FOCUS AMERICA LATINA–19 DICEMBRE 2014
O papel do Supremo Tribunal
Federal na defesa dos direitos
fundamentais e a Constituição da
República Federativa do Brasil de
1988
di Luiz Alberto David Araujo
Professor Titular de Direito Constitucional
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
O papel do Supremo Tribunal Federal
na defesa dos direitos fundamentais e
a Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988*
di Luiz Alberto David Araujo
Professor Titular de Direito Constitucional
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Sumário: 1. Introdução. 2. A Constituição da República Federativa do Brasil e a preocupação
com os direitos fundamentais. 3. O acúmulo de poderes do Supremo Tribunal Federal. 3.1. As
mudanças no quadro das competências. 4. O advento da Lei 9.868-99 (Lei da Ação Direta de
Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade): mais poderes ao Supremo
Tribunal Federal. 5. O advento da Lei 9882-99 (Lei da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental). 6. Das decisões difíceis do Supremo Tribunal Federal. 7. O Poder Legislativo e a
falta de produtividade seletiva. 8. A prestação jurisdicional demorada. 9. Algumas Conclusões.
1. Introdução
Há uma grande preocupação com a garantia dos direitos fundamentais nessa jovem democracia
brasileira. Deixamos um sistema autoritário há pouco mais do que 20 anos, como será visto
adiante. O governo ditatorial foi substituído por uma democracia representativa, que deixou
evidente um respeito com os direitos fundamentais. Esses direitos fundamentais não sofreram
abalo. No entanto, algumas transformações não foram acompanhadas de um projeto mais
completo de mudanças. E, juntamente com um distanciamento da representatividade política,
onde Deputados Federais e Senadores ocupam um lugar distante dos representados, criou-se
uma realidade que foi se solidificando. As reformas processuais, centralizadoras, procuravam
implantar um sistema vinculante, onde houvesse uma decisão que seria imposta aos demais
*
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Articolo sottoposto a referaggio.
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órgãos do Poder Judiciário, como símbolo da celeridade. A qualidade, decorrente do debate
aprofundado dos temas, da participação dos juízes em todo o país,
muitas vezes, não
acompanhava essa tendência. Além disso, talvez por decorrência de um acúmulo de feitos, os
prazos dos processos no Supremo Tribunal Federal se excederam de forma preocupante. É nesse
quadro que vamos procurar mostrar qual papel foi e pode ser desempenhado pelo Poder
Judiciário na garantia dos direitos fundamentais. Partiremos de 1988, ano da promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil1 e chegaremos a 2014.
2. A Constituição da República Federativa do Brasil e a preocupação com os direitos
fundamentais
Antes de analisarmos o papel do Supremo Tribunal Federal nos anos posteriores a 1988 e seu
relacionamento com a defesa dos direitos fundamentais, mereceria atenção uma breve palavra
sobre o papel da referida Constituição, o contexto do seu surgimento e sua função básica.
O Brasil vivia sob um regime autoritário, comandado por um grupo de militares, quando – a
partir das manifestações populares de rua, chamadas “Diretas já” 2 – surgiu o movimento
constituinte. Deputados e Senadores trataram de elaborar um novo projeto nacional que deveria
preparar uma nova Constituição3. Portanto, todas as esperanças foram depositadas nesse novo
texto. O pacto democrático, por um receio de retornar ao sistema anterior, foi reforçado, o que
se pode notar por diversos dispositivos que são de caráter repetido, mostrando a necessidade de
repetição como uma forma de afirmação. Era o que grassava à época, ou seja, o povo brasileiro
precisava de garantias explícitas e claras (mesmo que repetidas) para que os valores fossem
pactuada e, em muitos casos, com dispositivos que revelavam apenas o seu traço de realce,
porque o direito já estava garantido em outra passagem. Foi o caso, por exemplo, do direito à
igualdade, que vem repetido em diversos momentos, quer na regra genérica do artigo quinto4,
quer em seus dispositivos, como o inciso primeiro, ou no artigo sétimo, incisos XXX, XXXI, ou
ainda no artigo 150, inciso II (igualdade diante da tributação), tudo a revelar o grau de
O texto pode ser localizado para esta e outras referências no endereço eletrônico:
http://www.senado.gov.br/legislacao/const/ onde serão encontrados os textos inciais e todas as emendas
constitucionais (consulta em 31.10.2014, às dez horas).
2 O nome faz menção ao pedido de eleições diretas pelo povo, pois a escolha do Presidente da República
se dava por um Colégio Eleitoral (e não pelo voto direto).
3 A Constituição do Brasil de 1967 (com a Emenda n. 1 de 1.969) trouxe a convocação de uma nova
constituinte pela Emenda Constitucional n. 26. Na verdade, não era tecnicamente uma Emenda à
Constituição, mas um ato constituinte, com caráter de poder político.
4 Todas as referências ao texto constitucional podem ser consultadas no endereço eletrônico constante da
nota n. 2
1
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desconfiança e, ao mesmo tempo, de esperança que teria sido depositada na Constituição da
República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.5
As funções do Poder Judiciário também foram objeto de tal preocupação. Por exemplo, no artigo
93, inciso IX, ficou claro que as decisões do Poder Judiciário deveriam ser motivadas. Não nos
parece, atualmente, necessária tal afirmativa, pela sua obviedade. No entanto, na época, foi
importante deixar claro que as decisões deveriam estar acompanhadas dos motivos que as
ensejaram. Era comum que o ato de decisão viesse sem a sua motivação.
