Estratégias para o Melhoramento Genético do Algodoeiro no Brasil Camilo de Lelis Morello♦ e Eleusio Curvelo Freire♦ Introdução Embora o melhoramento do algodoeiro tenha seus primórdios na domesticação de plantas, com relatos de trabalhos sistematizados a partir do século 18, foi no início do século 20, com a redescoberta das Leis de Mendel e o subseqüente desenvolvimento da genética, que iniciou-se a era moderna e científica no melhoramento genético. Posteriormente, com o advento do surgimento do “bicudo” (Anthonomus grandis Boh.), grandes avanços foram necessários, levando ao desenvolvimento de cultivares de ciclo mais determinado, com rápida frutificação, sem perder características de produção e qualidade de fibra, sendo um marco nas conquistas genéticas. Há estimativas de que os programas de melhoramento tem proporcionado ganhos genéticos de 1,0 a 1,3% ao ano, em vários paises do mundo, inclusive no Brasil. Em tempos atuais, com o acúmulo de informações genéticas sobre a natureza dos caracteres e metodologias de seleção e, mais recentemente, com a aplicação de métodos biotecnológicos, os ganhos genéticos tem sido contínuos, tanto para caracteres de interesse geral, quanto para caracteres mais específicos, como resistência a determinadas doenças, pragas, herbicidas e características especiais de fibra. Os procedimentos no melhoramento genético são variáveis, não havendo sistemas rígidos. Há considerável flexibilidade em função dos objetivos, disponibilidade de recursos humanos e financeiros, tempo disponível, nível de conhecimento quanto ao germoplasma disponível, flexibilidade reprodutiva em termos de possibilidades de acasalamento, além de outros fatores facilitadores. No Brasil, onde o algodoeiro é cultivado em diferentes regiões, com distintos ecossistemas e sistemas de produção, tem-se, necessariamente, a distinção entre programas quanto a certos objetivos. Deve-se, ressaltar, entretanto o grande número de caracteres trabalhados em programas de melhoramento no Brasil, haja vista a diversidade ambiental, mesmo em ambiente de cerrado, bem como a condição de cultivo em ambiente tropical, em época com elevada temperatura e umidade, favorecendo a ocorrência de diversas doenças fúngicas e bacterianas. Em função da natureza genética desses diversos caracteres, o melhoramento torna-se mais complexo, haja vista a necessidade de conciliar e melhorar, simultaneamente, características muitas vezes negativamente correlacionadas. Independente do caráter “alvo”, sua expressão decorre de componentes genéticos e ambientais, tal como na expressão F = G + E + GE, onde o valor fenotípico (F) é condicionado pelo componente genético (G), pelo componente ♦ Eng. Agr., Dr. Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Embrapa Algodão-Goiania, GO. Eng. Agr., Dr. Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Embrapa Algodão-Primavera do Leste, MT. ♦ ambiental (E) e pela interação genético x ambiental (GE), quando estiverem envolvidos dois ou mais ambientes. Portanto, para cada caráter de interesse no algodoeiro, tais componentes devem ser considerados, sejam de interesse geral ou de interesse específico em programas. O tratamento adequado desses componentes nos programas de melhoramento condicionaram, a médio ou longo prazos, ganhos genéticos significativos. Portanto, as ações dos programas devem considerar a melhor forma de explorar a variabilidade genética disponível, frente a diversidade de ambientes e suas interações. Características de Interesse De modo geral, busca-se através do melhoramento genético obter-se incrementos em características, geralmente de natureza poligênica, com ganhos gradativos e contínuos; reduzir ou eliminar a manifestação de características indesejáveis, independente da natureza genética e acrescentar características de interesse ainda não disponíveis, estas geralmente de natureza genética mono ou oligogênica. Entre as diversas características almejadas, algumas figuram na grande parte dos programas de melhoramento, enquanto outras são de interesse mais específico. Em geral, os programas de melhoramento do algodoeiro visam a contínua melhoria da produtividade de pluma e da qualidade de fibra, e por conseqüência seus caracteres componentes, tais como prolificidade, peso de capulhos, e percentagem de fibra; comprimento, resistência, finura, maturidade da fibra, entre outros. Há, entretanto, caracteres de interesse mais específico, definidos em função de particularidades edafo-climáticas, fitossanitárias e do sistema de produção, tais como adaptação a diferentes altitudes, e por conseqüência a adaptação a determinadas características de clima; resistência a doenças de interesse regional ou nacional e características do sistema de produção, tais como escala de cultivo, intensidade no uso de insumos e máquinas, sistema de plantio, entre outros. Por sua vez, na produção em pequena escala (“agricultura familiar”), as características do sistema de produção condicionam a práticas culturais e produtos distintos do sistema empresarial, tais como manejo de solo, de pragas e de doenças, fibra colorida e colheita manual. Em termos regionais, destacam-se entre as características de interesse mais específico, para a condição de cerrado (MT/GO/BA/MA/RO/TO/MS/MG), a resistência a doenças (mancha angular, ramulariose, ramulose, fusarium, nematóides, alternariose e mofo branco), plantas com arquitetura adequada para plantios adensados e ciclo variando de médio a curto, possibilitando adaptação a diferentes altitudes, além de fibras medias e longas, de alta qualidade para fins de exportação. Para o cultivo em condição meridional (PR/SP/MS), destaca-se a resistência a doenças (mancha angular, fusarium, nematóide e ramularia) e ciclo curto para adaptação a regiões de baixa altitude. Para o semi-árido do Nordeste ressalta-se o ciclo curto, permitindo a adaptação a um menor período chuvoso e possibilitando escape para bicudo, além da produção de fibra colorida. De grande importância também é a estabilidade na manifestação dos caracteres, sobremaneira os caracteres poligênicos, tais como produção e caracteres de fibra. A partir da interação genótipo x ambiente, pode-se obter parâmetros de estabilidade e adaptabilidade de uma cultivar. Nesse sentido, tanto cultivares com adaptação específica a condições ótimas, quanto cultivares estáveis, em função de excessiva rusticidade e sem capacidade responsiva a melhoria dos ambientes, são normalmente indesejáveis. Busca-se, em geral, dispor-se de cultivares com ampla adaptação e com capacidade de responder as melhorias ambientais, ao menos em níveis regionais. Aspectos Relevantes em Programas de Melhoramento no Brasil Como já mencionado, o desenvolvimento de uma cultivar que expresse favoravelmente as características de interesse decorre da adequada exploração da variabilidade genética disponível, bem como do conhecimento dos fatores ambientais que afetam essa manifestação. A seguir são discutidos aspectos estratégicos relacionados aos componentes genéticos e ambientais em programas de melhoramento do algodoeiro no Brasil. - Pré-melhoramento: Tendo-se um grande número de caracteres a serem trabalhados na seleção, sobremaneira em condições de cerrado, de modo a conciliar genes e proporcionar uma condição favorável para a seleção, faz-se fundamental ações sistemáticas de pré-melhoramento, visando-se êxitos a médio e longo prazos. Ações dessa natureza responderão questões como: - O programa dispõe de fontes de genes para os caracteres de interesse; - Quais fontes de genes devem ser combinadas na formação de populações base; - Qual a natureza genética dos caracteres e quais metodologias proporcionarão maiores possibilidades de ganhos genéticos. Essas informações devem estar disponíveis “a priori”, orientando os trabalhos subseqüentes. Entre as ações de pré-melhoramento, pode-se destacar a identificação de novas fontes de genes, através de “screening” para os diversos caracteres; o estudo da herança de caracteres, estimando-se número de genes e predominância de efeitos genéticos; a capacidade combinatória de genitores e predição de médias de caracteres, de modo a orientar a síntese de populações base. Nesse aspecto, a síntese de populações sintéticas ou compostas, a partir de cruzamentos e recombinações, torna-se de grande importância diante da necessidade de conciliar grande número de caracteres. A síntese de populações com base genética mais ampla favorece a reunião de diversos caracteres em um único germoplasma e as sucessivas gerações de recombinação possibilitarão a quebra de ligações gênicas, favorecendo a distribuição independente, e portanto, reduzindo correlações genéticas negativas entre caracteres. Essas ações irão gerar o material genético básico, com potencial para obtenção de ganhos com a seleção. - Melhoramento de populações: Com a síntese de populações de base ampla, reunindo-se caracteres de herança simples e herança complexa, é provável, em decorrência da diversidade do germoplasma recombinado, ter-se uma menor expressão e portanto menor média de caracteres poligênicos, tais como produção, comprimento de fibra, entre outros. Entretanto, populações com essas características, via de regra, são portadoras de grande variabilidade genética para esses caracteres, favorecendo a obtenção de ganhos com a seleção. De modo a melhorar essas populações em seus caracteres de herança complexa, sem ocasionar a perda de genes de caracteres de herança simples, faz-se fundamental a adoção de metodologias de seleção que proporcionem o aumento na freqüência de alelos favoráveis, mantendo-se um tamanho efetivo que não restrinja ganhos consecutivos. Para isto, é necessário, nas primeiras etapas do programa, que as populações sejam conduzidas através de métodos de seleção