A impossibilidade da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tarifar
­percentual de multa tributária (punitiva ou moratória/indenizatória) em sede
de controle difuso de constitucionalidade. Inexistência de teto constitucional.
Guilherme de Escobar Guaspari
Resumo:
Não há jurisprudência no Supremo Tribunal Federal sobre o percentual máximo da multa tributária punitiva. Os precedentes e inclusive o recurso extraordinário n.º 582.461, Tema 214/STF, tratavam
sobre multa moratória. Então, os tribunais estaduais e regionais não estão adstritos a qualquer condicionante da Corte superior, devendo apreciar a proporcionalidade da lei de forma soberana, ou, se constatarem inconstitucionalidade, suscitar incidente para o seu julgamento pelo pleno ou órgão especial.
1 – Introdução
A escolha do tema decorre da sua atualidade e da discussão interessar sobremaneira a todos os entes
federados: União, Estados, Distrito Federal e municípios. A tese da violação ao princípio constitucional
do não confisco já era enfrentada há décadas de forma secundária nas mais diversas espécies de ações nas
quais se discutisse matéria tributária: embargos, ações ordinárias, anulatórias, mandados de segurança;
invariavelmente sem êxito para os contribuintes, tendo-se em vista a prevalência do dever fundamental
de pagar tributo e a legitimidade conferida ao legislador para graduar a fixação da pena, moratória ou
punitiva, mediante juízo legislativo de proporcionalidade.
A graduação legal da pena se dá diante da conduta praticada pelo contribuinte tipificada como
infração. Se de maior gravidade, a multa punitiva será proporcionalmente mais elevada. Quanto à multa
moratória, decorrente do mero inadimplemento, deve ser fixada pelo legislador em percentual entendido
como suficiente a inibir o inadimplemento voluntário e a indenizar o atraso.
Tempos recentes para cá, todavia, a jurisprudência da egrégia Suprema Corte brasileira passou a
admitir, mesmo em sede de controle difuso de constitucionalidade, discussão acerca da proporcionalidade
da multa e da violação ao princípio do não confisco, previsto no art. 150, inciso IV, da Constituição
Federal1, discussão que há muito reservara aos Tribunais estaduais, por tratar de direito local, análise de
1 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios: (…) IV - utilizar tributo com efeito de confisco.
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fatos e provas e mesmo de violação indireta ao texto constitucional, especialmente em se tratando de
multa punitiva.
A presente tese buscará demonstrar a incorreção dos julgamentos que vêm sendo proferidos nas
Cortes estaduais, em obediência à jurisdição de precedentes em vigor, aplicando a recente jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, ao entendimento de que a Suprema Corte já teria se pronunciado de forma
definitiva sobre a matéria.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, algumas Câmaras Cíveis especializadas em direito tributário
estão julgando inconstitucionais os percentuais das multas, nos embargos e demais ações que lhe chegam,
aplicando diretamente os percentuais fixados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que já estaria
sendo proclamada inclusive mediante decisão monocrática (RE 797293 citado na AC 70055479497 TJ/
RS2). E quando decidem pela higidez da multa, no percentual legal em que fixado, dizendo proporcional
face ao ilícito praticado, a Presidência do Tribunal gaúcho está admitindo recursos extraordinários com
fundamento nas decisões proferidas pela Suprema Corte (RE 7003662955 TJ/RS3).
O trabalho verificará, então, a validade da premissa condicionante das decisões locais sobre a
matéria, de já existir pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, e concluirá de forma negativa. A
tese também apontará incorreção técnica na forma de julgamento de inconstitucionalidade como vem
2 ICMS. INFRAÇÃO MATERIAL. MULTA QUALIFICADA. CONFISCO. REDUÇÃO. CUMULAÇÃO. 1. Comprovada a
prática de infração material, correta a aplicação da multa qualificada. 2. O STF tem considerado confiscatória a multa tributária
superior a 100% do valor do débito. É de ser reduzida, portanto, a multa de 120% pela prática de infração material. Recurso
provido em parte.
3 A postulante defendeu, ainda, o caráter confiscatório da multa aplicada no percentual de 120% do valor
do tributo, sustentando ofensa ao art. 150, IV, da CF. Viável, no particular, o acolhimento da pretensão.
Importante referir o posicionamento do Supremo Tribunal Federal de que contraria a proibição do
confisco a aplicação de multas que superam o valor do tributo.Nesse sentido, registra-se os seguintes
julgados: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO.
MULTA FISCAL. PERCENTUAL SUPERIOR A 100%. CARÁTER CONFISCATÓRIO. ALEGADA
OFENSA AO ART. 97 DACONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta
Corte firmou entendimento no sentido de que são confiscatórias as multas fixadas em 100% ou mais
do valor do tributo devido. II – A obediência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária
quando houver jurisprudência consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida. III – Agravo
regimental improvido” (RE n. 748.257-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma,
DJ 20.8.2013) Observa-se que, no presente caso, o Órgão Julgador considerou adequada a multa fixada
em 120% do tributo devido, entendendo que se trata de multa punitiva e não confiscatória, que visa a
estimular o adimplemento das obrigações tributárias e não se mostra excessiva diante das circunstâncias
da causa.Assim, estando diante de multa com valor superior ao tributo, oportuna a submissão da matéria
ao Egrégio STF.III. Em face do exposto, ADMITO o recurso extraordinário.