Com as funções do Supremo Tribunal Federal, constantes do artigo 102, inciso I, II e III, foi
determinado o processo de escolha dos Ministros, como demonstra o artigo101 da Constituição
Federal. Quer dizer: determinado critério de escolha para determinado grupo de tarefas. Essa
equação, no entanto, não se manteve. Houve uma evolução a partir de 1988 que fez com que o
Poder Judiciário, especialmente, o Supremo Tribunal Federal, adquirisse poderes bem diferentes
daqueles outorgados pelo constituinte de 1.988. Isso fez com que se alargassem as competências
de forma desmesurada diante da paralisação do outro polo, qual seja, do critério de escolha dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O critério do artigo 101 em si nada teria de diferente, se não houvesse a mudança do polo das
competências, tornando a escolha sem a necessária legitimidade.
Vejamos alguns passos dessa evolução e, em seguida, como a Corte decidiu temas polêmicos nos
últimos anos.
3. O acúmulo de poderes do Supremo Tribunal Federal
De se ressaltar que a jurisdição constitucional no Brasil apresenta duas formas: qualquer juiz do
Brasil pode declarar a constitucionalidade, desde que a sentença se mantenha nos limites das
partes interessadas, ou seja, produza efeitos entre as partes e coabitando com tal idéia, há a
jurisdição concentrada, feita no plano federal pelo Supremo Tribunal Federal, que julga processos
com efeito para todos.
Em 1988, ano da promulgação da Constituição do Brasil, havia apenas uma forma de controle
concentrado em efetividade, qual seja, em funcionamento: tratava-se da ação direta de
inconstitucionalidade. O instrumento seguiu os moldes da Constituição anterior, mas com o
O devido processo legal foi assegurado no inciso LIV , do artigo quinto. No entanto, garantias
evidentemente constantes dessa expressão, como o princípio do contraditório e da ampla defesa (inciso
LV), das provas lícitas (inciso LVI), foram de forma expressa também consagrados. Poderia dar a
impressão de que a expressão “devido processo legal” não contivesse tais conteúdos. No entanto, a idéia
foi de explicitar, tornando, muitas vezes, repetitivo o texto.
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aumento dos legitimados. Antes de 1988, a ação só poderia ser ajuizada pelo Procurador Geral da
República, que era demissível “ad nutum”. Exigência do povo e dos constituintes, o rol de
autores foi aumentado, para que constassem figuras como o Presidente da República, Mesa do
Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Partido Político com representação no
Congresso Nacional, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Governador de
Estado (inicialmente, sem a inclusão do Governador do Distrito Federal), entidade de classe de
âmbito nacional, dentre outros, tudo conforma o artigo 103 da Constituição.
Havia a previsão de criação, na forma da lei, de um instrumento intitulado “arguição de
descumprimento de preceito fundamental” que só foi viabilizado, quando do surgimento da Lei
9882-996.
Iniciou-se a formação de uma jurisprudência moldada pelo Supremo Tribunal Federal, que
restringia o acesso para a discussão, pela via concentrada, dos feitos. Provavelmente, esse efeito
restritivo seria uma reação ao aumento considerável dos autores, como já mencionado. Dentre
algumas das decisões que marcaram essa tendência, podemos afirmar que houve uma série de
exigências para caracterizar “entidade de classe de âmbito nacional”7. Ou mesmo para exigir que
o Governador de Estado apresentasse “pertinência temática” quanto ao tema em discussão,
apesar de o texto constitucional nada dizer sobre a situação.
A confederação sindical também sofreu restrições em seu conceito, assim como diversas
hipóteses que eram sempre interpretadas de forma restritiva8, dificultando o acesso a Suprema
Corte. Isso se viu em diversos momentos. Em relação ao objeto da ação, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que o ato impugnado
deveria ser genérico e abstrato e não apenas ter
denominação de “lei”. Em seguida, tratou de afirmar que o ato normativo anterior à Constituição
Federal não poderia ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade. Apenas seria objeto da
ação o ato normativo posterior a 05 de outubro de 1988 e mesmo assim, apenas o vigente.
Portanto, o sistema se completou apenas em 1999 com a edição da referida lei. Até então, havia a
possibilidade de edição da lei que traria a “arguição de descumprimento de preceito fundamental”, que
será objeto de apreciação adiante.
7 A Corte Suprama entendia que o interesse a ser discutido deveria ser uniforme, que a entidade deveria
ter representação em, no mínimo, 9 unidades da Federação, que deveria demonstrar seu interesse quando
do ajuizamento da ação.
8 A jurisprudência da Corte criou dois grupos de autores: autores universais e autores legitimados (sem
que o texto fizesse qualquer distinção). Esse último grupo deveria demonstrar interesse no feito, enquanto
os pertencentes ao primeiro, não precisavam de tal demonstração, pois sua função autorizava tal
postulação. A Constituição Federal, no entanto, não trazia tal distinção, fruto de uma interpretação que
restringiu o acesso à Corte.
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Essa linha de restrições se alargou para o ato municipal, que ferisse a Constituição Federal.
Entendeu a Corte Suprema que o ato municipal que ferisse a Constituição Federal não poderia
ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, já que a previsão do artigo 102, inciso I, alínea
“a” não tratava explicitamente do ato municipal, cuidando apenas do ato normativo federal e do
ato normativo estadual.
