A UTOPIA REIFICADA DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL: CONTROLE SOCIAL E REPRODUÇÃO DO CAPITAL Raphaela Andrade Pereira – UFS – [email protected] Adelli Carla Silva Nascimento – UFS – [email protected] Resumo O conceito de desenvolvimento liga-se ao discurso e a prática da melhoria da qualidade de vida da população de modo geral. No sistema capitalista tal conceito é usado para designar, principalmente, os países que se apresentam consolidados nos mais variados aspectos socioeconômicos, sendo, pois, designados como subdesenvolvidos, os que, ao contrário, encontram-se a margem desse padrão. Esse trabalho objetiva desconstruir o discurso desenvolvimentista, mostrando sua incongruência e a necessidade de superá-lo, não de reformá-lo, visto que fatos como a ampliação das desigualdades sociais, da exploração e da miséria e os desastres ambientais são exemplos que denotam o desenvolvimento como uma crença incapaz de se concretizar, até porque o subdesenvolvimento se faz necessário para que o mesmo continue a existir, como afirma Celso Furtado (1974). Analisaremos categoria Território, que vem sendo colocada em destaque nas políticas de desenvolvimento rural, como salienta o documento Referências para o Desenvolvimento Territorial Sustentável do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Brasil. Explanar, ainda que brevemente, sobre as formas como as políticas territoriais rurais de desenvolvimento se colocam de modo a buscar o controle social e a reprodução do capital por meio da exploração demasiada da mão-de-obra do trabalhador rural é mais um dos objetivos deste trabalho. Essa pesquisa foi do tipo bibliográfica, de abordagem qualitativa e baseada em obras de pensadores pós-desenvolvimentista, principalmente. A guisa de considerações pode-se perceber que as políticas de desenvolvimento territorial rural são limitadas, visto que não contemplam questões essenciais, como os conflitos estruturais existentes, perpetuando a manutenção de assimetrias existentes no meio rural. Palavras- Chaves: Desenvolvimento, Território Rural e Capitalismo. Eixo Temático: Territórios Rurais e Agricultura Familiar. THE TRANSFORMED UTOPIA OF THE TERRITORIAL RURAL DEVELOPMENT: SOCIAL CONTROL AND REPRODUCTION OF THE CAPITAL Abstract The concept of development is tied to the speech and the practice of the improvement of the quality of life of the population on the whole. In the such capitalist system concept is used to designate, principally, the countries that present themselves consolidated in the most varied social economic aspects, being, so, designated like degenerates, who, on the contrary, are the edge of this standard. This work aims unbuild at the development speech, showing his in-congruence and the necessity of surpassing it, do not give to reform it, I wear which suits like the enlargement of the social inequalities, of the exploration and of the misery and the environmental disasters are examples that show the development like a belief incompetent of coming true, up to because the underdevelopment is made necessary so that the same thing keeps on existing, as affirms Celso Furtado (1974). We will analyze category Territory, which is put in distinction in the politics of rural development, which points out the document References for the Territorial Sustainable Development of the Ministry of the Agrarian Development (MDA) of Brazil. To explain, what shortly, on the forms as the territorial rural politics of development are put in way to look for the social control and the reproduction of the capital through the exaggerated exploration of the labor of the rural worker he is still more one of the objectives of this work. This inquiry was of the type bibliographical, of approach qualitative and based on works of thinking post-development, principally. Stew it of considerations it is possible to realize that the politics of territorial rural healthy development limited, since they do not contemplate essential questions, like the structural existent conflicts, perpetuating the maintenance of existent asymmetries in the rural environment. Keywords: Development, Rural Territory and Capitalism. Thematic axle: Rural territories and Familiar Agriculture. Introdução Esse trabalho versa sobre a incongruência do conceito de desenvolvimento relacionado ao território rural, visando desconstruí-lo enquanto discurso que se propõe a melhoria da qualidade de vida da população do campo. No primeiro momento abordaremos o conceito de desenvolvimento de modo a mostrar com base na crítica pós-desenvolvimentista o discurso falacioso do mesmo, que se pauta nas relações de poder. Em seguida, trataremos do conceito de território e dos convenientes motivos que levaram a escolha deste conceito geográfico para as políticas de desenvolvimento rural. Ao final, faremos uma explanação a respeito do modo como o discurso do desenvolvimento territorial rural se constitui de forma bastante eficaz em prática de controle social e reprodução do capital, visto que amplia desigualdades gerando a manutenção de velhas estruturas de domínio. Procedimentos Técnicos e Metodológicos O trabalho se constituirá a partir de uma pesquisa bibliográfica do tipo qualitativa, com base em pensadores pós-desenvolvimentistas que exercem a crítica ao discurso dogmático