixa etária dos pescadores cadastrados o número de jovens é
maior e isso, de acordo com as informações da Colônia, se deve ao fato da
resistência dos mais velhos em se cadastrar por não possuírem documentação
regularizada. De acordo com a presidente da Colônia, existem muitos pescadores
que, aos 60 anos não possuem identidade, o que é preocupante, pois hoje há uma
exigência muito grande de documentos que comprovem o exercício da profissão
para evitar a infiltração de pessoas interessadas apenas em ter acesso aos
programas do governo federal destinados aos pescadores. Atualmente está sendo
83
desenvolvido um trabalho de conscientização junto aos pescadores para que o
cadastro se efetive o mais cedo possível, e assim eles possam ter direitos não só
previdenciários, mas, também, de acesso à financiamentos disponibilizados pelo
governo federal para as áreas de pesca. Antigamente, segundo a presidente Maria
do Rosário, os pescadores só procuravam a Colônia no período da aposentadoria.
Hoje, esta mentalidade já está mudando, pois o pescador já está mais politizado e
quer que a Colônia defenda seus direitos em envolve a profissão.
Em relação a população do Abade, que se formou e vem se formando no
entorno dos Portos é constituída, em sua maioria, por migrantes provenientes dos
municípios vizinhos, como Bragança cuja presença maciça originou o bairro mais
populoso da comunidade, denominado “Bragantino”. Neste bairro vive grande parte
dos pescadores que chegaram à comunidade, há cerca de 10 anos buscando
melhorias de vida para si e para seus familiares atraídos pela oferta de recursos
pesqueiros que a região oferece.
Esse crescimento desordenado no Abade vem ocasionando sérios problemas
ambientais, principalmente em relação a invasão e aterramento dos manguezais
para construção ilegal de moradias (Figuras 20 e 21). A grande maioria das casas
construídas não possui saneamento básico e nem coleta de lixo seletiva (Figura 22),
o que compromete ainda mais a qualidade de vida dos moradores da comunidade,
em geral.
FIGURAS 20 e 21 - Bairro Bragantino: área de Mangue ocupada por famílias de
pescadores oriundos do município de Bragança
FONTE: Trabalho de Campo, 2008.
84
FIGURA 22 – Lixão depositado no
mangue.
Ausência
de
coleta
seletiva.
FONTE: Trabalho de Campo, 2008.
Por estar inserida no âmbito da RESEX Mãe Grande, algumas famílias de
pescadores foram beneficiadas com uma casa de alvenaria, que segundo a
AUREMAG faz parte do Projeto “Associação dos Usuários da Reserva Extrativista
Mãe Grande” em parceria com o INCRA para comunidades que integram a RESEX.
Desta forma, para adquirir uma casa e/ou fomentos como: máquinas de costura,
geladeiras, redes de pesca, embarcações, entre outros fazia-se necessário o
preenchimento de um cadastro e, através dele as famílias estavam aptas a receber
o que haviam solicitado.
As casas construídas pelo Programa são simples, com apenas três cômodos
e não possuem acabamento e nem banheiros internos. Mesmo sendo de alvenaria,
as casas continuam com seus sanitários no fundo do quintal, muitas vezes próximo
às áreas de mangue (Figuras 23 e 24).
FIGURAS 23 e 24 – Casas de alvenaria, entregues as famílias do Abade pelo AUREMAG, através
do Programa de Assentamento do INCRA.
Fonte: Trabalho de Campo, 2007
85
4.6 OS IMPACTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS E SEUS REFLEXOS NA
COMUNIDADE DO ABADE.
Segundo legislação brasileira considera-se impacto ambiental
[...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do
meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente, afetam: I a saúde, a segurança e o bem estar da população; II - as atividades sociais
e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio
ambiente; e V - a qualidade dos recursos ambientais (Resolução CONAMA
001, de 23.01.1986).
Em algumas comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande são
perceptíveis as alterações provocadas pelas mudanças que a ação antrópica vem
desencadeando, observados durante a pesquisa. Mas, tais alterações são
impulsionadas por fatores externos que em sua maioria estão ligadas as exigências
econômicas regionais, nacionais e, atualmente, mundiais que rapidamente
transformam pequenas comunidades em grandes centros comerciais e de turismo,
as quais forçosamente se desenvolvem sem nenhum tipo de infra-estrutura
correspondente ao nível de exigências à elas demandas.