Os efeitos da decisão eram “erga omnes”, com produção em todo o território. Apesar de ser um
forte indicativo para seguimento pelos juízes de primeira instância e Tribunais e Administração
Pública, o efeito “erga omnes” não era vinculante, ou seja, não obrigava aos juízes e a
Administração Pública o seu seguimento. Repetimos, era forte indicativo de seguimento, mas não
era obrigatório.
Portanto, esse era o quadro constitucional quando da promulgação da Constituição Federativa do
Brasil, em 05 de outubro de 1988.
E, para tais tarefas, os membros do Supremo Tribunal Federal foram escolhidos na forma
prevista pelo artigo 101 da Constituição Federal. Ou seja, respeitados os requisitos básicos (idade
mínima e máxima, notável saber jurídico), teríamos a indicação pelo Presidente da República e
aprovação pelo Senado Federal.
3.1. As mudanças no quadro das competências
A jurisprudência restritiva já demonstra um alargamento dos poderes da Corte, que determinaram
o que era possível ou não discutir no âmbito na via concentrada. O alargamento da legitimidade
para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade provocou uma jurisprudência
restritiva, como visto acima. A Corte, que estava, no regime constitucional anterior, submetida ao
processo interposto apenas por uma figura, o Procurador Geral da República, se vê surpreendida
por um alargamento democrático que, no mínimo, provoca um aumento do acesso ao Poder
Judiciário em busca das decisões que trouxessem estabilidade jurídica ao sistema, ou seja, decidir
de forma genérica, se uma norma era constitucional ou não.
Talvez esse excesso e um inconsciente movimento restritivo de “defesa”, tenha provocado uma
jurisprudência bastante restritiva como já mencionado. No entanto, tal jurisprudência restritiva
limitava o acesso ao Supremo Tribunal Federal. Eram poucas as decisões que alargavam a
competência, por força da interpretação das normas constitucionais9.
Dentre as decisões ampliativas isoladas, podemos mencionar o alargamento da competência para o
Governador do Distrito Federal, que não estava previsto originariamente e já consta por força da Emenda
Constitucional n. 45 de 2004.
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A introdução do efeito vinculante nas decisões de mérito nos debates de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal encontrou sua primeira e mais forte modificação formal por
meio da Emenda Constitucional n. 3, de 1993. Pela emenda constitucional, seria introduzida a
ação declaratória de constitucionalidade e, com ela, a inclusão do efeito vinculante10.
Os juízes e a Administração Pública, agora, estavam vinculados à decisão. O que era um forte
indício de seguimento passou a ser uma obrigação. E, em caso de desobediência, havia um
instrumento processual designado como reclamação, que está previsto no artigo 102, alínea “l”11.
Essa modificação foi introduzida em meio a uma grande discussão sobre a constitucionalidade ou
não da referida emenda constitucional, especialmente diante do fato de cercear a liberdade de
apreciação do juiz no caso concreto. Haveria, com a obrigatoriedade de seguimento, um
ferimento à autonomia do Poder Judiciário diziam os críticos (além de outros pontos, como a
ausência de defesa no procedimento). O Supremo Tribunal Federal, quando recebeu o primeiro
questionamento do tema, entendeu que a matéria era constitucional, passando, portanto, a
concentrar mais esse poder, que não lhe havia sido originariamente deferido12.
Apenas para recordar, a forma de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal
permaneceu a mesma conforme o já citado artigo 101: alteração vigorosa e manutenção do
critério.
Assim, dois fatos já podem ser anotados neste passo: uma jurisprudência restritiva, dificultando o
acesso à Corte pela via do controle concentrado e a aprovação de uma emenda constitucional que
reduzia os poderes dos juízes de primeira instância e Tribunais Estaduais e Federais.
Como consequência dessa aprovação da Emenda Constitucional n. 3, surgiu uma questão: se a
vinculação deveria aguardar a decisão de mérito, ou seja, o processo já julgado ou poderia
envolver as decisões liminares, deferidas para evitar lesão ou ameaça forte de lesão. A Corte
entendeu que os efeitos vinculantes poderiam estar presentes já na concessão da medida liminar.
Verifica-se que a ausência de disciplina proporcionou o entendimento para a concessão da
liminar com efeitos vinculantes.13
As emendas e alterações podem ser verificadas no sítio eletrônico indicado na nota de rodapé n.
acima.
11 A reclamação já existia no sistema constitucional. No entanto, agora, poderia ser utilizada contra
“desobediência” da ordem vinculante, o que, até então, não ocorria pelo efeito simples “erga omnes”.
12
Questão
de
Ordem
n.
1,
conferir
em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=884.
13 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=372905 – Medida Cautelar
em Ação Declaratória.
10
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2
a
:
4
Novos poderes atribuídos, portanto, neste caso, não pela via da Emenda à Constituição, mas por
força de uma interpretação jurisprudencial favorável, é verdade, à concentração de poderes do
Supremo Tribunal Federal.
Alguns outros passos foram dados rumo à concentração de poderes pelo Supremo Tribunal
Federal.