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ocorrendo, diante da inexistência de pronunciamento da Suprema Corte, a exigir a formação de incidente
de inconstitucionalidade, no tribunal pleno ou órgão especial do Tribunal local, quando suscitada por um
de seus órgãos fracionários.
2 - O que é multa confiscatória
Matéria tormentosa na doutrina e na jurisprudência é a definição do que seria, afinal, multa
confiscatória. Há autores, inclusive, que defendem que o princípio do não confisco sequer poderia ser
aplicado em relação à multa, restringindo a possibilidade de sindicabilidade judicial sobre a atividade
legislativa quanto à alíquota fixada para o tributo. Outros, em maioria, perfilham do entendimento do
Supremo Tribunal Federal, de possibilidade de controle judicial também sobre as multas, em face do
princípio constitucional do não confisco.
Aliomar Baleeiro4 assim se pronuncia sobre a questão:
“As sanções, de modo geral, desde a execução até as multas, especialmente em caso
de cumulação, podem levar à perda substancial do patrimônio do contribuinte. A
jurisprudência de nossos tribunais sempre declarou inconstitucionais as penalidades
excessivas, confiscatórias. É claro que se deve medir de forma diferente as sanções, pois
diferentemente dos tributos, as penalidades coíbem a fraude e a sonegação, com o que
podem ser mais onerosas. Mas mesmo em tais hipóteses, o confisco, segundo o STF
continua vedado.”
Em outra passagem o mesmo autor assevera que:
“Como regra geral, a doutrina e jurisprudência tendem a reconhecer a constitucionalidade
das presunções, ficções ou somatórios que sejam definidos na lei. Entretanto, a norma
inferior legal não pode ofender norma constitucional superior. Especialmente no Brasil,
é de se refletir sobre o tema, uma vez que a Constituição Federal, ao regular o Sistema
Tributário, desce a pormenores que acabam por delimitar materialmente a competência
legislativa dos entes estatais tributantes. A praticidade, como um princípio importante
e difuso no ordenamento, autoriza a criação de presunções, tetos e somatórios em lei,
desde que, com isso, não fiquem anulados princípios constitucionais como aquele que
veda utilizar tributos com efeito de confisco ou aquele que determina a graduação dos
impostos de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.”
Hugo de Brito Machado5 reconhece que a Suprema Corte admite a sindicabilidade judicial do
juízo legislativo de fixação da multa, mas ressalva o seu entendimento pessoal dizendo que o controle
4 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8ª ed. Atualizada por Misabel
Abreu Machado Derzi, Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 918/919.
5 MACHADO, Hugo de Brito Curso de Direito Tributário. 30ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
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sobre a multa tem fundamento no princípio da proporcionalidade, e não no princípio do não confisco, pois
este seria admitido como limite ao legislador somente em se tratando do próprio tributo:
“A vedação do confisco é atinente ao tributo. Não à penalidade pecuniária, vale dizer,
à multa. O regime jurídico do tributo não se aplica à multa, porque tributo e multa
são essencialmente distintos. O ilícito é pressupostos essencial deste, e não daquele. (...)
Porque constitui receita ordinária, o tributo deve ser um ônus suportável, um encargo
que o contribuinte pode pagar sem sacrifício do desfrute normal dos bens da vida. Por
isso mesmo que não pode ser confiscatório. Já a multa, para alcançar sua finalidade, deve
significar um ônus significativamente pesado, de sorte que as condutas que ensejam sua
cobrança restem efetivamente desestimuladas. Por isso mesmo pode ser confiscatória.
Registre-se, todavia, que o Supremo Tribunal Federal tem algumas manifestações em
sentido contrário, vale dizer, no sentido de que o dispositivo constitucional que veda
a utilização de tributo com efeito de confisco aplica-se também às multas, vedando a
cominação de multas muito elevadas. Com a devida vênia, pensamos que a Corte
Maior não foi feliz ao adotar tal entendimento. As multas, como as sanções em geral,
são instrumentos destinados a desestimular condutas ilícitas. Assim, em certos casos
justificam-se multas pesadas para que o contribuinte não queira correr o risco de ser
apanhado no descumprimento de suas obrigações. É certo que o Supremo Tribunal
Federal evoluiu quanto ao à fundamentação adotada no deferimento da cautelar, passando
a considerar que a multa em tela contraria o princípio da razoabilidade. Mesmo assim,
afirmou que a vedação ao tributo com efeito de confisco é uma limitação ao poder de
tributar que se estende, também, às multas decorrentes de obrigações tributárias, ainda
que não tenham ela natureza de tributo (ADI n. 551-1-RJ, j. 24.10.2002, com ementa
publicada no DJU 14.2.20003). A conclusão à qual chegou o Supremo é correta. O
fundamento, todavia, deve ser outro. A rigor, a vedação ao tributo com efeito confiscatório
não se estendem às multas tributárias. O que impede a cominação de multas exorbitantes
é o princípio constitucional de proporcionalidade, no que alberga a idéia de que deve
haver uma proporção, em sentido estrito, entre a gravidade do ilícito e a sanção ao mesmo
correspondente.”