A comunidade do Abade não foge a regra destas questões. Os problemas
enfrentados pelos comunitários estão relacionados ao processo de reestruturação
produtiva da pesca, principal atividade da região e que, de acordo com estudos
desenvolvidos na área como dos de Furtado (1993, 1997, 2002), Castro (2004),
Torres (2004), foram consolidados com a introdução do barco a motor e do gelo para
a conservação do pescado; pelas novas formas de captura, com introdução no nylon
nas redes de pesca, como os elementos mais importantes e desencadeadores das
transformações nas sociedades pesqueiras, além da criação de uma malha
rodoviária, que facilitou o escoamento dos produtos e ampliou o intercâmbio de
relações da região com o restante do país e do mundo.
Os problemas enfrentados pelas comunidades que integram a RESEX
Marinha Mãe Grande, principalmente as comunidades que desenvolvem a atividade
pesqueira no âmbito da comercialização, como o Abade, tornam-se mais
perceptíveis no momento em que, como integrantes de uma Unidade de
86
Conservação na categoria Uso Sustentável necessitam da concretização das
propostas que motivaram sua implementação. Tais propostas vêm ao encontro do
anseio destas comunidades pela melhoria da qualidade de vida, sobretudo, quando
percebem que seu trabalho está comprometido pela sobreexplotação dos recursos
pesqueiros e pela degradação dos ecossistemas que garantem a sobrevivência de
diversas espécies ictiológicas, e consequentemente da população. Assim, os
problemas mais recorrentes, observados neste estudo foram os seguintes:
a)
Intenso
processo
migratório
para
o
município
de
Curuçá,
e
especificamente para o Distrito de São João do Abade, devido a instalação da
indústria de processamento de camarão (CAMPASA), em agosto de 1984. A referida
indústria foi financiada pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM), em 1991 funcionando apenas como fábrica de gelo. Apenas em 2000/2001
foi que iniciou as atividades de processamento de camarão e de pescado sendo hoje
considerada a maior exportadora de peixe congelado do norte do Brasil, atendendo ao
mercado Norte Americano e Europeu, com metas a atingir o mercado asiático. A
CAMPASA funciona em uma área construída de 6.000 m² (aproximadamente 20
hectares), com uma fábrica de gelo que abastece os barcos e a unidade fabril do
município de Curuçá e de outros municípios como Marapanim. Possui também um
Serviço de Inspeção Federal (SIF), além de possuir certificação nacional e internacional
fornecida pelo Ministério da Agricultura. (AVIZ, 2005). Quanto a mão-de-obra, em sua
maioria é local, sendo constituída de 250 funcionários, dos quais 40 são oriundos de
outras regiões do Brasil e desenvolvem atividades no setor administrativo da fábrica; o
restante, cerca de 210 trabalhadores entre homens e mulheres atuam no setor de
processamento, divididos em cinco turnos. Também, a melhoria da PA-136, que
interliga as comunidades, contribuiu muito para facilitar o escoamento da produção
pesqueira do Abade, bem como permitiu o acesso da população distrital aos
serviços básicos de saúde e educação existentes na sede municipal. Essa relação
entre o Distrito de São João do Abade e a sede municipal vem se estreitando
rapidamente e quase não tem limite de separação. Com isso, as alterações na
paisagem começam a surgir devido ao aumento do turismo em direção a Praia da
Romana, local bastante freqüentado principalmente nos finais de semana, nas férias
e feriados prolongados. Ao chegarem ao Abade, seguem em pequenos barcos até a
praia, e no seu retorno, na maioria das vezes, deixam nas praias o lixo que é levado
pela maré para outras praias próximas.
87
b)
Aumento de áreas de invasão, sobretudo, de forma desordenada e, na
maioria das vezes ilegal, na comunidade do Abade. Ali, as invasões transformaramse nos principais bairros da comunidade, que são: Bragantino, Bigolândia e Bairro
Novo. Estes bairros estão assentados sobre o manguezal e, segundo os moradores
nativos, são formados por visitantes e por pescadores itinerantes que acabaram por
se fixar naquelas áreas sem se preocupar com as conseqüências que daí poderiam
advir. A maioria alega que não tem onde morar e que as áreas de mangue não
pertencem a ninguém, portanto, estando livre para ser utilizada por quem quiser.