4. O advento da Lei 9.868-99 (Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação
Declaratória de Constitucionalidade): mais poderes ao Supremo Tribunal Federal
A lei 9868-99 trouxe uma nova disciplina para o processo de controle concentrado até então
existente14. A lei disciplinou o rito das ações de constitucionalidades já existentes no sistema, ou
seja, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação direta de constitucionalidade15. Referida lei16
introduz uma série de juízos integralmente discricionários, permitindo aos membros do Supremo
Tribunal Federal atos de escolha com bases em conceitos genéricos como “relevância”17. Assim,
entendendo urgente ou de interesse público, os ministros podem tomar decisões em
determinados temas, que irão apressar ou atrasar o processo. O rito processual pode ser breve
(artigo 12, quando há autorização para o julgamento sumário) ou alongado (o artigo nono
autoriza a busca de novas informações, por exemplo, o que tornará o prazo do processo ainda
mais longo). Todos esses fatores darão ao rito uma velocidade maior ou menor. Há verdadeira
entrega de poderes para cada ministro, que passa a decidir com base em “interesse público” ou
“urgência”, para não mencionar outros conceitos genéricos e subjetivos da lei. Ora, quando se
entrega um conceito genérico para ser preenchido pelo Ministro, estamos entregando o “poder”
sobre a questão. Uma leitura rápida da lei 9868-99 revela uma série de pontos que transferem
para o Ministro Relator a decisão.
Relembremos que o processo de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal continua o
mesmo, ou seja, não há modificação desde a origem da Constituição de 1988. No entanto, os
Alguns dias depois, foi publicada a Lei 9882-99, que disciplinava o instrumento ainda carente de
disciplina. No momento, havia, portanto, duas disciplinas ordinárias dos instrumentos vigentes: a ação
direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade.
15 Até então, o procedimento ainda era dado pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que
era norma anterior à Constituição e havia sido recebido pelo novo sistema. Muitos pontos estavam em
desuso e outros tanto não tinham disciplina.
16
A
lei
9.869-99
pode
ser
encontrada
no
endereço:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm
17 O parágrafo segundo, do artigo sétimo, por exemplo, menciona que se o Relator “considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes...” – termos genéricos que atribuem um poder
discricionário (de difícil controle) ao Ministro Relator.
14
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poderes já foram alterados de forma significativa, rompendo o equilíbrio que permeava o
ambiente constituinte de 1988. Em relação à ação declaratória, os mesmos benefícios são
entregues aos Ministros.
5. O advento da Lei 9882-99 (Lei da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental)18
O processo de concentração de poder se revela ainda vez com a edição da Lei 9882-99.
O instrumento veio viabilizar o comando constitucional que determinava que a lei iria disciplinar
a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
A lei, no entanto, traz os traços de generalidade que acompanharam a legislação recente (a lei
9868-99) com uma agravante. Não há a definição do que seria “preceito fundamental” e nem
tampouco qual o grau de descumprimento que ensejaria a medida judicial, deixando, portanto,
nas mãos do Poder Judiciário, especialmente, do Supremo Tribunal Federal, o preenchimento,
pela jurisprudência, de tais conceitos abertos.
As mesmas generalidades constantes da Lei 9868-99 são repetidas na lei 9882-99, entregando,
portanto, ao Poder Judiciário (e não à lei) a determinação de certos conceitos. No entanto, aqui, a
situação de agrava, porque a imprecisão faz com que o Supremo Tribunal Federal tenha um
espaço ainda maior de preenchimento, pela sua jurisprudência. Em princípio, não haveria
qualquer problema, em deixar para a Corte Suprema do país disciplinar. No entanto, não
podemos deixar de anotar que o processo de escolha continua o mesmo, ou seja, estabelecido
para tarefas bem distintas das atuais.
Já podemos apontar que houve um enriquecimento acentuado de competências do Supremo
Tribunal Federal a partir de 1.988. Do texto originário até o momento, houve uma concentração
de poderes por parte dos membros do Supremo Tribunal Federal. Essa concentração se deu
pelos motivos já elencados: interpretação jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal,
que se auto-atribuiu competências, emenda constitucional, que criou um novo mecanismo de
controle de constitucionalidade e pelas legislações ordinárias, que veicularam conceitos genéricos,
permitindo o preenchimento pela própria Corte de tais espaços genéricos e abertos.
O processo de escolha, no entanto, continuou idêntico. Repetimos tal situação, porque a equação
competências e processo de escolha já se encontra bem desequilibrada, tomando-se como ponto
de partida a promulgação da Constituição Federal de 1988.
18
9
A lei 9.882-99 poderá ser encontrada em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm
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Neste passo, podemos apontar uma dificuldade de justificativa da legitimidade da Corte. Não há
qualquer ponto específico que revele tal descompasso entre as competências atuais e a forma de
escolha. No entanto, inegavelmente, à medida que a Corte analisa questões mais delicadas e
conflitivas, sempre surgirão comentários que relembrarão esse desequilíbrio, reclamando da
posição adotada pela Corte, qualquer que seja, pois sempre haverá um grupo derrotado.
A falta de legitimidade passa a ser uma razão para discordar e tentar deslegitimar a decisão que
descontenta um determinado grupo. Esse processo de contestação da legitimidade aparece
sempre que alguém não recebe a prestação jurisdicional da forma que lhe interesse. E não se fala
apenas de um determinado grupo.
O Supremo Tribunal Federal tem enfrentado diversos temas difíceis e em cada momento, a
questão do processo de escolha, volta à tona por aqueles que não tiveram seus interesses
atendidos. Voltaremos a tal ponto. No entanto, seria importante ter uma idéia geral dos temas
enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal.