E Leandro Paulsen6 sobre o tema cita lição de Sacha Calmon Navarro Correa (Curso de Direito
Tributário Brasileiro, 3ª edição, Ed. Forense, 1999, p. 149) nos seguintes termos:
“O confisco é atividade à margem da lei. Aquele que tributa, a Administração Pública (o
Executivo), depende do consentimento dos governados, mediante licença do legislador,
eleito pelos contribuintes. Pode ocorrer, no entanto, que o próprio legislador incorra
em irrazoabilidade. O confisco pode vir da tributação desmedida, a que perdeu o senso
de medida (não razoável em face das circunstâncias). O princípio não desautoriza a
exacerbação motivada da tributação, como nos casos de extrafiscalidade consentida (IPTU
progressivo para combater a especulação imobiliária, tornando insuportável a mantença
da propriedade imobiliária urbana especulativa). Desautoriza, contudo, a exacerbação
imotivada, não razoável, da tributação. O princípio contém o próprio legislador.
6 PAULSEN, Leandro. Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, pp. 238 e 247.
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Em outro momento o ilustre desembargador federal do TRF4 cita a já clássica lição de Humberto
Ávila sobre os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, nos seguintes termos:
“”O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo
escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais.
Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se dentre todos os meios
igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos
direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens
que promove superam as desvantagens que provoca’ (Teoria dos Princípios, Malheiros,
2003, p. 102). Por certo que a multa inibe o cometimento da infração, portanto é medida
adequada, e que é necessária, eis que a opção, e.g., por restrição a direitos como meio
inibitório implicaria ofensa inadmissível à livre iniciativa. O problema surge é na chamada
proporcionalidade estrita, eis que a multa deve ser proporcional à infração cometida, sob
pena de violação ao direito de propriedade do contribuinte ao ofender abusivamente
o seu patrimônio sem razão suficiente para tanto. Uma multa de 60% não é, sempre e
necessariamente, em si e por si, inconstitucional. Tudo dependerá da infração que através
se pretende prevenir/punir. Pode-se entender que as sanções contra formas variadas de
fraudes tributárias, em que dolosamente o contribuinte atua no sentido de iludir o Fisco,
visando a deixar de pagar o que deve, possa exigir multa de tal calibre, ou até maior.
Isso porque, nesses casos, a má-fé do contribuinte e sua ação deliberada de subtrair ao
conhecimento do Fisco o seu crédito exija uma sanção elevada, que efetivamente iniba o
contribuinte, submetendo-o ao risco de punição de tal monta que não lhe valha a pena
corrê-lo. Em face da simples mora, contudo, a cominação e aplicação de multa de 60%
mostra-se absolutamente descabida.”
Assim, poderíamos definir a multa confiscatória, de forma resumida, como a previsão legal, passível
de controle judicial, de sanção desproporcional ao fim a que se destina, de indenizar e inibir a mora
(multas moratórias), ou de punir ilícito lesivo aos cofres públicos e à ordem tributária, cuja graduação
deverá se dar na medida da gravidade da conduta perpetrada pelo contribuinte ou pelo responsável (multa
punitiva), sendo que sua vedação tem arrimo constitucional no direito de propriedade e nos limites ao
poder de tributar pelo princípio do não confisco.
3 - Espécies de multa tributária e o Tema 214/STF
Importante tecer breve distinção entre a multa tributária moratória e a multa tributária punitiva. A
primeira sanciona o atraso no pagamento e tem efeito indenizatório. E, a segunda, uma conduta prevista como
infração material, que cause prejuízo ao erário (de natureza grave, média, ou leve); ou uma conduta prevista
como infração formal, pelo descumprimento de uma obrigação acessória, sem prejuízo direto ao erário.
O percentual da multa tributária, especialmente da multa punitiva, é fixado pelo legislador
de forma gradual e proporcional à gravidade e lesividade da conduta perpetrada pelo contribuinte. O
percentual fixado em lei também visa a inibir a prática da conduta ilícita e a sua reincidência, mediante
juízo legislativo de proporcionalidade.
A multa de natureza punitiva, ou seja, decorrente de infração material (com prejuízo ao erário)
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ou formal (descumprimento de obrigação acessória), que, repito, se distingui da de natureza moratória
(decorrente do mero inadimplemento/atraso no pagamento) é a que vem recebendo atenção dos devedores
para discussão judicial, até mesmo pelos valores envolvidos, apesar dos precedentes, que inauguram a
referida “jurisprudência”, tratarem, ao invés, de multa moratória.
Com efeito, a multa moratória é que foi objeto de repercussão geral reconhecida no RE 582.461
(Tema 214), de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, e não a multa de natureza punitiva. E mesmo
para aquela, que evidentemente possui gravidade muito inferior à punitiva, alguns julgados referem que o
julgamento da repercussão geral teria admitido a sua fixação até o percentual de 100% do imposto devido,
o que não configuraria efeito confiscatória, traçando-se um paralelo com a cláusula penal prevista no
direito das obrigações do Código Civil (art. 412, do Código Civil/2002), de forma, admita-se, coerente,
face a sua natureza indenizatória (da mora).
Vê-se então desde já a ausência de integridade sistêmica da jurisprudência da Suprema Corte
diante da inexistência de similitude necessária à aplicação do pronunciamento assentado no precedente
julgado em repercussão geral (Tema 214), que versava sobre objeto diverso (multa tributária moratória
decorrente do mero atraso no pagamento) da multa tributária punitiva decorrente de infração tipificada
na legislação tributária.
4 - A impossibilidade de julgamento em controle difuso. Violação à cláusula de reserva de plenário
Além da natureza diversa da multa, outro grave óbice impede a aplicação dos precedentes firmados
a partir do julgamento do Tema 214 (RE 582.461 – RG/SP) que, assim como os próprios precedentes
nele citados, referem-se a julgados proferidos em sede de controle concentrado de constitucionalidade,
conforme demonstraremos de forma detida no capítulo seguinte.