Esse tipo de reação indica o descaso do poder público local e a falta de
conscientização destas pessoas sobre a importância deste ecossistema para as
comunidades que compõem a RESEX Mãe Grande.
c)
A ausência de saneamento básico e coleta seletiva de lixo nas áreas
de invasão. Este problema constitui-se em um dos mais graves, pois coloca a saúde
das pessoas que ali habitam em sério risco de contaminação devido a grande
quantidade de vetores como as moscas, os mosquitos e bactérias que se alojam no
lixo depositado a céu aberto e no esgoto que deságua diretamente no manguezal,
nos rios e córregos existentes às proximidades das moradias, sem qualquer tipo de
tratamento. A energia é precária e muitas vezes são puxadas diretamente dos
postes (“gato”) contribuindo para o aumento dos riscos já evidenciados. A água
potável é pouco utilizada e a que sai das torneiras não recebe tratamento adequado,
o que compromete a sua qualidade. Nesse caso, os moradores estão consumindo
água com altos índices de coliformes fecais que podem prejudicar a saúde, muitas
vezes, de forma irreversível. Portanto, faz-se necessário por parte do poder público
e da AUREMAG, na condição de vice-presidente do Conselho Deliberativo ações
que solucionem tais problemas e/ou que pelo menos miniminizem os efeitos
desastrosos que estão causando ao meio ambiente e a sociedade local.
d)
Os conflitos agrários, em áreas de pesca e de coleta são em geral
oriundos da utilização predatória dos ecossistemas terrestres e marinhos. Em ambos
os casos a história informa a existência de conflitos, a partir de 1950, entre
latifundiários escravistas e posseiros e entre pescadores e fazendeiros, donos de
terras localizadas às proximidades dos rios, lagos e/ou marinhas. Na pesca, a
utilização de técnicas predatórias como a fuzaca, que consiste em um grande puçá
feito com pedaços de rede de arrasto da pesca industrial. A técnica funciona
utilizando-se moirões em formato de “V” que são fincados na terra próxima a beira
88
do canal. Na “boca” da rede são colocadas duas estacas e em seguida um
travessão de madeira no meio, onde a rede passa por cima, e desta forma o peixe
fica preso no “saco” e não consegue sair por onde entrou; a estacada, que consiste
na colocação de redes em grande quantidade presas em estacas em áreas
próximas umas das outras provocando um emaranhado que compromete a
eficiência da técnica, gerando, assim, conflito entre os pescadores. Além das
técnicas predatórias, os roubos de peixes dos currais e de caranguejos, por turistas
e visitantes oriundos de outras localidades vizinhas, têm sido bastante comuns nas
comunidades pesqueiras; também, a posse e/ou a aquisição de áreas de terra
próximas aos rios, igarapés e áreas marinhas por visitantes que as cercam e, assim,
inviabilizam o trabalho dos pescadores que se utilizam desses espaços
tradicionalmente.
e)
A pirataria e a violência entre os pescadores tem sido alvo de inúmeros
relatos por parte destes, em estudos desenvolvidos sobre essa temática, como o
realizado por Oliveira (2005), nas Colônias de Pescadores de Icoaraci (Z-10) e
Abaetetuba (Z-14). Também, na comunidade de São João do Abade os relatos
envolvendo assaltos e até mesmo mortes entre os pescadores têm se tornado mais
freqüentes, segundo as informações obtidas junto a Colônia de Pescadores de
Curuçá. Os portos e os trapiches são as áreas mais procuradas pelos assaltantes,
pois são os locais em que grande parte das transações comerciais se realiza, ou
seja, onde o produto da pescaria é vendido e os contatos de trabalho são efetivados.
A violência, que antes acontecia com maior freqüência em áreas urbanas, em
espaços terrestres, passou a fazer parte do cotidiano dos pescadores, nos espaços
marítimos. Os danos causados aos pescadores artesanais pelas ações violentas dos
ratos d’água repercutem negativamente sobre o trabalho do pescador que, após
sofre tais ações permanece por mais tempo em terra para se recuperar tanto
emocionalmente quanto materialmente, já que seus meios de produção foram
roubados. O medo e a insegurança, hoje, fazem parte do cotidiano dos pescadores,
uma vez que não sabem se retornarão à terra com vida para dar continuidade as
suas atividades.