6. Das decisões difíceis do Supremo Tribunal Federal
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal ocupou o cenário com diversas decisões que
enfrentaram temas de grande complexidade. Em linhas gerais, a Corte decidiu (a nosso ver) de
forma adequada. No entanto, inegável que o debate foi intenso e as decisões foram contestadas
pelos mais variados grupos prejudicados.
Talvez um dos marcos mais importantes, foi o julgamento da Lei da Anistia. Como sabemos, o
Brasil viveu, sob o regime militar, antes da Constituição de 1988. E, nesse período, há violações
sistemática de direitos humanos. A situação foi, à época, pacificada pela Lei da Anistia (Lei n.
6683-79), que tratou de solidificar posição, liberando ambos os lados, governo e não governo, de
qualquer penalidade. Posteriormente, o tema voltou ao cenário, sob diversos argumentos, dentre
outros, a impossibilidade de se aplicar a anistia em crimes contra a humanidade, tortura etc.
O tema foi submetido ao Supremo Tribunal Federal que, por voto conduzido pelo Ministro Eros
Roberto Grau, entendeu que a lei da anistia estava vigente e que não poderia deixar de ser
aplicada. O processo recebeu o n. ADPF 153.19
Os defensores de uma responsabilização dos torturadores ficaram descontentes. Houve, por
parte dos grupos de direitos humanos e boa parte da sociedade, grande frustração.
O
julgamento
encontra-se
no
endereço:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28153.NUME.+OU+153.AC
MS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/q93mn4j
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Outro ponto enfrentado pela Corte Suprema foi a da utilização de células tronco nas pesquisas.
O tema gerou grande polêmica, especialmente diante de algumas resistências de grupos religiosos.
O Supremo Tribunal Federal, no processo n. ADI 3510-DF, entendeu que seria possível a
utilização. Evidentemente, os grupos perdedores questionaram a posição da Corte20.
Outra matéria que foi abordada em passado recente foi o aborto do anencefálico. Havia uma
grande discussão, diante da norma ordinária, que trazia como excludente da criminalidade, o
estupro e a situação de risco de vida da gestante. Não havia, portanto, na lei, a possibilidade de
autorização do aborto pela circunstância do feto apresentar anencefalia. A Corte, depois de
calorosa discussão, entendeu que seria possível tal decisão, autorizando o aborto para a hipótese
mencionada. O processo recebeu o n. ADPF 54-DF.21
Também foram julgados temas como as quotas raciais para concursos e ingressos nas
Universidades. Dentro de um programa de ação afirmativa, foram editadas leis (ou, em alguns
casos, apenas decisões administrativas) que autorizavam a criação de quotas para os
afrodescendentes. O tema chegou até o Supremo Tribunal Federal, que entendeu serem legítimas
e constitucionais as quotas, diante do dever de o Estado promover a inclusão de tais grupos. O
julgamento recebeu o n. ADPF 186-DF.22
A união entre pessoas do mesmo sexo também foi objeto de decisão da Corte. Pela Constituição
da República Federativa do Brasil, em seu parágrafo terceiro, do artigo 226, o casamento
ocorreria entre homem e mulher. O tema foi lançado à decisão do Supremo Tribunal Federal. A
ampliação do conceito de família encontrou a resistência de grupos religiosos que se opunham a
união entre pessoas do mesmo sexo. A decisão foi por grande maioria, entendendo ser possível
tal união. Certamente, a decisão descontentou os grupos que opinavam contra tal entendimento.
A decisão recebeu o número ADPF 132-RJ23.
A
decisão
encontra-se
em
:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28c%E9lulas+tronco%29&ba
se=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/oj5od2j
21
A
decisão
pode
ser
encontrada
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28afrodescendentes+e+quotas
%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mtx5gf3
22
O
processo
encontra-se
em
:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28afrodescendentes+e+quotas
%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/mtx5gf3
23
A
decisão
pode
ser
encontrada:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000180731&base=baseAcordaos
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Por fim, em matéria penal, o Supremo Tribunal Federal passou, boa parte do ano de 2013 e 2014,
julgando a conhecida como “mensalão”, processo que recebeu o número Ação Penal n. 47024.
Em resumo, o tema era a condenação de ex-Ministros de Estado, Deputados Federais,
Presidentes de Partidos Políticos, parlamentares envolvidos no recebimento de propinas que
faziam parte de um esquema de corrupção.
Para aumentar as críticas, boa parte dos envolvidos eram participantes diretos do Governo,
figuras ligadas, inclusive, à Presidência da República.
Depois de uma longa jornada, que sofreu um número infindável de contestações das mais
variadas posições, a Corte entendeu de condenar boa parte dos envolvidos. Muitos foram
encarcerados e cumprem pena até hoje.
Não se pode afirmar que a decisão não sofreu críticas. Ao contrário, foram inúmeras as críticas,
quer quanto à condução pelo então Presidente da Corte, Ministro Joaquim Barbosa, quer quanto
aos critérios adotados para a condenação dos acusados. Houve críticas ferozes contra o Supremo
Tribunal Federal, especialmente, pela Presidência e pelos votos que foram pela condenação.