Diversamente, os processos que vem recebendo decreto de confisco da multa legal, nos Tribunais
locais e regionais, estão, invariavelmente, tratando de controle difuso de constitucionalidade. Mas em sede
de controle difuso, o julgamento de proporcionalidade somente compete à instância ordinária, em face das
vedações sumulares dos verbetes 279 e 280/STF, que impedem a análise de lei local e de provas em sede
de recurso extraordinário.
O próprio acórdão do RE 582.461, ao se reportar aos precedentes firmados em controle concentrado,
transcreve o seguinte excerto:
“(...) É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo
Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio
constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da
República. Hipótese que versa sobre o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art.
3º e seu parágrafo único) que institui multa fiscal de 300%.”
O acórdão diz que o controle judicial se dá sobre o próprio ato legislativo (controle normativo
abstrato), e, portanto, não na relação entre Fisco e contribuinte em ações subjetivas. Então, o julgamento
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em ações individuais deve necessariamente analisar a constitucionalidade da lei local, pena de violação da
cláusula de reserva de plenário.
A cláusula da reserva de plenário, prevista no art. 97, da Constituição Federal7, e na respectiva
Súmula vinculante n.º 10/STF8, além dos arts. 480 a 4829, do Código de Processo Civil, determina
que eventual declaração de inconstitucionalidade, e, dessa forma, inclusive de multa fixada em legislação
estadual, deverá necessariamente ser apreciada mediante incidente de inconstitucionalidade, caso algum
órgão fracionário o suscite nos Tribunais locais.
A referida cláusula aplica-se à discussão sobre violação ao princípio do não confisco por norma
estadual porque não se pode falar em existência de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre
a questão. E se não houve pronunciamento, não se poderá invocar a regra do parágrafo único do art. 481,
do Código de Processo Civil, para declaração de inconstitucionalidade pela própria Câmara ou Turma
julgadora, sem a necessidade de suscitar o incidente de inconstitucionalidade.
As decisões já proferidas na Suprema Corte se deram em sede de controle concentrado (ADI
1.075-1 e ADI 551-1), ou em decisões isoladas que também se reportam àqueles precedentes assentados
em sede de controle concentrado (RE 582.461 e RE 74.257 AgR), o que não se entende como possível
por ausência de similitude fática.
As Cortes estaduais, a exemplo da gaúcha, que estiverem atentas aos precedentes
da Suprema Corte, que estão considerando confiscatórias as multas por cometimento de
infrações tributárias, ora no percentual de 300%, em controle concentrado (ADI 1075/DF),
ora no percentual de 100%, em controle difuso (RE 748257 AgR), estariam autorizadas a
decidir por aplicar este ou aquele percentual, pois seria, este ou aquele, o teto constitucional
fixado como aceito pelo Supremo Tribunal Federal.
Ora, ouso afirmar que não existe e nem poderá existir no Supremo Tribunal Federal fixação de teto
constitucional para as multas tributárias, sejam moratórias ou punitivas, salvo se, abstratamente, estiver a
analisar a constitucionalidade de texto legal em controle concentrado, mas não na relação subjetiva das partes.
A análise do efeito confiscatório em sede de controle difuso compete exclusivamente à instância
ordinária, à vista do caso concreto, mediante apreciação da proporcionalidade ou não do percentual
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Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão
especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
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Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora
não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou
em parte.
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Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o
Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo. Art. 481. Se a alegação
for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal
pleno.Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição
de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).
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fixado cotejado com a natureza e gravidade da infração cometida pelo contribuinte, pois inaplicáveis os
precedentes originários de ADIs, ou prevalentes os julgados de REs isolados que a elas se reportam como
se teto constitucional houvesse a ser observado. Este é o entendimento adotado no julgamento do próprio
RE 582.461/SP, Tema 214, do qual transcrevo o seguinte excerto do voto do Ministro Joaquim Barbosa:
(...) Sem a exposição da motivação e das razões específicas que tornariam a pena
desproporcional, não é possível aplicar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
sobre a aplicação do princípio da vedação do tributo com efeito confiscatório às multas.
(...) – grifei.
Então, nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade descabe aplicação direta dos
paradigmas do Supremo Tribunal Federal proferidos em sede de controle concentrado, sequer dos
paradigmas isolados recentemente proferidos e que se reportam exatamente aos julgamentos proferidos
em ADIs.
Se fosse verdadeira a premissa de haver pronunciamento definitivo, teria então o Supremo Tribunal
Federal tarifado as multas tributárias de todos os entes federados (União, Estado, DF e municípios), fazendo o
Poder Judiciário às vezes de legislador positivo, violando o princípio constitucional da separação dos poderes.
5 - Consequências das decisões
E qual seria a consequência de um “tarifaço judicial”? Ora, uma possível avalanche de ações, para
discutir milhões ou bilhões de autuações fiscais e respectivos lançamentos, para sua revisão, ou para pedir
repetição de indébito dos créditos tributários que contenham multa superior a 100% pagas nos últimos
cinco anos.
Assim, entendo que eventual inconstitucionalidade do percentual de multa fixado por qualquer
ente federado necessariamente deverá ser apreciada mediante incidente de inconstitucionalidade, ou em
ação de controle concentrado de constitucionalidade, inclusive por demandar modulação dos efeitos da
decisão, em homenagem à segurança jurídica.