do desenvolvimento, como Arturo Escobar, Jorge Ramón Montenegro Gómez, Wolfgang Sachs e Gilbert Rist. O documento Referências para o Desenvolvimento Territorial Sustentável elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Brasil e que serviu de base para o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), também compõe as referências bibliográficas deste trabalho, visto que nele se incorpora o enfoque territorial da política de desenvolvimento rural do Brasil. O referencial teórico deste trabalho será feito por meio do viés da análise crítica, a fim de melhor explicar questões concernentes ao nosso objeto de estudo como as implicações sociais negativas da reificação do discurso desenvolvimentista e a escolha de territórios rurais nas políticas agrárias que perpetuam problemas para a comunidade campesina. Resultados e Discussões É sabido que o conceito e o discurso do desenvolvimento ligam-se a promoção da qualidade de vida da população de modo geral, e sendo assim, o desenvolvimento se coloca como objetivo desejado e promovido nos mais diversos âmbitos da sociedade. O termo desenvolvimento tem sido empregado em oposição ao subdesenvolvimento que serve de rótulo, em especial, aos países pobres, também chamados de terceiro mundo ou periféricos, que possuem problemas sociais graves e têm, em geral, suas economias baseadas no setor primário e no turismo. Os críticos do desenvolvimento, agrupados no pós-desenvolvimento afirmam a necessidade de superação do seu discurso, mostrando-o como parcial apesar de sua pretensão de universalidade. Só como crença, afirma Rist (2002), poderia explicar-se que o desenvolvimento continue existindo diante do tamanho dos erros cometidos. Da mesma forma que os cristãos não ignoram a multidão de crimes cometidos em nome da fé, sem por isso renegar dela, os expertos em “desenvolvimento” reconhecem cada vez com mais freqüência os erros cometidos, sem, no entanto, pôr em questão suas razões para perseverar. (RIST, 2002, p.35) Mesmo diante da ampliação das desigualdades que o mundo continua sofrendo, da exploração e da opressão imputadas a grande parte da população mundial, dos desastres ambientais crescentes, o desenvolvimento continua sendo colocado em destaque, discutido, financiado e posto em destaque na agenda internacional. Tal fato se deve a crença nesse dogma que repete promessas incansavelmente, que é estrategicamente estimulado por interesses capitalistas neoliberais. Escobar (1998) observa que o desenvolvimento vem se consolidando como discurso desde 1940 e 1950, constituindo-se num arcabouço de certezas que se mantêm até hoje, sendo uma das principais delas a garantia do progresso social, cultural e político pelo desenvolvimento material. Com a consolidação progressiva do poder do discurso desenvolvimentista os problemas que assolam o mundo foram sendo incorporados ao campo de visão do desenvolvimento, criando-se uma densa rede de saberes sobre esses problemas, controlada a partir de organizações internacionais ou dos governos dos países mais ricos, como afirma Gómez (2007). É com base na apropriação desses discursos para criar o Terceiro Mundo, o subdesenvolvimento, que se erige a crítica pós-desenvolvimentista ao discurso do desenvolvimento. Uma análise da dinâmica do desenvolvimento, a partir dos anos 50, permite constatar uma sucessão de ajustes nos discursos das práticas como resposta aos sucessivos fracassos nos resultados, às contínuas críticas enfrentadas ou às necessárias adaptações ao contexto socioeconômico e político cambiante. Dessa forma foram incorporadas nesse período de desenvolvimento questões como as necessidades humanas básicas, o fomento da participação popular, a preocupação com o gênero e a etnia, com a sustentabilidade do sistema, etc. A crítica construída pelo pós-desenvolvimento representa uma provocação para a aparelhagem desenvolvimentista, visando a desconstrução de seus fundamentos, seus discursos e práticas, revelando a profundidade de suas contradições, erros e as estratégias de dominação que acompanham o desenvolvimento. Com base nessa crítica Gómez formula a seguinte questão reflexiva: Seria possível reformar o desenvolvimento para que ele realmente cumpra com sua promessa de melhora do bem-estar geral, ainda sob o risco de lhe oferecer oportunidades para se reformular sem mudar realmente, ou seria necessário investir na eliminação do desenvolvimento e na criação de alguma outra coisa que ainda não está formulada? (GÓMEZ, 2007, p.45) A partir do questionamento supracitado entraremos no discurso do desenvolvimento no que concerne às políticas territoriais rurais, ressaltando o enfoque dado à categoria geográfica território, abordando os motivos que levaram a sua escolha para tal fim. O desenvolvimento territorial rural tem se constituído, em especial a partir dos anos 1990, como a mais relevante orientação das políticas de desenvolvimento rural, buscando acompanhar a ênfase espacial que o desenvolvimento ganha e baseando-se no modelo da Terceira Itália. O território, neste modelo, se revela como um elemento essencial para o desenvolvimento nas suas múltiplas dimensões, econômica, social, política, cultural, etc., visto que é dinâmico, com vocação empreendedora, dotado de uma institucionalidade sensível e preparada para as demandas da