Portanto, pelos casos narrados, todos polêmicos, que demandam decisões que deixam grupos
descontentes (religiosos, réus condenados e seus grupos de apoiadores, defensores dos Direitos
Humanos), pode-se verificar que há uma permanente verificação dos critérios de legitimidade da
Corte. Desde a interpretação constitucional sobre o casamento entre homem e mulher, onde a
interpretação cuidou de adotar um critério mais extensivo de família até os problemas sobre a Lei
da Anistia, onde os defensores dos Direitos Humanos entendem que não teria havido qualquer
isenção de punição aqueles que participaram, em nome do Estado, de torturas e violência física.
A legitimidade, portanto, é objeto de discussão, conforme o momento e conforme a decisão,
como é sabido.
Tal problema poderia ter sido sanado com o acompanhamento do aumento das competências da
Corte com uma nova forma de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Se houve a escolha de um critério, pelo Poder Constituinte de 1988 (diante de determinadas
competências), tais competências aumentadas de forma bastante intensa, poderiam permitir um
novo critério de escolha, com a participação da sociedade de forma mais incisiva. Não foi assim o
que ocorreu, o que deixa sempre com um pouco de razão (independentemente do mérito das
decisões) que grupos perdedores questionem a legitimidade e a boa técnica dos julgadores da
Corte Suprema. Não somos contra, é preciso dizer, o acúmulo de poderes da Corte Suprema. No
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In http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/relatoriomensalao.pdf
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entanto, entendemos que ele deva ser acompanhado por um fortalecimento do processo de
escolha de seus membros, o que aumentaria o grau de legitimidade e eliminaria as críticas (não
adentramos no mérito) das decisões. A legitimidade não seria um ponto de ataque dos críticos.
Não bastassem tais elementos, a sociedade aguarda um Congresso Nacional mais ativo, mais
combativo e mais produtivo, o que não tem ocorrido. É o que veremos a seguir.
7. O Poder Legislativo e a falta de produtividade seletiva
O Poder Legislativo no Brasil, quer pela Câmara dos Deputados, quer pelo Senado Federal, vem
apresentando alguns problemas que acabam por refletir na atuação dos Tribunais. Há um
comportamento lento para certos temas. E, em compensação, quando se fala em vantagens
corporativas, boa parte dos parlamentares apresenta uma velocidade espantosa. Quando querem
enfrentar, por exemplo, o Poder Executivo, criando-lhes embaraço para alguma atitude, agem
com rapidez e, em muitos casos, com um grau de coesão muito forte. No entanto, para outros
temas, verifica-se um longo trajeto com o uso de estratégias regimentais para dar um ritmo muito
lento e evitar a discussão e o resultado. O resultado poderia ser a aprovação ou o arquivamento.
Mas haveria a manifestação clara de concordância ou rejeição do tema proposto. Prefere, boa
parte dos membros do Poder Legislativo, deixar de enfrentar alguns problemas, em busca de um
inexistente consenso. E, diante da falta de deliberação (e decisão), os grupos prejudicados buscam
o Poder Judiciário para tentar, diante de uma interpretação extensiva ou para contornar a omissão
legislativa (com instrumentos próprios como o mandado de injunção e a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão), obter melhores resultados para a tutela de seus direitos. Esse
descrédito tem feito com que aumentasse o número de ações de inconstitucionalidade por
omissão e mandados de injunção, com a mudança do posicionamento da Corte. Até pouco
tempo, o Supremo Tribunal Federal, diante da omissão legislativa, em caso de via de exceção,
cuidava de dar ciência ao órgão omisso. Apenas e tão somente, a ciência, para que tomasse a
providência cabível, o que raramente ocorria. O Poder Legislativo deflagrava o processo, dando
cumprimento formal à ordem do Supremo Tribunal Federal, sem, no entanto, qualquer resultado
prático. Passados mais de vinte anos de vigência, a Corte Suprema modificou seu entendimento.
Ela determina a providência (a elaboração da norma, por exemplo) e, inexistente, já cuida de
determinar quais seriam os direitos colhidos diante da omissão, de forma que haja uma
participação ativa do Poder Judiciário, colmatando a falta do Poder Legislativo. Esse
comportamento tem causado desconforto entre os Parlamentares. A providência do Supremo
Tribunal Federal, modificando sua postura, agora mais atuante, recoloca a Corte em um plano
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mais efetivo. O tempo e as reiteradas omissões colaboraram para tal mudança que, ao nosso ver,
veio com muito atraso. Essa alteração na jurisprudência da Corte fez com que o Poder
Legislativo constantemente reclamasse da “invasão” de competência. Na verdade, não se trata de
invasão de competência, mas de suprir uma deficiência de complementação legislativa diante da
omissão reiterada do órgão encarregado de sua edição.
Um descrédito na representação política 25 - 26 tem provocado a busca no Poder Judiciário de
soluções para certos impasses legislativos. Um exemplo é a questão do ajuste documental da
pessoa transexual, que já sofreu a cirurgia de redesignação. A legislação existente não contempla a
mudança documental. O Superior Tribunal de Justiça afirmou que a pessoa que sofreu a cirurgia
tem direito ao novo nome, ajustado ao seu novo sexo, modificando-se, inclusive, o registro
quanto ao novo sexo. Passa, portanto, a ter um novo nome, compatível com sua nova situação e
seu novo sexo (o resultado da redesignação) passa a constar de seus documentos. Há projetos de
lei em trâmite no Congresso Nacional para disciplinar o tema. No entanto, diante da omissão
legislativa, o Poder Judiciário resolveu, em uma interpretação do princípio da dignidade da pessoa
humana, apreciar a matéria.27 -28. Portanto, enquanto o Poder Legislativo discute, há mais de dez
anos, se a pessoa que se submeteu à cirurgia de redesignação de sexo pode ou não alterar o seu
nome, o Poder Judiciário, pelo Superior Tribunal de Justiça, já disciplinou a matéria, formando
jurisprudência sobre o tema. A demora da deliberação (e ainda o risco de ser negada, como
consta de um projeto de lei específico) fez com que o Poder Judiciário resolvesse a questão.