Sim, por tratar-se de questão de difícil solução que necessariamente terá de ser universalizável,
vale dizer, o quanto decidido em um processo deverá também ser aplicado, ou passível de aplicação, nos
demais em que haja discussão idêntica, incumbe ao Poder Judiciária sopesar e ponderar as consequências
da decisão que tomará.
Ora, em um universo de mais de cinco mil municípios, sem considerar a União, o DF e os vinte
e seis estados da Federação, pode-se projetar a magnitude da repercussão da decisão definitiva que o
Supremo Tribunal Federal adotar, pois, então, sim, será condicionante à forma de decidir de todos os
demais Tribunais do país.
Conforme se verá na análise dos precedentes no capítulo seguinte, realmente existem situações em
que a lei se mostra desarrazoada quanto ao percentual da multa que, de tão exagerado, violaria o direito de
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propriedade e também o princípio da capacidade contributiva. E este deve ser o norte da jurisprudência,
adotando as diretrizes lá assentadas quando vierem para julgamento novas ações de controle concentrado,
ou nos respectivos recursos extraordinários contra acórdãos de tribunais locais ou regionais que aplicassem
o entendimento assentado nos julgamentos que fossem proferidos por seus órgãos especiais ou tribunais
plenos declarando inconstitucionalidade de lei.
É exatamente a magnitude da declaração de inconstitucionalidade de uma lei, especialmente em
matéria tributária, que justifica a previsão de modulação no tempo dos efeitos do julgamento, o que
somente se faz possível em sede de ADIN.
6 - Análise dos precedentes
A não prevalência do percentual de 100% como teto constitucional. Divergência
jurisprudencial restrita à multa moratória. Embargos de divergência no AI 830.300.
Inexistência de pronunciamento ou possibilidade de equivalência quanto à multa
punitiva, de natureza distinta da moratória
Conforme defendido nos capítulos anteriores, compete ao legislador, e não ao julgador, graduar a
gravidade do ilícito praticado, para definir os percentuais que serão aplicados de forma geral. As infrações
punitivas estão tipificadas na lei e incidem pela conduta, de forma objetiva. Eventual revisão judicial
poderia ser admitida para desclassificação da infração para uma de menor gravidade. Mas, eventual abuso
no percentual fixado em texto normativo será passível de controle judicial somente mediante controle de
constitucionalidade da própria lei.
Esta é a razão pela qual entendemos não deva o Supremo Tribunal admitir os recursos extraordinários
sobre esta matéria, remetendo às Cortes estaduais e regionais a apreciação, de forma soberana. Pode-se
cogitar de incidência da Súmula 279/STF, conforme decidido pelo Ministro Celso de Melo, mediante
decisão monocrática, no RE 797.29310, que ainda aguarda julgamento de agravo regimental interposto
pelo Estado do Rio Grande do Sul. Este recurso extraordinário foi interposto contra acórdão do Tribunal
gaúcho que aplicou diretamente o percentual fixado pela Suprema Corte, como se teto constitucional
houvesse, ainda que tenha julgado proporcional e razoável a multa prevista na lei local. Mas, chegando
no STF, o recurso extraordinário teve seu seguimento negado, ao entendimento de que o tribunal local é
que seria soberano para decidir. O relator asseverou que “o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões,
tem advertido não se comportar, no âmbito do recurso extraordinário, o debate em torno do caráter confiscatório
de determinada multa tributária (AI 505.908- -AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 715.05810 “Não custa rememorar, por relevante, que o pronunciamento jurisdicional emanado do Tribunal
recorrido reveste-se de caráter soberano no tocante aos elementos fáticos subjacentes à causa (RTJ 152/612
– RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.), sendo incompatível, com a natureza do recurso extraordinário, o
reexame de matéria de índole probatória.”
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AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 740.631-AgR/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE
402.902-AgR/MG, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.): (...)”
Então, o dilema que se estabelece é o seguinte: O tribunal local julga a multa punitiva prevista em
lei local proporcional à conduta praticada pelo contribuinte, mas, ainda assim, a declara inconstitucional, em
face do respectivo percentual contrariar o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal, reduzindo-a a
100%. Mas, ao chegar no Supremo Tribunal Federal, a depender do Ministro relator, o recurso extraordinário
tem o seu seguimento negado, ao entendimento de que o juízo de proporcionalidade compete de forma
soberana ao Tribunal local, afastando, de forma implícita, a existência de pronunciamento prévio da Suprema
Corte que tivesse o condão de condicionar a decisão dos demais tribunais pátrios. Nesta hipótese, a decisão
fica absolutamente obscura sobre qual o Tribunal que está declarando a inconstitucionalidade, além de
irrecorrível, pois o tribunal de origem disse proporcional a multa no caso concreto, mas aplica o percentual do
STF, que, por sua vez, diz que vale o que o acórdão recorrido decidiu. Ou, ainda, o recurso da parte contrária
é que é admitido, pois a Câmara julgadora de origem não havia entendido que houvesse pronunciamento
da Suprema Corte e, consequentemente, julgado o percentual constitucional, mas a sua Presidência admite
o recurso extraordinário, que, na Suprema Corte, resta provido, por decisão monocrática (RE 802417, rel.
Ministro Teori Zavaski), aplicando exatamente os precedentes da Suprema Corte.
Vamos aos precedentes que inauguraram a “jurisprudência” objeto de crítica nesta tese, para
verificarmos onde está o equívoco. Ora, ou existe ou não existe pronunciamento da Suprema Corte como
condicionante aos Tribunais locais e regionais, e, se não houver, eventual declaração de inconstitucionalidade
dependerá de formação de incidente de inconstitucionalidade, como defendido nesta tese.