f)
O aumento no consumo do álcool, das drogas e da prostituição entre
os pescadores vem se constituindo num dos maiores problemas enfrentados pela
Colônia de Pescadores de Curuçá. Segundo a presidente da Colônia, esses
problemas sempre existiram entre os pescadores, mas agora os índices são
89
alarmantes. A maconha e o álcool sempre foram utilizados pelos pescadores para
enfrentar as intensas jornadas de trabalho em alto mar, mas atualmente vem sendo
consumidas, mesmo em terra principalmente pelos pescadores mais jovens, na
comunidade do Abade. As entrevistas realizadas pela Colônia junto aos pescadores
apontaram que a ausência de lazer e o aumento da jornada de trabalho são alguns
dos fatores contribuintes para o aumento do consumo de álcool e drogas entre eles.
Também, a estrutura de vida que possuem, em geral, sem perspectivas de
melhorias insere-se neste contexto. Em relação a prostituição, a presidente da
colônia informou que na maioria dos casos é a própria família que induz os filhos a
esta ação e, que está se tornando muito comum, no Abade, ver as famílias de
pescadores se inserindo nesse tipo de atividade, principalmente as filhas, cuja faixa
etária varia de 13 a 18 anos. Segundo a presidente, é um problema que vem se
ampliando dia-a-dia, pois os casos de contaminação por DST e pelo vírus HIV entre
os pescadores são alarmantes tanto no Abade quanto na sede municipal, incluindo
óbitos. Portanto, a necessidade em solucionar e/ou minimizar tais problemas é
bastante contundente já que segundo a presidente são conseqüências da
modernidade que avança rapidamente e da qual o pescador não pode se excluir.
g)
A construção do Terminal Marítimo do Espadarte (Figuras 25 e 26), na
Ponta da Tijoca, Ilha dos Guarás, no município de Curuçá é sem dúvidas o assunto
mais polêmico nas comunidades pesqueiras que compõem a RESEX Mãe Grande,
atualmente. Durante as entrevistas com os pescadores o assunto esteve sempre
presente chegando algumas vezes a gerar confusão, pois quando perguntávamos
sobre a RESEX eles falavam sobre o Porto demonstrando uma grande preocupação
com as possíveis interferências desta construção em seu trabalho.
FIGURAS 25 e 26: Desenhos do Porto “Terminal do Espadarte” divulgado pela CDP.
CDP, 2008
90
O Terminal Marítimo do Espadarte, de acordo com os dados fornecidos pela
Companhia Docas do Pará (CDP) é um projeto que há muito vem sendo acalentado
pelos setores interessados pela exportação do Estado do Pará, pois até o presente
momento nenhum porto no estado tem profundidade para receber navios de grande
porte para escoamento de minérios, principalmente o minério de ferro de Carajás.
Por decisões políticas adversas, atualmente, toda a produção do referido minério é
escoada pelo Porto Ponta de Madeira que se localiza no estado do Maranhão, cuja
distância de Carajás é de 892 km, fator este que contribui para o aumento do preço
do produto no mercado nacional. Com a construção do Terminal Marítimo este
problema será solucionado, pois a distância entre Carajás e o referido Terminal é de
520 km, o que contribuirá para a redução do custo e o aumento da competitividade.
Porém, a Ilha dos Guarás está inserida no âmbito da RESEX Mãe Grande e, na
condição de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, a construção do porto
seria inviável já que poderá comprometer as funções ecológicas que a região
contém, responsáveis pela prevenção de inundações, intrusão salina e da erosão
costeira, proteção contra tempestades, reciclagem de nutrientes e de substâncias
poluidoras e provisão de habitats e recursos para uma variedade de espécies
explotadas, direta ou indiretamente, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente
(MMA).
A área onde o terminal será implantado é considerada pelo MMA como Área
Prioritária na conservação de estuários, manguezais, lagoas de praias, dunas de
banhados, áreas úmidas costeiras de restingas, quelônios marinhos, mamíferos
marinhos,
aves
costeiras
e
marinhas,
teleósteos
demersais
e
pequenos
elasmobrânquios, bentos, plâncton e plantas marinhas (FIGUEIREDO, 2007), e com
a construção do Terminal Marítimo esta área poderá sofrer alterações ambientais
significativas. Em relação ao trabalho dos pescadores há uma grande preocupação
por parte deste, pois de acordo com os entrevistados o Terminal atravessará o canal
onde cerca de 30 embarcações de todos os tipos e tamanhos pescam diariamente.