Referido descrédito pode ter como raiz o sistema de representação politica, que insiste em deixar o voto
distrital de fora, trabalhando apenas com uma votação majoritária do candidato. Isso deixa o candidato
livre das promessas de campanha e, dentro de um âmbito maior, sem delimitação geográfica restrita.
Também podemos afirmar que há uma descrença nas instituições parlamentares em decorrência de casos
de corrupção, compadrio, falta de punição, dentre outros problemas.
26 Apenas para mencionar, à título de exemplo, sem esgotar absolutamente o assunto, nos últimos anos
um candidato a deputado federal foi condenado à pena de prisão por corrupção. E, ainda assim, não teve
seus direitos políticos cassados pela Casa Legislativa. Posteriormente, em nova votação, diante do mal
estar causado, ele foi cassado.
O Senado Federal, recentemente, determinou a aquisição de selos. O valor, em dólares americanos, teria
correspondência de 400.000 dólares americanos (dois milhões de reais em 2013). Não haveria, em
princípio, nenhum problema, se o Senado Federal utilizasse selos (utiliza, na verdade, de máquinas
franqueadoras) e os selos nunca foram encontrados. A notícia pode ser encontrada em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,senado-apura-gasto-de-r-2-milhoes-com-selos,1064482. São
fatos como esses (dentre muitos) que desacreditam boa parte do Poder Legislativo.
27 O projeto de lei n. 1281-2011 da Câmara dos Deputados autoriza apenas a mudança do pré-nome do
transexual que se submeteu à cirurgia. Não fala da mudança do sexo no registro civil. Cf.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=501425.
28 Juntamente com o projeto de lei que permite o ajuste do pré-nome, há outro, que proíbe a mudança de
nome,
projeto
de
lei
n.
5872-2005,
cf.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=299666
25
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Certamente, não seria a melhor forma de solucionar o tema. Mas, diante da demora em deliberar
e dos riscos em ter uma decisão mais conservadora, o Poder Judiciário, em atitude pioneira,
avançou e resolveu a questão29.
Mesmo assim, com a orientação jurisprudencial firme do Superior Tribunal de Justiça, os projetos
de lei continuam em trâmite, como se pode ver. O Parlamento sequer anotou que a situação
jurídica sofreu modificação com a decisão do Superior Tribunal de Justiça que orientará as
decisões do Poder Judiciário daqui para a frente. Ou seja, o Parlamento continua discutindo o
tema, já superado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Continua não existindo lei
específica, mas uma orientação jurisprudencial firme para o tema.
8. A prestação jurisdicional demorada
A Constituição Federal sofreu uma mudança em seu texto, no ano de 2004, para que fosse
incluído, em seu artigo quinto, inciso LXXVIII, o direito a uma “razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Tal mudança teve um valor simbólico
importante. No entanto, os problemas com a demora persistiram, apesar de algumas mudanças
como o efeito vinculante de algumas decisões, súmulas vinculantes, dentre outras providências.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, ao que parece, continuou apresentando os problemas
que vá vinha apontando, decorrentes do acúmulo de feitos e decorrente de suas novas
competências.
O estudo “O Supremo em Números”30 trouxe dados reveladores dessa produtividade, mostrando
alguns gargalos que impedem o fluxo dos processos e, especialmente, uma certa falta de critério
para temas que poderiam ser resolvidos de forma mais rápida. O pedido de vista de um Ministro
do Supremo Tribunal Federal pode ser revelador dessa situação. O julgamento de um processo
começa e cada um dos Ministros pode pedir vistas do processo para melhor análise.
Teoricamente, o processo teria um prazo para retornar à mesa de julgamento. Esse prazo não é
cumprido, como se vê do gráfico abaixo, onde há indicação de cada Ministro e o tempo de
demora. Também é verdade que os novos Ministros (os de nomeação mais recente) vêm
mantendo uma boa média de devolução, o que pode sinalizar um bom caminho. No entanto, de
outro lado, já se podem visualizar atrasos significativos...
Conferir
a
decisão
do
Superior
Tribunal
de
Justiça:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1008398&
b=ACOR&thesaurus=JURIDICO
30 O estudo completo pode ser encontrado em: http://www.fgv.br/supremoemnumeros/node/7.html
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Inegável que certos tema exigem uma reflexão e um posicionamento de cada Ministro. No
entanto, o gráfico fala por si só. Seria impossível, alguém que foi designado porque apresenta
“notável saber jurídico” necessitar do tempo extraordinário (como mostra o gráfico) para
devolver o processo. Em alguns casos, a média chega a quase dois anos.
Talvez aqui haja a necessidade de repensar o número de Ministros ou de repensar as
competências. O que não se pode admitir é que um tema fique dois anos com um Ministro para
refletir sobre a questão. Se está assoberbado de trabalho (e é possível que isso ocorra), é preciso
repensar o sistema, retirando-lhe competências, aumentando o número de Ministros da Corte. O
sistema acumulou competências durante mais de vinte anos, como visto. E a demora média
revela a dificuldade na gestão da prestação jurisdicional. De outro lado, não se tem notícia de que
alguém sofreu alguma reprimenda pelos atrasos...