1) MC em ADI 1.075-1, j, rel. Ministro Celso de Mello, j. 17/06/1998
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria foi inaugurada na Medida
Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.075-1, j. 17/06/1998, Tribunal Pleno, relator
Ministro Celso de Melo11.
Este recurso tratava sobre lei que estabelecia a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal para fins
do imposto de renda e proventos de qualquer natureza (obrigação acessória sujeita à multa punitiva pelo
descumprimento), no momento da venda de mercadoria ou prestação de serviço, cominando, para o
descumprimento, multa de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou sobre o serviço prestado.
Realmente manifesta a inconstitucionalidade do percentual, que ainda incidia sobre o valor do
próprio bem ou do serviço, e não do imposto incidente sobre a obrigação principal.
2) ADI 551 -1, rel. Ministro Ilmar Galvão, j. 24/10/2002
11 Neste recurso o relator restou vencido quanto à admissibilidade, entendendo que a discussão deveria ser tratava em controle
difuso, ao contrário do aqui defendido, citando autores nessa mesma linha como Paulo de Barros Carvalho, dentre outros.
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REVISTADIGITAL
Neste precedente, também assentado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o
Plenário do Supremo Tribunal acolheu o voto do Ministro Ilmar Galvão para ratificar medida cautelar
deferida pelo Ministro Marco Aurélio e referendada pelo Plenário mais de dez anos antes, no ano de 1991
e, portanto, pouco após a vigência das Constituições Estaduais de acordo com a nova ordem constitucional
de 1988.
A lei discutida era o art. 57, do ADCT, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que previa
percentual mínimo de 200%, para multas moratórias, e de 500%, para as decorrentes de sonegação.
A ação direta fora proposta pelo próprio governador do Estado12, diante do vício legislativo
manifesto que constatara, decorrente da fixação de percentual mínimo na própria Constituição, e não
na lei do Executivo (vício formal), e do percentual manifestamente desarrazoado, recebendo a seguinte
ementa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO
ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE
VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E
SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO
ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA.
A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa,
evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte,
em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal.
Ação julgada procedente.
O Ministro Gilmar Mendes, acompanhado o relator, no seu voto asseverou que:
“aqui, fica evidente quando se coloca que as multas, em consequência do não recolhimento
dos impostos e taxas estaduais, não poderá ser inferior a duas vezes o seu valor, chegando
a uma notória desproporção. Portanto, penso que se pode invocar o art. 150, inciso IV,
da Constituição Federal, e, obviamente, o princípio da proporcionalidade na acepção que
este Tribunal tem lhe emprestado do devido processo legal no sentido substancial ou
substantivo,”
Este importante paradigma, sempre citado nos acórdãos que seguiram sobre a matéria, traçou
alguma diretriz numérica de percentual, dizendo evidente o confisco, da moratória, de 200%, e, da punitiva,
de 500%.
12 “Trata-se de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, arguindo a
inconstitucionalidade dos §§ 2.º e 3.º do art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição fluminense, que têm o seguinte teor: Art. 57.(...) § 2.º - As multas conseqüentes do não
recolhimento dos impostos e taxas estaduais aos cofres do Estado não poderão ser inferiores a duas vezes
o seu valor. § 3.º - As multas conseqüentes da sonegação dos impostos ou taxas estaduais não poderão ser
inferiores a cinco vezes o seu valor”.
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3) RE 582.461 Tema 214/STF, rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 18/05/2011
Este o grande paradigma que vem orientando as decisões posteriormente proferidas em controle
difuso objeto de crítica nesta tese. O recurso extraordinário teve por relator o Ministro Gilmar Mendes
e versava sobre temas que estavam a merecer pacificação, tais como a constitucionalidade da utilização
da taxa SELIC na correção dos créditos tributários, a constitucionalidade da inclusão do montante do
tributo na sua própria base de cálculo e, acessoriamente, o limite razoável da multa moratória. Transcrevese a parte da ementa que interessa:
“(...) 4. Multa moratória. Patamar de 20%. Razoabilidade. Inexistência de efeito
confiscatório. Precedentes. A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o
contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles
que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória
cumpra a sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de
outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando
inclusive o recolhimento de futuros tributos. O acórdão recorrido encontra amparo na
jurisprudência desta Suprema Corte, segundo a qual não é confiscatória a multa moratória
no importe de 20% (vinte por cento).”
No seu voto o Ministro Gilmar Mendes reporta-se aos julgamentos da ADI-MC 1075 e ADI
551, dizendo que neles se assentara “abusivas multas moratórias que superam o percentual de 100% (cem por
cento), conforme ementas reproduzidas no que interessa: (...)” e, com base em tal assertiva, considerando que
o recurso foi julgado sob o rito da repercussão geral, os Tribunais passaram a declarar inconstitucionais os
percentuais superiores.
Mas ocorre que nos precedentes referidos, conforme visto acima, não houve declaração de limite
de 100%, sequer para as multas moratórias lá tratadas, mas somente decisão de que o percentual de 200%,
para as moratórias, e de 500%, para as punitivas, o seria, assim como a multa de 300%, por descumprimento
de obrigação acessória (emissão de nota fiscal).