Segundo eles, a construção do Terminal vai atrapalhar porque a maioria dos
pescadores depende deste canal
“[...] como no fundo como no raso, que a gente fala em cima do lombo. Na
maré grande a maioria dos peixes que a gente pega é em cima do raso.
Então a gente enreda lá por cima, onde ta prevista a construção e não vai
beneficiar o pescador porque aquela redada que ele vai dá lá por cima não
91
vai chegar, em frente a Romana. A mesma coisa na enchente, se ele
enreda em frente a Romana ele já não vai passar pro raso...é assim. Tanto
o pescador que trabalha de rede grossa, pescador de pescada, como o
espinheleiro, que trabalha com o anzol, como esses outros pro pescador
que trabalham com rede fina, como o serreleiro que trabalho com rede
40...Aqui vai beneficiar muita gente que tem mais um estudo, mas o
pescador não vai melhorar muito porque é o canal que eles trabalham”.
(Ivanildo, pescador, 27 anos)
[...] onde nós vamos pescar, porque a ponte passa em cima do
canal...(IDEM)
Percebe-se no depoimento do pescador uma angústia em relação ao futuro
incerto, pois as alternativas de trabalho se esgotam no momento em que a maioria
dos pescadores não possui a escolaridade básica e/ou uma formação que lhes
permita o acesso a outras atividades que não estejam voltadas para o setor
pesqueiro.
Em relação ao posicionamento da AUREMAG sobre a questão, a diretoria
alega que não é possível se fazer nada já que são ações demandadas por
instâncias superiores, ou seja, pelo próprio governo federal. Mesmo, assim algumas
reuniões foram realizadas para exposição da questão aos pescadores e moradores
das comunidades integrantes da RESEX Mãe Grande.
De acordo com o depoimento do representante da EMATER-Curuçá, Sr.
Paulo Paraense, sobre a construção do Porto, este expressou que “[...] a construção
do Porto já é um fato, e que agora é necessário reunir e mobilizar a comunidade
para exigir o cumprimento da proposta feita pela empresa que irá construir este
Porto em relação às questões ambientais”.
h)
O Projeto “Gestão Participativa na Reserva Extrativista Marinha Mãe
Grande de Curuçá – Cv – 019/04 – FNMA/MMA” foi uma iniciativa da sociedade civil
curuçaense em conjunto com técnicos da EMATER, pesquisadores e lideranças
pesqueiras do município de Curuçá-PA para trazer a tona questões relevantes sobre
os problemas originários da pressão predatória e especulativa sobre os estoques de
peixes, crustáceos e moluscos e sobre o ecossistema manguezal do qual dependem
direta e indiretamente as comunidades do município de Curuçá. Diante de fatos
concretos apontados pelos pescadores e demais segmentos presentes nas reuniões
92
sobre a sobreexplotação dos recursos naturais ali encontrados que a movimentação
pela criação da RESEX Mãe Grande se fortaleceu, sendo criada em 13 de dezembro
de 2002.
Após cinco anos de criação a referida RESEX vem aos poucos tentando
mobilizar os pescadores das 52 comunidades que integram a UC, mas como as
distâncias entre elas e com a sede municipal são grandes e os recursos escassos, o
trabalho se torna quase inviável.
Em 2006, o Projeto da RESEX recebeu do governo federal cerca de 7
milhões de reais os quais foram destinados para auxiliar os pescadores artesanais
residentes em todas as comunidades da área da RESEX e, assim, mediante o
cadastro das famílias de pescadores cada uma delas recebeu o benefício de R$ 7
mil reais. Segundo os dirigentes da AUREMAG, estes benefícios vinham listados e
as famílias escolhiam o que estavam necessitando com mais urgência. Entre os
benefícios estavam a construção de casas de alvenaria, canoas, geladeiras,
máquinas de costura, apetrechos de pesca, bicicletas, entre outros bens. No
primeiro período de cadastro ocorrido entre 27/05/2005 e 06/06/2005, 1200 famílias
foram cadastradas, sendo que estas famílias receberam seus benefícios somente
em março/2006. O segundo cadastro ocorreu no período de agosto-setembro/2005,
e dele participaram cerca de 800 famílias, que receberam seus benefícios somente
em Abril/2006.