Partindo da premissa de que todos são produtivos e que há um aceitável ritmo de trabalho, ou há
trabalho demais ou há ministros de menos. Se não estão trabalhando com a desejada
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produtividade, os gestores devem repensar o sistema; se há poucos Ministros, para o rol de
competências, há que repensar o sistema; e, por fim, se há competências demais, também há que
repensar o sistema.
De toda forma, algum ponto precisa de reforma. E reforma com urgência, pois não basta
introduzir elementos de eliminação dos gargalos, sem discutir a qualidade e o montante de
trabalho afeito a cada julgador. Os Ministros se dividem em outras participações, como o
Tribunal Superior Eleitoral.31
Ora, boa parte do ano (temos eleições de dois em dois anos), quase um terço dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal se dedica ao Tribunal Superior Eleitoral, acumulando funções.
O Supremo Tribunal Federal fica privado da capacidade plena de seus membros e o Tribunal
Superior Eleitoral encontrará julgadores que acumularão um infindável número de processos.
E, na composição do Tribunal Superior Eleitoral também haverá juízes Ministros do Superior
Tribunal de Justiça.
Ora, se temos eleições a cada dois anos, não seria o caso de termos uma Justiça Eleitoral, em grau
superior, permanente? Se o decidimos ter eleições bienalmente, com milhares de processos de
impugnação de candidaturas, prestação de contas,
talvez devamos pensar os custos e os
benefícios de tal escolha. Não parece ser traço de boa administração retirar julgadores de uma
posição, onde estão com acúmulo de trabalho, para atuar em outra.
A análise singela dos números do gráfico n. 48, juntado acima, por exemplo, que demonstra o
tempo de devolução de um processo, é de causar preocupação. O estudo O Supremo em
Números, no volume “O Supremo e o tempo” 32 revela que alguns Ministros do Supremo
Tribunal Federal ficavam com o processo alguns anos para dar o seu voto.
Enquanto isso, a sociedade aguardava o instrumento que iria lhe entregar a segurança jurídica
desejada. A crítica não é a um ou outro Ministro, mas ao sistema que permite, sem qualquer
providência, que um Ministro fique mais de um ano com um processo para dar o seu voto. A
gestão não se revela eficiente e muito menos célere. O sistema precisa ser repensado, com ajuste
de competências ou do número de Ministros e de seu processo de escolha, como apontado
acima.
O artigo 119, I, alínea “a”, da Constituição Federal reserva a participação de três Ministros do Supremo
Tribunal Federal para composição do Tribunal Superior Eleitoral.
32 http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/12055/III%20Relat%C3%B3rio%20Su
premo%20em%20N%C3%BAmeros%20-%20O%20Supremo%20e%20o%20Tempo.pdf?sequence=5
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9. Algumas Conclusões
Pelo acima exposto, podemos afirmar que houve um desequilíbrio entre o acúmulo de tarefas do
Supremo Tribunal Federal e o desejo constituinte originário. Essas novas tarefas trouxeram
novos poderes, muitas vezes explícitos (como o efeito vinculante das decisões, que foi veiculado
por uma emenda constitucional) e, outras vezes, implícito (como poderes decorrentes de
terminologias abertas e pouco precisas pela legislação) e, ainda, poderes auto-deferidos, por força
de uma interpretação constitucional que permitiu o exercício de um poder próprio.
Diante desses acúmulos de poderes, no decorrer desses vinte e seis anos de vigência do texto
constitucional, não houve alteração na forma de escolha, permanecendo inalterado o artigo 101.
Como vimos, esse desequilíbrio entre competências inicialmente ajustadas e forma de
composição, com o preenchimento do primeiro grupo e mantendo o critério estanque do
segundo, propicia uma forma “desconfiança” daqueles que tiveram seus interesses ou pontos de
vista não acatados pela Corte Suprema.
Ao lado da necessária mudança de critério para escolha dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, seria importante que eles deixassem as tarefas eleitorais, concentrando-se no já extenso
rol de competências regulares.
Por fim, seria importante pensarmos em uma discussão sobre a agenda do Supremo Tribunal
Federal, criando sistemas de participação popular e de associações que permitiriam discutir o grau
de importância dos temas que estão parados, aguardando decisão.
E, por fim, estando um Ministro sobrecarregado, com processos em atraso, ficaria ele suspenso,
até que retome a produtividade rotineira, de qualquer outra atividade de representação, como
cursos, conferências, visitas, bancas examinadoras etc.
Bibliografia
Araujo, Luiz Alberto David e Serrano, Vidal. Curso de Direito Constitucional, Verbatim, São
Paulo, 18ª. Edição, 2014.
Branco, Paulo Gustavo Gonet; Mendes, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional,
Saraiva, São Paulo, 9ª. Edição, 2014.
Streck, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, RT, São Paulo, 4ª. Edição, 2014.
Sítios eletrônicos consultados
Supremo em Números, in: http://www.fgv.br/supremoemnumeros/node/7.html
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Supremo Tribunal Federal: www.stf.jus.br
Superior Tribunal de Justiça: www.stj.jus.br
Portal da Legislação – Governo Federal: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao1/leis-ordinarias
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O papel do Supremo Tribunal Federal na defesa dos