O julgamento do Tema 214/STF, em realidade, tem muito mais relevância quanto à matéria
atinente à inclusão do montante do imposto na sua própria base de cálculo, em relação
à qual pacificou a jurisprudência, inclusive com proposta de edição de Súmula. Todavia, quanto à multa
confiscatória, somente confirmou os procedentes anteriores, no sentido de que o percentual de 20% de
multa moratória não é confiscatório, mas que nada diziam quanto ao percentual de 100%, diversamente
do quanto referido pelo Ministro Gilmar Mendes no acórdão do RE 582.461, de forma equivocada.
Com efeito, a única referência ao percentual de 100% é do Ministro Marco Aurélio, no voto
proferido na ADI 551, dizendo que “para se fixar o que se entenda como multa abusiva, constatamos que as
multas são acessórias e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal”. Ora, este entendimento não
foi incorporado ao voto do relator, sequer consta do dispositivo do acórdão, que se restringiu a declarar
inconstitucionais os percentuais mínimos fixados na Constituição fluminense. E, ainda que o fosse, o
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entendimento do Ministro Marco Aurélio somente poderia estar a referir-se às multas moratórias, no
paralelo traçado com a cláusula penal do direito das obrigações, cujo teto legal é de 100%, face à natureza
indenizatória que lhes é comum, mas jamais à multa punitiva, imposta contra prática de ilícitos tributários
que consistem em obrigações autônomas ao pagamento do tributo, e não acessórias, diversamente da
multa moratória.
Portanto, se fixação de teto de 100% houve, ainda que não declarado no julgamento de mérito
da ADI 551, este se refere exclusivamente à multa moratória de natureza indenizatória e não à multa
punitiva.
4) RE 748.257 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 6/8/2013
Este acórdão da Segunda Turma, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski vem sendo
citado pela Presidência do Tribunal gaúcho para admitir recursos extraordinários contra acórdãos locais
que confirmem multas superiores a 100%, pois declara existir pronunciamento da Suprema Corte e que,
ainda que não houvesse similitude entre os precedentes que apreciavam multa moratória, e não punitiva,
deveriam, por equivalência, ser aplicados em qualquer discussão de multa fiscal, para afastar a alegação
de violação à cláusula da reserva de plenário (art. 97, da Constituição Federal), em que fundado o recurso
extraordinário da União.
Vejamos os excertos que ilustram a ratio decidindi:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
TRIBUTÁRIO. MULTA FISCAL. PERCENTUAL SUPERIOR A 100%.
CARÁTER CONFISCATÓRIO. ALEGADA OFENSA
AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
I – Esta Corte firmou entendimento no sentido de que são confiscatórias as multas
fixadas em 100% ou mais do valor do tributo devido.
II – A obediência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária quando houver
jurisprudência consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida.
III – Agravo regimental improvido
RELATORIO E VOTO: “Trata-se de recurso extraordinário interposto contra a parte
do acórdão que afastou a cobrança de multa moratória de 150% do valor do tributo
devido, sob o fundamento de ser confiscatória, para aplicar ao caso dos autos uma no
percentual de 20%.
Neste RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se, em suma, ofensa ao art.
97, da mesma Carta.
A pretensão recursal não merece acolhida.
A obediência à cláusula de reserva de plenário pelos Tribunais (CF, art. 97) não se faz
necessária quando houver orientação consolidada do STF sobre a questão constitucional.
Pelo mesmo motivo, não se justifica o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que este,
por meio de seu pleno ou órgão especial, se pronuncie sobre a matéria, considerando a
existência de entendimento já fixado por esta Corte. Nesse sentido, cito os seguintes
precedentes, entre outros: RE 370.765-AgR/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 278.710AgR/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AI 481.584-AgR/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia.
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Além disso, sobre a desnecessidade de observância do art. 97 da Lei Maior, saliento, nos
termos da jurisprudência deste Tribunal, que ‘(...) não é necessária identidade absoluta
para aplicação dos precedentes dos quais resultem a declaração de inconstitucionalidade
ou de constitucionalidade. Requer-se, sim, que as matérias examinadas sejam equivalentes’
(AI 607.616-AgR/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa).
Neste contexto, verifico que esta Corte já fixou entendimento no sentido de que é
possível examinar se determinado tributo ofende, ou não, a proibição constitucional do
confisco em matéria tributária, nos termos do art. 150, IV, da CF, e que esse princípio
deve ser observado ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo
contribuinte, de suas obrigações tributárias, a exemplo do que se decidiu nos seguintes
feitos: ADI 1075-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 551/RJ, Rel. Min. Ilmar
Galvão; ARE 637.717-AgR/GO, Rel. Min. Luiz Fux.
Ora, como visto nos capítulos anteriores, não se faz possível tratar de forma equivalente multa
moratória e multa punitiva, eis que modalidades de sanções tributárias aplicáveis a situações absolutamente
distintas (indenização pelo atraso ou punição pela prática de ilícito tributário de natureza grave, média ou
leve), conforme entendimento pacífico da doutrina ilustrado nos magistérios de alguns autores clássicos
transcritos no capítulo 2.
Então afirmo que o entendimento de se estender às discussões sobre multa punitiva os precedentes
proferidos em controle concentrado e que apreciaram o efeito confiscatório de multa moratória está
equivocado e, dessa forma, deve merecer melhor reflexão da Suprema Corte, além de autorizar as Cortes
regionais e locais a sua não aplicação e a suscitarem incidente de inconstitucionalidade quando vislumbrem
ser a multa demasiadamente exagerada, desproporcional e desarrazoada, por inexistência de prévio
pronunciamento da Suprema Corte sobre qual é o teto admissível à não caracterização de percentual
confiscatório da multa punitiva.