Os conflitos que se estabeleceram, a partir do recebimento deste recurso,
entre a AUREMAG e o poder público local, culminaram com ausência completa
desta última nas ações do Projeto RESEX. De acordo com as informações obtidas
junto a diretoria da AUREMAG, a Prefeitura alega que os recursos deveriam ser
repassados à ela, já que é responsável pelas questões sócio ambientais do
município. Além deste, a diretoria, também aponta como conflito a não inclusão das
comunidades que fazem fronteira com a RESEX e, que por não estarem inseridas
no contexto desta não podem ser beneficiadas.
De acordo com a presidente da Colônia Z-5, Maria do Rosário, a criação da
RESEX vem mudando a vida do pescador no sentido de permitir a eles um acesso a
determinados bens até então difíceis de ser adquiridos apenas com o trabalho na
93
pesca. Em geral, o que os pescadores recebem de seu trabalho não lhes permite
outros tipos de gastos, a não ser alimentares e vestuário. Assim, os recursos que
estão vindo através do Projeto RESEX e lhes permite ter uma casa de alvenaria,
freezer, petrechos de pesca já são considerados, pela presidente da Colônia como
um fator de mudança na vida do pescador. Em relação, ao trabalho na pesca, ela
expressa que não houve mudança, pois mesmo a RESEX tendo o seu espaço
delimitado, os pescadores continuam a exercer sua atividade livremente, utilizandose dos pesqueiros habituais. Isso, segundo ela, se deve a falta de fiscalização, do
Plano de Manejo para que possa ser feito o ordenamento do espaço, pois há uma
serie de crimes ambientais dentro da Reserva, como a destruição dos manguezais,
a pesca predatória entre outras. Muitas vezes é o próprio pescador que utiliza
técnicas predatórias para ter um lucro maior em relação aos outros companheiros,
pois a exploração dos recursos aquáticos por parte daqueles que tem a melhor
tecnologia pesqueira é intensa e destruidora.
94
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os problemas que a região amazônica vem enfrentando ao longo de sua
história são originários de ações predatórias intensivas sobre os recursos naturais
nela existentes. Tais ações vêm comprometendo não somente o equilíbrio dos
ecossistemas que a compõem, mas, sobretudo, a qualidade de vida das populações
que utilizam-se destes ecossistemas para sobreviver.
A pesca artesanal nesta região é a atividade que mais contribui para o
crescimento econômico não só local, mas nacional e mundial. As rápidas mudanças
trazidas pela reestruturação produtiva vêm exigindo do pescador a intensificação de
sua jornada de trabalho para suprir as demandas do mercado e, desta forma,
interfere na qualidade de vida deste pequeno produtor que tem uma relação mais
sustentável com a natureza através da utilização de técnicas, em sua maioria,
artesanais. A busca pela conservação e preservação dos recursos naturais de forma
mais sustentável sempre fez parte das ações dos pescadores, mas a pressão
exercida pelos segmentos industriais, com sua tecnologia predatória de arrasto tem
contribuído para o aumento do conflito e das tensões na categoria, bem como tem
comprometido o meio ambiente, impossibilitando a reprodução de algumas
espécies.
Durante a pesquisa no município de Curuçá, especificamente na comunidade
do Abade, foi possível constatar, através da observação e das entrevistas que o
aprofundamento de questões sociais e ambientais adversas, como a prostituição, o
aumento das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s), o aumento do consumo
de álcool e drogas no meio pesqueiro, principalmente entre pescadores mais jovens;
o processo migratório intenso nas últimas décadas, para a comunidade do Abade
ocasionado inicialmente pela instalação de uma indústria de beneficiamento de
camarão e peixe (CAMPASA) e, atualmente pela possibilidade da construção do
Terminal Marítimo do Espadarte são alguns dos problemas enfrentados pelos
pescadores no município de Curuçá, atualmente e contraditoriamente inserida nas
políticas públicas de preservação, enquanto Reserva Extrativista Marinha.
95
A criação da RESEX Mãe Grande há cerca de cinco anos, a partir das
reivindicações
das
Associações
de
Moradores,
de
Organizações
Não
Governamentais e de instituições ligadas ao poder público federal, na região em
questão tem contribuído para a melhoria da organização política do pescador, mas
ainda não conseguiu atingir e nem cumprir com os objetivos para os qual foi criada
que é o de conciliar a conservação dos recursos naturais com a exploração de forma
sustentável. O que se percebe é que cada vez mais os recursos naturais ali
existentes estão sendo depredados e, em alguns casos, sem reversão como as
áreas
de
mangue,
que
nas
últimas
décadas
vem
sendo
invadidos
desordenadamente por pescadores de outros municípios visinhos.