recorrente, os quais levam a ganhos gradativos e consecutivos, sem restringir a variabilidade. Em etapas mais avançadas, essas populações se constituirão em fontes potenciais de linhagens superiores, podendo-se então empregar métodos de seleção que condicionem aumento de endogamia, tal como, o método genealógico. - Extratificação ambiental e regionalização de programas: No Brasil, o algodoeiro é cultivado em diferentes condições ecológicos, as quais podem ser agrupadas em três grandes regiões: Cerrado, Meridional e SemiÁrido. Pela extensão de cada uma destas, a variação ambiental dentro ainda é bastante significativa, a exemplo do ambiente de cerrado, onde tem-se grandes diferenças em termos de temperatura, distribuição de chuvas, ocorrência de doenças e pragas e nível tecnológico. A caracterização ambiental e por sua vez a extratificação de ambientes com base em similaridades e discrepâncias, torna-se fundamental para a adequada avaliação do germoplasma, estimação de parâmetros genéticos e condução dos programas de seleção. Em grandes programas de melhoramento, como o da Embrapa, que trabalha à nível de Brasil, procura-se uma combinação de estratégias, principalmente dividindo o país em regiões com prioridades diferentes. Assim, tem-se, atualmente, um programa voltado para o Semi-Árido do Nordeste e outro para as condições de Cerrado. Dentro de cada programa tem-se sub-programas, a exemplo do melhoramento do algodoeiro no cerrado, onde tem-se núcleos de desenvolvimento em MT, GO e BA, além de áreas de testes em MS, TO, MA, PI, e RO. Através do sinergismo entre estes núcleos torna-se possível a avaliação de materiais em aproximadamente 35 locais, com grande variação de condições em termos de solos, climáticos, fitossanitários e tecnológicos, garantindo avaliações mais rápidas e precisas. Também, através dos núcleos, torna-se possível a formação de populações e o melhoramento destas com vistas a necessidades micro-regionais, porém de relevância, tal como o desenvolvimento de materiais com adaptação a áreas com fusarium associado a nematóides. Em termos de efeitos destes programas para a cotonicultura nacional, estima-se que em 12 anos o programa de melhoramento do algodão no Mato Grosso proporcionou progresso genético de 3,6 a 3,9% para produtividade e de 1 a 2% no rendimento de pluma, o que corresponde a um aumento de produtividade de 77 a 87 kg/ha/ano. - Cultivares transgênicas: Sem dúvida, o advento da transgênia vem agregar importantes características as cultivares, com origem em outros organismos, o que era até então impossível através do melhoramento “clássico”, em função de barreiras reprodutivas. Portanto, a transgênia é mais uma ferramenta que vem auxiliar no melhoramento genético, possibilitando acrescentar características especiais em cultivares e linhagens “elites”, de alto potencial produtivo e com resistência múltipla a doenças. Atualmente já existem 8 eventos comerciais registrados para uso no algodoeiro, no mundo, enquanto no Brasil apenas um evento encontra-se liberado para a safra 2005/2006. Ressalta-se que 13% das lavouras transgênicas no mundo, são lavouras de algodão (8,8 milhões de ha). Na China, o uso de algodão transgênico resistente a lagartas, possibilitou a redução das aplicações de inseticidas de 7 para 0,5 aplicação/ha, economizando 15 milhões de litros de inseticidas/ano e reduzindo as intoxicações com agrotóxicos dos pequenos agricultores de 20% para 5%. Na Austrália registra-se uma redução de 75% no uso de inseticidas em lavouras transgênicas, com grande melhoria para o meio ambiente e para a competitividade do algodão australiano. Entre os eventos transgênicos, alguns já estão disponíveis em nível mundial: Bolgard I®, Bolgard II®, WideStrike®, VipCot® e CPTI®, para resistência a lepidópteros e RoundUp®, RoundUpFlex® e Liberty Link®, para resistência a herbicidas. Entre as tecnologias futuras, ressalta-se o evento para resistência a bicudo, em desenvolvimento pela Embrapa, o qual contribuirá para solucionar um dos principais problemas na cotonicultura brasileira, além de outros eventos que contribuirão para alterar qualidades da fibra, tais como cores, maciez e resistência. Referências bibliográficas MORESCO, E. Progresso genético no melhoramento do algodoeiro no Estado de Mato Grosso. Piracicaba, 2003. 79p (Tese Doutorado, ESALQ/USP) FREIRE, E.C. A cotonicultura no Brasil: uma análise prospectiva da adoção da biotecnologia moderna para o setor produtivo de algodão. Brasília: ANBIO. Anais I Wokshop de Biossegurança do Algodão Transgênico no Brasil. 2004. FREIRE, E.C.; MORELLO, C.L,; FARIAS, F.J.C.; SUINAGA, F.A. & ARAUJO, A.E. Cotton breeding in the Brazilian cerrado. In: world cotton research conference 3. Cape Town: Agricultural Research Council, 2004. p.205-208. FUSATTO, M.G. Melhoramento genético do algodoeiro. 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