5) Embargos de divergência no AI 830300, rel. Ministro Luiz Fux, 29/04.2013
Neste recurso o Ministro Luiz Fux conheceu da divergência entre acórdão da Primeira Turma,
que manteve percentual de 200% para a multa moratória, e da Segunda Turma e do Plenário, que a teriam
limitado a 100%.
O acórdão embargado julgou a incidência de multa moratória de 200% sobre o ISS devido por
instituição financeira recorrente ao Município de Tubarão-SC, recorrido.
Portanto, há possibilidade de consolidação da jurisprudência quanto às multas moratórias, por
ocasião do julgamento de mérito dos embargos de divergência, com base nos precedentes anteriores sobre
a mesma matéria assentados em sede de controle concentrado. Todavia, o quanto for decidido não poderá
ser estendido às discussões sobre multa punitiva, por absoluta ausência de identidade, ou equivalência, da
matéria. Então, em resumo, o que defende a tese é a necessidade de análise objetiva da lei local, para
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verificação da proporcionalidade da multa, especialmente da de natureza punitiva que, por exemplo, no
Estado do Rio Grande do Sul são de 30% (básicas), 60% (privilegiadas), ou de 120% (qualificadas). Esta
análise de proporcionalidade já foi estabelecida previamente na sua sede própria, mediante regular processo
legislativo, mas, se reputada violadora a princípios constitucionais, notadamente o do não confisco, estará
sujeita ao crivo judicial para revisão, mediante declaração de sua inconstitucionalidade, pelo órgão especial
ou pelo tribunal pleno da Corte estadual ou regional, porquanto inexistente pronunciamento da Suprema
Corte quanto ao percentual máximo das multas punitivas.
Há divergência no próprio Supremo Tribunal Federal quanto aos percentuais a serem observados,
cuja discussão deverá se restringir às multas moratórias, de desfecho incerto. Nesse sentido já houve
oposição e admissão de embargos de divergência no AI 830.300/SC, conforme decisão proferida em
29/04/2013. Na jurisprudência da Primeira Turma localizam-se precedentes que não consideram o
percentual de 120%, que é o percentual máximo da multa punitiva no Estado do Rio Grande do Sul, aqui
referido de forma ilustrativa, como confiscatório. É exemplo o próprio julgamento do AI 830.300/SC de
relatoria do Ministro Luiz Fux (j. 6/12/2011), objeto da divergência já admitida, que cita outro precedente
da Primeira Turma (AI 482.281-AgR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski). Nesses precedentes o
percentual máximo admitido é de 200%. Há possibilidade do julgamento dos embargos de divergência não
restringirem a discussão ao percentual, podendo ser solução, de reflexo geral, afastar a própria admissão
da discussão. Também há o risco, a ser evitado, de o julgamento tratar de forma genérica a multa fiscal,
sem distinção de sua natureza moratória ou punitiva, na linha de entendimento inaugurada pelo Ministro
Ricardo Lewandowski, com fundamento em entendida equivalência, conforme decidiu no RE 748.257,
o que seria absolutamente desastroso a todos os entes federados, que teriam de alterar suas legislações e
submeter-se à discussão de tudo que houver sido pago acima deste percentual nos cinco anos anteriores.
7 – Conclusões
1.
A multa deve ser fixada pelo legislador de forma razoável e proporcional para que atenda à sua
finalidade sem violar o direito de propriedade e a capacidade contributiva do contribuinte. O controle
judicial, quando necessário, deve incidir sobre a própria norma e não sobre a relação subjetiva. Vale dizer,
a sede de discussão é em controle concentrado de constitucionalidade.
2.
Não há pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o percentual máximo das multas
punitivas.
3.
A oscilação da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal quanto à multa moratória poderá
ser pacificada no julgamento dos embargos de divergência no AI 830.300/SC. Este fato merece atenção
das Procuradorias que poderiam intervir como terceiros interessados em nome dos estados-membros
para alertar sobre a especificidade daquela discussão, restrita às multas moratórias e, portanto, de decisão
inaplicável às multas punitivas. 4.
Se os recursos extraordinários versando sobre multas punitivas
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fossem passíveis de admissão, a declaração de inconstitucionalidade somente deveria ser admitida em
hipótese de evidente confisco, como nos paradigmas que foram os leading cases da matéria, pela absoluta
desproporcionalidade da multa, por exemplo, de 300% do valor do bem ou do serviço para a não emissão
de nota fiscal, ou de 200% e 500%, respectivamente, para multa moratória e multa por sonegação, outrora
previstos na Constituição fluminense. 5.
A discussão sobre o percentual de multa punitiva, de até duas vezes o valor do tributo, reservado para
hipóteses mais graves, não deveria em qualquer hipótese ser admitida em sede de recurso extraordinário,
a pretexto de existir pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, o que, como visto nesta tese, não
é possível afirmar, competindo sempre ao Tribunal local prévia análise da proporcionalidade diante da
conduta legal tipificada como infração.
6.
De tudo, vê-se que os Tribunais estaduais e regionais não estão adstritos à condicionante de
preexistente pronunciamento da Suprema Corte, quando provocados a declarar a constitucionalidade de
dispositivo de lei local, especialmente em se tratando de multas punitivas, cabendo-lhes na hipótese de, por
motivo relevante, entenderem inconstitucional o dispositivo da lei local, buscar a manifestação do pleno
ou órgão especial competentes à declaração de inconstitucionalidade, observada a cláusula constitucional
de reserva de plenário.
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