Os riscos de contaminação enfrentados pelos moradores do Abade são
inúmeros, sobretudo pela ausência de coleta de lixo regular, de saneamento básico
e de água tratada. A maioria das áreas invadidas e que atualmente se constituem
nos principais bairros do Abade estão inclusos nestes riscos que tendem a se
agravar, caso não haja providencias urgentes para reversão de tais questões.
A ausência do plano de manejo, de reuniões freqüentes do Conselho
Deliberativo e os conflitos políticos observados na comunidade, principalmente entre
o poder público local e a AUREMAG tem contribuído para que os problemas já
citados não sejam solucionados. Em relação a Colônia de Pescadores Z-5 ocorre o
mesmo problema: a ausência de articulação para o desenvolvimento de atividades
de divulgação e capacitação dos pescadores e/ou coletores de todas as
comunidades e não somente nas que estão localizadas às proximidades da sede
municipal, como vem ocorrendo. Este é um ponto preocupante já que a AUREMAG
necessita do apoio do poder público e da Colônia de Pescadores para, em conjunto
buscarem soluções que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos pescadores,
bem como necessita convocar quantas vezes for necessário o Conselho
Deliberativo, o qual tem que estar ciente das graves situações que os pecadores
enfrentam na RESEX, e assim deliberar soluções que possam contribuir para a
melhoria das condições sociais e ambientais das comunidades.
Os problemas observados no Abade são os mesmos enfrentados pela maioria
das Reservas Extrativistas Marinhas existentes na região do Salgado Paraense. No
mês de fevereiro deste ano, tivemos a oportunidade em participar da Oficina de
96
GEF-Mangue realizada pelo Instituto Chico Mendes, no município de Bragança, no
qual estiveram presentes os representantes das Reservas Extrativistas Marinhas e
onde possível constatar tal fato. Até mesmo a primeira RESEX Marinha
implementada na região do Marajó, em Soure há cerca de dez anos não conseguiu
efetivar na prática seus objetivos de implementação. Percebe-se, portanto, que as
políticas públicas voltadas para a preservação dos recursos naturais na região
amazônica ainda são falhas na observância dos problemas sócio ambientais que as
áreas das Reservas Extrativistas possuem, no momento em que são solicitadas as
suas implementações. Far-se-ia necessário, primeiramente, um planejamento sobre
as reais situações que cada uma vivencia, bem como considerar que os acessos as
comunidades que compõem as RESEX’s, em geral são dificultados pela ausência de
estradas de boa pavimentação e de embarcações de rápido acesso, como as
lanchas-voadeiras que possibilitem viabilizar o acesso mais rápidos às comunidades
mais distantes.
A RESEX Mãe Grande possui cerca de 52 (cinqüenta e duas) comunidades
que vivem da pesca e, segundo as informações da presidente da AUREMAG, nem
todos os pescadores sabem que estão inseridos em uma Unidade de Conservação.
A participação dos pescadores ainda é muito pouca no que tange as ações
demandadas pela Associação da RESEX e os que mais participam são os que
moram nas comunidades mais próximas.
A ausência de um Plano de Manejo é um dos pontos de maior reclamação
por parte dos pescadores e demais segmentos que integram as Reservas o que não
deixa de ser coerente já que é um documento que vai estabelecer as normas de uso
da área que regulamentam as condutas não predatórias, fundamentadas na
legislação brasileira atual (BENATTI, 2006).
A criação da RESEX Mãe Grande veio ao encontro dos anseios das
comunidades do município de Curuçá para solucionar problemas sócio ambientais e
não para deixá-los aprofundar, como vem ocorrendo. São pontos a serem
repensados e avaliados em todas as instâncias envolvidas no processo de criação
da RESEX Mãe Grande, sobretudo, pelo fato de permitir um envolvimento mais
amplo por parte dos pescadores na busca pela melhoria da qualidade de vida e de
tomada de consciência do importante papel que possuem no desenvolvimento
97
social, econômico e na preservação dos recursos naturais e humanos em nível local,
regional, nacional e mundial.
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