iniciativa privada, com uma comunidade coesa e com forte identidade territorial, profunda identidade produtiva, elevada mobilidade social e estreitos contatos com o mercado externo, como observa Gómez (2007). No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) elaborou em 2003 um documento intitulado Referências para o desenvolvimento territorial sustentável , que serve de base para o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), onde consta o enfoque territorial da política de desenvolvimento rural brasileira, [...] pois ele combina a proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperação, com a diversidade de atores sociais, melhorando a articulação dos serviços públicos, organizando melhor o acesso ao mercado interno, chegando até ao compartilhamento de uma identidade cultural, que fornece uma sólida base para a coesão social e territorial, verdadeiros alicerces do capital social. (MDA, 2003, p.30) Diante de todas as convenientes razões para a escolha do território para a política de desenvolvimento rural do Brasil, a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), criada no interior do MDA, vem promovendo a criação de Territórios Rurais em diversos estados brasileiros. Com o objetivo de promover o desenvolvimento, esses territórios consistem na agrupação de municípios com algum tipo de identidade, porém sua definição responde a dois critérios meramente estatísticos, densidade menor de 80 hab./Km² e população menor de 50 mil habitantes, sendo complementadas com outras variantes como número de produtores familiares, de famílias assentadas, de acampados, entre outras, para definir os Territórios que teriam prioridade de atendimento. Fica clara a centralidade evidente da categoria território nas políticas de enfoque de desenvolvimento rural, tanto no Brasil quanto na América Latina, porém sua incorporação se realiza de forma limitada e meramente funcional, sendo que o mesmo é considerado como espaço de identidade e projeto compartilhado, de consenso, ou de conflito negociado, desativado dos conflitos estruturais próprios da sociedade capitalista, que serve de base para a elaboração e implementação de políticas públicas, isso na teoria e no discurso. O território do desenvolvimento territorial rural é, na verdade, uma categoria reduzida a instrumento técnico de planejamento, quando tal categoria é essencialmente carregada de sentidos, rica e complexa, e imprescindível para tentar compreender a natureza conflituosa da sociedade capitalista, sendo problemática para elaboração e implementação de políticas públicas. Para traçar uma política de desenvolvimento, seria necessário (ou pelo menos desejável) esterilizar os conflitos que possam questionar a legitimidade e a absurda lógica capitalista. O território do desenvolvimento territorial está cortado à medida das necessidades de controle social e reprodução capitalista. (GÓMEZ, 2007, p. 51) Uma sociedade afinada com seu território, sem conflitos essenciais entre os grupos que a formam, que se propõe a dotar seu território de qualidades que permitam competir no mercado (em diversas escalas) com outros territórios, essa seria a verdadeira utopia do desenvolvimento territorial rural, este é o consenso de uma minoria dominante na defesa de seus interesses e manutenção de seu status. A prioridade na construção do território centra-se na melhora de sua capacidade para competir com outros territórios, para aumentar a produção, o emprego (cada vez mais precário), enfim, para vender mais e melhor, e sob esse paradigma desenvolvimentista o território converte-se num recurso que deve ser valorizado e vendido. Por trás da funcionalidade de um território do planejamento, encontramos a manutenção das assimetrias existentes no meio rural, muito longe de avançar no sentido do desenvolvimento que se propõe capaz de melhorar as condições de vida da população e reduzir os desequilíbrios existentes. Conclusões A guisa de considerações finais julgamos ser importante ressaltar a problemática do discurso do desenvolvimento que, como foi sucintamente explanado aqui, além de não poder cumprir o que se dispõe é ainda moldado para perpetuar e ampliar os privilégios capitais de uma minoria, contribuindo sobremaneira para a manutenção das desigualdades sociais. As políticas de desenvolvimento territorial rural não podem efetivar-se, como mostram os argumentos da crítica pós-desenvolvimentista, pois o subdesenvolvimento da maioria se faz necessário para a realização do desenvolvimento da minoria, que reificam e promovem o discurso do desenvolvimento visando à realização de pequenas mudanças, que na essência nada modificam. Assim, se faz necessário apontar para a construção de uma sociedade sem a opressão de um desenvolvimento preservador de desigualdades, utopia reificada, estratégia de controle social, um des-desenvolvimento na realidade, já que o verdadeiro desenvolvimento, aquele da melhora geral e eqüitativa e da redução das desigualdades é mesmo impossível de se cumprir na sociedade capitalista em que nos encontramos. Referências Bibliográficas ESCOBAR, Arturo. Antropología y desarollo. Revista Internacional de Ciências Sociales, nº 154, 1997. Disponível em: www.unesco.org/issj/rics154/escobarspa.html. ESCOBAR, Arturo. 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